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Jurisprudência
Sumário

I — O conceito de adopção internacional decorre do artigo 2.º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional de 29 de Maio de 1993 e dos artigos 2.º e 61.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção.

II — Em caso de adopção internacional, o artigo 90.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção devolve a competência para o reconhecimento das decisões estrangeiras à Autoridade Central.

Decisão Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrentes: AA e BB

Recorrido: Ministério Público

I. — RELATÓRIO

1. AA e BB, casados entre si, por si e em representação da menor CC, propuseram a presente acção, sob a forma de processo especial de revisão de sentença estrangeira.

2. Pediram o reconhecimento da sentença proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, que decretou a adopção plena da menor DD pelos Requerentes.

3. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator proferiu decisão singular, dando por verificada uma excepção dilatória inominada — a circunstância de a decisão sobre o reconhecimento da adopção internacional estar fora da função jurisdicional.

4. Inconformados, os Requerentes reclamaram da decisão singular para a conferência.

5. Em conferência, o Tribunal da Relação indeferiu a reclamação, confirmando a decisão singular reclamada.

6. Inconformados, os Requerentes AA e BB interpuseram recurso de revista.

7. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - Os Recorrentes vêm interpor Recurso de Revista do Acórdão da Conferencia proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 06 de Março de 2025 que indeferiu a reclamação apresentada, pelos Requerentes, confirmando a Decisão singular proferida.

II - O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, encontra-se em clara violação do enquadramento legal aplicável, in casu, nos termos estatuídos nos artigos 978.º e seguintes do CPC, conduzindo a uma violação de lei substantiva em conformidade com o disposto no artigo 674.º n.º 1, alínea a) do CPC.

III - Mal andou o Tribunal a quo, ao interpretar que a adoção proferida pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau -Vara de Família, Menores e Trabalho, não é passível de Revisão e Confirmação, através da Ação de Revisão de Sentença Estrangeira, nos termos do artigo 978.º e seguintes do CPC.

IV- Olvidou, o Tribunal da Relação de Lisboa, que a menor CC, tem residencia habitual em Portugal, título de residencia válido de permanência em Portugal, que foi emitido após Revisão e Confirmação de Sentença de Tutela, transitada em julgado.

V- O Acórdão da Conferencia do Tribunal da Relação de Lisboa, posto em crise, procedeu a uma análise enviesada, da adoção da menor CC, negando em absoluto que tal adoção, possa ser alvo de revisão e confirmação, nos termos dos artigos 978.º e seguintes do Código do Processo Civil.

VI - Entende-se que o Tribunal ad quem, e por uma questão de adequação, justiça e igualdade de direitos, deve interpretar, extensivamente, o mecanismo da ação de revisão de sentença estrangeira, mais concretamente o disposto no artigo 978.º n.º 1 do Código do Processo Civil.

VII - Não obstante, a mudança de filiação da menor no país de origem, e atendendo a que a mesma tem residencia habitual em Portugal, aqui tendo o seu centro de vida, é incontroverso que a Sentença proferida pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau, que preenche todos os requisitos previstos nas alíneas a) a f) do artigo 980.º do Código do Processo Civil.

VIII - Resulta do Douto Acórdão da Conferencia, que estamos perante uma adoção internacional, que depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Nacional Central, carecendo o Tribunal da Relação de jurisdição para conhecer da mesma.

IX - A decisão singular proferida baseia-se no facto dos autores e da menor residirem em Portugal à data em que foi requerida a adoção na Guiné-Bissau, e a na falta de indicação, por banda dos recorrentes de qualquer outra razão plausível para a deslocação da menor da Guiné Bissau para Portugal, máxime para a mesma morada onde residem. - Fundamentação de Direito, pontos 3.1 e 3.2-.

X - Como argumentado em sede de Reclamação da Decisão Singular, a situação in casu não constitui um caso de adoção internacional, pois à data da adoção a menor residia em Portugal com os adotantes, no âmbito da Tutela revista e confirmada, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. N.º 2526/22.6..... – ....ª secção – transitada em julgado em 29.02.2022. (Sentença de Tutela proferida em 26.08.2022 pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, nos autos 64/2022.)

XI - A menor é portadora de Título de residência, concedido pela República Portuguesa após a revista e confirmada a Sentença da Tutela, tendo a adotada e adotantes, residencia habitual no mesmo Estado, Portugal, e onde a menor tem, claramente, organizado o seu centro de vida, a sua residencia habitual e onde já se encontra inserida em contexto familiar, frequentando inclusivamente estabelecimento pré-escolar.

XII - O argumento do Tribunal a quo quanto à residência dos requerentes e da menor, não pode colher. Na realidade não houve transferência da menor do Estado onde residia habitualmente para outro qualquer Estado nomeadamente para o Estado da residência dos Requerentes, pois a menor, já se encontrava legalmente em Portugal.

XIII - Desconsiderou o Tribunal recorrido, a existência de um processo de Tutela já revista e confirmada no ordenamento jurídico português, transitada em julgado em 29.02.2022, e que na sequência dessa decisão, a menor passou a residir em Portugal, tendo a sua situação em território nacional regularizada junto da entidade competente que lhe atribuiu o respetivo título de residência desde 2022.

IX - A adoção internacional, ocorre quando a criança é transferida do seu país de residencia habitual para o país de residencia habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da adoção (artigo 2.º, al. a) do RJPA.

X - Dispõe o n.º 1 do artigo 61 da Lei n.º143/2015, de 8 de setembro que As disposições do presente título aplicam-se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção.” O que não sucedeu no presente caso.

XI - Repita-se que a menor CC, já residia legalmente em Portugal aquando da sua adoção, não se verificando a transferência do país estrangeiro (Guiné-Bissau), uma vez que a sua residência habitual era já em Portugal.

XII - O acima expendido não afasta só a questão da residência da menor e dos requerentes esgrimida na decisão recorrida, mas também e porque está com ela relacionada, a questão da deslocação da menor para Portugal.

XIII - A adoção da menor CC, não pode ser tida como adoção internacional por não se verificarem os elementos que a caracterizam nomeadamente a deslocação do adotante residente habitualmente noutro Estado que não Portugal.

XIV - A adoção da menor já foi concretizada no âmbito do processo n.º 101/2024 que correu termos pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e de Trabalho da República da Guiné-Bissau, tendo a adoção sido requerida e decretada com os requerentes e a menor a residir em Portugal, tendo a menor a sua permanência em Território Nacional regularizada.

XV - Estão, assim, arredadas a questão da residência habitual da menor em Estado estrangeiro à data da adoção, bem como a questão da deslocação da menor para Portugal.

XVI - De acordo com o RJPA, o legislador considera verificar-se uma adoção internacional se, com o decretamento de tal adoção e por força da mesma a criança em causa altera o estado da sua residencia habitual, o que in casu não sucedeu.

XVII - Igualmente, em matéria de adoção internacional, a Convenção relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, pode ler-se no n.º 1 do artigo 2.º que a “ aplica-se sempre que uma criança com residência habitual num Estado contratante (o Estado de origem) tenha sido, seja ou venha a ser transferida para outro Estado contraente (o Estado recetor), seja após a adoção no Estado de origem por casal ou por pessoa residente habitualmente no Estado recetor, seja com o objetivo de ser adotada no Estado recetor ou no Estado de origem.”, impondo-se, que adotando/adotada e adotante, tenham, assim, residências habituais em Estados diversos, o que in casu também não sucedeu, porquanto terem todos residencia habitual em Portugal.

XVIII - Já no respeita ao ponto 3.6 e 3.7 da Fundamentação de Direito, dir-se-á não pretendem os recorrentes que uma decisão sobre direitos privados tenha eficácia em Portugal sem que esteja revista e confirmada tal decisão.

XIX - Diga-se, foi esse o caminho trilhado pelos recorrentes ao recorrer à ação de revisão de sentença estrangeira para que lhe fosse reconhecido os plenos efeitos jurídicos em Portugal quanto à decisão da adoção, vendo-se numa situação de desigualdade sem precedente, perante situações semelhantes à sua mais especificamente, no âmbito do processo 59/25.8YRLSB, de 13.01.2025, decisão proferida pelo Venerando Juiz Desembargador Dr. ... – ....ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa e já transitada em julgado,

XX - Cujos adotantes e menores residiam habitualmente em Portugal, como sucede nos presentes autos, em que também ocorreu o processo de adoção junto do Tribunal Regional da Guiné-Bissau, com os menores a residirem em Portugal, como nos presentes autos, com os menores com a permanência em Portugal regularizada, com a concessão de titulo de residência atribuído ao abrigo do processo de tutela, o que também sucedeu nos presentes autos, que estes autos em apreço, tenham sido rejeitados quando a factualidade é em tudo idêntica a do processo acima referido, pelo estamos perante decisões contraditórias.

XXI - O que culmina numa violação dos seguintes princípios constitucionais: princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP); do princípio da equiparação (ou do tratamento nacional) dos estrangeiros (artigo 15.º da CRP), e o princípio da legalidade, em absoluta e manifesta desproporcionalidade, corrosiva do Estado de Direito Democrático.

XXII - Pelo exposto, e demonstrado que está que a adoção da menor CC, não preenche os requisitos de adoção internacional não lhe será de aplicar aquele regime jurídico.

XXIII - Entendendo-se que sendo recusado o direito de revisão e confirmação da sentença de adoção proferida na Guiné-Bissau, que decretou a adoção da menor CC pelos Requerentes AA, e BB, tal cria uma situação de insegurança jurídica e discriminação.

XXIV- Desta forma, é forçoso concluir que, no Acórdão da Conferencia recorrido, estamos perante uma decisão em violação do estatuído no artigo 978.º e seguintes do Código do Processo Civil, o que conduz, de certa forma, a uma violação da Lei substantiva, em conformidade com o disposto no artigo 674.º, n.º 1 alínea a) do Código do Processo Civil.

Com o Douto Acórdão de Conferência proferido, violou o Tribunal da Relação o disposto nos artigos, 674 n.º 1, 978.º, 979.º, 980.º, 984.º todos do Código do Processo Civil, artigo 61.º n.º 1 e 90.º n.º 2 do RJPA e artigo 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes Termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser revogado o Acórdão da Conferencia proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, substituindo-o por outro Acórdão que julgue procedente a ação de revisão e confirmação da sentença estrangeira, proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho da Republica da Guiné-Bissau, já transitada em julgado que decretou a adoção plena da menor CC a favor dos adotantes AA e BB.

FAZENDO-SE ASSIM A SÃ E ACOSTUMADA JUSTIÇA!

8. O Ministério Público contra-alegou pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

9. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A) Nos autos foi pedida a revisão e confirmação da sentença estrangeira pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau - Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, com o seguinte segmento decisório:

“V – DECISÃO.

Face ao exposto, cotejando a factualidade constante dos pontos da presente sentença e os normativos supra referidos supra, decide-se:

1-Declarar o vínculo de Adoção Plena da menor DD pelos requerentes AA, português, casado, portador do Cartão de Cidadão n.º ........ 2 ZX6, válido até 26/02/20230 e BB, portuguesa, casada, portadora do Cartão de Cidadão n.º ........ 9 ZX3, válido até 28/12/20230.

2- A menor passa a chamar-se CC;

3- Ordenar a comunicação desta sentença à Conservatória do Registo Civil onde está registado o nascimento da menor.”

B) O Acórdão recorrido confirmou a decisão sumária que indeferiu a reclamação deduzida pelos AA e qualificou a adoção dos autos como internacional com fundamento no facto de a menor adotada ter nascido na Guiné-Bissau, ser cidadã da Guiné-Bissau, e ter vindo residir para casa dos adotantes em Portugal com vista à sua adoção dois anos antes de ser requerida a adoção peranteo Tribunal da Guiné-Bissau, sem que os Recorrentes tenham indicado razão plausível para ter ocorrido a deslocação da menor do seu país de origem para a morada dos adotantes.

C) Inconformados com o sentido do Acórdão prolatado, vêm os Recorrentes apresentar alegações de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a defender que não está em causa uma adoção internacional dependente de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central inserida na orgânica interna do Instituto da Segurança Social, I.P.”, porquanto, à data da adoção, a menor já tinha título de residência válido de permanência em Portugal, emitido após revisão e confirmação de sentença estrangeira de tutela transitada em julgado.

D) Invocam em abono da respetiva pretensão que o critério relevante para distinguir a adoção nacional da adoção internacional prende-se com a residência da criança, em comparação com a dos adotantes, independentemente das suas nacionalidades, só ocorrendo uma adoção internacional se adotantes e adotados possuírem residências habituais em Estados diversos e se, com o decretamento da adoção e por força da mesma, os adotados vejam alterado o estado da respetiva residência.

E) No caso sob apreciação, a adotada e os adotantes têm residência no mesmo Estado, Portugal, onde residem à data em que foi proferida a sentença estrangeira de adoção pelo Tribunal da Guiné-Bissau, e onde a menor tem organizado o seu centro de vida, a sua residência habitual e onde se encontra inserida em contexto familiar, frequentando estabelecimento pré-escolar.

F) Não houve transferência da menor do Estado onde residia habitualmente para o Estado da residência dos adotantes com vista à sua adoção, tendo o Acórdão recorrido desconsiderado o processo de tutela já revista e confirmada no ordenamento jurídico português, por decisão transitada, na sequência do qual a menor passou a residir em Portugal, onde tem a sua situação regularizada, possuindo título de residência válido atribuído pela entidade competente.

G) A posição sustentada pelo Acórdão recorrido é suscetível de gerar uma situação de desigualdade perante situações semelhantes, como a que ocorreu no âmbito do processo n.º 59/25.8YRLSB, da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, onde adotantes e menores residiam habitualmente em Portugal quando foi proferida sentença pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau, com a situação regularizada e título de residência atribuído ao abrigo de processo de Tutela.

H) Tratando-se de uma adoção nacional e preenchendo a sentença do Tribunal da Guiné-Bissau que decretou a adoção da menor CC os requisitos previstos nas alíneas a) a f), do Código de Processo Civil, deve a mesma ser revista e confirmada para produzir os seus efeitos na ordem jurídica portuguesa.

I) O Acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 674.º, n.º 1, 978.º, 979.º, 980.º e 984.º do CPC, os art.ºs 61.º, n.º 1 e 90.º, n.º 2, do RJPA, e o art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogado e substituído por nova decisão que reveja e confirme a decisão do Tribunal Regional da Guiné-Bissau, já transitada em julgado, que decretou a adoção a adoção plena da menor CC.

J) O objeto do recurso está relacionado com a competência/jurisdição para reconhecer a sentença estrangeira de adoção proferida em 18.11.2024 pelo Tribunal Regional deBissau, a saber:se cabe ao Tribunal da Relação de Lisboa por via do processo previsto nos art.ºs 978.º e seguintes do CPC, se à Autoridade Central por via do processo previsto no art.º 90.º, n.º 2, da Lei n.° 143/2015, de 8.09 (RJPA).

K) Sendo que a resposta a esta questão depende da adoção emcausa configurar, ou não, uma adoção internacional, à luz da Convenção Internacional relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoção Internacional de Haia, em 29.05.1993, que foi subscrita pela República de Guiné-Bissau e pela República Portuguesa, conforme resolução da Assembleia da República n.º 8/2003, de 25.02, Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, de 25/02, e do regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8.9..

L) Deve entender-se por adoção internacional”, quer ao abrigo do art.º 2.º, n.º 1, da Convenção de Haia de 1993, quer ao abrigo do disposto no art.º 2.º, alínea a), da Lei n.º 143/2015, de 8.9, como aquela em que ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção, i.e. com o objetivo de ser adotada no Estado destes últimos ou com o objetivo de ser adotada no Estado de origem da criança.

M) No caso sob apreciação, o Acórdão recorrido incidiu sobre decisão estrangeira de adoção que os Recorrentes qualificam de nacional, mas em que se limitam a alegar que a deslocação da menor para Portugal não teve em vista a sua adoção, pois que a mesma já residia em Portugal com os adotantes há cerca de 2 anos quando foi proferida a sentença de adoção pelo Tribunal da Guiné-Bissau, sem que tenham apresentado alguma justificação credível ou convincente para transferir a criança do seu país de origem antes de ser declarada a adoção.

N) Foi, pois, com base na própria alegação dos Recorrentes e na factualidade dada por assente, conjugados com as regras da experiência e da livre apreciação da prova, que o Acórdão recorrido concluiu, com recurso à prova por presunção, que a deslocação da criança do seu país de origem para Portugal, teve em vista a sua adoção.

O) Por outro lado, toda a tese argumentativa dos Recorrentes assenta no facto de o critério para distinguir a adoção nacional da internacional depender somente da residência dos adotantes e adotados; todavia, sendo tal critério relevante para efeitos de qualificação da adoção como nacional ou internacional, não assume a importância capital que os Recorrentes lhes pretendem atribuir, pois há que ter ainda em consideração outros elementos relevantes, como a transferência das crianças dos seus Estados de origem e de adotantes e adotados porventura já não residirem habitualmente no país estrangeiro que decretou a adoção (neste sentido ver, entre outros, o Acórdão do TRE de 13.10.2022, proferido no âmbito do processo n.º 76/22.0YREVR, em que foi relator Francisco Matos, posteriormente confirmado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 76/22.0YREVR.S1, em que foi relator António Barateiro Martins, e o Acórdão do TRL de 9.06.2022, proferido no âmbito do processo n.º 527/22.3YRLSB-2, em que foi relator Paulo Fernandes da Silva, todos consultáveis em www.dgsi.pt).

P) No caso dos autos ocorreu efetivamente a deslocação da adotada do país de onde é natural e de adotantes e adotada já não residiam no mesmo país estrangeiro que decretou a adoção, realidades estas que resultam da factualidade provada e que os Recorrentes procuram ignorar ou, pelo menos, desvalorizar.

Q) O Tribunal da Relação não pode desconsiderar o facto de a criança adotada ser natural da Guiné-Bissau e de ter sido transferida do seu país de origem para Portugal sem razão plausível, como se tal transferência não tivesse existido e a sua vida apenas tivesse começado quando começou a residir habitualmente com os adotantes, nem o facto de a sentença de adoção ter sido proferida pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau quando adotantes e adotada já residiam em Portugal há cerca de 2 anos.

R) O facto de a sentença de adoção proferida pelo Tribunal Regional da Guiné-Bissau preencher os requisitos previstos nas alíneas a) a f), do art.º 980.º do Código de Processo Civil, pese embora o facto da filiação da menor ter mudado no país deorigeme ter passado a residir habitualmente emPortugal, onde tem o seu centro de vida, constitui uma questão de mérito que aqui ainda não está em discussão.

S) O facto de o Acórdão recorrido sustentar orientação contraditória relativamente à seguida no âmbito do processo n.º 59/25.8YRLSB, da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, configura, também ela, uma questão relacionada com o julgamento do mérito da causa que cabe formular à entidade competente para efetuar o reconhecimento da decisão estrangeira.

T) Se resulta dos factos provados que a menor, sendo natural da Guiné-Bissau, veio para Portugal, onde residia com os adotantes há cerca de 2 anos antes de ser requerida e decretada a adoção pelo Tribunal da Guiné-Bissau, sem que tenha sido apresentada qualquer razão credível ou convincente para ter ocorrido tal deslocação, a adoção deve ser qualificada como internacional à luz do art.º 2.º, n.º 1, da Convenção de Haia de 1993, e do disposto no art.º 2.º, alínea a), da Lei n.º 143/2015, de 8.9, e o seu reconhecimento ser da competência do Instituto da Segurança Social, enquanto Autoridade Central designada pela República Portuguesa.

U) O Acórdão recorrido, ao confirmar a decisão sumária que julgou verificada a exceção dilatória inominada de violação das regras de jurisdição do Tribunal da Relação e ao declarar extinta a instância, fez uma correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece reparo.

Em face ao exposto, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão:

a) Deverá o recurso de revista interposto pelos Recorrentes ser rejeitado. Caso assim não se entenda:

b) Deverá ser-lhe negado provimento, mantendo-sena íntegra o decidido no acórdão recorrido, com o que se fará JUSTIÇA!

10. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é tão-só a seguinte: — se a adopção da menor DD pelos Requerentes AA e BB é uma adopção internacional no sentido artigo 2.º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional de 29 de Maio de 1993 1 e dos artigos 2.º e 61.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção 2.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

11. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

a) DD nasceu no dia ... de ... de 2021;

b) É filha de EE e de pai incógnito;

c) Por sentença proferida no dia 18 de Novembro de 2024, no Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, foi decidido decretar a adopção plena de DD pelos requerentes AA e BB.

d) Tal sentença transitou em julgado no dia 26/11/[2024];

e) DD residia com os requerentes AA e BB em Portugal, no momento em que foi requerida a sua adopção.

O DIREITO

12. O conceito de adopção internacional decorre do artigo 2.º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional de 29 de Maio de 1993 e dos artigos 2.º e 61.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção 3.

13, O artigo 2.º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional é do seguinte teor:

1. — A Convenção aplica-se sempre que uma criança com residência habitual num Estado contratante («o Estado de origem») tenha sido, seja ou venha a ser transferida para outro Estado contratante («o Estado receptor»), seja após a sua adopção no Estado de origem por casal ou por pessoa residente habitualmente no Estado receptor, seja com o objectivo de ser adoptada no Estado receptor ou no Estado de origem.

2. — A Convenção abrange apenas as adopções que estabeleçam um vínculo de filiação.

15. Os artigos 2.º e 61.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção são do seguinte teor:

Artigo 2.º — Definições

Para os efeitos do RJPA considera-se:

a) «Adoção internacional», processo de adoção, no âmbito do qual ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção;

Artigo 61.º — Objeto

1. — As disposições do presente título aplicam-se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção.

2. — As questões relativas à determinação da lei aplicável e à competência das autoridades judiciárias são reguladas, respetivamente, pelas normas de conflitos do Código Civil e pelas disposições do Código do Processo Civil em matéria de competência internacional.

16. Interpretando as disposições do artigo 2.º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional de 29 de Maio de 1993 e dos artigos 2.º e 61.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, diz-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2023 — processo n.º 76/22.0YREVR.S1:

“… deve entender-se por adoção internacional, quer no atual art. 2.º/a) da RJPA, quer antes no DL 185/93 (no seu art. 23.º), quer na Convenção de Haia de 1993 (art. 2.º/1 e 14.º), aquela em que ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção, ou seja, a adoção internacional ocorre: (i) quando os adotantes residem habitualmente em Portugal e pretendem adotar criança residente no estrangeiro (ii) ou quando a criança reside habitualmente em Portugal e os adotantes residem no estrangeiro.

Pelo que, inversamente, a situação em que os adotantes, sejam de nacionalidade portuguesa ou não, residem habitualmente no país em que procedem à adoção duma criança não configura um caso de adoção internacional”.

17. Os Requerentes, agora Recorrentes, alegam que a menor DD reside habitualmente em Portugal desde 2022 e que, em consequência, a adopção da menor por dois cidadãos portugueses não configura um caso de adopção internacional.

18. Os factos dados como provados dizem-nos que a menor / adoptanda DD nasceu na Guiné Bissau em 2021, que residia habitualmente na Guiné Bissau e que, desde 2022, reside habitualmente em Portugal com os seus adoptantes.

19. O caso está em averiguar se a transferência da menor DD da Guiné-Bissau para Portugal foi uma transferência com vista à sua adopção.

20. O Tribunal da Relação considerou que a questão era uma questão de facto.

21. Estando em causa uma questão de facto, chamou ao caso uma presunção judicial:

“… os autores não indicaram qualquer outra razão plausível para a deslocação da menor da Guiné Bissau para Portugal, maxime para a mesma morada onde residem.

É verdade que a menor se poderia encontrar casual ou temporalmente em Portugal de passeio, para receber assistência médica ou por qualquer outra razão, que não o projecto de adopção empreendido pelos autores. Não obstante, foram os próprios autores que vieram, a instâncias do Tribunal, informar que: “à data em que foi requerida a adoção, a menor já residia em Portugal, há cerca de 2 anos, designadamente na, Rua ... – ... em ..., exatamente a mesma morada que consta do título de Residência da menor e cuja cópia foi junta aos presentes autos”. Tal morada é precisamente a mesma que os autores indicaram no requerimento inicial como sendo a da sua residência.

O tribunal tem que apreciar os factos em termos de normalidade ou plausibilidade, podendo e devendo analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais – cfr. art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. O julgador tira ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art.ºs 349.º e 351.º, do Código Civil. Ora, sabendo que:

- A menor nasceu na Guiné Bissau; - É cidadã da Guiné Bissau; - Veio residir para a casa dos autores em Portugal; - Aí residiu desde cerca de dois anos antes de ser requerida a adopção perante o Tribunal da Guiné Bissau; - Foi averbado no registo de nascimento da menor que, por sentença do Tribunal da Guiné Bissau de 26/8/2022, foi decretada acção tutelar e os autores foram nomeados seus tutores; e, - Foi requerida e decretada a adopção plena da menor pelos autores, por sentença profe-rida no dia 18/11/2024, pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Tra-balho, da República da Guiné-Bissau;

impõe-se a ilação em como a circunstância da menor residir em Portugal com os autores tinha em vista a adopção. E que veio efectivamente a ser decretada pelo Tribunal da Gui-né Bissau. Tal é o facto que se impõe em vista dessas circunstâncias. A alternativa será o juiz assumir a posição receosa, temerária e paralisada em como não consegue tirar qual-quer ilação, não obstante os factos que conhece”.

22. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que [a]s presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base da presunção) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), nos termos do artigo 349.º do Código Civil” 4.

23. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 56/14.9T8VNF.G1.S1 — define-as, em alternativa, como meios lógicos ou mentais de descoberta de factos” ou como operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência, e permitem ao julgador extrair conclusões de factos conhecidos e provados para firmar factos desconhecidos”.

24. In casu, o Tribunal da Relação considerou adequado distinguir formalmente o elenco dos factos dados como provados e como não provados, de onde constam todos os factos probatórios, e a indução reconstrutiva 5 de que decorre o facto probando.

25. Entre as características da prova por presunções judiciais está a sua complexidade. depois de adquirido o facto probatório, incumbe ao juiz determinar a relação entre este facto probatório […] e o facto probando […]” 6.

26. In casu, o Tribunal da Relação aplicou [as] máximas de experiência, []os juízos correntes de probabilidade, […] ou []os próprios dados da intuição humana” 7 para deduzir da transferência da menor do seu país de residência habitual — Guiné-Bissau — para o país da residência habitual dos adoptantes — Portugal — e, dentro de Portugal, para a residêncial habitual dos adoptantes, a ilação de que havia uma transferência com vista à adopção.

27. O Supremo Tribunal de Justiça só pode pronunciar-se sobre o uso ou o não uso de presunções judiciais pelas instâncias nos casos em que as presunções judiciais não sejam admitidas pela lei; em que, ainda que admitidas pela lei, sejam inferidas de factos não provados; ou em que, ainda que inferidas de factos provados, sejam manifestamente ilógicas 8.

28. Ora, a conclusão do Tribunal da Relação não é de forma nenhuma manifestamente ilógica.

29. Esclarecido que a transferência da menor DD da Guiné-Bissau para Portugal foi uma transferência com vista à sua adopção, o artigo 90.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção é do seguinte teor:

1. — As decisões de adoção internacional proferidas no estrangeiro e certificadas em conformidade com a Convenção, bem como as abrangidas por acordo jurídico e judiciário bilateral que dispense a revisão de sentença estrangeira, têm eficácia automática em Portugal.

2. — Nos demais casos, a eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adopção depende de reconhecimento a efectuar pela Autoridade Central […].

30. Interpretando os n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2023 — processo n.º 76/22.0YREVR.S1 — diz:

“[a] expressão [‘nos demais casos’ com que se inicia o art. 90.º/2 do RJPA], sistematicamente interpretada, significa e reporta-se apenas aos demais casos de adoções internacionais (com o sentido atrás referido) e não a todos os casos de adoções decretadas no estrangeiro: o art. 90.º em causa faz parte dum Título (do RJPA) respeitante à Adoção Internaciona, pelo que a expressão “nos demais casos” reporta-se aos demais casos de adoção internacional (reporta-se “àquilo” de que trata tal Título) e é utilizada em conjugação com o que é referido no art. 90.º/1, em que se preveem as situações de eficácia automática (em Portugal) de sentenças de adoção internacional proferidas no estrangeiro, significando muito evidentemente, a nosso ver, que os ‘demais casos’ (no seguimento do que é dito no art. 90.º/1) contemplam, preveem e se referem a todas as outras sentenças de adoção internacional proferidas no estrangeiro que não gozem de eficácia automática em Portugal.

31. Ora a decisão proferida pelo Tribunal da Guiné Bissau não corresponde a nenhuma das duas hipóteses do n.º 1 do artigo 90.º: em primeiro lugar não é uma decisão abrangida por acordo jurídico e judiciário bilateral que dispense a revisão de sentença estrangeira e, em segundo lugar, não é uma decisão certificada em conformidade com a Convenção relativa à protecção das Crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional.

32. Em consequência, deve aplicar-se ao caso o n.º 2 do artigo 90.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, devolvendo-se a competência para o reconhecimento da adopção a uma autoridade administrativa — a Autoridade Central 9.

33. Finalmente, dir-se-á que o facto de o legislador ter decidido distinguir consoante a adopção seja ou não internacional corresponde a um tratamento desigual de situações desiguais, compatível com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes AA e BB.

Lisboa, 3 de Junho de 2025

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Arlindo Oliveira

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1. Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/2003 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, publicados no Diário da República — I série de 25 de Fevereiro de 2003.

2. Aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro.

3. Aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro.

4. Cf. designadamente acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 286/10.2TBLSB.P1.S1 —, de 19 de Janeiro de 2017 — processo n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1 —, de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 8531/14.9T8LSB.L1.S1 —, ou de 22 de Abril de 2021 — processo n.º 24140/16.5T8PRT.P1.S1.

5. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2021 — processo n.º 9726/17.9T8CBR.C1.S1: “A estrutura lógica das presunções judiciais é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico”.

6. Cf. João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 525.

7. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2021 — processo n.º 24140/16.5T8PRT.P1.S1.

8. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2023 — processo n.º 323/17.0T8VFR.P2.S2.

9. Como se diz no acórdão do de 15 de Fevereiro de 2023 — processo n.º 76/22.0YREVR.S1 —, as sentenças de adopção internacional proferidas no estrangeiro que não tenham eficácia automática em Portugal “continuam sujeitas a controlo prévio”, ainda que o artigo 90.º, n.º 2, do do Regime Jurídico do Processo de Adopção tenha devolvido o controlo prévio “a uma entidade administrativa – a Autoridade Central, a que se referem os artigos 1.º, n.º 2, alínea b), 64.º e 65.º do RJPA”.