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Jurisprudência
N.º de Processo:
12354/23.6T8PRT.P1.S1
www.dgsi.pt Fonte: STJ (DGSI)
Data:
29/01/2025
Meio Processual:
Jurisprudência:
Votação:
Sumário

I. Nos termos do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

II. Se, aquando da revogação do contrato de trabalho, as partes acordarem na atribuição ao trabalhador de uma compensação pecuniária global, como contrapartida do termo da relação laboral, presume-se (iuris tantum) que a mesma inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.

III. O trabalhador tem a possibilidade de – ilidindo esta presunção – reclamar os créditos vencidos à data da cessação do contrato, ou exigíveis em virtude desta, que não tenham sido incluídos naquela compensação global, caso em que é aplicável o prazo prescricional de um ano supra supramencionado.

IV. Ao crédito relativo à compensação pecuniária global acordada aquando da revogação do contrato de trabalho é aplicável o prazo de prescrição ordinária de vinte anos (art. 309º, do C. Civil), e não o prazo de um ano.

Decisão Texto Integral

Revista n.º 12354/23.6T8PRT.P1.S1

MBM/JG/JES


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra MDS África, SGPS S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

a) O montante de 24.606,48 € em dívida;

b) O valor dos prémios anuais em dívida desde 2011, no montante total de 130.000,00 €;

c) A título de indemnização por danos morais que ainda não cessaram de se produzir, decorrente de conduta da R., e que ainda não podem ser integralmente liquidados, montante para já não inferior a 30.000,00 €;

d) Juros de mora, à taxa legal, “desde a data do respetivo vencimento e desde a data da citação, até integral pagamento, calculados sobre cada um dos montantes peticionados nas antecedentes als. a) e b)”.

2. A ré contestou, excecionando, para além do mais, a prescrição dos direitos invocados pelo autor, alegando que decorreu mais de um ano sobre a data do acordo revogatório do contrato de trabalho celebrado entre as partes.

3. A exceção de prescrição foi julgada procedente na 1ª Instância, absolvendo-se, a R., consequentemente, de todos os pedidos deduzidos.

4. Interposto recurso pelo A., o Tribunal da Relação do Porto (TRP), julgando a apelação parcialmente procedente, revogou aquela decisão, na parte em que declarou prescritos os créditos peticionados sob as alíneas a) e c)1, bem como na al. d) no respeitante aos juros relativos ao pedido da al. a), determinando o prosseguimento da ação para conhecimento de tais pedidos.

5. Inconformada, a R. interpôs recurso de revista

6. O A. contra-alegou.

7. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser parcialmente concedida a revista, parecer a que as partes responderam, em linha com as posições antes sustentadas nos autos.

8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso, a única questão a decidir2 consiste em determinar se se encontram prescritos os créditos mencionados em supra nº 4.

Decidindo.


II.


9. A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:

1. Em janeiro de 2011, o autor celebrou com a empresa MDS – Corretor de Seguros, S.A., um contrato de trabalho sem termo;

2. A MDS – Corretor de Seguros, S.A., e a ré, pertenciam ao grupo de empresas denominado SONAE;

3. No dia 1 de abril de 2017, a mesma MDS – Corretor de Seguros, S.A., cedeu a sua posição de entidade empregadora no contrato de trabalho que celebrou com o trabalhador ré, com acordo do autor;

4. O autor foi nomeado ... da ré;

5. Autor e ré celebraram acordo para a cessação do contrato de trabalho a 21 de maio de 2021;

6. Consta da cláusula segunda de tal acordo: “A cessação do Contrato de Trabalho produzirá todos os seus efeitos no dia 21.05.2021, data em que cessam todos os direitos e garantias das Partes emergentes do Contrato de Trabalho que, por este meio, se faz cessar, renunciando o Segundo Outorgante a todo e qualquer direito a reintegração.”

7. Consta da cláusula terceira de tal acordo:

“1. As Partes estabelecem como compensação pecuniária, a pagar pela Primeira à Segundo Outorgante, a quantia de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), dos quais:

a) € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) ilíquidos serão pagos na data de cessação do contrato;

b) O remanescente no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) fica condicionado à verificação dos termos previstos nos números 5, 6 e 7 da presente cláusula.

2. O Segundo Outorgante terá ainda direito a auferir o valor de € 13.313,08 (treze mil trezentos e treze euros e oito cêntimos), a título de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como crédito de horas de formação profissional.”

3. As Partes declaram que o montante supramencionado inclui todas e quaisquer quantias devidas, vencidas e vincendas, pela Primeira ao Segundo Outorgante, por força do Contrato de Trabalho ou exigíveis em resultado da sua cessação, incluindo, mas não limitando, designadamente, todas as quantias previstas na lei e instrumentos de regulação coletiva eventualmente aplicáveis.

4. A quantia líquida que for apurada referente aos pontos 1., al. a) e 2. será paga na data de cessação do contrato, pela Primeira ao Segundo Outorgante, por transferência bancária, para a conta do Segundo Outorgante para a qual foram efetuados os pagamentos mensais da sua retribuição, ao abrigo do Contrato de Trabalho, até ao momento.

5. Considerando que decorre, atualmente, uma auditoria contabilística a uma sociedade do Grupo – MDS Moçambique, na qual o Segundo Outorgante exerceu funções de ..., acordam as partes em estabelecer que a parte da compensação, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), está condicionada à não existência de valores dos quais o Segundo Outorgante seja responsável, pelo que, se da auditoria resultar algum crédito a favor da Primeira Outorgante, o mesmo será descontado no valor dos € 20.000,00 (vinte mil euros) aqui acordado, sendo então pago o valor remanescente ou, pago pelo Segundo Outorgante à primeira o saldo que a favor desta resultar.

6. O Segundo Outorgante reserva-se ao direito de contestar os resultados da auditoria caso discorde do resultado da mesma, sem que contudo esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.

7. A Primeira Outorgante compromete-se a terminar a auditoria referida no ponto precedente até 31 de julho de 2021, informando o Segundo Outorgante até ao dia 15 de agosto de 2021 do valor dos débitos/créditos a seu favor, comprometendo-se a – existindo algum crédito a favor do Segundo Outorgante –, transferir até 31 de agosto de 2021 para a conta bancária do mesmo o respetivo valor apurado, depois de feitos os descontos legais.

8. Se a Primeira outorgante não proceder à comunicação referida no ponto anterior, no prazo ali definido, o Segundo Outorgante terá direito a receber, de imediato e sem necessidade de interpelação, o valor da compensação de € 20.000,00 (vinte mil euros) indicado no número 5 da presente cláusula, acrescido do valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), perfazendo um total de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), constituindo o presente acordo título executivo para o efeito.

9. Caso a mencionada auditoria não venha a ser concluída até à data mencionada no ponto 7, o Segundo Outorgante mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso dos créditos que entende ter sobre a Primeira Outorgante, e que não se incluem no valor de € 20.000,00 retidos da compensação, sem que contudo esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.”

8. Consta da cláusula quinta do mesmo acordo:

“1. Com o presente acordo o Segundo Outorgante desde já declara nada mais ter a reclamar ou exigir relativamente à Primeira Outorgante no que concerne aos créditos laborais referentes a retribuições, comissões, formação profissional, ajudas de custo, subsídios de refeição, trabalho suplementar, férias, subsídios de férias, subsídios de Natal, bónus, prémios de produtividade, dando por isso plena quitação

2. Por outro lado, com a finalização do processo de auditoria referenciado no ponto 5 da cláusula terceira, e eventual pagamento de compensação, se aplicável, nos termos dos pontos 5, 6, 7 e 8 da mesma cláusula, ambas as partes comprometem-se a declarar, para todos os efeitos, nada mais terem a reclamar ou a exigir uma da outra no âmbito da relação laboral que agora cessa, seja a que título for, e da parte do Segundo Outorgante relativamente à sociedade aqui identificada como Primeira Outorgante.

3. A declaração constante do ponto anterior é extensiva a todas as empresas do grupo à qual a Primeira Outorgante pertence.”

9. A ré pagou ao autor, no dia 21 de maio de 2021, a quantia de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros).

10. Em setembro de 2021, a ré pagou ao autor a quantia de 22.500,00 € (vinte mil euros).

11. O autor requereu Notificação Judicial Avulsa da ré, tendo esta sido notificada em 14 de julho de 2022.


III.


a) – Considerações preliminares:

10. A revogação do contrato de trabalho, regulada nos arts. 349º e 350º do Código do Trabalho (CT)3, é um negócio jurídico bilateral, mediante o qual as partes, por mútuo consenso, procedem à cessação de um vínculo laboral válido, aqui residindo o seu efeito principal.

A par deste efeito extintivo, as partes podem acordar noutras consequências (art. 349º, nº 4), maxime a atribuição ao trabalhador de uma compensação pecuniária global, como contrapartida do termo da relação laboral (“[e]stes efeitos conexos com a cessação do contrato relacionam-se normalmente com compensações pecuniárias devidas por qualquer das partes, mas também podem depender de uma ponderação de consequências de negócios coligados com o contrato de trabalho”)4, presumindo-se (iuris tantum) que a mesma inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta (nº 5 do mesmo artigo), presunção que não abrange a liquidação de tais créditos, ao contrário do regime consagrado no art. 394º, nº 4, do CT de 2003 (bem como no art. 8º, nº 4, do DL nº 64-A/89, de 27 de fevereiro).

Como refere Joana Vasconcelos5, «com a eliminação da referência legal à liquidação (tomada como sinónimo de pagamento) ter-se-á pretendido substituir uma formulação aparentemente mais restritiva por outra, mais aberta à riqueza e variedade das composições entre as partes suscetíveis de produzir a extinção dos respetivos créditos, expressas na atribuição de uma compensação “global” e/ou no seu montante».

Quanto às consequências do incumprimento da compensação global acordada, diz-nos a mesma autora que “faz o empregador incorrer em responsabilidade civil perante o trabalhador, o qual pode exigir a realização coativa da prestação devida, em conformidade com o regime comum, constante dos arts. 798º e segs., 804º e 817º e segs. do CódCiv”. 6

11. Nos termos do art. 337º, nº 1, do CT, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Nada tendo as partes estabelecido no acordo revogatório para além da cessação do vínculo laboral, o trabalhador pode sempre, naturalmente, peticionar posteriormente quaisquer créditos laborais, tantos os vencidos, como os diretamente decorrentes da extinção do contrato de trabalho (v.g. a título de férias, subsídio de férias e de Natal e respetivos proporcionais) ou da sua violação (v.g. por factos geradores de danos não patrimoniais).

Sendo atribuída ao trabalhador uma compensação pecuniária global, como contrapartida do termo da relação laboral, ele também poderá, ilidindo a sobredita presunção, reclamar “os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta” que não tenham sido incluídos naquela compensação global.

Em qualquer destas duas situações, estão em causa créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua cessação, sendo por isso aplicável aquele prazo prescricional de um ano.

Nesta perspetiva, no Ac. de 15.12.2022 desta Secção Social (Proc. n. º 8534/18.4T8PRT.P1.S1), num caso em que no acordo revogatório do contrato de trabalho as partes clausularam que “no termo do contrato a (…) escola liquida à trabalhadora os vencimentos relativos aos meses de Julho, Agosto, proporcionais de férias e Natal, nada mais tendo a receber um do outro”, decidiu-se que “os eventuais créditos laborais a que [para além daqueles] a Autora tivesse direito, no âmbito da execução de tal contrato de trabalho, prescreveram decorrido um ano, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

12. Tendo plena aplicação aos créditos diretamente emergentes da relação laboral, afigura-se-nos, todavia, que este prazo prescricional de um ano é inaplicável ao crédito relativo à compensação pecuniária global acordada aquando da revogação do contrato de trabalho, crédito a que é aplicável o prazo de prescrição ordinária de vinte anos (art. 309º, do C. Civil), como vem sendo entendido pela jurisprudência (v.g. Acs. desta Secção Social do STJ de 22.02.2006, Proc. n.º 05S1701, do TRG de 18.04.2024, Proc. nº 387/23.7T8GMR-A.G1, do TRL de 10.01.2017, Proc. n.º 1480/14.2TYLSB, e do TRL de 10.04.2013, Proc. n.º 474/11.4TTLSB.L1-4) e pela doutrina largamente dominantes.

Com efeito, e como desde logo se lê no sumário deste Ac. do STJ de 22.02.2006, tirado a propósito de litígio em que igualmente se discutia a aplicabilidade a determinada situação do art. 38º, da LCT (disposição legal que no essencial é idêntica à norma contida no atual art. 337º, nº 1, do CT):

– As razões (de certeza do direito e de dificuldade de prova) que ditam o estabelecimento do curto prazo de prescrição previsto no art. 38.º da LCT, desaparecem quando a situação jurídica fica definitivamente decidida através de sentença ou determinada através doutro título executivo, como é o caso do contrato de revogação por acordo da relação laboral, em que as partes fixaram uma compensação pecuniária de natureza global, que inclui e liquida todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação.

– Este (novo) crédito autonomiza-se da relação laboral pois tem como fundamento (imediato) um contrato (revogatório) que põe justamente fim ao contrato de trabalho e através do qual as partes extinguiram todos os créditos emergentes do contrato de trabalho, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (art. 857º do CC).

– O regime de prescrição da convencionada compensação pecuniária de natureza global é o estabelecido nos arts. 309° e segs. do CC, sendo o prazo ordinário da prescrição o de vinte anos.

13. Quanto à doutrina, neste sentido, vide, desenvolvidamente, a citada autora7, que, não obstante, introduz algumas pertinentes observações, destacando-se, em especial, a propósito do paralelismo com a novação, a seguinte8:

“Sendo várias e inquestionáveis as afinidades (…), são também várias e incontornáveis as diferenças (…). Antes de mais, tal efeito novatório resultaria, não tanto de uma intenção das partes nesse sentido (que o art. 859º do CódCiv exige que seja expressa, mas da própria lei, que associa ao ajuste de tal compensação pecuniária global a presunção de que o respetivo montante inclui todos os créditos laborais vencidos e exigíveis pelas partes. Depois, porque a nova obrigação substituiria e, como tal, extinguiria, não um único crédito, mas a totalidade dos créditos de parte a parte emergentes do vínculo laboral que cessa por acordo. Daí que, desde 2003 que a própria lei, em ordem a acautelar a respetiva situação, atenue o efeito novatório àquela associado, esclarecendo a natureza relativa da presunção nela estribada e a consequente prova do contrário, em ordem a fazer valer créditos não incluídos na fixação do respetivo montante. Tais créditos, não tendo sido extintos por novação, subsistiriam para lá da cessação pactuada do vínculo laboral e durante o ano subsequente a esta.

E se é certo que todas as razões apontadas obstam a que se reconduza a atribuição de uma compensação pecuniária global ao trabalhador a uma verdadeira e própria novação, não o é menos que o estreito nexo legalmente estabelecido entre aquela satisfação (ainda que meramente presumida) dos créditos deste resulta (…)numa identidade de situações com a novação que é de molde a justificar analogia de soluções, desde logo no que se refere ao prazo prescricional aplicável.”

b) – Quanto ao caso sub judice:

14. Vejamos as implicações do exposto entendimento quanto aos pedidos do autor identificados em supra nº 1, alíneas a) e c), uma vez que o da alínea d), concernente a juros moratórios, se encontra subordinado à resposta relativa ao primeiro.

15. O acórdão recorrido assenta no seguinte raciocínio:

«[Q]uanto ao primeiro [pedido] (da al. a)), refere o autor/recorrente, no art. 33º da sua petição inicial o seguinte:

“Assim, porque o acordo abrange as duas empresas – a R e a empresa MDS Moçambique – e a interpretação por parte dos Recursos Humanos da MDS foi intencionalmente distorcida, como a R bem sabe, o A ainda agora continua sem ser ressarcido das despesas em África, que totalizaram 24.606,48 €, tudo conforme discriminado no email enviado à R em 2 de novembro de 2020, cujo montante ora aqui se peticiona, para todos os devidos e legais efeitos.”

Consta da cláusula terceira do acordo de revogação o seguinte:

7. A Primeira Outorgante (...) comprometendo-se a – existindo algum crédito a favor do Segundo Outorgante –, transferir até 31 de agosto de 2021 para a conta bancária do mesmo o respetivo valor apurado, depois de feitos os descontos legais.

9. Caso a mencionada auditoria não venha a ser concluída até à data mencionada no ponto 7, o Segundo Outorgante mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso dos créditos que entende ter sobre a Primeira Outorgante, e que não se incluem no valor de € 20.000,00 retidos da compensação, (...)

Ora, o autor/recorrente alega que nunca lhe foi comunicado qualquer resultado de qualquer auditoria, questionando mesmo a realização desta. Daí que peticione os valores aqui em causa, não sendo de conhecer neste momento se os mesmos estão justificados ou foram devidamente fundamentados do ponto de vista formal.

Ou seja, tal crédito resulta do acordo de revogação do contrato de trabalho, pelo que o mesmo não se mostra extinto por prescrição, seja em função do entendimento que aqui se aplica o prazo ordinário, seja em função da interrupção resultante da notificação judicial avulsa. O mesmo se aplicando ao pedido de condenação em juros de mora relativos a tal crédito.

Quanto ao terceiro pedido (da al. c)), não se questiona que os danos não patrimoniais resultantes da relação laboral, ou seja, nomeadamente os resultantes de assédio invocado pelo autor/recorrente, porque diretamente relacionados com a mesma relação, estão igualmente abrangidos pelo prazo prescricional do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho. Porém, o que o autor/recorrente alega, nos arts. 40º a 45º da petição inicial, é o seguinte:

“(40º) Por outro lado, o não pagamento pontual e integral dos valores em dívida ao A, criando-lhe enormes dificuldades a nível pessoal, familiar e financeiro, (41º) Bem como o prolongado processo de assédio moral desenvolvido desde 2017, causaram ao A., como sua consequência direta e necessária, graves danos, designadamente não patrimoniais, (42º) Produzindo-lhe, em todos esses momentos, profundo sentimento negativo, (43º) Nomeadamente de marcada frustração, vexame e humilhação, (44º) E sobretudo de uma profunda angústia sobre o seu próprio futuro, (45º) Determinando assim uma profunda modificação da normalidade da vida não apenas profissional, mas também pessoal, familiar e social do A.”.

Ou seja, também os danos não patrimoniais peticionados se prendem, pelo menos parcialmente, com o incumprimento do acordo de revogação, pelo que também este eventual crédito não se mostra prescrito, exclusivamente no que se refere a estes.».

16. Quanto ao pedido da alínea a), que essencialmente radica no nº 9 da cláusula 3ª (cfr. nº 7 dos factos provados), afigura-se-nos, contrariamente ao acórdão recorrido, que estão em causa créditos baseados na relação laboral propriamente dita, não se encontrando incluídos, pois, na compensação pecuniária global convencionada como contrapartida do termo da relação laboral.

Neste sentido aponta a expressão “créditos que [o trabalhador] entende ter sobre a Primeira Outorgante”, que, incontornavelmente, remete para direitos constituídos antes do acordo revogatório.

Como bem refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer: “É que o que se dispõe expressamente naquele n.º 9 é que, caso a auditoria não venha a ser concluída até 31.07.2021, o autor mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso de créditos que entende ter, e que não estão incluídos na compensação, ou seja créditos que resultam diretamente do contrato de trabalho e que não foram inseridos na novação contratual resultante do acordo revogatório”.

Autor e ré celebraram o acordo para a cessação do contrato de trabalho a 21 de maio de 2021 (nº 5 dos factos provados), pelo que, na ausência de qualquer facto interruptivo da prescrição, estes créditos só poderiam ser reclamados até 22.05.2022.

Tendo a ação sido interposta posteriormente, e sendo certo que a notificação judicial avulsa da ré teve lugar apenas em 14.07.2022 (nº 11 da matéria de facto), tais créditos encontram-se, pois, prescritos, nos termos do citado art. 337º, nº 1, com prejuízo do correspondente pedido de juros de mora, formulado na alínea d) da petição inicial.

17. O mesmo acontece no tocante no tocante ao invocado crédito indemnizatório por danos não patrimoniais [pedido da alínea c)].

Com efeito:

Este pedido radica em dois conjuntos de factos – “não pagamento pontual e integral dos valores em dívida ao A.” (art. 40º, da petição inicial) e “assédio moral desenvolvido desde 2017” (art. 41º, da petição inicial) – e respetivas consequências danosas.

Como afirma o acórdão recorrido, “não se questiona que os danos não patrimoniais resultantes da relação laboral, ou seja, nomeadamente os resultantes de assédio invocado pelo autor/recorrente, porque diretamente relacionados com a mesma relação, estão igualmente abrangidos pelo prazo prescricional do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho”.

E, quanto ao alegado não pagamento pontual e integral dos valores em dívida ao A., enquanto elemento constitutivo da obrigação de indemnizar por danos morais, apenas descortinamos possíveis atrasos no pagamento de créditos baseados na relação laboral propriamente dita, e não na compensação pecuniária global convencionada como contrapartida do termo da relação laboral.

Ou seja: por um lado, os créditos mencionados em supra nº 16, abrangidos no “pedido da alínea a)”, cuja génese já ali foi examinada; por outro lado, o valor dos prémios anuais alegadamente em dívida desde 2011, no montante total peticionado de 130.000,00 € [“pedido da alínea b)” da petição inicial e aludido em supra nº 1], sendo que, quanto a estes, se encontra decidido pelo acórdão recorrido, transitado em julgado neste ponto, que “não existem dúvidas que os mesmos se prendem diretamente com a relação laboral estabelecida entre autor/recorrente e a ré/recorrida, pelo que nenhuma censura merece a decisão [da 1ª instância] quando julgou prescritos tais créditos”.

Deste modo, não se vendo que a peticionada indemnização por danos não patrimoniais se prenda, ainda que apenas em parte, com o incumprimento da obrigação relativa à compensação pecuniária global acordada aquando da revogação do contrato de trabalho (ou, dito de outra forma, que radique, mesmo parcialmente, no incumprimento do acordo de revogação, propriamente dito), não é aplicável a tal invocado crédito o prazo de prescrição ordinária de vinte anos (art. 309º, do C. Civil), mas o mesmo prazo de um ano antes considerado.

Pelas razões já expostas em supra nº 16, também este crédito se encontra, pois, prescrito.

Consequentemente, conclui-se pela procedência da revista.


IV.


18. Em face do exposto, concedendo a revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância.

Custas da revista, bem como nas instâncias, a cargo do autor.

Lisboa, 29.01.2025

Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

José Eduardo Sapateiro

_____________________________________________

1. E não alínea d), como por manifesto lapso material consta do dispositivo do acórdão.↩︎

2. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎

3. Todas as disposições legais citadas sem menção em contrário respeitam ao Código do Trabalho de 2009.↩︎

4. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 10ª edição, Almedina, 2022, p. 960.↩︎

5. A revogação do contrato de trabalho, Almedina, 2011, p. 83.↩︎

6. Ibidem, p. 210.↩︎

7. Ibidem, p. 212 – 213.↩︎

8. P. 213 – 214.↩︎