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Jurisprudência
N.º de Processo:
1337/22.3T8LRA.C1.S1
www.dgsi.pt Fonte: STJ (DGSI)
Data:
03/06/2025
Meio Processual:
Jurisprudência:
Votação:
Sumário

I. A regra da metade na participação dos cônjuges no património comum limita a autonomia dos ex-cônjuges na partilha subsequente ao divórcio, mas não a elimina.

II. A regra da metade é violada, o que torna nula a partilha, ou o consequente negócio jurídico, quer quando não constam do ou dos contratos elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges, quer quando dos respetivos termos resulta uma manifesta desproporção nas atribuições.

Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

I. ARGITOP SGPS, S.A. propôs a presente ação declarativa, na forma comum, contra: AA; BB e CC, pedindo, na respetiva procedência que:

“a) seja declarado nulo o Acordo Pontual de Partilha (celebrado entre o 1º R. e a 2ª R.) e, bem assim, o Contrato de Compra e Venda (celebrado entre a 2ª e 3ª Rés) do Imóvel que identifica;

e, em consequência,

b) seja declarado que o Réu AA é o titular do direito de propriedade sobre o referido Imóvel.”

2. Regularmente citados, contestaram todos os Réus, por impugnação, concluindo pela improcedência da demanda.

3. Foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:

“Pelo exposto, julga-se totalmente procedente, nos termos expostos, a presente ação e, em consequência, decide-se:

a) Declarar a nulidade do Acordo Pontual de Partilha (celebrado entre o 1º R. e a 2ª R.) em 13.11.2020 e, bem assim, do Contrato de Compra e Venda (celebrado entre a 2ª e 3ª Rés) também em 13.11.2020 relativo ao bem imóvel, melhor identificado em 12 dos factos provados;

b) Declarar que por força de tais nulidades, o direito de propriedade do identificado imóvel permanece na titularidade do 1º Réu, AA.”

4. Inconformados com a sentença proferida nos autos, apelaram autonomamente, todos os Réus.

5. O Tribunal a quo conheceu dos interpostos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi enunciado:

“Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso deduzido pelos RR./recorrentes, do que decorre ficar prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do recurso deduzido subsidiariamente pela A./recorrida, assim se mantendo a sentença recorrida, sem prejuízo da clarificação do teor do item “b)” do dispositivo dessa sentença, o qual passa a ser “b) Declarar que por força de tais nulidades, o direito de propriedade do identificado imóvel permanece na titularidade do 1º Réu, AA, mais concretamente integrando o património do ex-casal formado pelo mesmo e pela 2ª Ré”. Custas do recurso pelos RR./recorrentes.”

6. De novo inconformado, interpôs o Réu/AA revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, que foi admitida pela Formação, tendo aduzido as seguintes conclusões:

“A. Justifica-se admitir o presente recurso de revista excecional à luz do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. a) do CPC, tendo em consideração os interesses em discussão, que se reportam, em particular, à interpretação do artigo 1730.º do CC, disposição atinente ao direito da família, mas com repercussões nos demais ramos do direito.

B. A argumentação esgrimida pelo douto Tribunal a quo, estribando-se, embora, em jurisprudência dos tribunais superiores, não poderá estabilizar-se no ordenamento jurídico holisticamente considerado, porquanto conduz a resultados indesejados e até avessos aos que resultam da correta interpretação e aplicação de outras normas substantivas e adjetivas.

C. Neste sentido, por conduzir a uma interpretação mais fiel ao sistema jurídico, revela-se o presente recurso de revista excecional – e a resposta que lhe será dada, após confronto dos interesses em discussão – indispensável para uma salutar aplicação do Direito, sendo de impedir que uma formulação seja repetida ad aeternum, sem que os factos concretamente em juízo sejam efetivamente objeto de ponderação ou, dito de outro modo, o nosso sistema jurídico não se compadece com a realização de justiça equiparável à case law, antes devendo aproximar-se do caso concreto, o que, salvo o devido respeito, não foi alcançado pelas decisões proferidas no presente processo, na primeira e segunda instâncias.

D. Além do que fica vertido supra, é também fundamento para interposição do presente recurso, a oposição do que foi decidido pelo douto tribunal a quo com o acórdão proferido pelo TRL, de 12/12/2006, processo n.º 8142/2006-7.

E. Naquele aresto, decidiu-se que “[p]rovando-se que existem bens comuns que não integram o rol dos bens comuns referidos no contrato-promessa e que o valor dos bens indicados não corresponde ao seu valor real, daí não decorre a inobservância da referida regra constante do artigo 1730.º/1 do Código Civil a impor a nulidade do contrato-promessa (artigos 285.º, 286.º, 294.º, 410.º e 1730.º/1 todos do Código Civil), não existindo obstáculo legal a uma partilha parcial que, no caso, foi requerida em inventário.”

F. Pelo contrário, no aresto revidendo decidiu-se, em sentido diametralmente oposto, que [é] “nulo, por violação do nº 1 do dito art. 1730º, e à luz do disposto no art. 280º do mesmo normativo, um contrato de partilha que não contemple a totalidade das situações jurídicas ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contenha a indicação do valor integral do conjunto dessas situações.”

G. No acórdão-fundamento, como no caso vertente – cf. factos 16 e 17 do aresto –, os ex-cônjuges (no caso dos presentes autos, o Recorrente e a 2.ª Ré) requereram processo de inventário para procederem à partilha do remanescente do acervo patrimonial que constituía o património comum dos, então, cônjuges.

H. No acórdão-fundamento lê-se ainda que “existindo bens que não estão relacionados na promessa de partilha (…) a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão”, porém, acrescenta-se, “o que importa averiguar é se, no caso sub judice, não foi respeitada a regra da metade”, concluindo-se, neste aspeto, “que cessadas as relações patrimoniais, cada um dos ex-cônjuges tem o direito de exigir a partilha dos bens comuns.

Mas têm também o direito de permanecer na indivisão. E, por maioria de razão, poderão proceder à partilha parcial”.

I. De forma mais decisiva ainda, conclui-se ali que “se nada obsta a que se proceda à partilha parcial, não vemos qualquer razão para que o contrato promessa seja considerado nulo apenas porque nele não foram incluídos todos os bens comuns e não lhes foi atribuído o valor real”.

J. Esta tese, contraria, por isso, frontalmente, o que vem referido no aresto recorrido, admitindo-se admite a possibilidade de validamente se celebrar um contrato (promessa ou definitivo) em que se procede a uma partilha parcial, independentemente de nesse contrato se incluírem todos os bens comuns e do valor que lhes seja atribuído.

K. Havendo outros bens por partilhar, não se poderá concluir pela violação da regra da metade até que todo o acervo seja partilhado, admitir entendimento contrário implicaria uma restrição à liberdade negocial que não tem, no direito, paralelo.

L. Admitindo-se embora que um contrato-promessa (ou um contrato de partilha parcial) é, em abstrato, apto a violar a regra do disposto no artigo 1730.º do CC, certo é que para se poder concluir pela efetiva violação de tal norma importa indagar, no caso concreto, se efetivamente o faz, não sendo, por isso, suficiente, para aquilatar da violação da referida norma o simples facto de se proceder a uma partilha parcial (admitindo que a mesma não contenha todos os elementos que permitam controlar a igualação do ex-cônjuges), ainda que a mesma contenha uma desproporção nas atribuições resultante – ou não, pois que ficara por provar tal facto, como abaixo se refere, cf. pontos 62 e 63 destas alegações – da desconformidade do valor real dos bens partilhados nesse contrato.

M. Tal conclusão só poderia ser alcançada após a partilha de todo o património comum dos cônjuges.

N. Admitir que o desvalor que se impõe automaticamente a um contrato de partilha que não contemple a totalidade das situações jurídicas ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contenha a indicação do valor integral do conjunto dessas situações é a nulidade, implica admitir que o legislador, ao estabelecer, nas normas que regulam o processo de inventário, a possibilidade de se proceder a uma partilha adicional, criou uma norma completamente vazia de conteúdo, o que não cremos que seja coadunável com o que vimos de referir quanto à interpretação das normas jurídicas.

O. A partilha adicional, é logicamente parcial (caso contrário dela não haveria necessidade).

P. E o que se diz é igualmente válido quando a partilha é feita extrajudicialmente, conforme se decidiu no proc. n.º 1083/21.5.8.....1-7: “[n]o caso em que tenha existido uma partilha extrajudicial podem os interessados requerer a partilha adicional de outros bens que não os anteriormente partilhados nos termos gerais em que pode ser instaurado o processo de inventário”.

Q. Acrescenta ainda o Ac. proferido no proc. n.º 891/11.0.......1-7 (em que o caso diz respeito inventário para partilha de bens comuns do casal): “[n]ote-se, aliás, que, por respeito ao princípio da conservação do acto jurídico de partilha, o art. 2122º, do CC estabelece que a omissão de bens da herança não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha (adicional) dos bens omitidos. […] Quer dizer: a partilha inicial mantém-se plenamente válida e eficaz (quer a omissão de bens seja voluntária ou involuntária), constituindo a partilha adicional uma nova partilha, que se realizará recorrendo aos instrumentos legais adequados”.

R. O legislador não haveria de prever soluções incompatíveis entre si, pelo que será de rejeitar a interpretação do artigo 1730.º que conduza à nulidade de um qualquer acordo, pelo simples facto de – conforme alvitrado pelo douto tribunal a quo – se não ter procedido à partilha de todos os bens que constituem a comunhão conjugal.

S. Quanto à putativa nulidade do acordo de partilha parcial porque dele não constam todos os elementos a partilhar, sempre se haverá de referir que tal juízo de prognose póstuma (ex ante) não é compatível com o desvalor que lhe é imposto (nulidade) pelo tribunal a quo.

T. A verificação de que a norma constante do artigo 1730.º do CC foi violada apenas poderá dar-se mediante um juízo ex post, donde, tudo sopesado, se possa extrair a conclusão – sem margem para dúvidas – de que a regra da metade foi efetivamente violada.

U. Mais ainda, o contrato cuja nulidade é declarada não foi o único celebrado pelos ex-cônjuges com a finalidade de partilharem o património comum, cf. factos provados 9, 16 e 17, sendo certo que, quanto a esses atos, nenhum desvalor lhes foi imputado, apesar de a [putativa] nulidade poder ser conhecida oficiosamente.

V. Mais ainda, ficando por demonstrar qual o valor do imóvel partilhado (atendendo ao arresto que sobre o mesmo incidia), haverá necessariamente de soçobrar qualquer juízo que conclua pela violação da regra da metade, sendo certo que o ónus da prova de tal facto competia à Recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverão V. Exas. Julgar procedente o presente Recurso de Revista Excecional e, em consequência, revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo, em sua substituição, pela improcedência total do pedido formulado pela Recorrida.”

7. Foram apresentadas contra-alegações, tendo a Recorrida/Autora/ARGITOP SGPS, S.A. pugnado pela inadmissibilidade da revista e, em todo o caso, pela manutenção do acórdão recorrido.

8. Foram cumpridos os vistos.

9. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pelo Recorrente/Réu/AA. consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar procedente a ação, declarando a nulidade do acordo pontual de partilha, celebrado entre o 1º Réu/AA e a 2ª Ré/BB, e, bem assim, do contrato de compra e venda do imóvel ajuizado, celebrado entre a 2ª Ré/BB e a 3ª Ré/CC, e, em consequência, declarou que o Réu/AA é o titular do direito de propriedade sobre o referido imóvel, impondo-se sentenciamento diverso que conduza à revogação da decisão do Tribunal recorrido, uma vez que o articulado acordo pontual de partilha não violou a regra da metade, imperativamente estatuída no art.º 1730º do Código Civil, tampouco pode ser declarado nulo à luz do disposto no art.º 280º do mesmo diploma legal?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos provados:

“1. A Autora foi responsável pela reestruturação financeira do denominado Grupo C..., grupo empresarial da indústria cerâmica portuguesa e internacional, e que tinha, até 2013, o Réu AA como sócio maioritário e administrador das diversas empresas do grupo até 2017;

2. A Autora entrou para o capital social da holding do Grupo C... (C..., SGPS, S.A. – “C...”), adquirindo ações representativas de 50% do capital social daquela;

3. No contexto da operação de reestruturação, a Autora confiou na experiência do Réu AA, tendo ficado acordada a manutenção daquele como administrador executivo das sociedades operacionais do Grupo C...;

4. Porém, e de acordo com o relatório de Auditoria Forense, datado de 22 de janeiro de 2018, conduzida pela Auditora Price water house coopers à gestão levada a cabo pelo Réu AA nas sociedades do Grupo C..., tal Réu, enquanto administrador, adotou comportamentos não conformes aos interesses da sociedade, como a prática de transferências sistemáticas de matérias-primas, segredos de negócio, produção e clientela das sociedades operacionais do Grupo C... para um grupo empresarial paralelo, ocultamente detido exclusivamente por si e por familiares seus, bem como a apropriação do património daquelas sociedades, através da imputação de despesas pessoais, de transferências bancárias e de esquemas fraudulentos, que abalaram a confiança que a A. nele depositou;

5. A prática de tais condutas pelo Réu AA tem vindo a ficar demonstrada em diversas ações judiciais, designadamente:

i. Na sentença, datada de 06.08.2018, proferida no âmbito do procedimento cautelar de arresto que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Comércio de ..., Juiz ..., sob o número 1281/18.9.8...-., instaurado por diversas sociedades operacionais do Grupo C... (em concreto, A.., M..., S.A. (“M..., S.A.”), F..., S.A. (“F..., S.A.”), Mo..., S.A. (“Mo..., S.A.”) e Mo...Soluções..., S.A. (“Mo...Soluções..., S.A.”) contra o Réu AA, por atos lesivos deste contra estas; posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão datado de 20.02.2019;

ii. Na sentença, datada de 19.05.2018, proferida no âmbito do processo especial de suspensão e destituição do Réu AA e da Sra. DD do cargo de administradores da sociedade C..., que correu termos sob o número 4039/17.9.8...- J... no Juízo do Comércio de ..., no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, relativamente ao pedido cautelar de suspensão; posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 28.11.2018, transitado em julgado;

iii. Na sentença, datada de 05.04.2019, proferida no âmbito do processo referido em ii. quanto à destituição judicial do Réu AA e da Sra. DD do cargo de administradores; posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 14.01.2020, transitado em julgado;

iv. Nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça, datados de 03.12.2019 e 10.09.2020, respetivamente, proferidos numa ação intentada por uma sociedade operacional do Grupo C... (a M..., S.A.) contra a sociedade S..., Lda, sociedade que é controlada pelo Réu AA, por desvio ilícito de areias Processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., sob o número 1872/18.8.8...;

v. Na sentença, datada de 20.05.2016, proferida no âmbito de um litígio entre o Réu AA e a So..., S.A., sociedade da qual o Réu AA era sócio e que nada tem a ver com o Grupo M... (Processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, ....ª Secção do Juízo de Comércio da Instância Central, Juiz ..., sob o número n.º 1617/15.4.8...);

6. A Autora instaurou Ação Arbitral contra o 1º Réu, com fundamento na violação da obrigação de proibição de concorrência consagrada na cláusula 19.2 do Acordo Parassocial, celebrado entre as partes no dia 29 de julho de 2013, que correu termos no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, sob o n.º de processo 5/2018/INS/ASB;

7. No âmbito desta Ação Arbitral, foi proferida sentença, no dia 28.10.2020, que condenou o Réu AA no pagamento à Autora das seguintes quantias em virtude do comprovado desvio sistemático das empresas do Grupo C... para outras empresas alegadamente detidas pela sua esposa – a Ré BB – e pelos seus genros (entre os quais o Sr. EE, marido da Ré CC), de recursos humanos, matérias primas, oportunidades de negócio e clientela:

• 2.500.000,00 €, a título de cláusula penal, ao abrigo da Cláusula 19.2 do Acordo Parassocial; e

• Dois terços dos encargos do processo de arbitragem;

8. O casamento do 1º Réu com a 2ª Ré foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, por decisão datada de 25.03.2019 proferida no âmbito do Processo nº 195/2019, que correu termos na Conservatória do Registo Civil da ..., e homologou o acordo alcançado, transitando em julgado nesse mesmo dia;

9. No dia 26.03.2019, o 1º Réu e a 2ª Ré celebraram o acordo de partilha do recheio da casa do ex casal - a fração autónoma “M”, correspondente ao terceiro andar para habitação, do prédio urbano sito na Av. ..., em ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .54/... e inscrito na matriz sob o artigo ..94 - que foi adjudicado à segunda, mediante o pagamento das tornas devidas ao 1º Réu;

10. Por escritura de “partilha” datada de 13.11.2020, celebrada no Cartório Notarial da ..., o 1º Réu (representado por procurador na qualidade de segundo outorgante) e a 2ª Ré (na qualidade de primeira outorgante) declararam: proceder “à partilha do bem imóvel, correspondente à fração autónoma “M”, correspondente ao terceiro andar para habitação, do prédio urbano sito na Av. ..., em ..., descrito na 1ª Conservatória do Reg. Predial de ... sob o nº .54/..., onde se mostram registados o título constitutivo da propriedade horizontal pela Ap. 30/26081993 e a aquisição da fração a favor dos partilhantes pela Ap. 3 de 09/06/1993, inscrito na matriz sob o artigo ..94, com o valor patrimonial de € 206.146,50 e atribuído de duzentos mil euros”; que “sobre a identificada fração encontra-se registado pela apresentação ..41, de 22.02.2018, um arresto no âmbito do processo judicial nº 432/18.8.8..., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – ... – Juízo do Comércio- Juiz ..., que se mantém”; “que do mencionado valor atribuído cabe a cada ex cônjuge a importância de cento e cinco mil euros” e que “adjudicam à primeira outorgante a totalidade do referido imóvel, no valor de duzentos e dez mil euros, excedendo o seu direito no valor de cento e cinco mil euros”;

11. Declarando ainda o 1º Réu e a 2ª Ré, na mencionada escritura, que: “Ao representado do segundo outorgante não lhe são adjudicados bens, faltando para preenchimento do seu direito o valor de cento e cinco mil euros, que recebeu de tornas da primeira outorgante; Que o pagamento das referidas tornas foi efetuado nesta data, por transferência bancária da conta (…) da primeira outorgante, para a conta (…) titulada em nome de AA, quantia que o segundo outorgante em nome do seu representado declara recebida do que dá quitação”;

12. Por escritura de “compra e venda” celebrada no dia 13.11.2020 no Cartório Notarial da ..., a 2ª Ré, na qualidade de primeira outorgante, declarou vender à 3ª Ré, sua filha, aí na qualidade de segunda outorgante, com o consentimento dos restantes filhos, pelo preço de 206.146,50 €, a fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao terceiro andar para habitação, arrecadação privada no sótão e garagem privada na subcave, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., Avenida ..., união das freguesias de ..., concelho de ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .54/... (…), inscrito na matriz sob o artigo ..94, com o valor patrimonial de € 206.146,50; mais aí declarou que “sobre a identificada fração encontra-se registada pela apresentação ..41, de 22.02.2018, um arresto no âmbito do processo judicial nº 432/18.8.8..., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – ... – Juízo do Comércio- Juiz ..., que se mantém”; “que a primeira outorgante adquiriu a referida fração por escritura de partilha por divórcio, outorgada hoje, neste cartório”; “que o preço estipulado será pago no prazo de 10 dias a contar desta data”;

13. No dia 15.12.2020, a Autora instaurou Processo Executivo no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa contra o 1º Réu, AA, apresentando como título executivo a Sentença Arbitral, peticionando o pagamento da quantia de € 3.065.622,42;

14. No referido processo, a Autora indicou à penhora, entre outros, o Imóvel descrito em 12;

15. No âmbito do referido Processo Executivo, foi registada, no dia 23.12.2020, a penhora provisória sobre o Imóvel (ap. ..42 de 23.12.2020);

16. Em18 de maio de 2021, a 2ª Ré, BB, requereu processo de inventário para partilha do património comum do casal, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Família e Menores, Juiz ..., sob o n.º 1856/21.9.8...;

17. No contexto do qual foram relacionadas 15 Verbas no Ativo do património comum do casal, entre participações sociais (8 Verbas), bens móveis (3 Verbas) e bens imóveis (4 Verbas);

18. No dia 28.02.2022, no âmbito do processo executivo, a Ré CC, por requerimento com a referência Citius ......47, veio peticionar que fosse declarada a caducidade do registo provisório da penhora sobre o Imóvel, alegando, para tanto, que, pelo Contrato de Compra e Venda do Imóvel, acordou na sua aquisição, sendo, portanto, a sua proprietária;

19. No dia 20.08.2018, a Ré CC e o seu cônjuge EE, na qualidade de arrendatários, e FF, como senhorio, celebraram contrato de arrendamento relativo à fração autónoma designada pela letra D, correspondente ao 1.ª andar A, n.º 11, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia e concelho de ..., pelo prazo de 2 anos, com início em 01.09.2018 e termo em 31.08.2020;

20. O imóvel objeto do dito contrato de arrendamento correspondia à habitação própria e permanente do agregado familiar da Ré CC;

21. Sob a cláusula 3.2 do mencionado contrato de arrendamento estava prevista a sua renovação automática por períodos sucessivos de 2 anos, caso nenhuma das partes se opusesse à sua renovação por escrito;

22. O imóvel foi vendido pela 2ª Ré à 3ª Ré por um valor inferior ao que, sem qualquer arresto, corresponderia ao seu valor de mercado;

23. A 3ª Ré, CC, a partir de agosto 2020, passou a residir no imóvel identificado em 12, com o seu agregado familiar;

24. Ao celebrarem o Acordo Pontual de partilha, seguido do Contrato de Compra e Venda do Imóvel, poucos dias após a prolação da Sentença Arbitral, quer o 1º Réu, AA, quer a 2ª Ré, BB, não tiveram qualquer intenção de dividir o património comum do ex casal, mas apenas transmitir à 3ª Ré o imóvel objeto desse acordo, por forma a, de comum acordo, retirarem tal bem da esfera dos bens penhoráveis do Réu AA e, desse modo, agravar a possibilidade de os seus credores, em especial a Autora, obterem a satisfação dos seus créditos.

25. Quer o 1º Réu, quer a 2ª Ré, foram citados para os presentes autos através de aviso de citação com indicação de dia e hora certa, na morada correspondente ao imóvel referido em 12, por agente de execução, em 26.05.2022;

26. No âmbito da ação executiva a A. intentou o incidente de comunicabilidade da dívida contra a 2ª Ré, o qual foi julgado admissível, tendo sido interposto recurso de tal decisão pela 2ª Ré, ainda não transitado em julgado.

27. No dia 25.11.2020 a 3ª Ré entregou à 2ª Ré a quantia de 206.146,50 € correspondente ao preço de aquisição do imóvel.”

Factos não provados:

“i) Que a 3ª Ré, em agosto de 2020, aquando do termo do prazo inicial do contrato de arrendamento, não tivesse outra alternativa, senão a de mudar-se para o imóvel identificado em 12;

ii) Que a 3ª Ré, na sequência do termo do prazo inicial do contrato de arrendamento, tivesse necessidade e urgência em adquirir à 2ª Ré o imóvel, por ter cessado o contrato de arrendamento da casa onde vivia com o seu agregado familiar e não ter outra alternativa perto da zona onde antes residia, e ser próxima da escola frequentada pelos seus filhos menores;

iii) Que já naquela ocasião a 2ª Ré tivesse intenção de mudar a sua residência, não pretendendo continuar a habitar tal imóvel;

iv) O acordo pontual de partilha foi efetuado por ser o único bem sobre o qual existia acordo entre a 2ª Ré e o 1º Réu, não sendo possível, naquela altura, proceder à divisão, por acordo, do restante património comum do casal, tendo-se revelado necessário iniciar o processo de partilha para tal fim;

v) Que os restantes bens penhorados no âmbito da ação executiva sejam suficientes para satisfazerem o crédito exequendo da Autora.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Réu/AA não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil, artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar procedente a ação, declarando a nulidade do acordo pontual de partilha, celebrado entre o 1º Réu/AA e a 2ª Ré/BB, e, bem assim, do contrato de compra e venda do imóvel ajuizado, celebrado entre a 2ª Ré/BB e a 3ª Ré/CC, e, em consequência, declarou que o Réu/AA é o titular do direito de propriedade sobre o referido imóvel, impondo-se sentenciamento diverso que conduza à revogação da decisão do Tribunal recorrido, uma vez que o articulado acordo pontual de partilha não violou a regra da metade, imperativamente estatuída no art.º 1730º do Código Civil, tampouco pode ser declarado nulo à luz do disposto no art.º 280º do mesmo diploma legal? (1)

As Instâncias convergiram na solução encontrada para o presente caso trazido a Juízo, ao declarar a nulidade dos negócios jurídicos ajuizados (acordo pontual de partilha, celebrado entre o 1º Réu e a 2ª Ré, e, bem assim, do contrato de compra e venda do imóvel ajuizado, celebrado entre a 2ª e 3ª Rés), tendo concluído que o direito de propriedade do identificado imóvel permanece na titularidade do 1º Réu, AA, mais concretamente integrando o património do ex-casal formado pelo mesmo e pela 2ª Ré, BB, sustentando, com utilidade, ser nulo um contrato de partilha que não contemple a totalidade das situações jurídicas ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contenha a indicação do valor integral do conjunto dessas situações.

A questão essencial de direito, objeto da presente revista e que importa conhecer, contende, pois, em saber se um acordo pontual de partilha de bens de ex-cônjuges, que não contempla a totalidade das situações jurídicas ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contém a indicação do valor integral do conjunto dessas situações, é nulo por violação da regra da metade, imperativamente estatuída no art.º 1730º n.º 1 do Código Civil.

Problematiza-se a chamada regra da metade na participação dos cônjuges no património comum.

Como decorre do direito substantivo civil, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, consistindo esta, efetivamente, na extinção da relação matrimonial, com as consequências que daí decorrem, ou seja, cessadas as relações patrimoniais ente os cônjuges, estes recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, sendo reconhecido aos ex-cônjuges proceder à partilha extrajudicial dos bens comuns, desde que haja acordo nesse sentido.

Todavia, importa considerar que o legislador pretendeu prevenir os riscos em que poderiam incorrer os cônjuges em posição de maior debilidade, evitando a produção de efeitos que traduzissem um desequilíbrio de prestações em resultado de algum desequilíbrio real nas relações ou de qualquer outro fator perturbador da livre determinação.

Assim decorre do art.º 1730º n.º 1 do Código Civil que “os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”, preceito que, visando prevenir acordos prejudiciais a qualquer dos cônjuges, consagra a regra segundo a qual, nos casamentos em que vigora um regime de comunhão, cada elemento deve participar em metade do ativo e do passivo.

Esta regra vale para quaisquer cláusulas que constem de contratos que visem a partilha do património do casal e também para a própria escritura de partilha do património do casal dissolvido.

A este propósito, Antunes Varela defende que “quando, por conseguinte, no artigo 1730.º se prescreve que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, tem-se especialmente em vista fixar a quota parte a que cada um deles terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum”, in, Código Civil Anotado, Volume IV, 2.ª edição, página 437.

Conforme já reconhecemos no acórdão que subscrevemos, prolatado em 20 de janeiro de 2022, no Processo n.º 1084/12.4.......1..1, está no âmbito da autonomia dos (ex)cônjuges a definição, por acordo, do valor dos bens comuns a partilhar, desde que ressalvadas as regras imperativas.

A admissão da fixação por acordo do valor dos bens comuns não contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto à imperatividade da regra da metade, que, naturalmente, limita a referida autonomia, como se afirma no acórdão de 5 de Março de 2013, in, www.dgsi.pt, Processo n.º 839/11.1TBVNG.P1.S1: “O mencionado n.º 1 do artigo 1730.º, não só retira da disponibilidade das partes o conteúdo do acordo de partilhas no que respeita à não igualização, como fere de nulidade a sua violação”.

Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a regra da metade é violada, o que torna nula a partilha, seja porque da partilha ou do contrato-promessa de partilha não constam elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges (assim, neste acórdão de 5 de Março de 2013 - “No ato de partilha subsequente à dissolução, há de, pois, imperativamente, atribuir-se a cada um dos cônjuges metade do ativo e metade do passivo. Não tolera a lei atribuição diferente. A redação da primeira parte do n.º 1 mostra claramente que a lei se preocupou em que cada um dos cônjuges participe forçosamente por metade (Cfr Pires de Lima e A. Varela, ob. e loc. citados, início do ponto 4.º), de sorte que se deve entender que a censura legal incide não só nos casos em que se violou essa regra da metade, como naqueles em que do contrato não constam elementos que permitam ajuizar sobre a observação desta.”

Ou seja, a regra da metade na participação dos cônjuges no património comum limita a autonomia dos ex-cônjuges na partilha subsequente ao divórcio, mas não a elimina, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a regra da metade é violada, o que torna nula a partilha, ou o(s) consequente(s) negócio(s) jurídico(s), quer quando não constam do ou dos contratos elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges, quer quando dos respetivos termos resulta uma manifesta desproporção nas atribuições.

Revertendo ao caso do autos, temos adquirido processualmente o acordo de partilha, celebrado por escritura pública, entre o 1º Réu /AA, e a 2ª Ré/BB, quanto a um bem imóvel com o valor patrimonial de €206.146,50 e atribuído de duzentos e dez mil euros, que do mencionado valor atribuído cabe a cada ex-cônjuge a importância de cento e cinco mil euros, e que adjudicam à primeira outorgante (2ª Ré) a totalidade do referido imóvel, no valor de duzentos e dez mil euros, excedendo o seu direito no valor de cento e cinco mil euros, declarando ainda o 1º Réu e a 2ª Ré, na mencionada escritura, que: “Ao representado do segundo outorgante não lhe são adjudicados bens, faltando para preenchimento do seu direito o valor de cento e cinco mil euros, que recebeu de tornas da primeira outorgante - item 10. e item 11. dos Factos provados - sendo que, posteriormente, em 18 de maio de 2021, a 2ª Ré/BB requereu processo de inventário para partilha do património comum do casal, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Família e Menores, Juiz ..., sob o n.º 1856/21.9.8..., e no qual foram relacionadas 15 Verbas no Ativo do património comum do casal, entre participações sociais (8 Verbas), bens móveis (3 Verbas) e bens imóveis (4 Verbas) - item 16. e item 17. dos Factos provados.

Daqui decorre, inequivocamente, um comprometimento de partilha em que não se pode determinar se cada um dos ex-cônjuges iria participar ou não participar por metade no ativo da comunhão, pois, da escritura de partilha, sendo parcial, não consta, desde logo, elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges, a par de que, está adquirido processualmente, como já adiantamos, que o património comum do casal encerra mais bens do que o identificado imóvel, objeto da partilha, tais como, participações sociais, bens móveis e bens imóveis, o que também impede qualquer juízo sobre a exigível igualação da partilha.

Sublinhamos, pois, se existem bens que não estão relacionados na partilha e que são suscetíveis de violar o equilíbrio das atribuições patrimoniais que iriam compor o quinhão de cada parte, tampouco conhecido o respetivo valor, é evidente que a partilha não respeita à universalidade de bens que compunha a comunhão patrimonial do casal.

Aliás, como bem adianta o Tribunal recorrido, e que este Tribunal ad quem acompanha: “Com efeito, a lei proíbe as estipulações ou cláusulas contrárias à dita “regra da metade” imperativamente imposta pelo dito art. 1730º, proibição extensiva aos casos em que do contrato não constem os elementos necessários que permitam ajuizar sobre a observância dessa regra.

Que é o que sucede quando os ex-cônjuges operam a partilha entre si de um único bem (imóvel) – consistindo na adjudicação do imóvel em causa à aqui 2ª Ré/recorrente e entrega por esta ao 1º Réu/recorrente da quantia de € 105.000,00, a título de tornas pela adjudicação desse imóvel – não obstante o património comum contemplar um acervo muito mais vasto.

É, assim, nulo, por violação do nº 1 do dito art. 1730º, um contrato de partilha que não contemple a totalidade das situações jurídicas ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contenha a indicação do valor integral do conjunto dessas situações.

Sustentando esta mesma linha de entendimento, já foi sublinhado em douto aresto, com paralelismo ao presente, o seguinte:

“(…)

Ora, tendo em conta o que adrede ficou convencionado entre autora e réu, verifica-se que para além de terem atribuído aos imóveis a partilhar o seu valor tributário que, por via de regra, é inferior ao seu valor real (como, aliás, o indicia o facto de o empréstimo contraído para a respectiva aquisição ser de montante superior ao indicado valor patrimonial dos mesmos), “ficou de fora” da partilha o estabelecimento comercial a que se alude na cláusula 8ª, apesar de o mesmo constituir um bem comum do casal (como as partes expressamente reconhecem e emerge do regime vertido no art. 1724º do Cód. Civil), não se indicando sequer o respectivo valor.

Significa isto, portanto, ser desconhecido o valor total do ativo dos bens que integram o património comum do casal, o que, naturalmente, inviabiliza qualquer juízo sobre a igualação da partilha, na justa medida em que, por mor dessa omissão, não se pode determinar se cada um dos ex-cônjuges irá participar ou não participar por metade no ativo da comunhão.

Como se referiu, o mencionado n.º1 do artigo 1730.º, não só retira da disponibilidade das partes o conteúdo do acordo de partilhas no que respeita à não igualização, como fere de nulidade a sua violação.

A lei preocupou-se em que cada um dos cônjuges participe forçosamente por metade, de sorte que, na esteira do entendimento sufragado por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, se deve entender que a censura legal incide não só nas situações em que se violou essa regra da metade, como naqueles em que do contrato não constam elementos que permitam ajuizar sobre a observação desta, como é o caso.

Sendo estes acordos nulos, o cônjuge prejudicado tem o direito de invocar a nulidade a todo o tempo e apenas tem o ónus de provar, nos termos gerais, que o contrato promessa de partilha lhe reservou uma quota inferior a metade (vide, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 3ª ed., p. 489).”

O que tudo serve para dizer que ao afrontar a mencionada regra cogente da metade, prevista no art. 1730º nº 1 do dito C.Civil, o ajuizado contrato padece de vício de nulidade que o inquina no seu todo (cfr. arts. 280º e 1730º, nº 1 do C.Civil), ficando sujeito ao regime geral do art. 286º do mesmo diploma legal.”

Pelo exposto, na improcedência das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pelo Recorrente/Réu/AA, não reconhecemos à respetiva argumentação, virtualidade bastante no sentido de alterar o destino da demanda, traçado no Tribunal recorrido.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso interposto, negando-se a revista.

Custas pelo Recorrente/Réu/Carlos Adelino Cardoso da Mota.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 3 de junho de 2025

Oliveira Abreu (relator)

Rui Machado e Moura

Arlindo Oliveira