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Jurisprudência
Sumário

I. Nos contratos de arrendamento sujeitos ao NRAU, no tocante às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor, o artigo 1096.º do Código Civil vale com a redação conferida pela Lei 13/2019 de 12.2, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil.

II. Extrai-se do artigo 1096º, nº1, do Código Civil, que na ausência de estipulação das partes sobre o prazo de renovação, as renovações serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual estabelecida, salvo se o mesmo for inferior a 3 anos, que valerá então com carácter injuntivo.

III. Não dispondo o artigo 1097º do Código Civil sobre qualquer requisito de conteúdo específico a constar da declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio, a missiva da Autora enviada aos Réus, atendendo à sua atuação anterior e subsequente, não pode deixar de ser entendida senão com o propósito expresso de pôr fim ao contrato, comunicada com a prevista antecedência legal.

Decisão Texto Integral

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Da acção

AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB e Outros, pedindo que

• fosse declarada válida e eficaz a oposição efectuada por si à renovação do contrato de arrendamento que, como senhoria, a liga aos Réus, arrendatários, sendo assim declarada a resolução do dito contrato;

• fossem os Réus condenados a proceder à desocupação do imóvel objecto do mesmo contrato, devendo aquele ser-lhe entregue, livre de pessoas e bens;

• fossem os Réus condenados no pagamento de uma indemnização mensal, no valor correspondente ao da renda até à efectiva entrega do locado.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, tendo sido celebrado em 1966 um contrato de arrendamento urbano, onde os ora réus figuram hoje como arrendatários, veio o dito contrato, em 01 de janeiro de 2014, a transitar do regime vinculístico para o NRAU; e, por isso, passou a consubstanciar um novo contrato de arrendamento, com o prazo inicial de 5 anos.

Mais alegou que, tendo o dito prazo decorrido em 31 de Dezembro de 2018, e tendo-se o arrendamento renovado por um ano (isto é, até 31 de Dezembro 2019), opôs-se, por carta de 29 de Janeiro de 2019, a nova renovação, carta essa recebida pelos Réus, mas não obstante, não lhe entregaram o local.

Os Réus contestaram, por excepção e impugnação e pugnando em síntese pela sua e absolvição.

Em reconvenção, para o caso da procedência da acção, alegaram terem sido feitas obras de vulto no edifício, que discriminaram, a expensas suas, precisamente para permitir a instalação do dito Museu ..., que como benfeitorias necessárias e úteis, de a Autora indemnizar no valor de € 75.000 e juros de mora e invocam direito de retenção próprio, até ao pagamento da quantia.

A Autora replicou, pedindo improcedência da reconvenção, impugnando todas as obras invocadas, mais alegando que o eventual direito à indemnização está expressamente excluído em ambos e sucessivos contratos de arrendamento invocados, e igualmente excluído qualquer direito de retenção sobre o imóvel.

A Autora convidada, em sede de audiência prévia, a pronunciar-se sobre as excepções deduzidas pelos Réus, defendeu que entre as mesmas partes e sobre o mesmo prédio, dois contratos de arrendamento, um de 1966, destinado à habitação e que não carecia de escritura pública, e outro de 1971, destinado a fim não habitacional, que exigia a respectiva celebração por escritura pública, como de facto sucedeu, inexistindo qualquer nulidade do contrato de arrendamento agora vigente entre as partes.

Mais alegou ser a causa de pedir a sua oposição à renovação do dito contrato de arrendamento, pelo que inexiste ineptidão da petição inicial, nomeadamente fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguindo-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e não conheceu do pedido reconvencional, conforme ao dispositivo que se transcreve: «(…) III. Decisão. Pelo exposto: Julga-se a acção totalmente improcedente e não provada, nos termos sobreditos, absolvendo-se os RR do pedido.

Não se aprecia o pedido reconvencional deduzido pelos Reconvintes, porque dependente do formulado pela A, nos termos do art. 266º nº 6 CPC.

Não se considera ter ocorrido litigância de má-fé, pelo que não se condena nenhuma das partes, a tal título. Custas (acção e reconvenção) pela A. (arts. 527 nº 2 e 536º nº 3, CPC).

2. Da Apelação

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação do julgado, substituindo-se por decisão a julgar a acção procedente e o pedido reconvencional totalmente improcedente.

Os Réus contra-alegaram no sentido oposto.

O Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação.

Para o que, considerou em síntese, que a sentença apreciou apenas a eficácia da oposição à renovação do arrendamento comunicada com maior antecedência do que a lei exigia (20.01.2019), no pressuposto do termo final do contrato em 31.12.2021, não tendo também a recorrente pedido no recurso, a apreciação da diferente questão que consubstancia a eficácia da oposição à renovação veiculada pela carta para 31/12/2023.

E, concluiu, em maioria e voto de vencido, que não sendo possível conhecer tal questão, embora que por fundamentos não coincidentes, julgou improcedente o recurso

3.Da Revista

Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com as conclusões que se reproduzem:

«I. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão da1ª instância que havia julgado ineficaz a oposição à renovação ao arrendamento comunicada pela Autora aos Réus.

II. Sob a capa de uma aparente obediência a regras processuais e normas jurídicas imperativas, o acórdão de que se recorre representa um incompreensível recusa de apreciar a questão que verdadeiramente está em causa neste processo, originando uma aberrante situação de denegação de justiça.

III. Pese embora o teor do acórdão proferido, a Recorrente mantém-se convicta de que a atividade processual é e deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma e que o Tribunal ad quem não compactuará com o raciocínio (i)lógico vertido na decisão recorrida e exemplarmente desmontado no voto de vencido dela constante.

IV. As decisões judiciais que precedem o presente recurso e que concluem pela ineficácia da legítima e atempada comunicação da Autora de oposição à renovação do contrato de arrendamento são ilustrativas de como a aplicação das caóticas regras e prazos da renovação dos contratos de arrendamento suscita enormes dúvidas e confusão, mesmo naqueles cuja incumbência é a aplicação do direito, como é o caso dos magistrados judiciais.

V. Mas o mais grave, no entender da Recorrente, por representar um sacrifício e prejuízo, absolutamente desproporcional e desrazoável dos seus direitos, enquanto senhoria e proprietária, não é a discrepância de entendimento dos Tribunais e das partes no que à duração do prazo do contrato entre as partes respeita, mas sim a radical conclusão por parte do Tribunal de Bragança da ineficácia da comunicação de oposição à renovação feita Recorrente quando tal comunicação foi feita com antecedência superior à legalmente exigida e foi absolutamente compreendida, apreendida, aceite e reconhecida pelos arrendatários, ainda que a data na mesma indicada não tenha sido a correta (data que não é unânime entre Tribunais) e, por outro, a decisão absolutamente incompreensível por parte do Tribunal da Relação de manter a decisão da 1ª instância e, ainda, decidir que não pode sequer apreciar a eficácia da comunicação, porque estaria a apreciar uma nova questão.

VI. O presente recurso de revista tem, assim, por fundamento a violação de lei substantiva, considerando a Recorrente que o Tribunal a quo errou: na aplicação do artigo 1096º do Código Civil, na interpretação do artigo 1097º do mesmo Código bem como na não aplicação do disposto no artigo 611º do CPC, tendo ainda sido feita uma incorreta interpretação do artigo 639º, e do Artigo 1.º do Protocolo Adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, nos termos que se dirá.

VII. Como resulta dos factos dados como provados, e para o que o presente recurso releva, foi celebrado pelos antecessores das partes, em 18 de Maio de 1971, por escritura pública, um contrato de arrendamento não habitacional que veio a transitar para o NRAU em 1 de Janeiro de 2014.

VIII. A 29 de Janeiro de 2019, a Autora enviou aos Réus uma carta registada com aviso de receção na qual lhes comunicava que se opunha à renovação do contrato de arrendamento, sendo que naquela carta solicitava a desocupação e entrega do imóvel até ao dia 31 de Dezembro de 2019.

IX. Conhecendo a intenção e decisão da Autora de pôr fim ao arrendamento, os Réus fizeram saber à Autora que estavam interessados na aquisição do imóvel, sendo certo que, constatando o desinteresse da Autora na venda e aproximando-se o prazo para a entrega do imóvel indicada na comunicação da Autora, através de notificação judicial avulsa, comunicaram àquela entender serem titulares de um crédito correspondente a benfeitorias feitas no prédio, e invocando um direito de retenção sobre o mesmo até que fossem pagos da referida quantia.

X. Foi, assim, a retenção do imóvel pelos Réus que motivou a Autora a intentar, a 3 de Março de 2020, a ação que deu lugar às decisões judiciais com que não se conforma e que entende constituírem um lamentável exemplo do que não deve ser a aplicação do direito e da justiça.

XI. O Tribunal de 1ª instância veio a decidir que o prazo de renovação aplicável era de 3 anos, e por isso concluiu pela ineficácia da oposição à renovação do arrendamento considerando, não se podendo ter o arrendamento por caducado a 31.12.2019, nem noutra data.

XII. Por sua vez, o Tribunal da Relação de Guimarães – dividido, entre a decisão dos dois Adjuntos e da Relatora Vencida – decidiu que o prazo de renovação aplicável era de 5 anos e que não pode conhecer da eficácia da oposição à renovação para o prazo de 5 anos por tal constituir uma “questão nova”.

XIII. A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães é a antítese do que se crê dever ser a atividade processual e a aplicação do Direito e a realização da justiça pelos Tribunais, em especial, no que concerne à decisão de não apreciar a eficácia da oposição à renovação, porque a questão foi colocada para a data decidida pelo Tribunal de 1ª instância e não para a data que veio o TRG a considerar ser a data de cessação.

XIV. Como é evidente tal questão não podia ter sido colocada pela Recorrente para referida data de 31.12.2023, já que essa data não tinha sido admitida por nenhuma das partes nem pelo Tribunal como a data em que cessaria o contrato.

XV. Por outro lado, como se crê ser evidente, o Tribunal a quo, mesmo considerando que, afinal, a data de cessação do contrato não era nem a indicada na carta da Autora, nem a decidida pelo Tribunal de 1ª instância, podia e devia ter decidido sobre se a oposição à renovação feita pela Autora era então eficaz para a data “correta”.

XVI. Porque foi isso que a Autora pretendeu com o seu recurso: que a oposição à renovação por si efetuada fosse considerada eficaz, independentemente da data – seja a constante da carta, seja aquela que o Tribunal defina como a data de fim do prazo de renovação em curso.

XVII. Mas veja-se que o Tribunal da Relação de Guimarães vai ainda mais longe que o Tribunal de Bragança no “formalismo” e na forma absolutamente inaceitável como encara o que aqui está em causa.

XVIII. O Tribunal da Relação de Guimarães decide que não pode apreciar a questão de saber

se a oposição à renovação veiculada pela carta da Autora é eficaz para 31.12.2023 (data que o TRG considerou correta e que não coincide com a do Tribunal de 1ª instância) já que os recursos visam reapreciar questões concretas e não conhecer de questões novas e o Tribunal de 1ª instância só apreciou a questão de saber se a oposição da Autora era válida para 2021 (data que o Tribunal de1ª instância considerou como data da cessação) e não para 2023 (data que vem a ser considerada pelo TRG), acrescentando o Tribunal a quo que a recorrente nunca formulou, nem formula no recurso, a pretensão de que se considere a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 eficaz para 31/12/2023.

XIX. Como se crê ser evidente, não há nenhuma questão nova a ser apreciada: a questão a ser apreciada – e que foi já apreciada pela 1ª instância, mas em sentido de que a Recorrente discorda – é a de saber se uma oposição à renovação que indica uma data que não é a correta, produz efeitos para a data (posterior) que é a correta, (desde que a manifestação de oposição à renovação seja expressa e clara e efetuada com respeito pela antecedência legal).

XX. Mas mais: defende o Tribunal a quo que a interpretação da comunicação de oposição à renovação e a possibilidade de considerar extinto o contrato em outra data que não a indicada pelo senhorio, depende de nisso o mesmo manifestar interesse, por modo processualmente adequado e oportunamente contraditado – quando não se prevê maior manifestação de interesse na vontade da extinção de um contrato de arrendamento, independentemente da data em que a mesma se concretiza, do que o intentar de uma ação de despejo.

XXI. Nota-se que os Réus aceitaram e reconheceram a vontade da Autora de pôr fim ao contrato através da comunicação de oposição à renovação sendo que o fundamento para não entregarem o locado foi exclusivamente o de serem titulares de um alegado crédito por benfeitorias no imóvel que lhes conferiria um suposto direito de retenção sobre o mesmo.

XXII. É inaceitável que o Tribunal defenda não existir, por parte do senhorio, manifestação de interesse na cessação do contrato, noutra data que não a indicada na carta.

XXIII. A correta interpretação da comunicação de oposição à renovação que está em causa nos autos só pode ser uma: a de que a senhoria pretende opor-se à renovação do prazo em curso, independentemente de qual ela seja.

XXIV. A Recorrente não pode, pois deixar de subscrever o voto de vencido da Senhora Juiz Desembargadora Maria João Marques Pinto de Matos que, de resto, discorda do acórdão proferido em 4 pontos, e a que se adere, sem prejuízo de se entender (embora se considere não ser esse o fulcro da questão), como se alegou em sede de recurso, que o prazo de renovação do contrato seria de 1 ano, prazo que foi tomado pelas partes como sendo o correto.

XXV. Independentemente do prazo concreto da renovação e ad data de cessação do contrato que, reitera a Recorrente, não é a questão fulcral dos autos nem dos recursos, aquilo que efetivamente importa apreciar e sobre o que importa decidir – e isso sim, é o mérito da questão – é saber se a comunicação de oposição à renovação do arrendamento feita pela Autora, ainda que indicando uma data diferente da que seria a correta, é válida e eficaz para a data que seja considerada a data correta de cessação – seja ela a de 31.12.2021, seja a de 31.12.2023, seja qualquer outra – e é esta questão que se entende que o Tribunal da Relação de Guimarães deveria ter respondido e deveria ter respondido de forma afirmativa, como bem se nota no voto de vencido da decisão.

XXVI. Não discriminando a lei quaisquer exigências quanto ao conteúdo da dita comunicação de vontade, haverá a mesma que ser interpretada nos termos das regras legais dispostas para o efeito, nos art.ºs 236.º e seguintes do CC; e sem necessidade de qualquer pedido expresso das partes nesse sentido (embora sempre, e necessariamente, com o apoio na matéria de facto apurada nos autos), uma vez que o «juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (art.º 5.º, n.º 3, do CPC) e, no limite, é disso que aqui se cuida.

XXVII. O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante (art.º 236.º, n.º 1, do CC); e a demonstração de que o declaratário real o entendeu desse preciso modo pode inclusivamente deduzir-se de factos que com toda a probabilidade o revelem

XXVIII. Resulta da notificação judicial avulsa que os Réus dirigiram à Autora, em Novembro de 2019, que entenderam perfeitamente a sua manifestação de vontade.

XXIX. Recorda-se, a propósito, que o direito de indemnização por benfeitorias pressupõe necessariamente a prévia ou simultânea entrega da coisa onde foram realizadas; e, por isso, invocando-o os Réus para recusarem a entrega do locado, sem apresentarem outro fundamento que justificasse a sua não devolução imediata (v.g. ineficácia da oposição à próxima renovação contratual, por a prévia ainda estar em curso, ou por não ter sido realizada com a antecedência de um ano legalmente imposta), não só́ demonstraram ter compreendido que a Autora manifestara a sua vontade de que não ocorresse a próxima (segunda) renovação do contrato, como tinham por válida e eficaz essa sua precisa manifestação de vontade.”

XXX. Não obstante seja exigível que a declaração escrita de oposição à renovação tenha de ser certa, inequívoca e segura, no caso dos autos a errada indicação do termo final do contrato não prejudicou o conhecimento daquela certa, inequívoca e segura vontade da Senhoria (de o dito contrato não vir a beneficiar de uma segunda prorrogação).

XXXI. Com referência ao caso concreto, e de forma claríssima escreve a Senhora Desembargadora originalmente designada como a Relatora do acórdão: “Rebatendo ao caso dos autos, considero que não é o erro (de direito) da Autora quanto ao termo final do prazo da primeira renovação em curso (erro esse, aliás, secundado pelos Réus 28), que define o primeiro pedido por ela formulado nos autos: sendo a respectiva causa de pedir o concreto contrato de arrendamento com prazo certo invocado e a manifestação de vontade própria de oposição à sua segunda renovação, o pedido é que seja considerada válida e eficaz a sua manifestação de vontade de oposição à segunda renovação, provocando desse modo a caducidade do contrato no termo da primeira.

XXXII. A propósito da questão de saber se pelo facto de a sentença recorrida se ter pronunciado sobre a questão reportando o termo final do contrato para 31 de Dezembro de 2021, e não para 31 de Dezembro de 2023, consubstanciaria conhecimento de questão nova, entende-se também ser de secundar o entendimento vertido no Voto de Vencido.

XXXIII. Tendo a Autora manifestado em 29 de Janeiro de 2019 a sua oposição à segunda renovação do contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo, em causa (que ocorrerá, no entendimento maioritário do acórdão, em 31 de Dezembro de 2023), fê-lo da forma prescrita por lei para o efeito e com uma antecedência bem superior aos 120 dias a que estava obrigada; e, tendo os Réus compreendido claramente a sua vontade, dispuseram de prazo mais alongado do que aquele que a lei lhes concedia para organizarem o despejo e a entrega do imóvel em causa, nem mesmo sofrendo qualquer prejuízo acrescido com a eventual aplicação do disposto no art.º 611.o do CPC (de acordo com o entendimento que aqui se professa).

XXXIV. Vedar à Recorrente a apreciação daquela questão porque nunca se apreciou a questão de saber se a oposição à renovação seria válida para 31.12.2023, mas só se apreciou a questão de saber de saber se a oposição à renovação seria válida para 31.12.2021 é, além de incompreensível, verdadeiramente absurdo.

XXXV. Nem considerando uma aplicação cega, estrita e pura de um critério exclusivamente formal tal decisão é admissível, sendo certo que os próprios Réus vêm defender que a data de cessação do contrato seria a de 31.12.2023, pelo que não se poderia sequer dizer que seriam surpreendidos por uma decisão desse teor por parte do Tribunal da Relação.

XXXVI. Uma correta aplicação dos artigos 1096º do Código Civil, 1097º do mesmo Código;611º do CPC, 639º, e do Artigo 1.º do Protocolo Adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, sempre deveria ter levado o Tribunal a decidir pela procedência do recurso nos termos já expostos.

XXXVII. Em face de tudo, quando se expôs, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que considere eficaz a comunicação de oposição à renovação efetuada pela Autora e determine a desocupação do locado pelos Réus, mais julgando improcedente o pedido reconvencional apresentado pelos Réus.»


*

Os Réus na resposta refutam a argumentação da recorrente, e pugnam pela improcedência da revista.

II. Objecto do recurso

Estão reconhecidos os pressupostos gerais de recorribilidade e atestados os fundamentos da admissibilidade da revista, conforme o que dispõem os artigos 629º, nº1, 671º, nº1, e 673, nº1, al) a do CPC.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC).

Percorrendo as conclusões da recorrente, em interface com o acórdão impugnado, haverá que decidir:

- Se a comunicada oposição à renovação do contrato de arrendamento é eficaz;

- Em caso de resposta afirmativa, apreciar da reconvenção.

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem provado que:

1 - AA é a actual proprietária do imóvel sito na Rua ..., na união das freguesias ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .76 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .08 da referida união das freguesias ....

2 - BB e Outros (aqui Réus) são os actuais inquilinos do referido imóvel por sucessão hereditária de CC, e este por ser único filho de DD, sendo que os quatro últimos Réus já pelo decesso da filha de CC, EE.

3 - O gozo do imóvel em causa havia sido, originalmente, cedido, pelo prazo de «um ano e seguintes», por FF (falecida tia da Autora) a DD (falecido), em ... de ... de 1966, através de acordo reduzido a escrito, denominado «Contrato de Arrendamento», registado no serviço de Finanças em 24 de Agosto de 1966, constando que se destinava à «habitação do arrendatário» e que «a renda mensal é [era] de cem escudos.»

4 - Do acordo reduzido a escrito, referido no facto provado anterior, constava, ainda, que ao «inquilino não é permitido fazer obras a não ser as de conservação, limpeza ou benfeitorias, sem autorização do senhorio por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que as que fizer ficam pertencendo ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização».

5 - Com o consentimento de FF, DD deu início às obras de recuperação, adaptação e construção (acrescento) do imóvel, para aí ser instalado um Museu ..., pois até então o imóvel, que era destinado a arrumos, apresentava sinais de grande degradação, com uma parte em ruína.

6 - DD realizou as obras no imóvel, a expensas suas e todas com a anuência de FF.

7 - Tais obras consistiram, no imóvel referido em 1):Demolição da parede em alvenaria de xisto do alçado principal ao nível do 1.º piso e reconstrução da mesma em alvenaria de granito com face à vista pelo exterior; Acabamento interior da mesma parede com argamassa de cimento e areia e pintura interior; Substituição do telhado existente em todo o edifício por nova estrutura de madeira e vigas, barrotes, forro e ripas, revestido igualmente a telha cerâmica; Substituição do soalho do 1.º piso por soalho em madeira de castanho com tábuas macheadas; Acabamentos interiores das restantes paredes em argamassa de cimento e areia posteriormente pintado; Execução de acabamento do piso térreo e logradouro exterior frontal em cimento; Instalação de cinco 5 janelas e de 3 portas, com montagem; Construção de muro de vedação exterior frontal em alvenaria de pedra de xisto e granito; Instalação de um portão de 2 folhas nesse muro; Instalação eléctrica completa.

8 - Com vista acomodar veículos clássicos e charretes, com o consentimento de FF, DD procedeu à ampliação do imóvel, construindo uma nova ala, no alçado lateral esquerdo do imóvel pré-existente, com cerca de 130 m2, aproveitando a existência de um terreno contíguo.

Tal ampliação foi feita em construção tradicional, incluindo paredes envolventes e divisórias com acabamento e pintura, estrutura de telhado em madeira e revestimento a telha cerâmica (telha luso), pavimento em cimento no piso inferior e no piso superior em soalho com tábuas macheadas de madeira de castanho, e abertura de vãos de ligação em alvenaria de pedra e xisto na ligação entre os dois edifícios e instalação eléctrica.

9 - Tais obras foram realizadas antes de 18 de Maio de 1971.

10 - Aquando da inauguração do Museu ..., FF esteve presente.

11 - Por escritura pública de 18 de maio de 1971, denominada de «Arrendamento», FF declarou ceder o gozo do imóvel em causa, mediante contrapartida pecuniária mensal, a DD, que declarou aceitar, constando que se destinava «a nele ser instalado um Museu ..., que aliás ali se encontra em funcionamento» e que «é feito pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais períodos de tempo e tem o seu início em 1 de junho próximo».

12 - Do acordo reduzido a escritura pública, referido no facto provado anterior, consta, ainda, que «por quaisquer benfeitorias efectuadas pelo arrendatário este não terá direito a indemnização e todas elas ficam fazendo parte integrante do prédio».

13 - A 23 de Setembro de 2013 foi enviada pela Autora ao 1.º Réu (BB), que a recebeu, carta com proposta de transição de contrato para o NRAU, passando o contrato a ser de prazo certo, com a duração de 3 anos, e a renda mensal de € 136,00, lendo-se nomeadamente na mesma: [“(…) Na qualidade de proprietária e senhoria da loja sita na Rua ... em ..., de que V. Exa. é arrendatário, venho comunicar e propor o seguinte:

1. De acordo com a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto os contratos de arrendamento ainda não sujeitos ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) devem transitar para este regime em conformidade com as regras estabelecidas na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

Na qualidade de proprietária e senhoria da loja sita na Rua ... em ..., de que V. Exa. é arrendatário, venho comunicar e propor o seguinte:

1. De acordo com a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto os contratos de arrendamento ainda não sujeitos ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) devem transitar para este regime em conformidade com as regras estabelecidas na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, alterada pela referida Lei n.º 31/2012.

2. Assim sendo, ao abrigo do artigo 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, propõe-se que o referido contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU e passe a ser de prazo certo, com a duração de 3 anos, passando a renda mensal a ser no montante de € 136 (Cento e trinta e seis euros). 3. O valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal de imóveis, constante da respectiva caderneta predial, que se junta, é de € 21 190 euros. 4. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006, o arrendatário tem o prazo de 30 dias para responder. A falta de resposta da V./parte vale como aceitação da renda, bem como do tipo e duração do contrato propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo de 30 dias cima referido. (…)”]

14 - O 1.º Réu (BB) respondeu à Autora por carta de 16 de Outubro de 2013, informando que não aceitava a proposta, propondo uma renda de € 117,75 e que o contrato, passando a ser de prazo certo, tivesse a duração mínima de 5 anos, lendo-se nomeadamente na mesma: “ [(…)Em resposta à carta datada de 23 de Setembro, na qualidade de inquilino da loja (Museu ...) sita na Rua ... no lugar do ..., venho declarar para os fins do disposto no art.º 51 da Lei N.º 31/2012 de 14 de Agosto que não aceito o valor da renda proposta por V. Exa. Nem concordo com a alteração do tipo e duração do contrato igualmente propostos na mesma carta.

Antes, seguindo o regime previsto no referido diploma, proponho que a renda seja de € 117.75 (cento e dezassete euros e setenta e cinco centavos) nos termos do disposto no art.º 35, n.º 2, a) e que o contrato a ter que ser por prazo certo, passe a ter a duração mínima de 5 anos. (…)”]

15 - A Autora (AA) não respondeu, nem no prazo de 30 dias, nem noutro.

16 - A 29 de Janeiro de 2019, a Autora enviou aos Réus carta, constando nomeadamente na mesma: [“(…) Na qualidade de senhoria do prédio sito na Rua ... no lugar do ..., faço referência ao contrato de arrendamento com prazo certo celebrado em 1971 com CC.

Venho, ao abrigo do disposto nos artigos 1054º nº 2, 1110 nº 1 e 1097º, todos do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exas a minha oposição à renovação do contrato de arrendamento, que tem por objecto o prédio afecto ao Museu ....

Com efeito, decorrido o prazo de duração inicial do contrato de 5 anos, a que V. Exas. expressamente aludem no v/ carta datada de 13.03.2014, e estando em curso renovação que termina no final deste ano, comunico, desde já, a minha oposição, permitindo, assim que V.Exas., com a devida antecedência, desocupem e entreguem o imóvel até ao dia 31 de Dezembro de 2019. (…).”]

17 - Durante o ano de 2019, os Réus fizeram saber à Autora que estavam interessados na aquisição do imóvel supra referido.

18 - Em novembro de 2019, os Réus, através de notificação judicial avulsa, recebida pela Autora em 04 de Dezembro de 2019, concluem designadamente serem titulares de um crédito de «75.000€» correspondente «ao conjunto das benfeitorias» realizadas no prédio, e que aí descrevem, concluindo que «enquanto não forem pagos da referida quantia de benfeitorias manterão o prédio em seu poder», no exercício «do seu direito de retenção», lendo-se nomeadamente na mesma: […)3. Os Requerentes foram surpreendidos em 04.02.2019 por uma carta que lhes foi dirigida pela Notificanda dando conta que se opunha à renovação do contrato de arrendamento, que tinha sido celebrado em 18 de maio de 1971 com o inquilino DD, que tem por objeto o prédio afeto ao “museu ...” – o identificado em 1 acima.4. Pretendendo a Notificanda que a declarada oposição à renovação produza efeitos em 31 de dezembro de 2019, data em que solicita a entrega d mesmo prédio desocupado.5. Sucede que, quer especialmente antes da entrada em vigor do contrato de arrendamento, quer mesmo durante a sua vigência, o inquilino DD realizou no prédio inúmeras obras de reparação e recuperação integral do mesmo, de modo a que pudesse vir a servir o fim a que se destinou e que se previa de longuíssima duração como é timbre de um museu e foi vontade expressa pelos então outorgantes antecessores da proprietária e dos inquilinos.(…)13. O conjunto de benfeitorias descritas no ponto 7 anterior, que licitamente foram realizadas por DD no prédio, antes do início da vigência do contrato de arrendamento, sempre foram conhecidas, reconhecidas e autorizadas pela antecessora da Notificanda. 14. Atendendo ao tempo decorrido desde a execução dessas obras, o valor devido neste momento para efeitos de indemnização pelas benfeitorias feitas, deverá ser não inferior a 75.000,00 €, montante este por que o prédio tem, pelo menos, o seu valor hoje devidamente incrementado.(…)17. Razão pela qual, enquanto não forem pagos da referida quantia de benfeitorias manterão o prédio em seu poder como lhes confere, designadamente o disposto nos artigos 754º, 759º do C Civil. (…)]

19 - Por carta com aviso de recepção, datada de 04 de Dezembro de 2019, remetida a todos os interessados em conjunto (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), a Autora (AA) recusou a venda, lendo-se nomeadamente na mesma: [“(…) Agradeço o vosso interesse na aquisição do prédio sito na Rua ... no lugar do ... de que sou senhoria. Não é, no entanto, de momento, nossa intenção vender o referido prédio.

Mais chamo a atenção para a necessidade de desocupar o imóvel até à data de 31 de Dezembro e a entrega da chave nessa data, de acordo com a minha carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento de Janeiro último. (…)”].

20 - A Autora declarou «a cessação do arrendamento» à Autoridade Tributária, com data de 31 de Dezembro de 2019.

21 - Até à presente data, os Réus não entregaram o imóvel.

22 - Os Réus continuam a realizar, mensalmente, transferências para a Autora, no valor da respectiva contrapartida pecuniária.

23 - O imóvel, actualmente, necessita de diversas intervenções, nomeadamente ao nível de uma das paredes exteriores, que apresenta uma fissura estrutural, dos pisos, tectos e coberturas, mas também dos pavimentos interiores e respectivos rebocos de acabamento (com várias fissuras), dos vãos de portas e janelas e do sistema eléctrico.

24 - Por deliberação de 05 de Novembro de 2020, a Câmara Municipal de ... atribuiu o reconhecimento e protecção do Museu ..., sito no ..., como entidade de interesse histórico e cultural ou social local.

B. O Direito

1. Discutida a causa, estabilizada a matéria de facto com interesse para o desfecho da revista, importa discorrer se, como sustenta a Autora recorrente, a Relação errou ao decidir pela ineficácia da oposição à renovação do contrato de arredamento por referência à data de 31.12.2019 que consta da sua comunicação aos Réus (facto provado ponto 16).

A primeira instância julgou improcedente a acção e assentou, de ordinário, na aplicação do artigo 3º do NRAU, e de 3 anos o prazo renovação do contrato de arrendamento e termo previsto para 31.12.2021, pelo que não podia a Autora opor-se à renovação, que comunicou erradamente aos Réus para o termo e entrega do locado em 31-12-2019, objecto exclusivo da sua pretensão entrada em juízo em 3.3.2020.

A Relação configurou o contrato de arrendamento como de prazo certo de 5 anos, com termo inicial em dia 1 de Janeiro de 2014 e o termo final em 31 de Dezembro de 2018.

Considerou, por seu turno, que verificada a transição do contrato para o NRAU ( pontos 13,14,15) rege o disposto no artigo 1096º do CC ( redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012) e quanto à oposição à renovação automática o artigo 1097º; ou seja, a comunicação dessa vontade pelo senhorio, exige 120 dias de antecedência reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, através de declaração de conteúdo inequívoco, devendo dela constar a indicação precisa e correcta da data do termo do contrato.

Para concluir pela ineficácia de oposição à renovação do contrato realizada pela Autora, ao indicar na comunicação dirigida aos Réus, a data de 31.12.2019, que não corresponde à data do termo final da duração ou da sua renovação (que considerou de 5 anos, à semelhança do prazo de vigência) que estava em curso.

Em outra linha de obstáculo processual, ponderou o acórdão recorrido que não se destinando os recursos a conhecer questões novas, o que impede a apreciação da questão suscitada apenas na apelação, a da eventual eficácia da oposição diferida para o termo da prorrogação contratual em curso, 31.12.2023, factualidade que não integra a causa de pedir.

A recorrente clama pela revogação do acórdão que, no seu entender, fez errada interpretação da lei e da vontade declarada das partes, sendo expressa na comunicação a vontade de extinção do contrato e assim entendido e aceite pelos Réus; e sobremaneira na recusa de apreciação da eficácia da oposição à renovação do contrato deferida para a data tida como termo na decisão de primeira instância, e não para a data que a Relação veio a considerar ser a data de cessação (31.12.2023), privilegiou uma decisão formalista em detrimento da solução de mérito, ao arrepio dos primados da lei e da justiça.

2. O prazo de vigência e a renovação do contrato

Apreciando

Em pano de fundo está em juízo um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 18.03.1971, por escritura pública, que de acordo com a vontade declarada entre os outorgantes, passou em 2013, a contrato com termo certo e nova renda, adotando o regime legal de transição previsto no NRAU. 1

Da troca de correspondência a tal propósito, vertida nos pontos 13 a 15 dos factos provados, resulta que a Autora propôs que o contrato passasse a ter o prazo de duração de 3 anos e a renda mensal de €136.00,00, contrapondo o 1ºRéu o prazo de 5 anos e, a renda mensal de € 117,75, a qual não mereceu resposta.

Não sendo assim definido expressamente qual o prazo de duração do contrato transitado, ter-se-á, por celebrado por 5 anos, em razão do efeito jurídico do silêncio da Autora face à declaração /contra - proposta do Réu, que terminou em 31.12.2018. 2

Quanto ao prazo de renovação as partes nada convencionaram, alegando a Autora ser de 1 ano, no que divergiram as instâncias, entre o período de 3 e 5 anos.

A matéria – prazo de renovação do contrato de arrendamento - na ausência de estipulação - vem suscitando ampla divergência que carece de sedimentação.

Tendemos a considerar que no âmbito dos contratos de arrendamento com aplicação do NRAU, o artigo 1096.º, do Código Civil vale a redação conferida pela Lei 13/2019 de 12.2, no tocante às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor, como na situação em apreço e de acordo com o artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil.3

Nesse sentido ilustra o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2023, cujo sumário transpomos no tópico aqui relevante : 4

«I. A Lei n. º13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. (..)»

Subsiste a dúvida no tocante à adequada interpretação no contexto de aplicação da norma supletiva do nº1 do artigo 1096º do CC, quanto ao prazo de renovação, não constando estipulação pelas partes no contrato.

No contrato em análise, não existe expressão escrita da vontade das partes quanto ao prazo de renovação, tendo a sentença considerado ser de 3 anos e, o acórdão recorrido de 5 anos.5

Dando eco à dificuldade interpretativa, parece extrair-se do artigo 1096º do Código Civil, que na ausência de estipulação das partes sobre o prazo de renovação, a norma supletiva dita que o mesmo é de 3 anos, em sintonia com o prazo mínimo inicial de duração /vigência do contrato de arrendamento que o legislador teve presente na alteração (anterior 5 anos) o que decorre da ineficácia da oposição à cessação pelo senhorio antes de decorridos 3 anos sobre o seu início.6

Incidindo no foco desta questão, Maria Olinda Garcia refere:

«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação;

Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo;

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos;

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência;

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9; (..)»7

Entendimento que surge como maioritário na doutrina. 8

A jurisprudência do Supremo Tribunal acolhe igual orientação, patenteada no recente Acórdão do STJ de 12.12.2023:

«(…) 3. Ocorrendo o exercício do direito à oposição à renovação na vigência do novo regime jurídico, quando já tinha ocorrido a primeira renovação pelo período de um ano, não tem o senhorio que aguardar o termo do prazo de três anos a contar da data da entrada em vigor das alterações introduzidas ao art. 1097.º, n.º 3, do CC (13/02/2019), pois o prazo não se inicia nessa data, sendo que, a aplicar-se o prazo de três anos, seria sempre a contar da data de início do contrato.

4. Havendo cláusula que estabelece os períodos de renovação contratual, terá a mesma de ser aplicada. Não a havendo, haverá que observar a parte final do n.º 1 do art. 1096.º do CC (na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12-02), e as renovações, por falta de estipulação, serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual.

5. O art. 1096.º, n.º 1, do CC, naquela nova redacção, exige o pré-decurso trienal só para a primeira renovação, o que significa que os contratos que já completaram uma primeira renovação à data da sua entrada em vigor, ainda que sem preenchimento dos três anos de duração prévia, não estão abrangidos por ela, uma vez que já se completou o prazo de renovação menor (no caso de um ano) a que obedeceram, sendo esta a interpretação daquele normativo que mais se coaduna com o disposto no art. 297.º, n.º 2, do CC, segundo qual os prazos mais longos da lei nova só se inserem nos prazos mais curtos da lei anterior que ainda “estejam em curso”.»9

Em suma, do disposto no artigo 1096º, nº1, do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, pode extrair-se que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se pelos períodos sucessivos de igual duração à inicial estabelecida, salvo se o mesmo for inferior a 3 anos, que valerá então com carácter injuntivo.

Neste pressuposto, no contrato ajuizado, secundamos o acórdão recorrido - o prazo de renovação a considerar é de 5 anos.

De qualquer modo, cremos, que a apreciação da situação factual que resta provada e o objecto da revista, ultrapassa in casu o prazo de renovação do contrato – 3 ou 5 anos - que se tenha por aplicável, como se procura explicar adiante.

3. Os requisitos da comunicação de oposição à renovação do contrato.

O acórdão recorrido consignou neste âmbito:

Entende-se que a indicação precisa da data do termo do contrato e, assim, a data em que o locado deve ser restituído, é um elemento imprescindível do conteúdo da comunicação, para que o inquilino possa aferir da validade da data de termo do contrato indicada face ao regime aplicável e, assim, se for o caso, abrir a discussão quanto a tal aspecto, primeiro entre as partes e, depois, se se chegar a esse ponto, mediante o acionamento judicial adequado e, não discutindo a data, ficar constituído em mora e no dever de indemnizar, caso incumpra a obrigação de restituir na data designada.”

Recolhemos os ensinamentos de Maria Olinda Garcia:

«(…) no seu contexto sistemático, ou seja, enquanto hipóteses específicas dentro do âmbito temático traçado pelo art. 9º da Lei nº 6/2006. São aí referidas três matérias relativamente às quais as comunicações entre as partes se devem processar segundo regras traçadas pelos arts. 9º e seges: cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras.» 10

Temos presente a inevitável e ruidosa controvérsia quanto à interpretação de alguns pontos do sistema normativo do contrato de arrendamento urbano, fruto do reconhecido emaranhado e pouco claro regime de sucessão de leis e normas transitórias.

Dificuldade e imprecisão da técnica legislativa, maxime na conjugação dos regimes que se sucederam, que por maioria de razão, será acrescida para os sujeitos envolvidos na definição do quadro contratual em que se movem, designadamente no referente ao prazo e data do seu termo e, os requisitos no exercício da vontade de cessação e ou renovação.

Identificando tal dificuldade, assinala Maria Olinda Garcia, que a transição dos contratos para o NRAU: «(..) não é uma designação muito rigorosa, pois aos contratos em causa no mencionado regime transitório já são amplamente aplicáveis as normas do regime do arrendamento urbano que valem para os novos contratos. Os principais desvios a este regime são estabelecidos pelas normas transitórias que consagram restrições aos direitos extintivos do senhorio, nomeadamente ao seu direito de livre denúncia. (..)»11 E, salienta : «Os artigos 26.º a 58.º da Lei n.º 6/2006 (que constituem o TÍTULO II deste diploma [– o NRAU]) traduzem-se num conjunto de normas transitórias, aplicáveis apenas a contratos celebrados antes da entrada em vigor dessa lei, embora nem todas essas normas se apliquem, em igual medida, a todos os contratos celebrados antes desse marco temporal, pois estabelecem-se ainda aí distinções normativas entre contratos mais antigos e contratos menos antigos, bem como entre contratos para fim habitacional e para fim não habitacional. Este conjunto de normas de caráter transitório é comummente designado por regime transitório do arrendamento urbano.

Perante esta diversidade de regimes substantivos, é sintomática a advertência de Maria Olinda Garcia no início da oba citada: «(…) a complexidade da atual disciplina do arrendamento urbano faz com que esta matéria não seja de fácil domínio para quem tem de interpretar e aplicar as suas regras aos casos concretos. (..)» 12

Há que realçar que o douto acórdão recorrido que fez maioria, não deixou de equacionar a pretensão da Autora - a oposição à renovação do contrato – para a hipótese do prazo de 3 anos para a renovação, com termo em 31.12.2021, concluindo embora pela sua ineficácia pelos motivos que implicaram a sua ineficácia sob o parâmetro que elegeu, o prazo de renovação de 5 anos.

Porém, salvo o devido respeito, não estamos em condições de poder acompanhar o desfecho da acção ditado pelo acórdão recorrido tirado em maioria.

Em adverso, acolhendo a argumentação veiculada no voto de vencido da Senhora Relatora inicial, dir-se-á:

“(…) o cidadão comum, de sagacidade e diligência medianas, perante uma comunicação em tudo idêntica à que foi recebida pelo réu, concluiria forçosamente que a senhoria dava o contrato por findo na data expressamente assinalada, coincidente, inclusivamente, com o termo do prazo que era exigido para a entrega do imóvel, a reforçar o momento a partir do qual a autora entendia inexistir fundamento para a continuação da sua ocupação, por cessação do contrato - 31 de dezembro de 2020.”

Afigura-se-nos, pois que, não dispondo o artigo 1097º do Código Civil sobre qualquer requisito de conteúdo específico a constar da declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio, a missiva da Autora enviada aos Réus - não pode deixar de ser entendida senão como o propósito expresso de pôr fim ao contrato de arrendamento, comunicada com a prevista antecedência legal, inclusive em prazo anterior ao termo do prazo corrido, é este é o sentido normal da declaração à luz do disposto no artigo 236º do CC.

Acerca do alcance do disposto no artigo 236º do Código Civil, o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 12.06.2012 elucida:13

«(…) critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor).A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário). [(…) Há que imaginar - escreve o Prof. Paulo Mota Pinto em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.] Ainda segundo este mesmo autor, [… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento].»

No sentido sufragado, em caso próximo da declaração de denúncia do contrato de arrendamento - decidiu-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 26.04.2023:14

«I - O sentido negocial da declaração determina os respetivos efeitos jurídicos.

II - Não merece censura o acórdão que interpreta a declaração da ré como denúncia do contrato celebrado levando em linha de conta a sua atuação anterior (com influência no significado do comportamento presente) e subsequente (o modo como observou essa declaração) a essa missiva. O declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, terá em consideração o contexto negocial da declaração, o seu enquadramento. (...).»

Posto isto, concluímos, que traduzindo a oposição à renovação do contrato de arrendamento um direito potestativo que depende apenas da vontade do senhorio que emite a declaração, dispensado de fundamento e que visa operar para futuro, a declaração do senhorio eficaz a enviar ao arrendatário, deverá apenas respeitar o período legal de antecedência legal, ou aquele que as partes convencionaram.

Noutra perspectiva - a protecção do inquilino com vista a ter tempo de procurar outra casa e entregar o locado – não sai atingida, na circunstância de a data referida pelo senhorio na comunicação de oposição se situar para além do termo da renovação em curso, desde que respeitada a antecedência legal perante a data de extinção, considerando-se assim oportuna e eficaz.

Mais, a aceitação de rendas e a continuação da ocupação do locado pelo arrendatário, porque a lei não o prevê, não implica outras e novas renovações do contrato, pois a cessação por oposição resulta adquirida da declaração do propósito do senhorio nesse sentido.

A comunicação de oposição à renovação do contrato enviada aos Réus observou o prazo previsto no artigo 1097º, nº 1, al. b), do Código Civil (o contrato de arrendamento tem o prazo de 5 anos) -120 dias que antecedem a data de 31.12.2019, e respeitou ainda o prazo da primeira renovação (nº3 daquele normativo).

Parece assim que temos de concluir, que a Autora comunicou regularmente aos Réus que a compreenderam - a intenção de não renovar o contrato vigente, conquanto não coincidente/ errada a data indicada para a cessação - termo da renovação em curso que se completaria em data ulterior e, por conseguinte, apta ao efeito pretendido.

Enfatiza e objectiva a referida preposição conclusiva no caso em juízo, a circunstância de os Réus nunca terem questionado a data de “31.12.2019” como o termo do contrato, tal como consta da carta de oposição à renovação.

Desde logo, nos articulados os Réus não impugnaram e aceitaram a referida data como sendo o termo da última renovação/cessação do contrato de arrendamento - data que a Autora manteve na petição inicial, que aqueles contestaram e discutiram com base em outros fundamentos de facto e de direito.

Posição que os Réus, sem grande convicção, alteram nas contra-alegações da apelação, afirmando que afinal o contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional apenas cessaria, por caducidade, em 31 de dezembro de 2023; ao que se entende, indo de encontro à argumentação refletida na sentença que lhes foi favorável. 15

Evidencia de igual modo, a conformação e manifestação de aceitação (quiçá indiferente) pelos Réus com o conteúdo da carta da Autora, que procederam de seguida à notificação judicial, em ordem a acautelar o direito a indemnização pelas benfeitorias alegadamente realizadas no locado - cfr. pontos 16 a 18 dos factos provados.

Os Réus compreenderam e admitiram que a Autora pretendia cessar a relação contratual, apesar de a data “errada”, que a sua comunicação operasse na data posterior e mais próxima.

Reconfigurando agora a comunicação em análise, reportada à data do termo da última renovação do contrato de arrendamento com o prazo inicial de 5 anos, também se afirma a sua eficácia.

A lei não impede o senhorio de - com antecedência superior à imposta na lei- assegurando ao arrendatário mais tempo até à entrega do locado para reorganizar a sua situação, e procurar espaço alternativo - comunicar a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento reportada à data do termo de renovação seguinte, que no caso, se completaria em 31.12.2023; tal não compromete o objectivo e finalidade da lei na exigência do aviso prévio ao inquilino.

Para concluir, na decorrência do que se vem de expor, que a comunicação da Autora de oposição à renovação do contrato é operativa do efeito da cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, diferida para a data do termo da renovação em curso.

2.2. A causa de pedir e o pedido

Já se disse, que o acórdão recorrido perspetivou ainda o caso à luz do pressuposto da eficácia da comunicação de oposição à renovação, nos termos concretizados pela Autora - cessação do contrato de arrendamento entre as partes, tendo por termo final uma data posterior.

Nesse enquadramento expressou:

“Mas tendo esta Relação considerado que a data do termo final do contrato é 31/12/2023, pode a mesma apreciar e decidir que a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para aquela data? (…)

Do ponto de vista substancial, como já ficou referido, a data do termo final do contrato e, assim, a data em que o locado deve ser restituído, integra o conteúdo imprescindível da comunicação de oposição à renovação.

No entanto e ainda do ponto de vista substancial, admite-se que operem as regras de interpretação e se possa discernir em tal comunicação uma intenção de oposição à renovação do contrato para a data do termo final da duração ou renovação que estiver em curso.

Mas do ponto de vista processual, a interpretação da comunicação de oposição à renovação e a possibilidade de considerar extinto o contrato em outra data que não a indicada pelo senhorio, depende de nisso o mesmo manifestar interesse, por modo processualmente adequado e oportunamente contraditado (para utilizar a formulação do Ac. desta RG, de 21.05.2022, proc. 1426/19.1T8VCT.G1).

Em apreciação do caso concreto, mais considerou que:” Os recursos não visam criar decisões sobre questões novas, isto é, questões não suscitadas e apreciadas no tribunal recorrido, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido” (..)

E, mais adiante sobre a sentença “(..) Não apreciou a questão de saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 era eficaz para 31/12/2023, pois considerou que a data do termo final do contrato era 31/12/2021. (…) É que, salvo melhor opinião, saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para 31/12/2023, é uma questão diferente daquela, já que tem um elemento radicalmente diferente - a data – e tem diferentes implicações no pedido formulado. (..) a data do termo final do contrato não é um elemento de somenos ou indiferente nesta questão (como, aliás, o comprovam os presentes autos e a jurisprudência a que se fez referência supra), pois, como se afirma no Ac. desta RG de 23/03/2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, “é um elemento essencial.” (…)

a A./recorrente nunca formulou, nem formula no recurso, a pretensão de que se considere a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 eficaz para 31/12/2023.

O que a mesma pretende é que se considere eficaz tal comunicação para 31/12/2021.

É certo que os RR. assumem, nas suas contra-alegações e concretamente na conclusão t), que o contrato de arrendamento só termina em 31.12.2023 e na conclusão v), que “Só em 31.12.2023 a declaração pode produzir os seus efeitos (…)”.

Porém, não formularam, com base em tal, qualquer pretensão e, concretamente, não formularam qualquer pretensão com implicação no desfecho da acção.

E também a A. /recorrente, nada disse ou fez. (…)

Destarte, conclui-se, este tribunal não pode conhecer da questão de saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para 31/12/2023.”

Ressalvado o devido respeito, na situação factual dos autos, decidindo que a carta de oposição à renovação é operativa em 31.12, 2023, o tribunal não julga além da vontade das partes.

Senão, vejamos.

Admitido que a Autora incorreu em erro quanto à data do termo final da renovação em curso do contrato de arrendamento que consta da comunicação de oposição, os Réus não deixaram de reconhecer e aceitar como inequívoco o propósito da Autora na cessação da relação contratual, como manifesta a sua actuação subsequente.

Erro atendível, como se disse, face à dificultosa interpretação dos regimes legais que sucederam, ilustrado pela divergência das instâncias sobre a matéria.

Sintetizando.

Pelas razões que retro se enunciaram, a lei não faz depender a eficácia operativa da oposição de requisitos específicos quanto ao conteúdo da comunicação, acautelando apenas a forma escrita e a antecedência de 120 dias, donde o elemento /data do termo da prorrogação do contrato não nos parece essencial, mas acessória no esclarecimento do arrendatário.

Os Réus demonstraram compreender a vontade da Autora, logo reclamando a indemnização por benfeitorias, cientes do final do contrato.

Dispõe o artigo 611º do CPC “Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes”

«1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. - sem «prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» (n.º 1); mas só «são, porém atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. (..)»

Proposta a acção em Março de 2020, pendente na data do termo da última renovação- 31.12.2023 (data que o tribunal teve por correcta) - há que atender aos efeitos jurídicos da superveniência de tal facto, compatível com a causa de pedir e o pedido - a eficácia da oposição à renovação do contar-to na data mais próxima; não estando o tribunal limitado à alegação de direito das partes, a operar na data de 21.12.2023, à luz do quadro normativo.

3. Reconvenção

O pedido reconvencional formulado quanto a benfeitorias integra o fundamento da alínea b) do nº2 do artigo 266º do CPC.

Os Réus deduziram reconvenção na presente acção de despejo, formulando o pedido da condenação da Autora a pagar a indemnização pelas alegadas benfeitorias necessárias e úteis que realizaram no locado, no valor de € 75.000 e juros de mora, mais invocando direito de retenção do locado até ao pagamento da quantia.

O pedido reconvencional foi admitido, conforme oportuno despacho transitado em julgado.

O Tribunal da Relação que julgou a acção improcedente, não conheceu da reconvenção por prejudicada.

O pedido reconvencional será então objecto de apreciação, na procedência do despejo, como ora se decidiu.16

Nas instâncias, incumbidas do apuramento da matéria de facto relevante para a solução do litígio, não ficou provada qualquer factualidade constitutiva das invocadas benfeitorias realizadas pelos Réus.

Posto o que, dispensando por desnecessários outros considerandos, é manifesto que a reconvenção terá de improceder, seja na componente da indemnização, seja na dependente e invocada retenção do locado.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se na procedência da revista, revogar o acórdão recorrido, e em substituição, julgar procedente a acção, e improcedente a reconvenção, e em consequência:

a) Declarar válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento;

b) Determinar o despejo do locado, condenando os Réus à respectiva entrega à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens;

c) Absolver a Autora do pedido reconvencional.


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As custas são a cargo dos Réus recorrentes.

Lisboa, 12.12.2024

Isabel Salgado (relatora)

Catarina Serra

Emídio Francisco dos Santos - Vencido - Confirmaria o acórdão recorrido.

A autora, ora recorrente, pediu ao tribunal se declarasse válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento a partir de 31-12-2019. Errou, no entanto, quanto ao termo do prazo de renovação do contrato. O termo dava-se em 31-12-2023. A consequência do seu erro era a improcedência do pedido.

Salvo o devido respeito, a circunstância de, no decurso do processo, se ter atingido o termo do prazo de renovação do contrato não permitia ao tribunal, invocando o n.º 1 do artigo 611.º do CPC, declarar a cessação do arrendamento a partir de tal data, com fundamento na oposição da autora à renovação. É que, se é certo que o termo do prazo de renovação do contrato deu-se no decurso do processo, também é certo que ocorreu depois do encerramento da discussão em 1.ª instância (25-03-2022) e decorre do n.º 1 do citado preceito que só são atendidos na decisão os factos jurídicos supervenientes – e ainda assim pela forma prevista nos artigos 588.º e 589.º, ambos do CPC - que se verificarem até ao momento do encerramento da discussão.

Sobre a reconvenção:

No meu entender, e salvo o devido respeito pela solução seguida no acórdão, o STJ não podia conhecer da reconvenção. Visto que esta não foi apreciada pela Relação por considerar prejudicado o seu conhecimento pela solução que deu à questão da oposição à renovação do contrato, não era aplicável a regra da substituição ao tribunal recorrido do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, por ela não valer no recurso de revista (artigo 679.º do CPC). Cito em abono desta interpretação a parte final da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2015, de 2 de Julho de 2015, publicado no DR I Série de 18-09-2015.

Emídio Santos

_______




1. Cfr. art. 9º e as menções do art. 50º do NRAU (na redacção então vigente, da Lei n.º 31/2012, de 14-08); a transição para o NRAU é da iniciativa do senhorio que pela sua comunicação desencadeia o processo negocial.

2. Cfr. art. 33º, nº 3 ex vi d art. 52º, 1ª parte NRAU (na versão aplicável, á data – Lei 31/2012), “a falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário”.; cfr. também neste sentido, inter alia, o Ac. STJ de 18.09.2021, no proc. nº 8346/15.7T8LSB.L1.S1, disponível in www.dsgi.pt.

3. Estando em causa questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplica-se às relações de arrendamento já constituídas e que se mantêm, dada a natureza de contratos de execução duradoura.

4. No proc. nº 7135/20.1T8LSB.L1. S, in www.dgsi.pt.

5. Cfr. neste sentido, inter alia, na doutrina, Márcia Passos, in Boletim da Ordem dos Advogados, de 21 de Setembro 2019, pág. 20/21, e José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pág. 375/76. Na jurisprudência das Relações identifica-se ampla divergência na interpretação do preceito, decisões que convergem com a enunciada, outras com a sufragada no acórdão recorrido; e, numa terceira via, afirmando que a imperatividade da norma (1096º, nº1, CC) apenas reportará ao prazo mínimo inicial de duração do contrato - 3 anos- ao afirmar a ineficácia da oposição de renovação do senhorio antes de 3 anos, e não invalida as estipulações quanto aos prazos de duração, nem quanto aos prazos de renovação, constantes dos contratos.

6. A aplicação da nova lei determina a interpretação conjunta do artigo 1096.º e o artigo 1097.º, n. º3, do Código Civil.

7. Alterações em Matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019, páginas 11-12):

8. Posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) Pinto Furtado acolhendo a posição, limita, a aplicação do prazo de 3 anos à primeira renovação, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pág. 651/53.

9. No proc. nº 19506/21.1T8PRT-A. P1.S1, tirado na 7ªsecção, não publicado; negrito e sublinhado nossos.

10. In O Arrendamento Plural, Quadro Normativo e Natureza Jurídica, 2009, pág. 99/100:

11. In Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pág. 135, nota 68.

12. Na Pág.5.

13. No proc. nº14/06.7TBCMG.G1. S1, in www.dgsi.pt.

14. No proc. Nº3445/18.6T8VFR.P1. S1 in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido, também o Acórdão STJ de 29.02.2024 no proc. nº 132/18.9T8ELV.E1. S1, -7ªsecção, não publicado, destacando-se no sumário «(..) 8. No domínio da interpretação, o "maior equilíbrio das prestações " é um critério de resolução de dúvidas (artigo 237.0 do Código Civil).9. A actuação posterior das partes deve ser tida em consideração para confirmar ou infirmar um determinado sentido a que se chegou por aplicação dos critérios interpretativos. (..)»

15. Conclusão t) da apelação “… que o contrato de arrendamento só termina em 31.12.2023 e na conclusão v), que “Só em 31.12.2023 a declaração pode produzir os seus efeitos…”.

16. Caso o pedido do Autor seja julgado procedente - cfr. LEBRE de FREITAS, Código de Processo Civil anotado, volume I, página 256.