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Jurisprudência
Sumário

I. Tendo em conta as deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomadas a respeito do Banif, S.A., a eventual responsabilidade deste pela alegada invalidade parcial de um contrato de cessão onerosa de créditos que, anteriormente, havia sido celebrado entre esse banco e a sociedade autora não se transmitiu para os recorridos, ainda que, por via de tais deliberações, tenha sido transmitido para um dos recorridos, como activo, o imóvel dado pela autora ao Banif, S.A. como dação em pagamento dessa cessão onerosa de créditos.

I. Ponderados todos os factores legalmente previstos (art. 6.º, n.º 7, do RCP), conclui-se que o processado implicou para o tribunal de 1ª instância um significativo volume de trabalho, pelo que se entende não existir fundamento para dispensar as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente nem tampouco para reduzir esse pagamento. Contudo, verificando-se que a apreciação do caso não envolveu para o TR nem para o STJ volume de trabalho tão significativo, considera-se que o respeito pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação faz com que seja adequado dispensar as partes do pagamento de 80% do valor da taxa de justiça remanescente, devida pelos recursos de apelação e de revista, para além do valor de € 275.000,00.

Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Cariz – Promoção Imobiliária, Lda. instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra 19 demandados, mas, no que releva para o presente recurso de revista, contra os 18.º e 19.º réus, respectivamente, Banco Santander Totta, S.A., e Oitante, S.A., pedindo que:

“I - seja declarada:

a inexistência parcial do contrato de cessão de créditos celebrado em 26/01/2009 entre a A. e o Banif (no valor de 364.290,81 €) e sem objecto material.

a nulidade parcial desse contrato por impossibilidade material na parte de 364.290,81 €.

(…)

II - sejam condenados:

os RR. a restituírem as garantias bancárias à A..

os 18.º e 19.º RR. a solidariamente pagar à A. a quantia de 364.290,81 €, acrescida de juros moratórios a contar da citação à taxa comercial até efectivo e integral pagamento.”.

Para o efeito, alegou, em síntese, que - tendo interesse económico e financeiro na viabilidade da sociedade que não é parte nos autos, S..., S.A., empreiteira a quem estava associada em diversas obras -, celebrou com a instituição de crédito Banco Banif, S.A. (alegadamente adquirido pelo Banco réu Banco Santander Totta, S.A.), um contrato de cessão de créditos e de dação em cumprimento através do qual o Banif, mediante o preço de €1.329.200,00, pago com a dação de um imóvel, lhe cedeu o crédito litigioso que tinha sobre a mencionada empresa construtora, no valor global de €1.608.029,78, dos quais €664.290,81 correspondiam ao valor das garantias bancárias que o dito Banif, beneficiário de livranças avalizadas, havia prestado a favor de diversos donos de obra para o caso de incumprimento dos respectivos contratos de empreitada pela referida construtora, em cujo subsequente processo de insolvência tal crédito comum de €1.608.029,78, inclusive os €664.290,81, foi reclamado.

Assim, defendeu, além do mais, que adquiriu o crédito futuro de €664.292,78 do qual o Banif viesse a ser titular sobre a empresa construtora, S..., S.A., se e na medida em que as respectivas garantias bancárias fossem executadas pelos respectivos donos de obra beneficiários, e que, portanto, tendo adiantado ao Banif, S.A. o preço correspondente à totalidade daquele valor, tem direito à devolução do valor das garantias não executadas pelos 1.º a 17.º réus no total de €364.290,81; como tal condição (execução das garantias bancárias quanto a esse montante) não se verificou, “o contrato celebrado é parcialmente inexistente (no valor de 364.290,81 €) e sem objecto material, sendo o contrato de cessão de crédito materialmente impossível na parte do valor de 364.290,81 €), pelo que é , nessa parte, nulo – artº 280º nº 1 Cod. Civil.”.

2. Os réus Santander e Oitante contestaram: o primeiro, invocando a sua ilegitimidade e impugnando os factos alegados pela autora, cujo pedido em relação a si entendeu dever ser julgado improcedente e a segunda, salientando que foi criada como veículo de gestão de activos tendo-lhe sido transferidos, com a medida de Resolução do Banif, aprovada pelo Banco de Portugal, os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banif mediante o pagamento de uma contrapartida, e já não quaisquer passivos, contingências, indemnizações ou responsabilidades.

3. A autora respondeu às excepções invocadas pelos réus.

4. A autora pediu a intervenção principal do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. – em liquidação e do Banco de Portugal que, admitidos a intervir, apresentaram, cada um deles, a sua contestação, a que a autora respondeu em 17/10/2022, ampliando o pedido, o que veio a ser admitido por despacho de 13/12/2022.

5. Foi posteriormente proferido despacho saneador, além do mais, julgando extinta a instância relativamente às chamadas Banif e Banco de Portugal, decisão mantida em recurso, e identificado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, de que não houve reclamação.

6. A autora, em virtude do accionamento das garantias bancárias pela então ré V..., S.A. no valor de €35.850,00 e pelo Município de ... no valor de €39.540,78 dum total de €47.435,26, reduziu o pedido ao montante de €288.900,92 (e não ao montante por lapso inicialmente mencionado de €280.900,03).

7. Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

8. A autora, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo os 18.º e 19.º réus apresentado contra-alegações e o 18.º réu procedido à ampliação do objecto do recurso a título subsidiário, para o caso de ocorrer a procedência do recurso da autora.

9. No Tribunal da Relação do Porto foi, em 13/02/2024, proferido despacho cujo teor se reproduz:

“Compulsados os presentes autos, analisada a sentença recorrida resulta que o tribunal de primeira instância não se pronunciou sobre a exceção da ilegitimidade substantiva arguida nas respectivas contestações pelos 18º e 19º Réus, exceção que interferindo com o mérito da causa, constitui uma condição de procedência da própria ação na medida em que passa, em face da alegação vertida na petição inicial e com suporte nos documentos juntos aos autos, por apreciar e decidir “quem é o efectivo titular do direito em questão”.

Sendo o princípio regra o do conhecimento oficioso das excepções dilatórias, o tribunal deve conhecer também oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado (cfr. resulta do artº 579 do C.P.C.), como as excepções de prescrição, de não cumprimento do contrato, entre outras.

Ora, a ilegitimidade substantiva de qualquer das partes por não ser o verdadeiro titular da relação material controvertida tal como ela foi apurada pelo tribunal é de conhecimento oficioso e impõe que o tribunal conheça oficiosamente dessa excepção e, que, conhecendo, se a entender por verificada, profira uma decisão de absolvição do pedido.

Assim, porque, com o devido respeito, essa exceção de conhecimento oficioso deveria ter sido apreciada e decidida a montante (por se tratar de lapso manifesto, procedemos agora à substituição da locução “a jusante” pela locução “a montante”) da apreciação e decisão da questão controvertida suscitada com referência à nulidade parcial do contrato de cessão de créditos a que aludem os factos provados e porque nos autos estão disponíveis todos os elementos necessários para a apreciação e decisão da arguida exceção perentória, determino que se notifiquem cada uma das partes, recorrente e recorridas, para que cada uma, em dez dias, se pronunciem sobre a referida exceção”.

Na sequência do qual as partes se pronunciaram, mantendo a posição que tinham invocado nos articulados respectivos.

10. Em 21/03/2024 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação (o acórdão ora recorrido), que decidiu nos seguintes termos:

“Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente, com fundamento distinto, o recurso de apelação interposto pela Autora, ficando prejudicada, assim, a apreciação da requerida impugnação da decisão de facto, por se revelar acto inútil para a decisão a proferir nos termos do art. 130º CPC, bem como, a apreciação da admissibilidade e posterior apreciação da requerida ampliação do recurso formulada a título subsidiário pela Ré-recorrida, Banco Santander Totta, SA, confirmando a sentença recorrida.

Custas da apelação pela Autora recorrente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).”.

11. Inconformada, a autora veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1. Os factos provados no acórdão recorrido impõem a conclusão de que os créditos cedidos eram inexistentes o que implica que o contrato de cessão de crédito padece de nulidade insuprível nos termos do artº 280º nº 1 C. Civil..

2. Dos factos provados consta que o crédito cedido, sendo um crédito litigioso, não tinha objecto.

3. À data da escritura não existia qualquer crédito do BANIF sobre a sociedade S..., S.A., nem sobre os municípios e as outras instituições públicas, que foram demandados na acção.

4. O crédito de que o Banif esse arrogou ser detentor sobre essas entidades era parcialmente inexistente.

5. Em face dessa inexistência parcial dos créditos objecto do contrato de cessão de créditos celebrado em 26/01/2009 entre a A. e o Banif (no valor de 364.290,81 €) ficou este parcialmente sem objecto material.

6. À míngua de existência desse crédito, e por falta de objecto, deve ser declarada a nulidade parcial desse contrato de cessão de crédito por impossibilidade material da cedência na parte do valor de 364.290,81 €, nos termos do disposto no artº 280º nº 1 do Código Civil.

7. A inexistência de créditos e a impossibilidade parcial de objecto do contrato cedidos afectam a validade do contrato de cessão de crédito, com o vício de nulidade decorrente da imposição do artº 280º nº 1 Cod. Civil.

8. Não existe qualquer relação de causa e efeito entre a aquisição do crédito litigioso (decorrente de meras garantias assumidas) e a viabilidade da devedora, entretanto declarada insolvente.

9. A devedora não teve continuidade da sua actividade nem que teve qualquer intenção de a retomar, o que é demonstrado pelos factos provados.

10. O interesse da A. no negócio não passa necessariamente, pela viabilidade da devedora, que fora declarada insolvente.

11. O preço convencionado e pago, na parte do valor das garantias bancárias, não estava subordinado à execução das mesmas, porquanto o seu valor, correspondeu a um benefício da A. a que a mesma teve acesso, o que não é demonstrado pela factualidade provada.

12. Nem nenhuma das partes alegou essa circunstância.

13. O crédito cedido está perfeitamente identificado e os considerandos do contrato indicam expressamente que tal preço corresponde à eventual responsabilidade do Banco e do seu consequente futuro direito de crédito sobre o devedor.

14. O Anexo 2 da Deliberação CA Banco Portugal 20 Dezembro 2015 - Doc 2 contestação BANIF diz expressamente que a transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou em relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF ou transferidos para o adquirente ou para a Naviget, S.A., incluindo quaisquer direitos de denúncia, de resolução, de vencimento antecipado, de oposição à renovação ou de compensação (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, (iii) necessidade de aprovação, (iv) direito a executar garantias, (v) direito a efetuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão transferidos.

15. O acórdão recorrido não retira quaisquer consequências do facto de estes créditos futuros, afinal não terem existência.

16. Foi cedido um crédito futuro, que se veio a verificar ser parcialmente inexistente.

17. Assim, foi cedido um crédito futuro fisicamente impossível, e, portanto, nulo. - artº 280º nº 1 C Civil.

18. A título subsidiário e mesmo que se entendesse que no momento da celebração do contrato de cessão de quotas existia a possibilidade de existência dos créditos num futuro

19. relativamente próximo e que, por esse motivo o negócio pudesse ser válido (e não nulo), então, com a ulterior constatação da sua inexistência e impossibilidade física, extinguir-se-ia a obrigação.

20. Assim sendo, com extinção da obrigação, também o BANIF, agora a Oitente, deveria restituir à Autora o percebido indevidamente (artº 101º nº 1 e 790º nº 1 C. Civil).

21. O douto acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e aplicação do artº 280º nº 1 C. Civil.

Nestes termos e nos mais de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a acção.”.

12. A ré Oitante contra-alegou, concluindo no sentido da improcedência do recurso, não tendo formulado conclusões.

13. O réu Santander contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

“1. A decisão recorrida deve manter-se, porque acertadamente proferida.

2. Não colhe a pretensão da Recorrente de que o contrato de cessão de créditos em causa nos autos enferma de vício de nulidade, por inexistência ou impossibilidade parcial do seu objecto (precisamente a parte do crédito cedido, relacionado com as garantias bancárias prestadas pelo BANIF).

3. E ainda que existisse, o que não se concede, nenhuma obrigação de indemnizar a Recorrente ou restituir-lhe parte do preço pago pela cessão incumbe sobre o Recorrido.

4. Como foi bem decidido pelas instâncias, pese embora a diferente fundamentação entre a decisão de primeira instância e o Acórdão recorrido.

5. Com efeito, se a primeira decisão se pronunciou sobre o mérito da questão, julgando plenamente válido o contrato celebrado e, assim, absolvendo os Réus do pedido.

6. O Tribunal da Relação veio a julgar procedente a excepção de ilegitimidade substantiva, igualmente absolvendo os Réus do pedido, excepção essa que, apesar de invocada pelo Recorrido na sua contestação (e reafirmada na sua resposta ao primeiro recurso da Recorrente), havia sido ignorada por aquela primeira decisão.

7. Não obstante ter sido essa a questão decidida pelo Tribunal da Relação, por acertadamente entender que é questão prejudicial, porquanto o seu conhecimento poderia tornar, como tornou, inútil a apreciação da questão de mérito, bem como a impugnação da matéria de facto.

8. A Recorrente aborda-a de forma muito breve, e apenas em relação à posição da OITANTE, vincando a sua responsabilidade de ressarcir/restituir a parte do preço recebida indevidamente.

9. O que faz concluir que a mesma se conforma com a ilegitimidade substantiva do Recorrido e com a sua absolvição do pedido – a presente resposta apresenta-se por mera cautela, pois a Recorrente não exclui expressamente do recurso o ora Recorrido.

10. Pela presente acção, a Recorrente pretende assacar do Recorrido e da OITANTE uma eventual responsabilidade, decorrente do já aludido vício que erradamente entende enfermar o contrato de cessão de créditos celebrado, e que seria inicialmente do Banco BANIF.

11. Sendo a acção movida contra o Recorrido e OITANTE por força da Medida de Resolução de que, entretanto, foi objecto o BANIF, e do entendimento errado de que essas entidades sucederam, globalmente, nos seus direitos e obrigações.

12. Não foi isso que se verificou, nem essa conclusão se pode retirar da Medida de Resolução, como bem decidiu o Acórdão Recorrido.

13. Em especial no que respeita ao Recorrido, por consequência da Medida de Resolução, este apenas adquiriu parte dos activos e passivos daquela instituição, não tendo ocorrido qualquer sucessão universal de direitos e obrigações do BANIF para o Banco Santander Totta, S.A., como resulta claro da mencionada Deliberação do Banco de Portugal, que formalizou a Medida de Resolução e se encontra junta aos autos.

14. Este apenas adquiriu os activos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do BANIF, registados na contabilidade daquele à data de 20.12.2015, conforme resulta do disposto no n.º 1 do Anexo 3 da referida Deliberação.

15. Acresce que, nos termos da Deliberação, não seriam transmitidas para o Recorrido quaisquer “responsabilidades desconhecidas” à data da transmissão dos activos ocorrida, como decorre das exclusões previstas nas subalíneas (xii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da Medida de Resolução, que trata dos Passivos Excluídos, ou seja, dos que não foram transmitidos para o SANTANDER TOTTA.

16. Bem como que, no supra referido anexo 3, sob a epígrafe “Direitos e Obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. transferidos para o Banco Santander Totta, S.A.”, é estabelecido que são objeto de transferência, de acordo com os critérios ali fixados, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco Banif, registados na sua contabilidade, sendo que na al. b) deste documento são elencados e identificados alguns (entre outros) dos passivos que expressamente se exclui dessa transferência (“Passivos excluídos”), daí constando, designadamente, o seguinte:

“(i) Quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes de instrumentos de dívida subordinada, emitidos pelo Banif, incluindo, entre outros, as que se encontrem identificadas no Anexo A.

(iv) Todas as responsabilidades resultantes da, ou sejam relativas à emissão, colocação, oferta ou venda dos instrumentos referidos nas subalíneas (b) (i), (iii), (v) e (vi), com excepção de responsabilidades perante sistemas de pagamento e de liquidação de valores mobiliários conforme definidos na Directiva 98/26/CE, aos seus operadores ou aos seus participantes, decorrentes da participação nesses sistemas.

(vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.

(x) Todas as obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívidas emitidos por entidades que se incluam no Grupo Excluído ou por entidades que tenham tido participação, directa ou indirecta, igual ou superior a 2% do capital social do Banif nos dois anos anteriores à aplicação da medida de resolução ou por entidades que estejam numa relação de domínio ou de grupo (nos termos do disposto no artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários) com essas entidades.

(xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, (…).”

17. Decorre da interpretação dos documentos juntos, relacionados com a medida de resolução, designadamente dos anexos à certidão do Banco de Portugal junta aos autos, que as eventuais responsabilidades pré-contratuais ou contratuais relacionadas com contratos celebrados pelo BANIF, especialmente excluídas da actividade bancária, como é o caso do contrato de cessão de créditos em causa nos autos, foram expressamente excluídas da transmissão.

18. Pelo que, configurando-se na presente acção uma eventual responsabilidade decorrente da nulidade parcial de um contrato de cessão de créditos celebrado entre o BANIF, enquanto cedente, e a Recorrente, enquanto cessionária, é evidente que tal responsabilidade, a existir, nunca se transferiu para o Recorrido que, assim, é parte substancialmente ilegítima, como bem decidido pela Relação.

19. Por outro lado, não pode perder-se de vista o disposto no artigo 145º-N, n.º 7 do RGICSF [Que diz, no que mais releva para o caso, que “[a] eventual alienação parcial dos direitos e obrigações não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.”], que leva à conclusão que, a existir responsabilidade e valores a pagar à Recorrente, o que não se concede, estes têm de ser assumidos pela OITANTE, que foi quem recebeu no seu património o imóvel entregue em dação.

20. Sem prescindir, e salvaguardando a hipótese, que não se concede, de o Recorrido ser julgado parte substancialmente legítima, cumpre reforçar que a tese da Autora, Recorrente, quanto à invalidade parcial do contrato é manifestamente descabida e errada, desde logo tendo em conta o negócio celebrado e o contrato livre e conscientemente assinado.

21. O Tribunal da Relação interpretou de forma clara e correcta o disposto no artigo 280º do Código Civil.

22. Os créditos cedidos, ainda que se entenda que, em parte, são créditos futuros, estavam perfeitamente determinados, pelo que a situação não viola a aludida norma.

23. É o que resulta do contrato celebrado, como do mesmo também resulta que o risco decorrente do não accionamento das garantias em questão corria por conta da Recorrente (factos provados 14. e 15.), circunstância que é admitida pela lei e reconhecida pela doutrina, como é admitida a cessão/transmissão de créditos concdicionais ou direitos sob condição.

24. Pelo que no que diz respeito às garantias bancárias, está sempre em causa um crédito ou, no limite, uma expectativa juridicamente relevante e passível de transmissão.

25. Por outro lado, também não se verifica qualquer extinção da obrigação por força da posterior constatação de que parte das garantias prestadas não foram accionadas pelos respectivos titulares.

26. O momento relevante para aferir os efeitos e validade do negócio é o da sua celebração, isto é, a situação verificada a essa data, sendo irrelevante o facto, superveniente, de parte das garantias bancárias em questão não terem vindo a ser accionadas pelos respectivos beneficiários.

27. E à data da celebração do contrato, ambas as partes conheciam e estavam perfeitamente conscientes de que tais garantias poderiam não ser accionadas, mesmo assim querendo vincular-se nos termos contratados, com benefício para ambas.

28. Conclui-se reforçando mais uma vez que nenhum vício afecta o negócio celebrado, que mantém todos os seus efeitos, não havendo lugar à restituição de qualquer quantia, seja por quem seja.

29. Deve, pois, manter-se a decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrido do pedido.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, (…)”.

14. Na pendência do presente recurso, veio a recorrente deduzir requerimento de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

15. O Ministério Público deu parecer no sentido de que:

“I - A pronúncia acerca da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não pode contemplar a atividade processual desenvolvida na 1.ª e 2 instâncias;

II - Deve dispensar-se a recorrida do pagamento da taxa de justiça remanescente respeitante à presente instância recursória em 80% daquele valor.”.

II - Admissibilidade do recurso

Para além da verificação dos demais requisitos de recorribilidade e da tempestividade do recurso e pese embora o acórdão recorrido tenha confirmado, sem voto de vencido, a sentença proferida pela 1ª instância, fê-lo, contudo, com fundamentação essencialmente diferente, pois que, nesta, a acção foi julgada improcedente com fundamento na “plena existência do contrato dos autos e pela ausência de vícios que o invalidem, total ou parcialmente, e, consequentemente, pela improcedência da acção”, enquanto que, no acórdão recorrido, foi apreciada e decidida questão que não fora ali tratada – a ilegitimidade substantiva dos recorridos – o que se verificou ser determinante para a decisão ora recorrida, constituindo o fundamento da improcedência da acção.

Conclui-se, assim, pela não ocorrência do impedimento da dupla conformidade a que se reporta o art. 671.º, n.º 3, do CPC, sendo o recurso admissível.

III - Objecto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (cfr. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ex vi art. 679.º, todos do CPC).

Assim, tendo em conta as conclusões do recurso formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões suscitadas (pela ordem lógica de apreciação):

• Legitimidade substantiva dos recorridos;

• Invalidade parcial do contrato celebrado entre a recorrente e o Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A..

IV - Fundamentação de facto

Pese embora a autora, ora recorrente, no recurso de apelação, haja impugnado a decisão da matéria de facto, esta não foi apreciada pelo Tribunal da Relação por, face à procedência da excepção da “ilegitimidade substantiva”, ter considerado desnecessário e prejudicado o conhecimento da impugnação.

Assim, é a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:

Factos dados como provados:

Da PI

1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica, entre outros, à actividade de construção civil, que desenvolve e prossegue no intuito de obter lucros.

2. O 18º Réu Santander Totta, SA., adquiriu direitos e obrigações do Banif.

3. A 19ª Ré é uma sociedade anónima cuja constituição foi deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, em reunião extraordinária de dia 20 de dezembro de 2015, bem como os respetivos Estatutos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145.º-S do RGICSF, e que detém activos do Banif.

4. Entre a Autora e o Banco Banif foi celebrado em 26/01/2009, por escritura pública, um contrato de cessão de créditos e dação em cumprimento.

5. Nessa data o Banco Banif era titular de um crédito litigioso, no valor global de 1.608.029,78 € que detinha sobre a sociedade denominada S..., S.A.

6. Nessa quantia estava incluído o valor de 664.292.78 €, a título de garantias bancárias que o Banco prestou a favor de diversas entidades.

7. A quantia de 664.292,78 € correspondia ao valor das garantias bancárias que o Banif prestara a favor de diversas entidades e autarquias, para boa execução de contratos de empreitada que essa empresa insolvente com elas celebrara, quantia essa que estava garantida por Livranças subscritas pela “Insolvente” e avalizadas por AA, BB e CC, em poder do Banif.

8. Essas entidades beneficiárias dessas garantias bancárias são os 1º a 17º RR e essas garantias bancárias foram emitidas pelo Banif à primeira interpelação (“on first demand”).

9. Nesse contrato foi declarado e reconhecido pela A. e pelo “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.”, que este era titular de um crédito, litigioso, no valor global de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove vírgula setenta e oito euros (1.608.029,78 €) sobre a sociedade anónima denominada “S..., S.A.”, sociedade comercial que foi declarada insolvente no Tribunal de Comércio de ..., no Terceiro Juízo, com o processo número 606/08.0...

10. O BANIF reclamou, nesse processo de insolvência este referido crédito, comum sem quaisquer garantias reais, pelo valor de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove vírgula setenta e oito euros (1.608.029,78 €uros) tendo por base várias responsabilidades, designadamente, a quantia de 664.292,78 € (seiscentos e sessenta e quatro mil duzentos e noventa e dois vírgula setenta e oito euros) a titulo das referidas garantias bancárias que o Banco prestou a favor de diversas entidades e autarquias, para boa execução de contratos de empreitada..

11. Na data da assinatura desse contrato de cessão o Banif devolveu à aqui A. as livranças supra mencionadas.

12. A empresa “Insolvente” era responsável pela execução de diversas obras em que a A. estava envolvida, havendo por isso uma forte interligação entre as actividades de ambas as empresas (A. e Insolvente), sendo fundamental para o normal desenvolvimento da actividade da A. que a viabilização da “Insolvente” fosse assegurada.

13. A A. tinha interesse em adquirir o crédito do Banco, o que sucedeu.

14. O Banco Internacional do Funchal, S.A. não garantiu a solvabilidade do crédito cedido e correram por conta e risco exclusivo da A. todos os factos, riscos, situações que se pudessem verificar, ou ocorrer e ou alterar, modificar ou reduzir o crédito, assim como a viabilidade ou inviabilidade e improcedência de qualquer plano de insolvência, cessão ou habilitação processual, e todas e quaisquer despesas decorrentes ou consequentes dessa cessão.

15. A sociedade “Cariz - Promoção Imobiliária, Lda.” em nenhuma situação, seja ela qual fosse, teria direito à restituição ou redução do preço que pagou ao Banif pela cessão.

16. Por via desse contrato, a A. adquiriu ao “Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A.”, por cessão, e este por seu turno declarou ceder-lhe o crédito de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove euros e setenta e oito cêntimos (1.608.029,78 euros) de capital e juros sobre a sociedade anónima denominada “S..., S.A.”.

17. Nesse crédito estava incluído o valor de 664.292,78 € correspondente ao valor das garantias bancárias que o Banco Banif prestou a favor de diversas entidades.

18. O preço global da cessão foi de 1.329.200,00 €, que a Autora pagou ao Banco Banif através da dação em pagamento do seguinte imóvel sito na freguesia de ..., concelho de ...:

Prédio urbano: - no Lugar do ..., terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número mil trezentos e setenta e sete/mil novecentos e noventa e quatro zero oito dez (1377/19940810), registado definitivamente a favor da sociedade “Cariz – Promoção Imobiliária Lda.” pela inscrição de aquisição Ap. dezoito de mil novecentos e noventa e quatro/zero oito/dez, inscrito na matriz sob o artigo 4.565, com o valor patrimonial tributável de 270.495,59 €uros e atribuído de um milhão trezentos e vinte e nove mil e duzentos Euros – cláusula 2ª.

19. A cessão do crédito contratada importou a transmissão para a Autora de todos os direitos, obrigações, garantias e outros acessórios dos créditos cedidos, de que a A. tinha perfeito e cabal conhecimento – cláusula 3ª.

20. A Autora adquiriu ao Banco Banif, pelo preço de 1.329.200,00 €, todos os créditos que este detinha sobre a sociedade S..., S.A., e que havia reclamado no referido processo de insolvência desta empresa.

21. Nesses créditos adquiridos e pagos pela Autora, consta o crédito emergente de garantias bancárias que, pelo valor de 664.292,78 €, a Autora adquiriu ao Banco Banif.

22. A Autora pagou ao Banco Banif o valor correspondente a 664.292,78 € por todas as garantias bancárias que este banco prestou.

23. O Banif ficou com a obrigação de pagar essa quantia garantida por garantias bancárias às entidades beneficiárias das mesmas, logo que fosse interpelado por elas e caso ocorresse o evento que obrigasse a tal pagamento.

24. Tal evento era o incumprimento de execução das obras de construção civil em empreitadas de obras públicas.

25. A A. ficou de imediato com a faculdade de accionar a “S..., S.A.” pelo valor dessas garantias bancárias.

26. Por via da aquisição desse crédito, por cessão, a A. ficou credora da quantia de 664.292.78 € sobre a entidade garantida (a insolvente).

27. O Banco Banif cedeu à Autora o crédito global que detinha sobre a sociedade “S..., S.A.”, crédito esse que incluía o valor das garantias bancárias prestadas e entregues por esta sociedade insolvente às diversas entidades garantidas, a saber:

28. Dessa quantia de 664.292,78 €, o Banco Banif pagou à empresa S.... ...... a quantia de 300.000,00 €, à R. V..., S.A. a quantia de 35.850,00 € e ao Município de ... a quantia de 39.540,78 €.

29. O Banif não efectuou qualquer pagamento relativo ao acionamento das garantias bancárias no valor de 288.900,92 €.

30. Todas as obras para as quais foram prestadas as sobreditas garantias e que entregou a esses donos de obras foram executadas.

31. Os donos das obras (1º a 17º Réus) a que respeitam cada uma das identificadas garantias bancárias procederam às respectivas recepções provisória e definitiva, lavrando os correspondentes autos, assinados pelo empreiteiro e pelo dono da obra.

32. Pelo que, com excepção dos donos de obra supra mencionados em 28), esses donos de obra nenhuma deficiência apontaram à execução dessas obras.

33. Estes donos de obra identificados devolveram essas garantias bancárias ao Banco Banif ou ainda as têm em seu poder.

34. E nunca as entregaram à aqui Autora nem ao empreiteiro.

35. O Banco Santander, aqui 18º Réu, não teve que indemnizar os respectivos donos de obras pelo valor de 288.900,92 €.

Da Contestação do R. Santander

36. Na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas foi deliberado:

“b) Transferir para a Naviget, S.A. [actual Oitante], os direitos e obrigações correspondentes a activos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 2 à presente declaração (…);

d) Alienar ao BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.

37. O património do BANIF foi dividido em três grupos de activos/ passivos:

a) o que foi transferido para a OITANTE - Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 pelas 23h30;

b) o que foi transferido para o BANCO SANTANDER TOTTA (doravante designado BST) - Anexo 3 da mesma Deliberação e

c) o remanescente, que permaneceu no BANIF.

38. Pela medida de resolução foram transferidos para o BST “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF, registados na contabilidade”, e

39. “(b) As responsabilidades do BANIF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (Passivos Excluídos): … (vii) quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais; … (xii) Todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas…, com exceção …das que sejam constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do BANIF ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bands e outras contingências similares).”

40. O imóvel dado em dação para pagamento do preço fixado pelas partes para a cessão de créditos em causa foi transmitido para a R. Oitante.

Da Contestação da R. Oitante

41. Do Anexo 2 supra referido em 37. A) consta o seguinte:

1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 2. infra, os seguintes activos e direitos do Banif são objecto de transferência para a Naviget, S.A.:

(a) Todos os activos imobiliários que sejam propriedade do BANIF, com excepção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo BANIF no exercício da sua actividade;

(b) Quaisquer acções ou unidades de participação emitidas por: (i) Banif Imobiliária S.A.; (ii) Imobiliária Vegas Altas, S.A.; (iii) lnvestaçor-Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.; (iv) Açoreana Seguros, S.A.; (v) Banca Pueyo, S.A.; (vi) Banif Bank (Malta), plc; (vii) Banif-Banco de Investimento, S.A.; (viii) W.I.L. - Projetos Turísticos, S.A.,(ix) Iberol - Sociedade Ibérica de Oleaginosas, S.A.; (x) Fundo Recuperação, FCR; (xi) Fundo de Recuperação Turismo, FCR; (xii) Vallis Construction Sector Consolidation Fund; (xiii) FLIT - PTREL, SICAV-SIF S.C.A.; (xiv) Discovery Portugal Real Estate Fund SCA SICAV SIF; (xv) Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR; (xvi) quaisquer fundos de Investimento imobiliário (com exceção do Banif Property- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado) que devam ser consolidados nas contas do grupo Banif à data desta decisão, incluindo, entre outros, Banif lmopredlal - Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, Citation - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Porto Novo - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Pabyfundo - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado e Banif Renda Habitação - Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional; e (xvii) Banif Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.;

(c) Quaisquer empréstimos a, ou outros montantes a pagar por: (i) entidades indicadas na alínea (b) com exceção daquelas indicadas na subalínea (b)(ix) a (b)(xv) e das suas filiais ou participadas; e (ii) quaisquer outros membros do Grupo Excluído (tal como definido na subalínea (viii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 3), com exceção das entidades excecionadas pela presente subalínea (c)(i) e das entidades e respetivas filiais participadas que não estejam enunciadas na alínea (b) supra;

(d) Empréstimos concedidos pelo BANIF identificados no Anexo 2A a esta deliberação;

(e) Os valores mobiliários emitidos pelas entidades identificadas no Anexo 2B a esta deliberação, bem como os valores mobiliários nela identificados mesmo que não haja identificação da entidade emitente;

e

(f) Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do BANIF em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do BANIF em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental) (os "Serviços Centrais").

Factos dados como não provados:

Todos os que se mostrem em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:

• O valor recebido pelo Banif de 664.290,81 € tenha sido a antecipação do pagamento das responsabilidades emergentes das garantias de obra executadas pela sociedade S..., S.A. que eventualmente viessem a ser accionadas pelos donos de obra.

• Fosse pressuposto do contrato de cessão e condição essencial para a A. que o Banif efectuasse o pagamento do valor de 664.292,78 € aos respectivos beneficiários.

V - Fundamentação de direito

1. Apreciemos a questão da legitimidade substantiva dos réus recorridos.

No acórdão recorrido foi referido o seguinte [sublinhados constantes do texto transcrito]:

“(…)

Feitas estas considerações sobre a alegação vertida na petição inicial, da análise da sentença recorrida resulta que nesta, não obstante a referência e a reprodução parcial nos itens 36 º a 41º da decisão de facto do teor da Deliberação do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, ocorrida em reunião extraordinária que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas, nela não foram apreciadas e decididas as exceções perentórias inominadas arguidas pelo réu Banco Santander Totta, SA e pela ré Oitante, consubstanciadas, cada uma, na alegada ilegitimidade substantiva deste banco e desta ré, por não lhe terem sido transmitidas pelas Deliberações do Banco de Portugal relativas ao Banif a responsabilidade que a autora lhes pretende imputar, pois, alegaram, embora tenham adquirido uma parte dos activos e passivos do Banif, as indemnizações derivadas de eventual responsabilidade contratual ou extracontratual suscetível de ser imputada ao Banif não lhes foi transmitida, permanecendo na esfera jurídica do Banif e, por isso, a responsabilidade que a autora imputa a cada um destes réus a título solidário deveria ter sido reclamada no processo de insolvência instaurado contra aquele Banco.

Ora, com o devido respeito, essa exceção deveria ter sido apreciada e decidida a montante da apreciação e decisão da questão controvertida suscitada com referência ao contrato de cessão de créditos a que aludem os factos provados.

Para tanto, basta atentar que na contestação apresentada pelo réu Banco Santander - artigos 20 e ss - e naquela apresentada pela ré Oitante - arts 6 º e ss - estes réus excecionaram, cada um, a ilegitimidade substantiva respetiva, exceção que interferindo com o mérito da causa, constitui uma condição de procedência da própria ação na medida em que passa, em face da alegação vertida na petição inicial e com suporte nos documentos juntos aos autos, se necessário, apreciar e decidir “quem é o efectivo titular do direito em questão”, consubstanciando o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do fato jurídico, não se relacionando com a legitimidade ad causam (Castro Mendes em “Direito Processual Civil” Vol. II, FDL, Lisboa, 1974, págs. 176, 177 reconduz a legitimidade substantiva às “condições subjetivas da titularidade do direito”), esta relacionada com o interesse dos demandados em contradizer a ação, pelo prejuízo que da procedência desta lhes pudesse advir.

E no caso em apreço, se e na medida em que se decidir em face das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banif que não foram transmitidas para os Réus Banco Santander e Oitante quaisquer responsabilidades do Banif enquanto outorgante de um contrato de cessão de créditos ferido da alegada nulidade por alegada inexistência parcial do objeto, o pedido contra estes formulado não pode proceder, existindo um vício de natureza substancial – exceção de ilegitimidade substantiva – que não permite à autora-recorrente exigir qualquer responsabilidade aos Réus- recorridos que apresentaram contra –alegações, derivada de qualquer nulidade do contrato de cessão de créditos a que aludem os itens da decisão de facto.

E importa assinalar que para apreciar e decidir a arguida exceção perentória da ilegitimidade substantiva foram aportados aos autos todos os elementos indispensáveis para o efeito, sendo que, no caso de serem procedentes as exceções perentórias arguidas da ilegitimidade substantiva, ficará necessariamente, prejudicada a apreciação e decisão sobre a alegada nulidade da cessão de créditos celebrada entre a Autora e o Banif SA no ano de 2009, portanto, antes das datas em que foram tomadas as Deliberações do Banco de Portugal de 20.12.2015 e 4.01.2017 relativamente ao Banif, SA, Banco Internacional do Funchal, SA.

Efectivamente resultam da decisão sobre a decisão de facto vertida na sentença recorrida os seguintes factos:

Na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas (vide documento n.º 14 junto com a petição inicial), foi deliberado:

“b) Transferir para a Naviget, S.A. [actual Oitante], os direitos e obrigações correspondentes a activos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 2 à presente declaração (…);

d) Alienar ao BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.

A Deliberação do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL de 04.01.2017 (vide documento n.º 16 da petição inicial), veio clarificar o teor dos referidos Anexos 2 e 3, que republicou.

Posto isto, por força da referida deliberação, o património do BANIF foi dividido em três grupos de activos/ passivos:

a) o que foi transferido para a OITANTE - Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 pelas 23h30;

b) o que foi transferido para o BANCO SANTANDER TOTTA (doravante designado BST) - Anexo 3 da mesma Deliberação e

c) o remanescente, que permaneceu no BANIF.

Assim, enquanto que no caso do BES foi criado um banco de transição (o Novo Banco), para onde foi transferido todo o património do BES, ou seja, a medida de resolução foi adoptada nos termos do disposto no artigo 145.º-O do RGICSF (transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição), tendo-se optado pela transferência total para o Novo Banco, no caso do BANIF, a medida de resolução foi adoptada nos termos do disposto no artigo 145.º-M do RGICSF (alienação parcial ou total da actividade), tendo-se optado pela transferência parcial e ademais para duas entidades (OITANTE e BST).

A revelar a natureza distinta da transformação ou fusão e a divisão do património do BANIF em três, distribuído por três entidades distintas (BANIF, BST e OITANTE).

Nestes termos, porque no caso em apreço, se e na medida em que se decidir em face das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banif que não foram transmitidas para os Réus Banco Santander e Oitante quaisquer responsabilidades do Banif enquanto outorgante de um contrato de cessão de créditos ferido da alegada nulidade por alegada inexistência parcial do objeto, o pedido contra estes formulado não pode proceder, existindo um vício de natureza substancial – exceção de ilegitimidade substantiva – que não permite à autora-recorrente exigir qualquer responsabilidade aos Réus-recorridos que apresentaram contra–alegações, derivada de qualquer nulidade do contrato de cessão de créditos a que aludem os itens da decisão de facto, iremos de seguida apreciar e decidir a exceção de conhecimento oficioso da ilegitimidade substantiva, a qual, a proceder determina a inutilidade da apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto.”.

Seguidamente, o acórdão recorrido passou a conhecer da questão da ilegitimidade substantiva do réu Banco Santander e da ré Oitante conforme a seguir se transcreve integralmente para melhor compreensão (sublinhados constantes do texto transcrito):

“Da Ilegitimidade Substantiva do Banco Santander.

Nos termos do parágrafo 1. da deliberação do Banco de Portugal de 20/12/2015, era mister estar alegado na petição inicial que o crédito que a recorrente adquiriu por força do contrato de cessão de créditos se encontrava registado na contabilidade do BANIF, SA, o que não resulta da factualidade alegada, sendo certo que era sobre a autora-recorrente que impendia tal ónus de alegação (o que não fez), bem como, a prova de tal factualidade enquanto facto constitutivo do direito que invoca - artº 342º, nº 1, do CC -, pois que o referido parágrafo 1 da resolução do Banco de Portugal de 20/12/2015, exige, para se verificar a transferência de responsabilidade do Banif, SA para o Banco Santander, o referido registo na contabilidade do BANIF SA do crédito aqui reclamado, derivado de uma alegada responsabilidade contratual do BANIF SA baseada em factos alegados na petição inicial e que por serem controvertidos foram objecto de julgamento.

De qualquer modo, em face da alegação vertida na petição inicial em conjugação com o teor das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal com respeito ao extinto BANIF resulta para nós que o alegado crédito da autora sobre o BANIF, SA, não foi transferido para o Banco Santander - recorrido, porquanto, se o BANIF cedeu à Autora no ano de 2009 os créditos referentes à sociedade “S..., S.A., é absolutamente notório que os créditos referentes a essa entidade já não pertenciam ao BANIF em 20/12/2015 e, consequentemente, por mera aplicação da regra da aquisição derivada (“nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet”) nunca poderiam ter sido transferidos para o BST.

De igual modo, porque já haviam sido transferidos a terceiros, também tais créditos não estavam (nem poderiam estar) registados na contabilidade do BANIF à data de 20.12.2015, pelo que, também por esta razão, não se podem considerar de modo algum transferidos para o Réu-recorrido Banco Santander.

(…)

(…), admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que o Banif tinha a obrigação de restituir à autora um determinado valor que agora se verifica não ser devido, este facto faria o BANIF incorrer em responsabilidade civil.

Ora esta suposta responsabilidade, por factos ocorridos integralmente na esfera do BANIF e em momento anterior à medida de resolução, não se pode de modo algum considerar transferida para o BST, nomeadamente porque tais supostos passivos do BANIF (a existirem):

i. não estavam registados na respetiva contabilidade em 20.12.2015;

(ii) estariam sempre expressamente excluídos pelas subalíneas (b) (vii) e (b) (xii) do n.º 1 do Anexo 3 da Medida de Resolução.

Com efeito, a conclusão que se pode retirar do previsto na subalínea (b) (xii) do n.º 1 do Anexo 3 (clarificado pela deliberação do Banco de Portugal de 04.01.2017) é a estipulação que não transitaram para o BST “as responsabilidades contingentes e litigiosas” quaisquer que elas sejam, tendo-se excepcionado apenas as “que hajam sido constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária.

E como refere o réu Santander na contestação, “a expressão “hajam sido constituídas pelo BANIF” a par da enumeração exemplificativa subsequente (“depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares”) evidencia que estão apenas em causa compromissos constituídos em operações bancárias documentadas pelo BANIF.

Ora, in casu, qualquer responsabilidade civil do BANIF por alegado incumprimento do contrato de cessão de créditos, estaria sempre entre as “responsabilidades (…) não conhecidas, (…) contingentes e litigiosas”, que nunca poderia ser considerada como resultando da “normal actividade bancária” do BANIF, nem poderia estar documentada como uma operação bancária no referido balanço à data de 20/12/2015.

Pelo que, por força do disposto na referida subalínea (xii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 3, essa eventual responsabilidade civil constituiria sempre um “Passivo Excluído” da transferência para o BST.

Acresce que, para além de tudo o referido, a transferência para o BST de responsabilidade civil do BANIF por incumprimento contratual também estaria sempre afastada pela subalínea (b) (vii) do Anexo 3, que exclui da transferência “Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações”.

Sendo que o “nomeadamente” inserido nesta subalínea (b) (vii) significa que o tipo de responsabilidades ali enumeradas são meramente indicativas/exemplificativas e não pretendem esgotar os tipos de responsabilidades, contingências ou indemnizações abrangidas pela exclusão.

Note-se ainda que, nos termos do n.º 2, alínea (b) do Anexo 3, “as subalíneas do parágrafo 1. (a) e 1. (b) são de aplicação alternativa e não autoexclusivas”, pelo que “se um (..) passivo é excluído da transferência por força de uma subalínea mas não é abrangido por outra subalínea, será considerado como um (…) Passivo Excluído”.

Resumidamente, a autora não alegou que o passivo/responsabilidade peticionado pelo Autor estava registado na contabilidade do BANIF à data de 20/12/2015.

Da análise da alegação vertida na petição inicial resulta que o crédito reclamado constitui um “Passivo excluído” da transmissão para o BST, por força do previsto nas subalíneas (vii) e (xii) da alínea b) do ponto 1 do Anexo 3.

Por último, há um outro elemento essencial para concluir que o Banco Recorrido terá sempre de ser absolvido do pedido: é que o imóvel entregue em dação passou para a esfera da Ré-recorrida OITANTE, sendo sua propriedade, conforme resulta da certidão predial junta aos autos com a contestação apresentada pelo Banco Santander Totta, SA, concretamente da Ap. 1616 de 2016.07.19

E tal bastava para fazer improceder a acção.

Concluindo:

Face a tudo o supra explanado, este tribunal da Relação do Porto, julga procedente, por provada, a excecionada ilegitimidade substantiva do Réu-recorrido Banco Santander, e, em consequência julga improcedente a ação relativamente ao réu Santander, ficando, assim, prejudicada a apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto, bem como a apreciação da requerida ampliação do Recurso de apelação vertida nas contra-alegações do Banco Santander.

Da responsabilidade da Ré OITANTE.

Nesta parte, tendo sempre presente as considerações expostas sobre a factualidade alegada na petição inicial e sobre as Deliberações do Banco de Portugal relativamente ao BANIF-SA, importa tecer as seguintes considerações.

Tendo em conta que a autora invoca como causa de pedir, a cedência que lhe foi feita pelo BANIF, de créditos que este banco era titular sobre a sociedade denominada “S..., S.A.” por contrato de cessão de créditos e dação em pagamento celebrado por escritura pública no dia 26 de Janeiro de 2009, importa apreciar e decidir se esses créditos poderiam ter sido transmitidos à OITANTE em resultado da medida de Resolução a que temos vindo a fazer referência.

Como já atrás referimos e é do conhecimento público, o Banco de Portugal decidiu em Dezembro de 2015 aprovar um conjunto de medidas de Resolução do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A.(BANIF).

Tais medidas de Resolução decorreram da deliberação tomada em 19 de Dezembro de 2015, onde expressamente se refere que “(…) a situação de liquidez do BANIF sofreu uma degradação notória e muito acelerada nos últimos dias, expressa numa saída substancial de depósitos que coloca em risco sério e grave de cumprimento das respetivas obrigações e, consequentemente, a continuação da prestação dos serviços financeiros essenciais (…)” – (cfr. parágrafo 10 - disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao20151219.pdf, deliberação essa cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais),

E nesse contexto o Banco de Banco de Portugal decidiu aplicar ao Banif uma medida de Resolução.

Em concreto, relativamente à Ré Oitante, na reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, às 23:30 horas, foi deliberada a constituição de um veículo de gestão de activos, a OITANTE, cujos estatutos constam do seu Anexo 1 (cfr. parágrafo 14., alínea a) dessa deliberação que se dá aqui também por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20151220_2330.pdf).

Nessa deliberação, aquando da criação da OITANTE, foi determinada a transferência para si, OITANTE, dos “direitos e obrigações correspondentes a ativos do BANIF (…), constantes do Anexo 2 à presente deliberação”, nos termos legalmente admitidos (cfr. seu parágrafo 14., alínea b), tendo em vista as finalidades previstas no artº 145º-C do RGCISF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro] (cfr. artºs1º e 3º dos Estatutos constantes do seu Anexo 1).

Nela ficou também determinado o pagamento pela OITANTE “de uma contrapartida ao BANIF (…) pelos direitos e obrigações, que constituam ativos, que lhe foram transferidos ao abrigo da presente deliberação, através da entrega de obrigações representativas de dívida emitidas pela Naviget, S.A [OITANTE], no valor de 746 (setecentos e quarenta e seis) milhões de euros, apurado no âmbito da avaliação provisória realizada nos termos do n.º 8 do artigo 145.º-H do RGICSF, nos termos do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 145.º-T do RGICSF.” (cfr. seu parágrafo 14., alínea c).

A revelar que existiu uma contrapartida financeira paga ao BANIF na sequência da medida de Resolução e da criação de um veículo de gestão de activos (OITANTE) para o qual foram transferidos activos anteriormente detidos pelo BANIF e que se encontram taxativamente identificados no referido Anexo 2, contrapartida essa suportada a partir de obrigações emitidas, nesse valor, pela OITANTE e por cujo reembolso de capital e pagamento de juros esta entidade é directamente responsável.

Importa ainda ter em conta que, conforme esclarecido na mesma deliberação, parágrafo 8 “a seleção dos direitos a transferir para o veículo de gestão de ativos [i.e., para a OITANTE], teve em conta a indisponibilidade do Banco Santander Totta, S.A. [que veio a adquirir a atividade bancária do BANIF, no âmbito da medida de Resolução], para os adquirir, suportando integralmente o respetivo risco, e teve por objetivo maximizar as receitas de uma sua futura alienação, que não seria assegurada de forma tão eficiente caso os mesmos permanecessem no BANIF.” (cfr. seu.).

Ainda nessa deliberação, o Banco de Portugal determinou “ao Fundo de Resolução a disponibilização do apoio financeiro necessário para a aplicação das presentes medidas de resolução com vista à subscrição e realização do capital social da Naviget, S.A. [OITANTE], à prestação de uma garantia às obrigações emitidas pela Naviget, S.A., e à absorção de prejuízos do BANIF, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-AA do RGICSF” (cfr. seu parágrafo 14, alínea e).

Do assim deliberado resulta que o Banco de Portugal decidiu aplicar ao BANIF, no uso das suas competências exclusivas em sede de supervisão bancária (cfr. artº 17º da Lei Orgânica do Banco de Portugal - Lei 5/98, de 31 de Janeiro de 1998), uma medida de alienação de actividade e segregação de activos, em conformidade com o preceituado pelo artº 145º-E, nº1, alínea a) do RGICSF, sendo que, a decisão tomada pelo Banco de Portugal produz efeitos imediatamente, independentemente de qualquer disposição legal ou contratual, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência (cfr. artºs 145º-J,nº15 e 145ºN, nºs 6 e 8 do RGICSF) e não depende do prévio consentimento dos accionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão a transferir (cfr. artº 145º-J, nº 16 e 145º-N, nº 9, do mesmo regime).

Essa decisão é considerada urgente, não havendo lugar a audiência de interessados (cfr. artº 146º do RGICSF e artº 124º, nº1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo) e produz efeitos desde a data em que foi praticada, sendo oponível à Autora (cfr. artº 155º, do Código de Procedimento Administrativo, aplicável às decisões tomadas pelo Banco de Portugal, em conformidade com o preceituado no artº 64º, nº2, da respectiva Lei Orgânica).

E como referimos a 4 de Janeiro de 2017 foi adoptada nova deliberação pelo Banco de Portugal, com vista à “clarificação, rectificação e conformação dos perímetros de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif (…) para a Oitante (…) e para o Banco Santander Totta (…)”, no âmbito da qual ficou definido o sentido e o alcance também das disposições constantes do mencionado Anexo 2 (e Anexo 3, este relativamente ao Banco Santander Totta, S.A.), que então republicou (deliberação esta que se dá igualmente por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e que se encontra disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20170104.pdf).

Assim, o Anexo 2 (no que à OITANTE diz respeito) passou a ter o seguinte conteúdo:

“1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 2. infra, os seguintes activos e direitos do Banif são objecto de transferência para a Oitante, S.A.:

(a) Todos os activos imobiliários que sejam propriedade do BANIF, com excepção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo BANIF no exercício da sua actividade;

(b) Quaisquer acções ou unidades de participação emitidas por: (i) Banif Imobiliária S.A.; (ii) Imobiliária Vegas Altas, S.A.; (iii) lnvestaçor-Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.; (iv) Açoreana Seguros, S.A.; (v) Banca Pueyo, S.A.; (vi) Banif Bank (Malta), plc; (vii) Banif-Banco de Investimento, S.A.; (viii) W.I.L. - Projetos Turísticos, S.A.,(ix) Iberol - Sociedade Ibérica de Oleaginosas, S.A.; (x) Fundo Recuperação, FCR; (xi) Fundo de Recuperação Turismo, FCR; (xii) Vallis Construction Sector Consolidation Fund; (xiii) FLIT -PTREL, SICAV-SIF S.C.A.; (xiv) Discovery Portugal Real Estate Fund SCA SICAV SIF; (xv) Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR; (xvi) quaisquer fundos de Investimento imobiliário (com exceção do Banif Property- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado) que devam ser consolidados nas contas do grupo Banif à data desta decisão, incluindo, entre outros, Banif lmopredlal - Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, Citation - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Porto Novo -Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Pabyfundo - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado e Banif Renda Habitação - Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional; e (xvii) Banif Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.;

(c) Quaisquer empréstimos a, ou outros montantes a pagar por: (i) entidades indicadas na alínea (b) com exceção daquelas indicadas na subalínea (b)(ix) a (b)(xv) e das suas filiais ou participadas; e (ii) quaisquer outros membros do Grupo Excluído (tal como definido na subalínea (viii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 3 à presente Deliberação), com exceção das entidades excecionadas pela presente subalínea (c)(i) e das entidades e respetivas filiais participadas que não estejam enunciadas na alínea (b) supra;

(d) Empréstimos concedidos pelo BANIF identificados no Anexo 2A a esta deliberação;

(e) Os valores mobiliários emitidos pelas entidades identificadas no Anexo 2B a esta deliberação, bem como os valores mobiliários nela identificados mesmo que não haja identificação da entidade emitente; e

(f) Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do BANIF em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do BANIF em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental) (os "Serviços Centrais");

2. Do parágrafo 1 não deve resultar a transferência para a Oitante, S.A. de qualquer empréstimo ou qualquer montante a pagar (i) no âmbito de um derivado; (ii) em que esse empréstimo ou montante a pagar tenha sido dado em garantia pelo BANIF (com exceção do referido no parágrafo 4.); (iii) quando estejam incluídos em ou emerjam de operações de titularização, em particular obrigações titularizadas; ou (iv) quando a transferência não seja admissível nos termos dos artigos 145.º-AC a 145.º-AE do RGICSF.

3. No caso de serem transferidos os direitos ou benefícios relativos a qualquer empréstimo concedido pelo BANIF, ou outros montantes a pagar ao BANIF, nos termos do parágrafo 1., devem também ser transferidos para o Veículo de Gestão de Ativos os direitos ou benefícios de quaisquer reclamações, direitos, eventuais direitos, contratos, acordos, garantias e outros compromissos relacionados com tais empréstimos ou montantes.

4. Quaisquer activos ou direitos a serem transferidos para a Oitante, S.A., nos termos do parágrafo 1. supra, que estejam dados em garantia no âmbito da responsabilidade E.L.A.. Liability (tal como definida no parágrafo 4. do Anexo 3 à presente Deliberação), serão transferidos para a Citante, S.A., após a retransmissão desses ativos ou direitos para o BANIF, na sequência do reembolso da responsabilidade E.L.A. Liability e consequente libertação da garantia, de acordo com aquele Anexo 3..

5. A posição contratual do BANIF nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolvem a sua actividade nos Serviços Centrais (que são os que em Portugal Continental não desenvolvem atividade na rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental e que portanto desenvolvem a sua atividade nos seguintes departamentos: Direcção de Acompanhamento e Recuperação de Crédito; Direcção de Assessoria Jurídica; Direcção de Auditoria Interna; Direcção de Compliance; Direcção de Contabilidade e Controlo; Direcção de Crédito; Direcção de Finanças e Planeamento; Direcção Global de Risco; Direcção de Marketing e Comunicação; Direcção Operacional de Produtos; Direcção de Recursos Humanos, Património e Performance; Direcção de Suporte Operacional; Direcção de Tesouraria e Mercados; Direcção de Transformação e Sistemas; Gabinete de Provedoria do Cliente; Bank Legacy Unit; Assessoria e Secretariado de Administração) transmite-se para o Veículo de Gestão de Ativos;

6. Após a transferência referida nos parágrafos anteriores, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo, de acordo com o artigo 145.º-T do RGICSF, devolver ao BANIF activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão ou fazer transferências a adicionais de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão entre o BANIF e a Oitante, S.A..

7. A transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou com relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF ou transferidos para a Oitante, S.A. ou transferidos para o Adquirente nos termos da Medida de Resolução de Alienação da Atividade, incluindo quaisquer direitos de denúncia, de resolução, de vencimento antecipado, de oposição à renovação ou de compensação (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, (iii) necessidade de aprovação, (iv) direito a executar garantias, ou (v) direito a efectuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão.” [sublinhados nossos]

A revelar, como refere a ré Oitante na contestação respectiva, “que os activos e direitos do BANIF referidos taxativamente no Anexo 2, assim como os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF referidos no Anexo 3 da medida de Resolução do Banco de Portugal passaram a integrar, desde o dia 20 de Dezembro de 2015, o património das entidades neles referidas, respectivamente OITANTE e Banco Santander Totta, S.A., abandonando a esfera patrimonial da instituição bancária intervencionada”.

E no anexo 1 da deliberação de 20 de Dezembro de 2015, na qual foi decidida a constituição da OITANTE, constam os seus Estatutos, do quais resulta que para a Oitante foram transferidos os direitos e obrigações correspondentes a activos do BANIF descritos no mencionado Anexo 2.

Resulta dos artºs 1º, nº1 e 3º, nº1 dos referidos Estatutos que a OITANTE “(…) é um veículo de gestão de ativos constituído nos termos do art.º 145ºS do RGICSF (…)”, cujo objecto é “a administração dos direitos e obrigações que constituíam ou constituam ativos do BANIF que lhe forem transferidos em cada momento por decisão do Banco de Portugal, tendo em vista as finalidades previstas no artigo 145.º-C do RGICSF.”.

Da análise conjugada do preceituado pelos artºs 145º-S, nºs 1, 3, 5, 9 e 10, 145º-T, 145º-N, nºs 1, 6 e 9 do RGICSF, resulta caber ao Banco de Portugal, aquando da criação de uma sociedade (denominada veículo de gestão de activos) para receber e administrar a parte dos direitos e obrigações de instituições de crédito objecto de resolução e aquando da decisão de efectuar a transmissão parcial da actividade da instituição bancária intervencionada, de seleccionar os direitos e obrigações da instituição de crédito objecto de resolução a transferir para o veículo de gestão de activos e para a instituição bancária adquirente.

Claramente se constata que, da medida de Resolução aplicada ao BANIF pelo Banco de Portugal – mais especificamente o consignado expressamente na alínea b) da Deliberação tomada em 20 de Dezembro de 2015 (23:30h), constante da página número 3 – foram apenas transmitidos para a OITANTE “(…) os direitos e obrigações correspondentes a ativos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 2 à presente deliberação (…)”, não constando dessa selecção as eventuais responsabilidades provenientes da situação como a que se discute nos autos como sendo objecto de transmissão para a OITANTE.

Concretamente, desse Anexo 2 consta que foram transmitidos para a OITANTE apenas os activos ali identificados, ou seja, tão-só os activos e direitos do BANIF que se encontram expressa e taxativamente enunciados nas alíneas (a) a (f) do seu parágrafo 1.

Na alínea (a) do referido parágrafo 1. refere-se, como objecto de transferência para a OITANTE, “todos os activos imobiliários que sejam propriedade do BANIF, com exceção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo BANIF no exercício da sua actividade”.

E, com efeito, apenas o imóvel melhor identificado no artº 19º da petição inicial – por constituir propriedade do BANIF à data da medida de Resolução a que se tem feito referência – foi transmitido para a OITANTE, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, por força dessa medida, em 20 de Dezembro de 2015.

Todavia, no texto daquele Anexo 2 não existem quaisquer referências que permitam concluir pela transmissão da posição contratual que, no contrato que se discute nos autos, teria sido assumida pelo BANIF.

Nas restantes alíneas do parágrafo 1. (alíneas (b), (c), (d), (e), e (f)), bem como nos restantes parágrafos (parágrafos 2., 3, 4., 5., 6. e 7.), são identificados outros activos e direitos, nomeadamente acções, empréstimos, valores mobiliários, licenças e direitos associados aos serviços centrais do BANIF em Portugal Continental, bem como (por exemplo no parágrafo 5.), activos dos quais resultavam obrigações para o BANIF e que, essas sim, foram transferidas para a OITANTE (“posição contratual do BANIF nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nos Serviços Centrais”).

A revelar que do texto da deliberação do Banco de Portugal não existe qualquer referência a obrigações que o BANIF tivesse assumido para com terceiros.

Efectivamente, em todo aquele Anexo 2 não consta, em nenhum dos parágrafos, a transferência de qualquer obrigação do BANIF relacionada com contratos celebrados com terceiros (com a única excepção dos contratos de trabalho expressamente identificada no referido parágrafo 5.).

Concretizando: nem no parágrafo 1, nem mesmo nos parágrafos 2., 3. e 4., onde é mais desenvolvida e pormenorizada a transferência de todos os activos e direitos constante das várias alíneas do parágrafo 1., é feita qualquer referência à transmissão de qualquer obrigação assumida pelo BANIF perante terceiros relativamente aos activos imobiliários transferidos.

E não é feita qualquer referência, porque, na realidade, o que efectivamente foi transmitido para a OITANTE, foram os imóveis e não obrigações do BANIF perante terceiros.

Como referiu a Oitante na sua contestação “a referida deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 (às 23:30 horas), ao definir o perímetro dos activos que foram transferidos para a OITANTE, patente naquele Anexo 2 à deliberação, nunca se refere a transmissão de contratos, nem de direitos e obrigações, mas apenas a transferência de activos e direitos (com excepção, repete-se, da posição contratual do BANIF que, nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nos Serviços Centrais, foi transmitida para a OITANTE).

Acresce que essa deliberação corresponde ao objectivo principal visado pelo Banco de Portugal na selecção feita dos activos (não alienados para o Banco Santander Totta, S.A.) transmitidos para a OITANTE: a valorização desses activos recebidos para posterior alienação ao melhor preço (maximização do seu valor), permitindo dessa forma o reembolso das obrigações por esta emitidas e contragarantidas pelo Estado Português.

Por outro lado, importa salientar que, tal como ficou esclarecido pelo Banco de Portugal no mencionado Anexo 3, “as responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do BANIF que não são objecto de transferência para o adquirente [i.e., Banco Santander Totta, S.A.], nem para a Oitante, S.A., permanecem na esfera jurídica do BANIF.” (cfr. seu parágrafo 1., alínea (d).”

O mesmo é dizer que o património do BANIF ficou dividido em três grupos de direitos e obrigações: (a) os correspondentes a activos do BANIF transferidos para a OITANTE (Anexo 2 da referida deliberação); (b) os que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF, transferidos para o Banco Santander Totta, S.A. (Anexo 3 da referida deliberação); e (c) o remanescente, que permaneceu no BANIF.

E finalmente, para o caso, importa considerar que a OITANTE, foi constituída por deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 (às 23:30h), logo, em data posterior à deliberação que determinou iniciar a medida de Resolução, esta tomada em 19 de Dezembro de 2015.

Esses factos ocorreram também posteriormente à alegada cessão do crédito e dação em pagamento invocada na petição inicial, (2009), pelo que, naturalmente, a OITANTE é alheia às relações jurídico-bancárias estabelecidas entre a Autora e o BANIF, que terão ocorrido quando o BANIF não sofrera ainda qualquer intervenção do Banco de Portugal.

A OITANTE não assumiu, designadamente quanto aos activos imobiliários que lhe foram transmitidos por força da medida de Resolução, as obrigações ou responsabilidades assumidas (ou não) pelo BANIF, tendo estas permanecido na esfera jurídica deste que mantém a sua personalidade jurídica.

A OITANTE não celebrou nenhum contrato com o BANIF tendo por objecto o imóvel visado no contrato de cessão de créditos invocado pela Autora, como não assumiu nem lhe foi transmitida, no âmbito da medida de Resolução, a posição contratual do BANIF em acordos ou contratos por este celebrados (com excepção, insiste-se, dos contratos de trabalho mencionados no parágrafo 5. do Anexo 2 à predita deliberação).

Daqui resulta que a OITANTE não assumiu contratualmente qualquer obrigação do BANIF perante a Autora, designadamente quanto às obrigações do contrato de cessão de créditos que constitui o fundamento para a autora accionar também a ré oitante.

E das Deliberações referidas não resulta que o Banco de Portugal tenha transferido para a Oitante eventuais responsabilidades do Banif resultantes da celebração daquele contrato.

Concluindo:

Da análise feita das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banif não resulta que a responsabilidade que a Autora pretende ver assacada ao BANIF integre, pois, as relações jurídicas e os activos que foram transferidos para a OITANTE por força daquelas deliberações do Banco de Portugal

Assim, sufraga-se o entendimento vertido na contestação da Oitante:

“Em suma: a actividade bancária do BANIF foi transmitida para uma outra instituição financeira, o Banco Santander Totta, S.A.; os activos do BANIF que neste não permaneceram foram transmitidos para um veículo de gestão de activos, a OITANTE, com o propósito de maximização do seu retorno, também aqui à luz das regras aplicáveis, mediante o pagamento de contrapartida adequada; permanecendo no BANIF o remanescente, onde se inclui a responsabilidade que a Autora invoca nos autos.

(…) não obstante o Banco de Portugal ter considerado existir “passivo excluído” da transferência para o Banco Santander Totta, S.A. (no sentido de que não foram transmitidas “todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades”), considerou que, excepção da excepção, foram transmitidas “as que hajam sido constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do BANIF ao abrigo de (…), garantias bancárias, (…) e na medida em que respeitem (…)” (cfr. Anexo 3, parágrafo 1., alínea b), (xii)). [sublinhado nosso]

Ora, considerando que (a) a OITANTE foi constituída após a medida de Resolução; (b) a OITANTE pagou o preço definido pelos activos por recurso à emissão de obrigações; e (c) não lhe foram transmitidas quaisquer responsabilidades ou obrigações designadamente as decorrentes da actividade comercial, resulta evidente que não poderá a OITANTE ser responsável, directa ou indirectamente, por eventuais danos decorrentes da celebração do invocado contrato de cessão de créditos pela Autora com o BANIF, tanto mais que os factos alegados ocorreram em momento anterior à sua própria constituição.

Face à deliberação do Banco de Portugal (que impôs ao BANIF a medida de Resolução a que se tem feito referência), enquanto verdadeiro acto normativo, inexiste, como se vê, qualquer responsabilidade que possa ser assacada à OITANTE no âmbito da presente acção, não sendo a mesma responsável nem podendo considerar-se responsável pelo pagamento das quantias reclamadas nesta acção.

Ademais, e uma vez que a Autora invoca, como causa de pedir, a cedência que lhe foi feita pelo BANIF, de créditos que o mesmo detinha sobre a sociedade denominada “S..., S.A.”, por contrato de cessão de créditos e dação em pagamento celebrado por escritura pública no dia 26 de Janeiro de 2009, nunca poderiam esses créditos ter sido transmitidos à OITANTE por não existirem na esfera jurídica do BANIF desde aquela data, anterior que foi à data da medida de Resolução (…)”

Por último, sempre reafirmamos que, na hipótese abstracta de se admitir que existiu um recebimento indevido pelo BANIF com base na alegação feita na petição, essa hipótese seria apenas suscetível de fazer incorrer o BANIF em responsabilidade civil, tendo a Autora oportunidade, se assim o entendesse, de reclamar o crédito a que se arroga no âmbito do processo de insolvência do próprio BANIF – sendo essa a sede própria onde poderão ser devidamente apreciados os créditos reclamados pelos seus credores.

Tanto basta para concluirmos pela improcedência total do recurso interposto pela autora, embora com fundamentos distintos, ficando prejudicada, assim, a apreciação da requerida impugnação da decisão de facto, por se revelar acto inútil para a decisão a proferir nos termos do art. 130º CPC, bem como, a requerida ampliação do recurso formulada a título subsidiário pela Ré-recorrida, Banco Santander Totta, SA.” [fim de transcrição]

2. Como decorre do referido quanto à admissibilidade do recurso e da transcrição da fundamentação do acórdão recorrido a que acima se procedeu, a apelação interposta pela ora recorrente não mereceu provimento por razões que se prendem, apenas, com a legitimidade substantiva dos recorridos.

Foi por essa razão que ambos os recorridos foram absolvidos do pedido, pelo que, pese embora a escassíssima atenção que a recorrente dedica a tal questão (patente no facto de apenas uma das vinte e uma conclusões recursórias, a conclusão 14.ª, ser, aparentemente, respeitante à questão ora em apreço), importa, até por evidentes motivos de precedência lógica, conhecer, em primeiro lugar, da mesma questão. Neste sentido e perante a paralela invocação de invalidade de um contrato de intermediação celebrado com o Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., ver o acórdão deste Supremo Tribunal de 28/02/2023, proferido no proc. n.º 1433/18.1T8CTB.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

E, desde já avançando, dir-se-á que estamos, no essencial, de acordo com o entendimento explanado no acórdão recorrido.

Diversamente da legitimidade processual, a legitimidade substantiva está intimamente relacionada com a efectiva titularidade do direito ou da obrigação cujo cumprimento se exige. Trata-se de questão que se relaciona, pois, com o mérito da causa, dela dependendo, ademais, a procedência ou improcedência do pedido. Neste sentido, entre muitos outros, ver o acórdão deste Supremo Tribunal de 06/07/2023, proferido no processo n.º 1423/19.7T8OER-A.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

Retornando ao caso e valorado o elenco factual, não oferece dúvida que o contrato que a recorrente tem como parcialmente inexistente e/ou nulo foi firmado entre si e o Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. São estes os sujeitos da relação jurídica litigiosa e, como tal, os únicos titulares de direitos e obrigações que dela resultem.

Deste modo, como se discorreu no acórdão recorrido – o que a recorrente não coloca em causa – importa averiguar se a medida de resolução do Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. (corporizada na deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, acessível em deliberacao_20151220_2330.pdf (bportugal.pt) e parcialmente transcrita no elenco factual) contempla a situação em apreço, o que, necessariamente, implica determinar se o contrato que a recorrente tem como parcialmente inexistente e/ou nulo integra as situações activas e passivas que, respectivamente, foram transferidas para cada um dos recorridos, não podendo, sem mais, extrair-se qualquer sentido útil do facto provado de índole genérica constante do ponto 2 (“O 18º Réu Santander Totta, SA., adquiriu direitos e obrigações do Banif”).

O conteúdo da medida de resolução apresenta-se, em suma, como determinante para aferir a legitimidade substantiva dos recorridos, pois, como é evidente, aqueles não intervieram no dito contrato. Neste sentido, cfr., entre outros e além do referido aresto de 06/07/2023, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22/05/2018 (proc. n.º 1516/16.2T8CTB.C1.S2, não publicado) e de 25/10/2018 (proc. n.º 19138/16.6T8LSB.L1.S2), disponível em www.dgsi.pt.

Devemos, adicionalmente, ter em consideração que a medida de resolução é um acto administrativo (cfr. a respeito da medida de resolução do BES, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/03/2023, proferido no processo n.º 02586/14.3BELSB e acessível em www.dgsi.pt), tratando-se de uma deliberação adoptada pelo Banco de Portugal no exercício dos seus poderes jurídico-administrativos de supervisão e intervindo na situação individual e concreta da instituição de crédito Banif, com produção de efeitos externos. Assim a sua interpretação, requer que se atente no texto da decisão, nos respectivos fundamentos, no tipo legal de acto, nas leis aplicáveis e no interesse público prosseguido e, bem assim, nos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares que tenham de ser respeitados e em quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à sua elaboração (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 376 e 377, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10.ª ed., 5ª reimp., Almedina, Coimbra, pág. 489).

Como analisado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em síntese a que aderimos (sumário do acórdão de 29/09/1992, proferido no processo n.º 022900, acessível em www.dgsi.pt):

«I - Para fixação do conteúdo significativo dos actos administrativos, o tribunal pode servir-se, tendo em conta o "tipo legal" do acto ou actos examinados, para além do próprio texto do acto ou actos, de quaisquer elementos extra ou intertextuais e circunstanciais anteriores, coevos ou posteriores à sua produção.

II - A vontade real (a intenção) dos agentes suportes dos órgãos administrativos não é condicionante dos efeitos jurídicos que os actos administrativos devem produzir; o que releva é a vontade funcional do órgão (a vontade objectivamente declarada) que terá de compatibilizar-se com a vontade do legislador ínsita na norma que confere o poder administrativo usado para o cometimento do acto interpretado.)».

Nas palavras do acórdão do STA de 13-03-1997, proferido no processo n.º 041290, acessível em www.dgsi.pt: «Estes elementos correspondem grosso modo aos elementos de interpretação das normas jurídicas, não sendo aplicável à interpretação do acto administrativo o disposto no art. 236 do Cod. Civ. para a interpretação da declaração negocial».

Ora, percorrido o texto do acto administrativo em causa, na interpretação que dele fizeram as instâncias, conhecido o contexto legal (cfr. arts. 145.º-C, 145.º-D, alínea a) do n.º 1 do art. 145.º-E, arts. 145.º-M, 145.º-N, n.os 1, 3, 5, 9 e 10 do art. 145.º-S e 145.º-T do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira, aprovado pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) que legitimou a sua emissão e considerado o interesse público a prosseguir (estabilidade do sistema financeiro), não se descortinam motivos para, com propriedade, dissentir dos resultados alcançados pela extensa actividade interpretativa e judicativa que foi empreendida no acórdão impugnado.

Evidencia-se, pois, a falta de enquadramento da relação jurídica em causa em qualquer uma das situações activas ou passivas do Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. que foram transferidas para, respectivamente, cada um dos recorridos.

E, aliás, a recorrente também não censura os resultados a que chegou o acórdão recorrido, limitando-se, na sobredita conclusão 14.ª (a qual constitui uma repetição da conclusão 16.ª do recurso de apelação) a invocar - aparentemente, apenas em relação à recorrida Oitante, S.A., - o conteúdo do ponto n.º 7 do anexo 2 da referida deliberação (segundo o qual «(…) A transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou em relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF ou transferidos para o adquirente ou para a Naviget, S.A., incluindo quaisquer direitos de denúncia, de resolução, de vencimento antecipado, de oposição à renovação ou de compensação (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, (iii) necessidade de aprovação, (iv) direito a executar garantias, (v) direito a efetuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão transferidos.») sem que lhe associe qualquer juízo depreciador quanto ao decidido.

Diga-se, ainda assim, que o sentido que, à luz dos aludidos contributos, se pode extrair do referido excerto daquele acto se resume ao esclarecimento de que a transferência de activos do Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., que foi encetada para a recorrida Oitante, S.A., não visa conferir a quaisquer contrapartes daquele ou a terceiros quaisquer novos direitos e não viabiliza o exercício de quaisquer direitos que não existissem ou não pudessem ser exercidos se a transferência não tivesse ocorrido.

Trata-se, pois, de uma precisão, com intuito nitidamente limitativo, das consequências que a dita transferência acarreta para o exercício, por terceiros, de quaisquer direitos contra a recorrida Oitante. S.A. Não se divisa, por isso, que o resultado interpretativo que ali se colhe favoreça, seja em que medida for, o entendimento que a recorrente, ainda que implicitamente, sustenta.

Não se ignora, por outro lado, que o imóvel dado em pagamento pela recorrente ao Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. em cumprimento do contrato que com ele ajustou, integra, por força da aludida transferência, o acervo patrimonial da recorrida Oitante, S.A. (cfr. pontos n.os 18 e 40 da factualidade provada).

Porém, tal circunstância revela-se, à luz do que acima se expôs sobre a estreita conexão entre o conteúdo da medida de resolução e a aferição da legitimidade substantiva, desprovida de efectivo relevo.

E, mesmo que assim não se entendesse, certo é que a recorrente não pretende obter, em virtude da invalidade que imputa àquele negócio jurídico, a restituição desse imóvel à sua esfera jurídica (i.e., o efeito típico a que se refere o n.º 1 do art. 289.º do Código Civil), mas antes a condenação da recorrida na restituição da parte do valor entregue, correspondente ao valor facial das garantias bancárias não accionadas pelos donos das obras a favor das quais tais garantias foram prestadas pela sociedade S..., S.A..

Assim, atento o cariz estritamente obrigacional da pretensão deduzida, patenteia-se que a titularidade actual da propriedade do dito imóvel não constitui um elemento a que se deva reconhecer decisiva importância para efeitos de atribuição de legitimidade substantiva à recorrida.

Acresce ainda que o referido imóvel não está, por força de qualquer disposição legal ou sequer estipulação contratual, adstrito a responder exclusivamente pela satisfação da invocada prestação debitória, não se divisando, pois, qualquer excepção ao princípio ínsito no art. 601.º do Código Civil que, com base naquela relação jurídica real, outorgue àquela recorrida a necessária legitimidade substantiva.

No que toca à legitimidade substantiva do recorrido Banco Santander Totta, S.A., a recorrente nem sequer lhe dedica uma conclusão recursória que permita divisar uma qualquer divergência com o decidido no aresto impugnado.

Acrescente-se, em todo o caso, que o entendimento professado no acórdão recorrido é convergente com aquele que foi perfilhado por este Supremo Tribunal (cfr. o acima referido acórdão de 28/02/2023, proferido no processo n.º 1433/18.1T8CTB.C1.S1, e que aqui se reitera). Note-se ainda que, para que o crédito invocado pela autora pudesse ser considerado como integrante das situações activas e passivas transmitidas para este recorrido, era imperioso que, atento o determinado no parágrafo 1. do anexo 3 da referida medida de resolução, a mesma alegasse e demonstrasse (cfr. n.º 1 do art. 342.º do Código Civil) que o mesmo figurava no balanço do Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. à data da respectiva resolução. Neste sentido, e a respeito de responsabilidade civil contratual emergente de contrato de intermediação financeira ajustado com o Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., ver o acórdão deste Supremo Tribunal de 12/10/2023, proferido no processo n.º 731/22.4T8VRL-A.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Assim, atentas as considerações expostas, conclui-se, tal como no acórdão recorrido, pela ilegitimidade substantiva de ambos os recorridos.

3. Por conseguinte e face ao que se expôs, mostra-se prejudicada a apreciação da segunda questão objecto do recurso acima enunciada – a invocada invalidade parcial do contrato de cessão de créditos celebrado entre a recorrente e o Banif, S.A., atendendo a que a questão da validade ou invalidade de um contrato apenas pode ser apreciada em acção da qual sejam partes os outorgantes do mesmo contrato.

VI – Dispensa do remanescente da taxa de justiça

1. Como referido supra, no relatório do presente acórdão, durante a pendência do recurso de revista, veio a recorrente requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Para tanto alega, em síntese, que o montante da taxa de justiça final, a ser fixado de acordo com a tabela constante do RCP, é manifestamente desproporcional em função do serviço prestado e da complexidade da causa.

O Ministério Público emitiu parecer, onde concluiu nos seguintes termos:

“Assim, considerando a média complexidade da causa, bem como a lisura da sua conduta e visto o disposto nos art.os 6.º , n.º 7, do RCP e 530.º, n.º 7, do CPC, somos de parecer que:

I- A pronúncia acerca da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não pode contemplar a atividade processual desenvolvida na 1.ª e 2 instâncias;

II- Deve dispensar-se a recorrida do pagamento da taxa de justiça remanescente respeitante à presente instância recursória em 80% daquele valor.”.

2. Considerando que o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, que foi apresentado antes da prolação da decisão final, é tempestivo (cfr. AUJ n.º 1/2022, publicado no Diário da República, Iª Série, de 03/01/2022), importa proceder à sua apreciação.

O Ministério Público, no seu parecer, veio admitir uma competência residual deste Supremo Tribunal para apreciar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, circunscrita à tramitação ocorrida no recurso de revista.

Não se desconhecendo a existência de divergências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca da competência para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, por razões de economia e de celeridade processual, adopta-se a orientação segundo a qual, tendo sido proferida decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, conhecendo do mérito do recurso, tem este Tribunal competência para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias. Cfr., neste sentido, os acórdãos de 29/03/2022, proc. n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, de 13/09/2022, proc. n.º 799/09.9TBOER.L1.S1, de 31/01/2023, proc. n.º 327/14.4T8CSC.L1.S1, de 31/01/2023, proc. n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1, de 30/05/2023, proc. n.º 903/13.2TBSCR.L2.S1, de 30/05/2023, proc. n.º 2380/08.0TBSTS.P2.S1, de 04/07/2023, proc. n.º 4105/21.6T8VNG.P1.S1, de 11/07/2023, proc. n.º 10723/18.2T8LSB.L1.L1.S1, de 28/09/2023, proc. n.º 752/20.1T8CTB.C1.S1, de 12/12/2023, proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1, de 25/06/2024, proc. n.º 617/16.1T8VNG.P2.S1 e de 19/09/2024, proc. n.º 18679/21.8T8SNT-A.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Nesta medida, decide-se analisar todo o processado anterior e ponderar globalmente os diversos parâmetros relevantes em cada uma das fases processuais.

A questão a decidir consiste, pois, em determinar se, no caso dos autos, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 6.º do RCP, existe fundamento legal, nos termos do n.º 7 do mesmo dispositivo, para conceder a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa excede o montante de €275.000,00.

Segundo o que estipula o n.º 1 do art. 529.º do CPC, “as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de partes”, prevendo o n.º 2 da mesma disposição que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”

Por seu turno, o art. 6.º do RCP estatui, nas disposições com relevo para a apreciação do presente incidente, o seguinte:

“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento (…)

7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.

A Tabela I prevê treze escalões de taxa de justiça fixados em função dos valores da acção até ao montante de €275.000,00, acrescendo, para além desse limiar, “a final, por cada €25 000 ou fracção, 3UC, no caso da col. A, 1,5UC, no caso da Col. B, e 4,5UC, no caso da col. C.”.

No tocante à possibilidade de adequar o valor das custas à complexidade da causa e ao comportamento das partes, tal como prevista no art. 6.º, n.º 7, do RCP, a mesma decorre do respeito pelo princípio da proporcionalidade, para o qual a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a chamar a atenção, pronunciando-se no sentido de que a norma prevista no n.º 7 do art. 6.º do RCP deve ser interpretada em termos de permitir, em causas de valor superior a €275.000,00, a dispensa do pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, tendo por referência as especificidades da situação concreta relativas à utilidade económica da causa, à complexidade do processado e ao comportamento das partes, numa ponderação a efectuar à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos de 12/12/2013, proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, de 18/01/2018, proc. n.º 7831/16.8T8LSB.L1.S1, proc. n.º 7831/16.8T8LSB.L1.S1, 25/03/2021, proc. n.º 13125/16.1T8LSB.L2-A.S1 e de 20/12/2021, proc. n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Como sublinha Salvador da Costa (As Custas Processuais – Análise e Comentário, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 101), “a referência à complexidade da causa significa a sua menor complexidade ou maior simplicidade, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, e a menção à conduta processual das partes tem a ver com a sua atitude na condução do processo, em quadro de cooperação e de boa-fé processual, previstas nos artigos 7° e 8.º do CPC, sem abuso dos meios processuais nem provocação de dilações escusadas. Os referidos pressupostos são de cariz exemplificativo, pelo que podem relevar para efeitos da dispensa do aludido remanescente outros elementos de facto tidos por idóneos, por exemplo o objeto da ação e a natureza do interesse por ele envolvido. A sua verificação é atinente a cada uma das partes, com base na respetiva atuação no processo no piano da complexidade criada e a cooperação processual ocorrida.”.

3. No caso concreto dos autos, o valor da causa e dos recursos (cfr. art. 12.º, n.º 2, parte final, do RCP) ascende a €364 290,81 (trezentos e sessenta e quatro mil duzentos e noventa euros e oitenta e um cêntimos).

Na situação vertente, importa ainda ter em consideração que:

- Logo após a citação, foi declarada extinta a instância quanto à ré Grupo..., ACE, por ter sido objecto de dissolução e encerrada a respectiva liquidação;

- No decurso da acção, a autora veio desistir do pedido em relação à ré V..., S.A. e efectuou transacções, homologadas por sentença, em relação à ré Águas de ..., à ré Águas do ..., ao réu Município de ..., às rés Águas de L. e Águas do T...., ao réu Município de ... e ao réu Município de ...;

- A autora pediu a intervenção principal da chamada A..., S.A.., como associada da ré Águas de L., o que foi deferido;

- A autora pediu a intervenção principal do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. – em liquidação e do Banco de Portugal que, admitidos a intervir, apresentaram, cada um deles, a sua contestação, a que a autora respondeu, em 17/10/2022, ampliando o pedido (no sentido de os réus serem condenados a pagarem à autora uma sanção pecuniária compulsória), o que veio a ser admitido por despacho de 13/12/2022;

- Foi posteriormente proferido despacho saneador onde, além do mais, foi julgada extinta a instância relativamente às chamadas Banif e Banco de Portugal, decisão mantida em recurso, e identificado o objecto do processo e os temas de prova – estes circunscritos ao contrato celebrado entre a autora e o Banco Banif, as garantias bancárias prestadas por este e a realização das obras a que tais garantias se destinavam –, de que não houve reclamação;

- A autora, em virtude do accionamento das garantias bancárias pela ré V..., S.A., no valor de €35.850,00, e pelo Município de ..., no valor de €39.540,78 € (num total de €47.435,26), reduziu o pedido ao montante de €288.900,92;

- Em sede de recurso de apelação, a autora impugnou a decisão de facto, que não chegou a ser conhecida no acórdão recorrido, e o mérito da sentença recorrida, tendo o réu Santander requerido a ampliação do recurso nas suas contra-alegações, ampliação esta que também não chegou a ser conhecida atenta a decisão de improcedência total do recurso;

- As questões jurídicas apreciadas pelas instâncias reportam-se fundamentalmente ao contrato de cessão de créditos celebrado entre a autora e o Banco Banif, tendo o Tribunal da Relação atendido às vicissitudes ocorridas no decurso das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banif, S.A.; a análise de tais questões não excedeu a complexidade típica associada à generalidade dos casos análogos e não implicou para o seu tratamento operações de exegese especialmente exigentes.

Por fim, importa ainda ter presente que, por despacho da 1.ª instância, a 2.ª ré Águas de ... foi já, por decisão do Tribunal da 1.ª instância de 20.05.2021, dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Assim, e considerando que os demais réus que transigiram (1.º réu; e 3.º a 17.º réus) também o fizeram em momento prévio ao da realização da audiência de julgamento e da prolação da decisão final, i.e. em igualdade de circunstâncias processuais com a ré Águas de ..., justifica-se idêntico tratamento ao desta última ré.

Quanto à autora e às 18.º e 19.º rés, respectivamente, Banco Santander Totta, S.A., e Oitante, S.A., perante o exposto, não oferece dúvida de que a utilidade, medida em função do valor económico dos interesses envolvidos, é elevada e que a tramitação processual revestiu, em sede de 1.ª instância, uma maior complexidade, com inúmeros incidentes da instância a exigirem a prolação de decisões judiciais interlocutórias, comparativamente com a tramitação regular em sede de apelação e revista.

Por sua vez, a respeito da conduta processual adoptada por estas partes não é de registar qualquer violação dos deveres de boa-fé e de cooperação processual, tendo as mesmas exercitado em termos regulares o seu direito com vista à salvaguarda dos seus interesses.

Ponderados todos estes factores, conclui-se que o processado implicou para o tribunal de 1ª instância um significativo volume de trabalho, pelo que se entende não existir fundamento para dispensar as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente nem tampouco para reduzir esse pagamento.

Contudo, verificando-se que a apreciação do caso não envolveu para o Tribunal da Relação, nem para este Supremo Tribunal volume de trabalho tão significativo, considera-se que o respeito pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação faz com que seja adequado dispensar as partes do pagamento de 80% do valor da taxa de justiça remanescente, devida pelo recurso de apelação e de revista, para além do valor de €275.000,00, sendo deste modo devido o valor de 20% do valor da referida taxa de justiça remanescente em ambas as instâncias de recurso.

VII - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a. Julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido;

a. Deferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente devida pelos réus que transigiram (1.º réu; e 3.º a 17.º réus) pela tramitação dos autos em primeira instância (sendo que a 2.ª ré Águas de ... foi já, por decisão do Tribunal da 1.ª instância de 20.05.2021, dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça);

b. Indeferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente devida pela autora e pelas 18.º e 19.º rés, respectivamente, Banco Santander Totta, S.A., e Oitante, S.A., pela tramitação dos autos em primeira instância;

c. Deferir parcialmente o pedido de dispensa das partes do pagamento de 80% do valor da taxa de justiça remanescente, devida pelos recursos de apelação e de revista, para além do valor de €275.000,00, sendo deste modo devido o valor de 20% do valor da referida taxa de justiça remanescente em ambas as instâncias de recurso.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2024

Maria da Graça Trigo (relator)

Catarina Serra

Ana Paula Lobo