Sumário
I. A opção do tribunal de recurso (Relação), de não mandar o apelante sintetizar as conclusões, por considerar que, apesar da respetiva prolixidade, não foi prejudicada a identificação das questões nele suscitadas, não merece censura, na medida em que, como foi o caso destes autos, o recorrido, na contra-alegação que apresentou na apelação, não denotou dificuldade na identificação das questões objeto do recurso e na sua análise e apreciação, nada aduzindo quanto à suposta prolixidade das conclusões da apelação.
II. Consistindo a ampliação do recurso um meio de alargamento do objeto da impugnação da decisão recorrida, pretendendo o recorrido que o tribunal ad quem, em determinadas condições, aprecie questão ou questões que não são objeto do recurso na versão definida pelo recorrente, e cabendo às conclusões a função de delimitação do objeto do recurso – ressalvadas matérias de conhecimento oficioso - aplicam-se-lhe as razões que determinam a obrigatoriedade da formulação de conclusões, isto é, a inserção, a final do recurso – in casu, da contra-alegação -, de proposições sintetizadoras das razões que, no ver da parte, justificam a alteração da decisão recorrida.
III. Não satisfaz o ónus referido em II a simples reprodução, a final da contra-alegação (apresentada na apelação), do “índice temático” apresentado no início da contra-alegação, sem nada aduzir quanto à justificação ou fundamentação do respeitante a cada um desses “itens temáticos”.
IV. O STJ apenas poderá interferir no juízo probatório formulado pela Relação se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados.
V. Numa ação em que a Autora reclama da Ré, sociedade de advogados, e do Réu, advogado que patrocinou a Autora, a entrega da indemnização que foi atribuída à Autora num processo de expropriação, de que os Réus se apropriaram, recai sobre os Réus o ónus da prova dos factos constitutivos do alegado crédito destes sobre a Autora, pelos serviços a esta prestados, enquanto matéria de exceção perentória alegada contra a pretensão da Autora e, também, enquanto facto constitutivo do pedido reconvencional deduzido tendo em vista a extinção da pretensão da Autora por força da compensação com o alegado crédito dos Réus.
VI. Os honorários do advogado podem ser previamente acordados entre as partes mediante a fixação de uma retribuição fixa e regular, vulgarmente designada de avença.
VII. Não vigorando o regime de avença, e estando em causa serviços cujos honorários não estejam previamente fixados, o advogado (ou a respetiva sociedade em cujo proveito o advogado exerce a sua atividade) deve apresentar a respetiva nota de honorários (e despesas), sempre que lhe for pedido pelo cliente e, em todo o caso, uma vez finda a prestação dos serviços.
VIII. A nota ou conta de honorários deve ser apresentada ao cliente com discriminação dos serviços prestados, das despesas realizadas e das quantias recebidas.
IX. Com a apresentação da nota de honorários, contendo a discriminação referida em VIII, o crédito do advogado torna-se certo, líquido e exigível.
X. Uma vez apresentada a nota de honorários, nos termos referidos em VIII, o advogado poderá exercer direito de retenção sobre as quantias que tiver recebido no exercício do seu mandato, como garantia do seu crédito sobre o mandante.
XI. O direito de retenção mencionado em X é excluído se o advogado tiver obtido a quantia de forma ilícita e dolosa.
XII. Tendo os Réus rececionado o valor da indemnização (titulada pela Autora) sem autorização da Autora, atuando de forma a induzir o tribunal (onde pendia o processo de expropriação) em erro, levando este a entregar tal quantia à 1.ª Ré, contra a vontade da Autora, sem para tal terem instruções desta e sem lhe darem conhecimento desse recebimento, vedado estava aos Réus exercerem direito de retenção sobre a aludida quantia, como garantia dos seus créditos sobre a Autora.
XIII. Ainda que a aludida quantia tivesse chegado ao poder dos Réus no legítimo e lícito exercício do seu mandato, estava-lhes vedado fazerem-se pagar por elas, como fizeram, seja empregando-as na satisfação de necessidades próprias da Ré, seja dando-as como meio de pagamento dos honorários e despesas alegadamente devidas pela A., ainda por cima sem prévia apresentação de nota de honorários devidamente discriminada.
XIV. A compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo-se a existência de um crédito, opõe-se um contracrédito que libera o devedor na sua exata medida.
XV. Nos termos do art.º 853.º n.º 1 al. a) do CC, não podem extinguir-se por compensação, entre outros, “os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos”.
XVI. Assim, emergindo o crédito da Autora de facto ilícito e doloso dos Réus, estes não podem invocar a compensação legal do seu crédito perante o da Autora.
XVII. A compensação, além de fonte legal, pode igualmente emergir da autonomia da vontade das partes.
XVIII. Tendo o acórdão recorrido, sem impugnação das partes, concluído que:
a) as partes, na sequência do acordo de cessação do regime de avença, haviam acordado em que os Réus seriam pagos pelos valores devidos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos valores devidos pelos serviços a prestar, através do produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação mencionado nos autos, “fazendo-se então contas”;
b) tal encontro de contas teria por objeto o valor da indemnização que a Autora viesse a receber do processo de expropriação, não tendo ficado convencionado que tal forma de satisfação recíproca dos créditos de cada uma das partes ficava dependente do estrito cumprimento do programa contratual, designadamente no que respeita ao modo como os Réus detivessem valores pecuniários da titularidade da Autora;
deve ser admitido que se proceda, nesta ação, à compensação dos créditos detidos pela Autora e pelos Réus, reciprocamente, tal como ajuizado no acórdão recorrido.
XIX. O STJ poderá determinar que o processo volte ao tribunal recorrido se entender que existe matéria de facto que, tendo sido alegada pelas partes, e sendo indispensável para a solução do litígio, não foi alvo de apreciação pelas instâncias.
XX. Não ocorre insuficiência da matéria de facto se, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, não se demonstra que a 1.ª instância delimitou a instrução em termos que restringiram a produção de prova (impedindo-a) relativamente a factos alegados pelos recorrentes.
XXI. A nulidade da sentença (ou do acórdão) por contraditoriedade entre os fundamentos e a decisão ocorre quando o teor dos fundamentos aponta para um determinado sentido do veredito do tribunal e, afinal, o tribunal envereda por um resultado que não tem conexão lógica com essas premissas. Trata-se, pois, de um vício lógico que compromete a sentença, distinto do eventual erro de julgamento da questão decidenda.
XXII. Tendo as partes acordado que a Autora pagaria aos Réus a quantia em dívida, respeitante ao regime de avença que vigorara até aí, apenas quando a Autora recebesse quantias nos processos judiciais então a correr, entre os quais um determinado processo de expropriação, os juros de mora respeitantes à quantia em dívida só se venceram a partir da data em que os Réus informaram a Autora do recebimento, por eles, da indemnização que havia sido arbitrada à Autora no processo de expropriação.
Decisão Texto Integral
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Habiserve – Investimentos Imobiliários, Ld.ª intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra ... & Associados – Sociedade de Advogados, RL (1.ª R.) e AA (2.º R.), pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 231 299,88, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e perfazendo os vencidos a quantia de € 60.049,25.
Para sustentar o seu pedido a A. alegou, em síntese, que:
- Dedica-se ao comércio imobiliário e faz parte de um grupo de sociedades designado por Habiserve;
- Contratou a prestação dos serviços jurídicos da 1.ª R. e conferiu mandato forense ao 2.º R. para a assessorar juridicamente e a representar em juízo, bem como as restantes sociedades que integram o grupo;
- No âmbito de tal relação contratual o 2.º R. foi constituído mandatário forense da A. no âmbito do processo de expropriação n.º .../2001, que correu os seus termos pelo ....º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...;
- Por despacho datado de 08.7.2013 a indemnização atribuída à A. foi fixada no valor final de € 254.319,69;
- O Tribunal Judicial de ... procedeu ao pagamento do montante de € 256.299,88 por meio de três depósitos autónomos realizados entre 29.11.2013 e 28.01.2014;
- Aquando da fixação de indemnização o 2.º R. apresentou requerimento no processo de expropriação, indicando o NIB da 1.ª R. para concretização dos pagamentos devidos, acompanhado de NIF da A., requerimento que veio a repetir posteriormente;
- Com tal comportamento induziu o tribunal em erro, levando a que os pagamentos fossem realizados para conta bancária da 1.ª R.;
- A A. não mandatou qualquer um dos RR. para receber quantias em seu nome;
- Do valor recebido os RR. não prestaram contas nem entregaram algum montante à A.;
- Em julho de 2011, em razão da crise económica e financeira posterior a 2008 e que atingiu as sociedades do grupo Habiserve, A. e RR. acordaram suspender a avença relativa à prestação de serviços que existia, mantendo-se, todavia, a representação em alguns processos pendentes, que apenas aguardavam decisão, entre os quais a referida expropriação;
- Nessa altura existiam valores em dívida da A., relativos à avença, ficando acordado que as contas seriam acertadas com o resultado dos proveitos obtidos nos processos que se mantinham a correr;
- Quando a A. soube do recebimento pela 1.ª R. da indemnização paga no processo de expropriação contactou o 2.º R., tendo em 01.8.2014 a 1.ª R. confirmado que havia recebido o valor da indemnização e que o usou para se fazer pagar dos valores em dívida da avença e de despesas e de honorários, sendo que o remanescente foi processado como provisão para despesas e honorários dos processos ainda em curso;
- Esses honorários foram calculados como se a avença estivesse em vigor;
- Os RR. não haviam emitido qualquer nota de honorários ou fatura relativa a tais pagamentos, sendo o crédito da 1.ª R. sobre a A. no valor de € 754,50;
- Em 26.12.2014 a 1.ª R. entregou à A. a quantia de € 25.000,00, por transferência bancária;
- Os RR. retiveram ilicitamente a quantia devida à A., causando à A. um prejuízo correspondente ao montante que não lhe foi entregue.
2. Os RR. contestaram, alegando, em síntese, o seguinte:
- A 1.ª R. entregou à A. o valor total de € 57.000,00, entre dezembro de 2014 e maio de 2015;
- Os RR. prestaram serviços jurídicos a BB e às suas empresas durante mais de 20 anos, e as relações entre ambos sempre se pautaram pela correção, respeito, reconhecimento, confiança, amizade e gratidão, sendo os valores envolvidos e as mais-valias asseguradas do valor de muitos milhões de euros;
- A A. integra um grupo de empresas constituído por dezenas de empresas em Portugal, no Brasil e nos Estados Unidos da América, proprietário de milhares de imóveis no valor de dezenas de milhões de euros;
- Entre 2011 e final de 2014/início de 2015 os RR. continuaram a representar a A. (ou sociedades do grupo) em diversos processos judiciais e não apenas na expropriação referida, ficando acordado que as contas se acertariam entre as partes e que os valores em dívida seriam pagos quando tais processos gerassem liquidez;
- Os RR. continuaram a prestar serviços jurídicos à A. e ao grupo noutras pastas e assuntos extrajudiciais, designadamente junto de entidades administrativas;
- Na sequência de contactos entretanto mantidos, os RR. perceberam que se a A. recebesse o valor da indemnização fixada no processo de expropriação em causa não pagaria os valores das faturas que se encontravam por pagar pela atividade desenvolvida até junho de 2011, bem como o valor relativo aos honorários por atividades desenvolvidas pelos RR. desde julho de 2011;
- A 1.ª R. indicou o seu NIB para receber a indemnização pela expropriação face ao acordo no sentido de serem compensados os créditos recíprocos;
- Em 2013/2014, num contexto de grave crise económica, decorriam obras nas instalações da 1.ª R. e esta tinha que assegurar o cumprimento das suas obrigações, sejam por tais obras, sejam as relativas a despesas correntes com duas secretárias, oito advogados e pagamento de renda, não podendo correr o risco de ficar quatro ou cinco anos, correspondente ao tempo de um processo judicial, a aguardar o pagamento das dívidas da A. para consigo;
- O critério dos honorários relativos ao período compreendido entre julho de 2011 e dezembro 2014/janeiro 2015 foi várias vezes referido à A. nos contactos estabelecidos, tendo sido adotado um valor médio da avença mensal que vigorava entre as partes (€ 2 700,00 x 42 meses = € 114 000,00);
- Os RR. exerceram um direito de compensação/retenção, assente nos créditos que tinham perante a A.;
- Os juros reclamados, na parte que excede cinco anos, mostram-se prescritos.
Os RR. concluíram pela improcedência da ação e bem ainda pela condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização aos RR. no valor de € 2 000,00.
3. A A. respondeu ao incidente de litigância de má-fé, aí invocando o lapso na indicação da quantia de € 25 000,00, em vez de € 57 000,00, e requerendo a correspondente redução do pedido (para o montante de € 199 298,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, perfazendo os vencidos o valor de € 45 407,18) mais se pronunciando sobre a exceção da prescrição de juros e sobre a restante matéria suscetível de integrar exceção perentória, concluindo pela sua improcedência.
4. Na sequência de convite os RR. apresentaram contestação aperfeiçoada onde deduziram reconvenção, tendo em vista a extinção da sua obrigação por compensação de créditos, e pedindo que:
a) fosse declarada a inexistência do direito da A. à devolução pela 1.ª R. do valor de € 199 300, (i) pelo facto desse direito ter sido extinto pela compensação extrajudicial operada pela 1.ª R. com o seu crédito sobre a A. do mesmo valor; (ii) se assim não se entendesse, pelo facto desse direito ter sido extinto pela compensação acordada entre as partes relativamente aos créditos em causa; (iii) se assim não se entendesse, pelo facto desse valor retido pela 1ª. R. dever ser tido como forma de pagamento do seu crédito sobre a A. do mesmo valor;
b) Se assim não se entendesse, que fosse declarado o direito da 1.ª R. à compensação de créditos em causa: os € 199.300,00 que a 1.ª R. deveria transferir para a A. pelos € 199.300,00 que a A. devia à R.;
c) Se ainda assim não se entendesse, que fosse declarado o direito da 1.ª R. a fazer como seus os € 199 300,00 que reteve à A., como forma de pagamento do seu crédito sobre esta pelo mesmo valor.
5. Em réplica a A. manteve a improcedência do incidente de litigância de má-fé e a improcedência da exceção da prescrição de juros, mais impugnando a factualidade alegada pelos RR. em sede de reconvenção e concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
6. Em audiência prévia foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
7. Após realização da audiência final, foi proferida sentença em 08.11.2023, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, decidindo:
a) Declara-se compensação do crédito indemnizatório da autora e do crédito de honorários dos réus, autorizando-se a ré a fazer suas as quantias retidas, nos termos abaixo liquidados;
b) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a ação e condenam-se solidariamente os réus no pagamento à autora do valor de € 21.600 (vinte e um mil e seiscentos euros), não objeto de compensação, quantia a que acrescem de juros de mora devidos para as obrigações civis desde a citação e até integral pagamento;
c) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e condena-se a reconvinda a pagar aos reconvintes o montante constante da nota de honorários por si emitida e enviada, deduzida do valor supra referido, num total de € 130.200 (cento e trinta mil e duzentos euros), no que concerne a actos praticados entre Julho de 2011 e Julho de 2014, acrescida do valor de € 48.500 (quarenta e oito mil e quinhentos) relativos à dívida relativa a contrato de avença vencida até Julho de 2011, e juros vencidos sobre este valor, montantes integralmente compensados pelos réus-reconvintes.
Custas na proporção do decaimento, dispensando-se às partes o pagamento de taxa remanescente e fixando-se à causa o valor de € 490.649,13”.
8. A A. apelou da sentença e, em 06.6.2024, a Relação de Lisboa proferiu acórdão em que emitiu o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, declara verificada a compensação dos créditos reciprocamente detidos pela A. e pelos RR. e condena os RR. a pagar à A. a quantia de € 197.242,76 (cento e noventa e sete mil duzentos e quarenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento.
Vai ainda a A. condenada na multa processual de 1 (uma) UC, pela não admissão da junção do documento apresentado em 19/2/2024.
Custas por A. e RR. na proporção do decaimento, em ambas as instâncias, e mantendo-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça”.
9. Os RR. interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A SENTENÇA PROFERIDA NA 1ª INSTÂNCIA E ALGUMAS DAS DECISÕES AÍ PROFERIDAS QUE CONSTITUEM CASO JULGADO QUE O ACÓRDÃO RECORRIDO DEVERIA TER RESPEITADO
AS DECISÕES PROFERIDAS NO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE VIOLAM O DIREITO E AS RAZÕES QUE DETERMINAM A PROCEDÊNCIA DESTA REVISTA:
A. O Tribunal recorrido ignorou/desrespeitou a natureza e o objeto desta ação e, consequentemente, a delimitação instrutória do processo que haviam sido definidos e fixados por Decisões do Tribunal da 1ª Instância transitadas em julgado
B. O Acórdão recorrido decidiu (pág. 31) que não se justificava o convite à então Recorrente Habiserve para sintetizar as Conclusões das suas Alegações na Apelação interposta, o que viola, desde logo, o disposto no art. 639º, nº 3, do CPC e o direito fundamental a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição)
C. O Acórdão recorrido (págs. 31-32) rejeitou a ampliação do objeto/âmbito do recurso requerida pelos aqui Recorrentes nas suas Contra-Alegações na Apelação, por estes não terem cumprido o ónus de formular a correspondente conclusão, o que envolve 2 ilegalidades: (i) por um lado, uma leitura/interpretação errada quanto ao que os Recorrentes apresentaram como conclusão relativamente a essa requerida ampliação no final das suas Contra-Alegações; (ii) por outro lado, ainda que assim não se entendesse, o Tribunal recorrido deveria ter aplicado o regime do art. 639º, nº 4, do CPC
D. As alterações à matéria de facto decididas no Acórdão recorrido:
D.1 A eliminação dos factos 21 a 23: a violação do regime do ónus da prova a aplicar, pois ao contrário do que este Acórdão decidiu, o ónus da prova relativa aos serviços prestados pelos Recorrentes à Recorrida/Grupo Habiserve no 3º Período das suas relações era dos Recorrentes. Assim, nos termos do art. 674º, nº 3, do CPC e porque se verifica a ofensa de uma disposição expressa de lei sobre o ónus da prova, estes factos devem ser mantidos como assentes.
D.2. Na eliminação desses factos 21 a 23 também se constata uma contradição estruturante entre (i) a afirmação efetuada no 1º parágrafo da pág. 49 do Acórdão recorrido para fundamentar a eliminação desses factos, no sentido que no 3º período da relação entre as partes, julho 2011-Julho 2014, os Recorrentes só prestaram serviços no processo de expropriação cuja indemnização está em causa neste processo e (ii) os factos 17 (“... foi estabelecido um acordo verbal segundo o qual este [os Recorrentes] continuaria a prestar serviços de consulta jurídica e representação processual às sociedades em causa em alguns processos e procedimentos que tinha atribuídos nessa data”) e 18 (“nos processos judiciais a correr”) e outras afirmações do Acórdão recorrido onde se reconhece que nesse período os Recorrentes prestaram serviços jurídicos ao Grupo Habiserve em várias pastas/processos judiciais. Esta contradição gera a nulidade da decisão de eliminar os factos 21 a 23;
D.3 Aliás, é a própria Recorrida que confessa, como se dá por assente no novo facto 40 (pág. 58 do Acórdão recorrido), que os Recorrentes nesse período ficaram com vários processos e que receberia os respetivos honorários “à medida que vai tendo resultado em cada processo”. Assim, na decisão de eliminar os factos 21 a 23 o Acórdão recorrido também violou a força probatória plena dessa confissão (art. 358º do CC), pelo que, nos termos do art. 674º, nº 3, do CPC, estes factos devem ser mantidos como assentes.
D.4 Assim, a solução/composição judicial do Acórdão recorrido para a relação material controvertida não atendeu aos serviços prestados pelos Recorrentes à Recorrida/Grupo Habiserve no 3º período da relação (Verão 2011 – Verão 2014). Pelo contrário, a Sentença da 1ª Instância atendeu à relação material controvertida na sua globalidade e em todas as suas dimensões e serviços envolvidos, designadamente aos serviços que os Recorrentes prestaram ao Grupo Habiserve nesse período da relação.
O JULGAMENTO EFETUADO NA SENTENÇA DA 1ª INSTÂNCIA QUANTO (I) AOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS RECORRENTES À RECORRIDA/GRUPO HABISERVE NO 3º PERÍODO DA RELAÇÃO, JULHO 2011 – JULHO 2014 (FACTOS 21 A 23), (II) QUANTO À JUSTIÇA E ADEQUAÇÃO DOS HONORÁRIOS APRESENTADOS PELOS RECORRENTES RELATIVAMENTE A ESSES SERVIÇOS E (III) À NECESSIDADE DE A REMUNERAÇÃO DESSES SERVIÇOS DEVER SER CONSIDERADA NA SOLUÇÃO JUDICIAL DA RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA, É A ÚNICA SOLUÇÃO QUE RESPEITA O DIREITO APLICÁVEL, DESIGNADAMENTE OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS ESTRUTURANTES INVOCADOS NA SENTENÇA DA 1ª INSTÂNCIA.
A. Os serviços prestados;
B. A justiça e adequação dos honorários apresentados pelos Recorrentes relativamente a esses serviços;
C. O dever legal de considerar a remuneração desses serviços na solução judicial da relação material controvertida: o princípio estruturante do equilíbrio contratual (art. 237.º do Código Civil).
AINDA QUE NÃO SE ENTENDA NOS TERMOS QUE VÊM DE SER EXPOSTOS E PETICIONADOS, IMPORTA CONSTATAR OUTRAS ILEGALIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE IMPEDEM A SUA MANUTENÇÃO NA ORDEM JURÍDICA
A. As cartas enviadas pelos Recorrentes à Recorrida/Grupo Habiserve referidas no facto 26 alterado (págs. 52-53 do Acórdão) podem e devem ser qualificadas como notas de honorários: se cumprem ou não os requisitos de índole formal estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados, é outra questão;
B. Desta qualificação resultam 2 consequências quanto ao que vem decidido no Acórdão recorrido: seja quanto ao direito dos Recorrentes a serem pagos por esse valor, seja quanto ao seu direito de retenção;
C. Por outro lado, o sentido e alcance do Acordo das Partes para o 3º Período (Julho 2011 – Julho 2014) relativamente à avença que as Partes mantinham há longos anos também vem deturpado no Acórdão recorrido: o que foi acordado foi que a Recorrida deixaria de pagar um valor mensal fixo (típico das avenças e como fazia até aí), continuando os Recorrentes a prestar serviços jurídicos em vários processos/pastas/projetos do Grupo Habiserve. Quando algum desses processos gerasse um rendimento, as Partes fariam contas. Assim, no essencial, o que foi acordado foi a suspensão da obrigação de pagamento de um valor mensal fixo, tudo o mais se mantinha. É neste sentido que a própria Recorrida/Grupo Habiserve confessou nos autos a suspensão da avença, registando-se assim uma nova violação pelo Acórdão recorrido da força probatória plena dessa confissão legalmente determinada no art. 358º do CC.
D. Aliás, a Recorrida/Grupo Habiserve só discordaram dos honorários apresentados pelos Recorrentes nessas cartas e da retenção indemnizatória efetuada pelo facto de esses honorários se referirem a pastas/processos que não eram da Recorrida mas sim de outras empresas do Grupo Habiserve (novo facto 40);
E. O Acórdão recorrido ignorou de todo que a Recorrida/Grupo Habiserve aceitou e propôs-se pagar aos Recorrentes a título honorários o valor de € 39.405,81 só relativos ao processo de expropriação cuja indemnização aqui se discute (facto 40): só por um dos processos que os Recorrentes mantiveram no 3º Período da relação entre as partes a Recorrida/Grupo Habiserve aceitou pagar cerca de € 40.000 e aceitou pagar esse valor sem a apresentação de qualquer nota de honorários.
F. O direito de retenção os Recorrentes e a licitude dos seus atos ao indicarem o seu Iban para a transferência da indemnização atribuída no processo de expropriação.
G. Pelo que vem de ser exposto, e à cautela, fica peticionado que, atendendo às referidas contradições e déficits na decisão sobre a matéria de facto, deverá este douto Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 682º, nº 3, do CPC, determinar a remessa do processo para o Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto.
Nestes termos,
Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Venerando Supremo Tribunal de Justiça doutamente suprirá, deve este recurso ser julgado procedente, mantendo-se a Sentença da 1ª Instância”.
10. A A. contra-alegou e interpôs revista subordinada, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A partir de julho de 2011, as partes abandonaram o regime mensal de avença e passou a vigorar um típico mandato com representação conferida para os processos melhor identificados no facto provado n.º 19, sendo os ora Recorridos remunerados em função da atividade efetivamente desenvolvida e em razão dos resultados obtidos, e quando a Recorrente obtivesse receitas nos mesmos.
2. O Tribunal a quo entendeu que, em 29/11/2013, a ora Recorrente obteve uma receita num dos processos confiados aos Recorridos – o processo de expropriação – tendo nessa data vencido a obrigação da Recorrente pagar aos Recorridos os valores devidos até julho de 2011.
3. Razões pelas quais condenou a Recorrente a pagar aos Recorridos o montante de 49.902,21 €, correspondente ao capital de 39.089,85 € acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2023.
4. Resulta dos factos provados 11, 12, 13, 14, 30 e 37, que no dito processo de expropriação:
a. O Recorrido Dr. AA apresentou, por duas vezes, requerimento no processo judicial onde indicou o NIB da sociedade Recorrida, seguido do NIPC da Recorrente, para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação;
b. O Tribunal procedeu ao pagamento e a sociedade Recorrida recebeu na sua conta bancária a indemnização pela expropriação devida à Recorrente, por meio de três depósitos autónomos, no valor global de 256.299,88 €.
c. Os Recorridos utilizaram o montante da indemnização da expropriação para pagamento a terceiros, designadamente, despesas com obras nas instalações da sociedade Recorrida que estavam em curso, e despesas do escritório.
5. Por um lado, o Tribunal a quo concluiu que a Recorrente foi privada de tal quantia indemnizatória por recebimento e retenção ilícita dos Recorridos em 29/11/2013 e 28/01/2014, por outro, concluiu que a Recorrente obteve uma “receita” em 29/11/2013, vencendo-se a obrigação da Recorrida pagar aos Recorridos os valores devidos até julho de 2011.
6. A Recorrente não obteve qualquer receita em 29/11/2013, proveniente dos processos então confiados aos Recorridos.
7. A Recorrente não pôde escolher pagar ou não pagar o valor de 39.089,85 € aos Recorridos com a receita do processo de expropriação, pois esta não estava e ainda não está na disponibilidade da Recorrente.
8. Este valor não se venceu em 29/11/2013, pois não se verificou a condição acordada pelas partes que faria desencadear o seu vencimento – a obtenção de receita pela Recorrente nos processos confiados aos Recorridos.
9. Os fundamentos da douta decisão ora recorrida estão em oposição com a condenação da Recorrente ao pagamento de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013 sobre o valor de 39.089,91 €, o que consubstancia uma nulidade do acórdão nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea c) ex vi artigo 674º, n.º 1, alínea c) do CPC.
10. O douto acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que não condene a Recorrente no pagamento do valor de 10.812,36 €, correspondente aos juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013, sobre o capital de 39.089,95 €.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,
o recurso interposto pelos Recorrentes não deve ser admitido nos termos supra expostos.
Caso assim não se entenda,
a) Deve o recurso interposto pelos Recorrentes improceder, com as legais consequências; e
b) Deve o recurso subordinado interposto pela Recorrida ser procedente, com as legais consequências”.
11. Os RR. contra-alegaram quanto à revista subordinada, pugnando pela improcedência da revista subordinada e reiterando o peticionado nas alegações da sua revista.
12. A Relação pronunciou-se pela inexistência da nulidade imputada ao acórdão recorrido na revista subordinada.
13. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Como se sabe, é pelas conclusões que se define o objeto do recurso, se determinam as questões que nele caberá apreciar, sem prejuízo daqueloutras que são de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4, 608.º n.º 2, 663.º n.º 2 e 679.º do CPC).
Assim, as questões objeto deste acórdão são as seguintes:
Quanto à revista principal-
a) falta de sintetização das conclusões apresentadas pela A. na apelação por si interposta;
b) rejeição da ampliação da apelação, requerida pelos RR. na contra-alegação por si apresentada quanto à apelação;
c) alterações à matéria de facto introduzidas no acórdão recorrido;
d) repristinação da sentença quanto à remuneração dos serviços prestados pelos RR.;
e) eventual remessa do processo ao tribunal recorrido, para ampliação da matéria de facto;
Quanto à revista subordinada-
f) juros de mora sobre a quantia de 39 089,85, vencidos desde 29.11.2013 até 27.10.2020, devida pela A. aos RR..
2. Primeira questão (falta de sintetização das conclusões apresentadas pela A. na apelação por si interposta)
Na sua revista, os RR./recorrentes insurgem-se contra o desfecho do seguinte segmento do acórdão recorrido:
“O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
Os 159 pontos da alegação da A. acima reproduzidos não correspondem à referida indicação sintética, mas antes à repetição quase total da argumentação expendida anteriormente.
Todavia, é possível identificar o conjunto de questões que emerge da argumentação apresentada pela A., sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende)” (páginas 31 e 32 do acórdão).
Para os recorrentes, a decisão (da Relação), de não convidar a então recorrente a sintetizar as conclusões das suas alegações na apelação interposta, viola o disposto no art.º 639.º n.º 3 do CPC e o direito fundamental a um processo equitativo, consagrado no art.º 20.º n.º 4 da CRP.
Vejamos.
A apelação da A. continha 159 conclusões. O elevado número de conclusões indicia que terá sido desrespeitado o ónus de sintetização que é determinado no n.º 1 do art.º 639.º do CPC:
“O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
A violação de tal ónus pode desencadear o convite ao aperfeiçoamento contido no n.º 3 do art.º 639.º:
“Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
In casu, a Relação considerou que, pese embora a extensão do corpo conclusivo, ainda assim era possível identificar o conjunto de questões suscitadas pela recorrente no seu recurso, pelo que era possível evitar a prolação do despacho de aperfeiçoamento. Tratou-se, no fundo, de ponderar, à luz do dever de gestão processual cometido ao juiz nos termos dos artigos 6.º e 547.º do CPC, a (in)conveniência do protelamento do andamento do processo, que resultaria de tal convite (cfr. o contraditório que se seguiria – art.º 639.º n.º 4 do CPC).
Ora, os recorridos contra-alegaram quanto à apelação, sem denotarem qualquer dificuldade na identificação das questões objeto do recurso e na sua análise e apreciação. Aliás, na contra-alegação, os recorridos nada aduziram quanto à suposta prolixidade das conclusões da apelação. Assim,
Assim, a opção da Relação não merece qualquer censura, nesta parte decaindo a revista dos RR.
3. Segunda questão (rejeição da ampliação da apelação, requerida pelos RR. na contra-alegação por si apresentada quanto à apelação)
Em resposta à apelação, os recorridos apresentaram contra-alegação onde, além do mais, anunciaram pretenderem ampliar o âmbito do recurso.
Decorridas 45 páginas de contra-alegações, os recorridos remataram nos seguintes termos:
“Nestes termos,
Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Tribunal doutamente suprirá, deverá o recurso sub judice ser julgado improcedente, devendo ser confirmada a douta Sentença recorrida.
A exposição das razões que suportam a improcedência deste recurso ficaram sistematizadas nos seguintes termos:
I. A relação controvertida – contexto e enquadramento – e a Sentença recorrida
II. Os antecedentes processo penal e participação disciplinar na Ordem dos Advogados
III. Alguns essenciais desta ação judicial que relevam na decisão deste recurso
- O regime que se discute é o regime da responsabilidade civil contratual
- Esta ação não é uma ação de honorários
- A relação/serviços que se discutem neste processo envolve os Recorridos e o Grupo Habiserve e não só, como a mesma pretende, a Recorrente individualmente considerada
- O ónus da prova quanto aos pedidos reconvencionais
IV. A ampliação do âmbito do recurso: a licitude do ato praticado pelo Recorrido (indicação do seu Nib no processo de expropriação) – art. 636º, nº 1, do CPC
V. O recurso interposto pela Recorrente: impugnação da matéria de facto e Direito”.
A este respeito, exarou-se no acórdão recorrido:
“Já relativamente à ampliação do âmbito do recurso requerida pelos RR., torna-se patente que estes não cumpriram com o ónus de formulação de conclusões.
Com efeito, e como explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 135), “em resultado do que consta do art.º 639º, nº 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das excepções, na contestação”. Por isso, quando o recorrido pretenda ampliar tal área de intervenção do tribunal de recurso, de modo a prevenir a necessidade de apreciação de algum dos fundamentos da acção ou da defesa em que tenha decaído, e devendo requerê-lo na alegação de resposta (nos termos do nº 1 do art.º 636º do Código de Processo Civil), não está dispensado de formular conclusões nessa alegação de resposta (pelo menos relativamente à matéria a que respeita a pretendida ampliação). Isso mesmo se explica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2016 (relatado por Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt e referido pela A. na sua resposta ao pedido de ampliação do âmbito do recurso), aí se afirmando que as “conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem”, pelo que, “pese embora a ampliação do âmbito do recurso não configure um verdadeiro recurso, ainda assim, pelas razões apontadas, as exigências de forma são as mesmas, ou seja, tem a ampliação que ser requerida e os respectivos fundamentos constarem das alegações como dispõe o art. 636º, nº 1, do CPC, sintetizadas, obviamente, nas conclusões (art. 639º, nº 1), uma vez que, repete-se, sendo as conclusões que definem o objecto do recurso, têm que ser formuladas”. E este mesmo entendimento é aquele que vem sendo seguido pelos tribunais superiores, como nos casos igualmente identificados pela A.
Ou seja, e regressando ao caso concreto, de modo algum se pode qualificar a sistematização constante da parte final da alegação de resposta dos RR. como correspondendo às conclusões da mesma alegação. E concretamente no que respeita ao ponto IV. dessa sistematização, a referência à “licitude do acto praticado pelo Recorrido (indicação do seu Nib no processo de expropriação)” não corresponde a qualquer indicação, ainda que sintética, do fundamento da afirmada licitude.
Assim, e rejeitando-se a ampliação do âmbito do recurso requerida pelos RR., em consequência da falta de conclusões relativamente a tal questão, as questões objecto do recurso em questão prendem-se, tão só, com:
(…)”.
Consistindo a ampliação do recurso um meio de alargamento do objeto da impugnação da decisão recorrida, pretendendo o recorrido que o tribunal ad quem, em determinadas condições, aprecie questão ou questões que não são objeto do recurso na versão definida pelo recorrente, e cabendo às conclusões a função de delimitação do objeto do recurso – ressalvadas matérias de conhecimento oficioso - aplicam-se-lhe as razões que determinam a obrigatoriedade da formulação de conclusões, isto é, a inserção, a final do recurso – in casu, da contra-alegação -, de proposições sintetizadoras das razões que, no ver da parte, justificam a alteração da decisão recorrida.
Ora, é manifesto que, na contra-alegação da apelação, os recorridos limitaram-se, a final, a reproduzir o “índice temático” apresentado no início da contra-alegação, sem nada aduzir quanto à justificação ou fundamentação do respeitante a cada um desses “itens temáticos”.
Tal traduziu-se, como se ajuizou no acórdão recorrido, em omissão de conclusões quanto à pretendida ampliação da apelação – com a consequente rejeição da apreciação desta.
Diga-se, de todo o modo, que a questão levantada pelos recorridos/RR., na pretendida ampliação, que era a da licitude da apropriação das verbas pagas no âmbito do processo de expropriação mencionado nos autos, foi apreciada pela Relação no acórdão recorrido, embora em termos denegatórios de tal licitude, em consonância, nesse aspeto, com a posição tomada pela sentença.
Pelo que, no fundo, a questão suscitada pelos recorridos na ampliação foi apreciada.
Nesta parte, pois, a revista também improcede.
4. Terceira questão (modificação da matéria de facto)
4.1. Pelas instâncias (com alterações introduzidas pela Relação) foi fixada a seguinte
Matéria de facto
1. A A., anteriormente designada “Vidor – Comércio e Indústria de Construção Civil, Lda.”, é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de compra e venda e revenda de imóveis e promoção imobiliária, integrada num grupo económico que inclui diversas sociedades de construção civil e comércio imobiliário.
2. O grupo económico em causa é proprietário de número não apurado de imóveis em Portugal, Brasil e noutros países, atingindo o seu volume de negócio nos melhores períodos económicos a ordem de milhões de euros anuais, não concretamente apurado.
3. A 1ª R. é uma sociedade de advogados e o 2º R. é advogado e sócio da 1ª R.
4. Em data não apurada, anterior ao ano 2000, por contacto pessoal entre BB, gestor da A. e da generalidade das sociedades do grupo Habiserve, e o 2º R., foi acordado que, por meio de avença, a 1ª R. prestaria serviços de consulta e representação jurídica às sociedades de grupo, contra pagamento de um correspectivo mensal fixo, acrescido de despesas.
5. Mais ficou acordado que, no âmbito do funcionamento de tal avença, o 2º R. seria constituído mandatário forense de qualquer sociedade do grupo económico que carecesse de representação em tribunal.
6. Nesse âmbito, o 2º R. foi constituído mandatário forense da A. para a representar no processo de expropriação n.º .../2001, que correu os seus termos pelo ....º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....
7. Entre 2011 e 2014 o grupo económico Vidor/Habiserve encontrava-se em situação económica muito difícil, estando as sociedades em situação de insolvência, ou à beira desta, o que o 2º R. conhecia.
8. No processo de expropriação identificado em 6. foi fixada indemnização à A. pela expropriação de uma parte do prédio rústico de sua propriedade, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos n.º ..., n.º ... e n.º ..., sendo entidade expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária.
9. Em tal processo foi fixada a indemnização de € 179.786,88, a atribuir à A. pela expropriação, com referência à data de declaração de utilidade pública, a actualizar até respectiva liquidação.
10. Por despacho proferido em tal processo, no dia 8/7/2013, a indemnização foi actualizada para o valor de € 254.319,69.
11. Até concretização do pagamento a quantia em causa foi objecto de nova actualização, concretizando-se aquele pelo valor de € 256.299,88, por meio de três depósitos autónomos dos montantes, respectivamente, de € 868,51, € 210.056,97 (ambos a 29/11/2013) e de € 46.242,91 (a 28/1/2014).
12. O 2º R., na qualidade de mandatário judicial da A., apresentou um requerimento no processo de expropriação no qual, designadamente, além de solicitar actualização do valor da indemnização, declarou que a fim agilizar a disponibilização da referida quantia indemnizatória, indica-se, desde já, o seguinte NIB: .... .... ........... 05, sob o Millennium BCP (o nº de contribuinte da Expropriada é o seguinte: ... ... .93) – nos demais termos constantes da certidão que faz documento n.º 3 da petição inicial, dados por reproduzidos.
13. Por novo requerimento dirigido ao processo identificado em 6., datado de 14/11/2013, o 2º R., na qualidade de mandatário judicial da A., declarou nesses autos que relembra-se mais uma vez o NIB para o qual deverá ser ordenada a referida disponibilização indemnizatória: .... .... ........... 05, sob o Millennium BCP (o nº de contribuinte da Expropriada é o seguinte: ... ... .93).
14. O número de identificação bancária referido em tais requerimentos corresponde a conta bancária titulada pela 1ª R., tendo sido para essa conta que o Tribunal de ... concretizou as transferências bancárias de pagamento.
15. Em data não apurada do ano de 2011, anterior a 28 de Julho, BB deslocou-se ao escritório do 2º R. e sede da 1ª R. informando que, em razão da crise económica, não estava em condições de manter a avença contratada.
16. Nesse momento existia um atraso de dimensão não concretamente apurada na liquidação à 1ª R. dos valores devidos pela avença, perfazendo estes o montante global de € 39.089,95 (conforme a redação alterada pela Relação).
17. Na sequência, entre BB (em representação de todas as sociedades do grupo económico Habiserve, incluindo a A.) e o 2º R. (em nome próprio e em representação da 1ª R.), foi estabelecido um acordo verbal segundo o qual este continuaria a prestar serviços de consulta jurídica e representação processual às sociedades em causa em alguns processos e procedimentos que tinha atribuídos nessa data, sem lugar a qualquer pagamento fixo.
18. Mais ficou acordado que os RR. seriam pagos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos serviços a prestar em data posterior a essa pelo produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação supra referido.
19. Na sequência de tal reunião, o 2º R. enviou comunicação de correio electrónico dirigida a CC, filho de BB e director da A., datada de 28 de Julho de 2011, que este recebeu, declarando, designadamente:
“Assunto: RE: pagamento e rescisão contratual
Dr. CC,
(…)
Presto serviços ao Eng. BB há mais de 17 anos e não serão as vossas dificuldades financeiras conjunturais (como já não foram num passado recente) que determinarão o contrário.
Assim, propomos o seguinte regime de colaboração:
a) abandonamos o regime da avença mensal, a Habiserve não se preocupa, para já, com o pagamento das facturas já emitidas e a ... & Associados não emite mais facturas no futuro imediato;
b) enviaremos ao Dr. DD alguns processos e continuaremos com os restantes (que iniciámos e com os quais temos especiais conexões): Lima 5 ..., ... NOPQ, Novo Mercado FF, Expropriação ..., Ocupação/Expropriação ..., Quinta ... Taxas;
c) Dado que alguns dos processos que ficarão connosco gerarão receita em meados do próximo ano ou em 2012 (outros só posteriormente), nessa altura, quando a Habiserve receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011.
Penso que desta forma ficam devidamente acautelados os legítimos interesses das duas partes, desonerando-os dos encargos de uma avença fixa mensal: a ... & Associados só recebe quando a Habiserve também receber nos nossos processos”.
20. Em resposta, CC enviou correio electrónico no dia 10/8/2011 dirigido ao 2º R., e que este recebeu, declarando, designadamente: - Caro Dr. AA, Aceito a sua proposta.
21. (Eliminado pela Relação).
22. (Eliminado pela Relação).
23. (Eliminado pela Relação).
24. Após Julho de 2011, a A. ou qualquer outra sociedade do grupo económico não efectuou qualquer pagamento aos RR. pelos serviços prestados.
25. Na altura em que foram efectuados os pagamentos da indemnização pelo Tribunal de ... (entre Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014) o representante da A. e principal responsável do grupo económico, BB, encontrava-se a residir no Brasil.
26. Por cartas registadas datadas de 19/12/2014 e 18/1/2015, enviadas pela 1ª R. e recebidas pela A., aquela declarou a esta:
a. Na carta de 19/12/2014, para além do mais, que “(…) recebi a quantia de € 256.300. Este valor será tratado da seguinte forma: (i) € 48.500, correspondem ao valor das 36 facturas de 2010-2011, com juros de mora até à data em recebemos do Tribunal o valor em causa (Dezembro de 2013); (ii) € 150.800 correspondem aos honorários pelos serviços prestados, considerando os resultados obtidos ou em vias de serem decretados, e às despesas suportadas, que se encontram por liquidar no período 2011-2014; e (iii) € 57.000 serão devolvidos para o NIB que indicam.
O referido valor de € 150.800 resulta da soma de dois parciais: (i) € 9.800 correspondem às despesas suportadas nesse período de 2011-2014 (as despesas de expediente já com iva) e (ii) € 141.000, já com iva, aos honorários desse período.
Este valor de € 141.000, por sua vez, é determinado considerando a manutenção da avença neste período de 2011-2014, que envolve, a partir de Julho de 2011 (a última factura emitida referiu-se a Junho de 2011), 44 meses a um valor médio de € 2.600/mês (inferior ao que se praticava até 2010 e que abrange os serviços do subscritor, da Dra. EE, do Dr. FF e demais advogados que estiveram sempre envolvidos nas pastas Habiserve), acrescido de iva (44 x € 2.600 x 1,23)”.
b. Na carta de 18/1/2015 que “(…) enviamos em anexo os seguintes documentos:
4) Factura nº .......11 e Recibo nº .....01/2 correspondentes às despesas de expediente e honorários, com incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18-12-2014, no valor total de € 146.775,92 assim discriminado:
4 930,02 € Despesas de expediente (anexo discriminativo)
114 400,00€ Honorários
27 445,90 € IVA
146 775,92 €
5) Factura nº .....01/2 e Recibo nº .......13 correspondentes às despesas documentadas, sem incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18-12-2014, no valor total de € 4.024,08 (com anexo discriminativo e respectivas despesas).
6) Nota de Débito nº .....01/1 e Recibo nº .....01/1 correspondentes a mora no pagamento no valor de € 9.410,03 (com anexo discriminativo).
Estes valores encontram-se pagos pela HABISERVE através do montante de € 210.056,97 recebido no nosso Banco, em Dezembro de 2013, do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ)” (alterado pela Relação).
27. Os RR., após recebimento das quantias relativas a indemnização por expropriação em conta bancária da 1ª R., nada informaram a A.
28. Tendo a A., na pessoa de CC, tomado conhecimento, por via própria, do pagamento da indemnização, enviou mensagem de correio electrónico ao 2º R., no dia 18/7/2014, declarando, designadamente, que “tive a boa notícia que já tem na sua posse o dinheiro da expropriação, podia-me confirmar o montante, o nib para transferência?”.
29. Não tendo havido resposta a tal comunicação, a A., na pessoa de CC, remeteu nova mensagem de correio electrónico ao 2º R., no dia 23/7/2014, declarando: “Boa tarde Dr. AA - Como está este assunto da transferência do dinheiro recebido da expropriação?”.
30. O 2º R. respondeu, por correio electrónico enviado no dia 1/8/2014, declarando confirmar ter recebido o montante de € 256.298.
31. Nessa comunicação mais declarou o 2º R. que “este valor foi processado nos seguintes termos:
- Pagamento das facturas que se encontravam por liquidar desde 2010 e 2011 (€ 39.089,85 que, actualizados de acordo com a taxa de juro comercial, nos conduz a um valor de € 48.666);
- Despesas entretanto suportadas na condução dos processos nestes 3/4 anos: € 7.545 que, com IVA, nos conduz a um valor total de € 9.280;
- Honorários pela condução dos vários processos que nos estão confiados, designadamente o da expropriação que gerou o valor recebido. Estes honorários foram calculados adoptando o valor da avença (€ 3.300/mês) aos 37 meses que decorreram desde a emissão da última factura (factura nº 2011/... referente ao mês de Junho de 2011). Assim, 37 x € 3.300 = € 122.100 que, com IVA, nos conduz ao valor total de € 150.183;
- O restante valor (€ 39.250, acrescido de iva = € 48.277) é processado como provisão para despesas e honorários nos processos que continuam a seguir os seus termos, que será descontada nos honorários/despesas finais dos mesmos. (e o mais que consta do teor da comunicação integrada como documento n.º 7, anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
32. Pela retenção e não entrega das quantias em causa a A. enviou participação disciplinar à Ordem dos Advogados do comportamento do 2º R. e comunicou o facto ao Ministério Público, com vista a instauração de processo criminal.
33. Por despacho proferido no dia 12/11/2018 pelos serviços do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, Departamento de Investigação e Ação Penal– ...ª Secção de ..., foi decidido proceder ao arquivamento do procedimento criminal instaurado (processo nº 807/15.4...), nos termos do despacho com cópia junta com documento n.º 13 à contestação, dado por reproduzido.
34. A A. requereu abertura de instrução e, subsequentemente, recorreu para o Tribunal da Relação de despacho de não pronúncia do 2º R., naquela fase proferido (nos termos do documento anexo ao requerimento apresentado a 20/11/2020, dado por integralmente reproduzido).
35. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/3/2021 foi decidido negar provimento ao recurso interposto pela A. do despacho de não pronúncia do 2º R., mantendo-se a decisão recorrida (nos demais termos da certidão apresentada pelos réus por requerimento de 11/6/2021, aqui dada por integralmente reproduzida).
36. No âmbito do procedimento disciplinar o 2º R. apresentou defesa, nos termos do documento com cópia junta, também constante dos autos criminais referidos, constante do requerimento apresentado pela autora nos autos a 7/12/2020, aqui dado por reproduzido.
37. Os RR. utilizaram o montante da indemnização da expropriação para pagamento das despesas com obras nas instalações da 1ª R., que estavam em curso, bem como para suportar o normal funcionamento do escritório de advogados, onde trabalhavam duas secretárias e oito advogados, tendo despesas com pagamento de renda do espaço e com diversos fornecedores.
38. Das quantias recebidas da expropriação a 2ª R. devolveu à A., por meio de transferências bancárias, o valor total de € 57.000,00 nas seguintes datas e valores:
- € 25.000,00, no dia 26/12/2014;
- € 15.000,00, no dia 30/1/2015;
- € 17.000,00 no dia 15/5/2015.
39. A A. não autorizou o 2º R. a indicar ao Tribunal de ... outra conta bancária que não fosse da titularidade da A., para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação, sabendo o 2º R. que a A. nunca aceitaria que o mesmo efectuasse a indicação referida em 12 e 13 (aditado pela Relação).
40. A A. respondeu à mensagem de correio electrónico identificada em 30 e 31 através de mensagem de correio electrónico de 26/9/2014, com o seguinte teor:
“Não posso concordar com o que expõe, porque estamos a falar de empresas diferentes e situações diferentes.
O seu escritório ficou com vários processos, e vai receber a medida que vai tendo resultado em cada processo, o normal é receber entre 10 a 15% do valor recebido, assim, neste caso, sugiro que seja neste caso ficamos num meio de 12.5% sobre o valor recebido, e pomos esse critério para os outros processos, sendo assim o valor a descontar 256.298,00x12.5%= 32.037,25 €+IVA=39.405,81 €, assim deve emitir a factura e o recibo desse valor e transferir a diferença.
O valor que está em dívida é da construção centro, que deverá ser liquida por esta, a quando do desfecho, que esperemos favorável dos processos desta empresa.
Recordamos que a empresa está em per, e eu tenho que prestar contas do dinheiro recebido ao administrador de insolvência, por isso agradeço a transferência do dinheiro em causa menos os 39.405,81 € (com o envio da factura), e a agradeço também o envio da documentação de suporte do recebimento dos 256.298,00 €, porque esse dinheiro nunca devia ter sido retido. O conta para devolver é a afecta ao PER a PT50 .... .... ........... 79 em nome da Habiserve Investimentos Imobiliários Lda
Agradeço o envio o quanto antes, visto que a empresa está com bastantes dificuldades”” (aditado pela Relação).
As instâncias enunciaram os seguintes
Factos não provados (com alteração introduzida pela Relação)
a) (eliminado pela Relação)
b) Aquando da suspensão da avença, não havia mais trabalho jurídico a desenvolver, havendo apenas que aguardar a prolação das decisões finais nos processos entregues pela A. aos RR.;
c) Aquando da suspensão da avença ou no ano 2016, a A. tinha em dívida à 1ª R. o valor de € 754,50;
d) (eliminado pela Relação).
4.2. O Direito
Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º).
Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.
À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC.
Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ.
O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1 – todos, assim como os adiante citados, em www.dgsi.pt). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova.
Revertamos ao caso da revista interposta pelos RR.
Os recorrentes insurgem-se contra o acórdão recorrido, na parte em que neste se eliminaram os factos que, na sentença, haviam sido dados como provados sob os n.ºs 21 a 23.
Segundo os recorrentes, a Relação violou as regras que regem a distribuição do ónus da prova, incorreu em contradição com determinadas passagens do acórdão e violou a força probatória plena de confissão da A..
Vejamos.
Os factos que foram dados como provados na sentença sob os n.ºs 21 a 23, e que foram eliminados no acórdão recorrido, tinham a seguinte redação:
“21. Após 28/7/2011 os RR. continuaram a prestar serviços à A. e a outras sociedades do grupo, incluindo não apenas os processos e procedimentos referidos na comunicação electrónica antes referida, mas também nos processos judiciais referidos no documento n.º 9 da contestação, dado por reproduzido e, concretamente:
- Processo nº 366/98 (pasta 152.001), que corria termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Coimbra,
- Processo nº 782/2000 (pasta 152.001), que corria termos pelo TAC de Coimbra, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA),
- Processo nº 366/2001 (pasta 152.001), que corria termos pelo TAC de Coimbra, com recurso para o STA,
- Processo nº 217/2001 (pasta 152.033), que corria termos pelo ...º Juízo do Tribunal de ..., com Recurso para o Tribunal da Relação do Porto,
- Processo nº 2125/10.5... (pasta 152.035), que corria termos pelo ...º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do ..., com Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ),
- Processo nº 459/02 (pasta 152.040), que corria termos pelo TAC de Coimbra,
- Processo nº 13/2002 (pasta 152.046), que corria termos pelo Tribunal Judicial da ..., com recurso para o STJ,
- Processo nº 1430/07.2 (pasta 152.037), a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., com recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte.
22. E prestaram serviços de consulta e representação jurídica nos assuntos descritos nos dossiers internos referidos na comunicação de 28/7 e procedimentos administrativos e processos judiciais a estes referidos. - “Lima 5, ...”, “..., NOPQ”, “Novo Mercado, ...”, “Expropriação ...”, “Ocupação/Expropriação ...”, “Quinta ...”.
23. Estes serviços foram prestados até 1 de Agosto de 2014”.
Na sequência da apelação interposta pela A., o acórdão recorrido deu estes factos como não provados, eliminando-os da matéria de facto, com base nas seguintes considerações, que se transcrevem:
“Relativamente à eliminação dos pontos 21 a 23, sustenta a A. que o documento 9 junto com a contestação (a partir do qual o tribunal recorrido afirmou a formação da sua convicção quanto à verificação de tal factualidade) corresponde a uma relação que não concretiza que serviços terão sido prestados pelos RR., pois que apenas identifica “pastas”, e sendo que a troca de declarações constante das mensagens de correio electrónico de 28/7/2011 e de 10/8/2011 (identificadas nos pontos 19 e 20) demonstra que os RR. apenas continuariam a prestar serviços nos processos aí concretamente identificados (que são aqueles reproduzidos no ponto 22), e não na totalidade das “pastas” identificadas no referido documento 9.
Do mesmo modo, invoca a A. que não se consegue retirar do teor do referido documento 9 que nos processos em questão tenham sido prestados quaisquer serviços (com excepção dos serviços que constam provados relativamente ao processo de expropriação identificado em 6 dos factos provados), nem em que momento, designadamente até 1/8/2014.
Do mesmo modo, invoca ainda a A. que o tribunal recorrido reconhece e conclui que os RR. não apresentaram “uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu)”, e sendo que através dos depoimentos prestados pelo 2º R. e pela testemunha EE mantém-se a afirmação conclusiva, genérica e vaga dos processos e do trabalho desenvolvido em cada um deles.
Torna-se manifesta a razão que assiste à A., nesta parte.
Com efeito, e como ficou a constar da sentença recorrida, os RR. não vieram alegar ou pedir “ao tribunal que faça uma avaliação da correcção do valor de honorários por si fixados, não apresentando também uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu)”.
E essa alusão genérica a processos e dossiers repete-se nas declarações prestadas pelo 2º R. e no depoimento da testemunha EE, e esgota-se na remissão para o teor do referido documento 9 junto com a contestação que, como bem refere a A., corresponde tão só a uma listagem interna de “pastas” efectuada pelos RR., mas sem que seja possível daí retirar, para além do óbvio (a existência de uma qualquer questão jurídica reflectida na descrição dada a cada uma das “pastas”), qual a questão concreta que se colocou e o caminho seguido pelos RR. para a solucionar, ou sequer a janela temporal em que cada uma das “pastas” esteve em aberto (ou seja, o tempo que demorou a dar solução à questão correspondente).
Por outro lado, se se atentar ainda na referida troca de mensagens de correio electrónico, a partir da qual ficou determinado o serviço a prestar pelos RR. às sociedades do grupo a que pertence a A. (incluindo a A.), após Julho de 2011, e que se esgota em seis questões de natureza jurídica (ou “pastas”, se se quiser), relativamente às quais os RR. tinham “especiais conexões”, logo se alcança da impossibilidade de afirmar que as 67 “pastas” elencadas no referido documento 9 (ou, pelo menos, 61 das mesmas, se se excluir as referidas seis questões) correspondem a outras tantas questões relativamente às quais os RR. ficaram a prestar os seus serviços, após Julho de 2011.
Ou seja, afastada a eficácia probatória do referido documento 9, e tendo presente que tal falta de eficácia não foi suprida pela restante prova prestada na audiência final, relativamente a esta questão (face ao carácter vago e genérico, já acima mencionado, dos depoimentos que sobre ela incidiram), logo se alcança que o tribunal recorrido não podia dar como provada a factualidade que consta dos pontos 21 a 23, nos termos que aí ficaram a constar, já que apenas fica demonstrado que após 28/7/2011 e até 1/8/2014 (data da comunicação identificada em 30 e 31) foram prestados os serviços a que respeitam os pontos 8 a 13 dos factos provados (e que, por isso, não carecem de autonomização meramente repetitiva).
Sustentam os RR., é certo, que o ónus da alegação e prova de que os serviços não foram prestados caberia à A.
Mas sem razão, porque é sobre os RR. que recai o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do crédito que invocam (e que pretendem ver compensado com o crédito invocado pela A.), correspondente ao montante devido pelos serviços prestados nas seis situações acima referidas, e melhor identificadas na mencionada troca de mensagens de correio electrónico.
Ou seja, era aos RR. que competia demonstrar que serviços foram prestados, após Julho de 2011, e não o contrário.
E sendo manifesto que a prova produzida a esse respeito é insuficiente para dar como provada a matéria que consta dos referidos pontos 21 a 23, tal como já ficou referido, importa eliminar tais pontos do elenco dos factos provados, assim procedendo a impugnação da A., nesta parte.”
É patente que a apreciação da realidade (ou não) da matéria factual descrita nos n.ºs 21 a 23 assentou em meios de prova (documentos particulares, declarações de partes e depoimentos testemunhais) sujeitos à livre apreciação do tribunal (artigos 396.º do Código Civil, 466.º n.º 3 e 607.º n.º 5 do CPC).
Conforme bem se aduziu no acórdão recorrido, era sobre os RR. que recaía o ónus da prova do alegado crédito, face à A., pelos serviços prestados, enquanto matéria de exceção perentória alegada contra a pretensão da A. (art.º 342.º n.º 2 do Código Civil) e, também, enquanto facto constitutivo do pedido reconvencional deduzido (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil) tendo em vista a extinção da pretensão da A. por força da compensação com o alegado crédito dos RR. face à A. (cfr. artigos 847.º e 854.º do Código Civil; art.º 266.º n.º 2 alínea c) do CPC).
Não se vislumbra que tivesse sido produzida prova cuja força probatória se impusesse à Relação, assim contrariando o por ela ajuizado. Nomeadamente, em sentido diverso do asseverado pela recorrente (cfr. conclusão D.3), não se vê que o juízo negativo ora impugnado seja questionado por uma pretensa confissão em contrário, emanada da A., contida no n.º 40 da matéria de facto. Este número, supratranscrito, refere uma comunicação da A. aos RR. em que aquela apenas reitera o que já foi dado como provado, isto é, que houve um acordo entre A. e RR. no sentido de que deixava de se aplicar, entre as partes, o regime de avença, e que a R. seria reembolsada pelos seus serviços de acordo com os ganhos que a A. fosse logrando obter no âmbito de cada um dos processos que continuavam a cargo dos RR.. Ora, nessa comunicação não se concretizam processos em que se considerasse ter havido prestação de serviços pelos RR. e auferido receitas pelos mesmos (a não ser o identificado processo de expropriação, o qual, como se refere no acórdão recorrido, já está mencionado nos n.ºs 8 a 13 dos factos provados, não se justificando que, quanto a ele, se proceda a uma “autonomização meramente repetitiva”). Não há, pois, nenhuma declaração que possa ter, com efeito necessário, reflexo no âmbito do quadro factual retratado nos mencionados n.ºs 21 a 23.
E, como é evidente, a circunstância de se ter dado como provado, nos números 17 e 18 da matéria de facto, um acordo remuneratório específico tendo por objeto os serviços que se antevia que a R. prestaria à A. no futuro, não determina a prova de que esses serviços foram efetivamente prestados – e em que termos (cfr. a conclusão D.2 da revista).
Os recorrentes apontam, ainda, que a dita eliminação dos factos dados como provados sob os n.ºs 21 a 23 entra em contradição com passagens do acórdão recorrido.
Nesse sentido, expendeu-se na revista o seguinte (páginas 39 e 40 da alegação da revista – os sublinhados constam no texto da alegação):
“Para além da referida contradição com os factos 17 e 18, esta pretensão também está em expressa contradição com várias afirmações do Acórdão recorrido no sentido que nesse período os Recorrentes prestaram serviços jurídicos ao Grupo Habiserve em várias pastas/processos serviços.
Assim, por exemplo, pág. 57, último parágrafo (“... quando algum dos processos que ficaram a cargo dos mesmos gerassem ‘receita’...”); p. 52, na parte final do primeiro parágrafo (“... em cada um dos processos correspondentes às seis “pastas” acima identificadas”); último parágrafo da pág. 60 (“... acordaram que continuariam a ser prestados serviços em alguns processos e procedimentos que já estavam atribuídos aos RR.”); 2º parágrafo da p. 61 (onde o Tribunal recorrido reconhece que os Recorrentes “continuavam a prestar os seus serviços de advocacia em seis ‘processos’ devidamente identificados, os tais que já lhes estavam atribuídos”) e p. 75, 3ª e 4ª linhas (“... através do produto liquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação” em causa)”.
Vejamos.
O citado trecho da página 57 do acórdão limita-se a mencionar o teor do acordo de julho de 2011, em que as partes delinearam o quadro contratual que as ligaria para o futuro, nada aduzindo acerca do que realmente ocorreu quanto aos processos mencionados. O citado trecho da página 52 do acórdão está apenas a analisar as declarações que o 2.º R. prestou na audiência final, para averiguar se se deveria dar como provado que a R. alguma vez havia enviado uma verdadeira e própria “nota de honorários pelos serviços prestados”, nomeadamente “nota discriminativa dos actos praticados em cada um dos processos correspondentes às seis “pastas” acima identificadas”, para concluir que o 2.º R., nas suas declarações, “respondeu peremptoriamente que nunca foi feita qualquer nota dessa natureza, do mesmo modo que nunca foi enviada qualquer nota dessa natureza”. O citado trecho da página 60 do acórdão limita-se, mais uma vez, a retratar o que teria sido acordado pelas partes em julho de 2011, sem fazer juízos sobre o que efetivamente ocorreu posteriormente. Também o citado trecho da página 61 do acórdão se limita a reiterar que, segundo o acordo de vontades formalizado em julho de 2011, “os RR. continuavam a prestar os seus serviços de advocacia em seis ‘processos’ devidamente identificados (os tais que já lhes estavam atribuídos”, sem que aí se afirme que esses serviços foram efetivamente prestados, e em que medida. O citado trecho da página 75 do acórdão, mais uma vez, reporta-se aos termos do dito acordo celebrado em julho de 2011, nada se concluindo, nessa frase, acerca dos serviços que foram efetivamente prestados, e em que medida.
Em suma, as aludidas passagens do acórdão recorrido não contradizem a decisão de facto, nos pontos mencionados.
Resta considerar uma outra contradição, apontada ao acórdão pelos recorrentes.
Transcreve-se o a esse respeito aduzido na revista (página 40 da alegação da revista - o sublinhado consta no texto da alegação):
“40. Aliás, noutra contradição, o próprio Acórdão recorrido considerou que a Recorrida/Grupo Habiserve deve pagar aos Recorrentes as despesas que estes suportaram no 3º Período na condução dos processos que mantiveram depois de Julho de 2011.
De facto, nas págs. 70/71 do Acórdão recorrido considerou-se e decidiu-se o seguinte:
“Do mesmo modo, ainda, as mesmas [despesas] têm por referência temporal o mesmo período dos serviços em questão (depois de Julho de 2011) e estão indexadas a apenas nove referências de “pastas”, assim deixando antever que respeitarão às seis situações acima mencionadas.
Por último, quer os valores unitários aí inscritos, quer as quantidades de actos que conduzem aos valores globais em questão, apresentam-se como adequados ao lapso temporal em questão e à previsível dimensão judicial e extrajudicial das seis situações em apreço (recorde-se que dos descritivos das “pastas” respectivas se retira a existência de, pelo menos, duas expropriações, bem como de uma referência a um equipamento público, previsivelmente autárquico)”.
Deste modo, reconhecendo as despesas suportadas pelos Recorrentes na condução dos processos/pastas da Recorrida/Grupo Habiserve no 3º período (Julho 2011 – Julho 2014), o Acórdão recorrido, não poderia deixar de reconhecer também e regular/decidir a atividade desenvolvida pelos Recorrentes nesse mesmo período nesses processos/pastas”.
Vejamos.
O trecho do acórdão ora em análise insere-se, já não na parte do recurso atinente à impugnação da decisão de facto, mas na parte atinente à aplicação do direito aos factos provados, à luz da apelação interposta pela A..
Nessa avaliação do litígio, a Relação entendeu que, face ao acordado pelas partes em julho de 2011, a retribuição pelos serviços prestados pelos RR. a partir de julho de 2011 só seria exigível “na medida em que seja apresentada a respectiva nota de honorários (a “conta de honorários com discriminação dos serviços prestados”, na expressão do nº 2 do art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 2 do art.º 100º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos)” (pág. 68 do acórdão). Documento esse no qual, para valer como conta ou nota de honorários, “deve constar a discriminação dos serviços prestados e a respectiva valorização pecuniária, segundo o critério previamente estipulado pelas partes por escrito, se existir, ou com relação à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades assumidas pelo advogado e aos demais usos profissionais” (pág. 69 do acórdão recorrido).
E, avaliando as comunicações escritas enviadas pelos RR. à A., dadas como provadas, a Relação ajuizou que tais documentos não valiam como nota de honorários – porque lhes faltava a exigida discriminação dos serviços prestados.
Porém, no que diz respeito às despesas reclamadas pelos RR., a Relação entendeu que as comunicações enviadas pelos RR. à A. já satisfaziam os indicados requisitos formais.
Leia-se, na totalidade, o a esse respeito exarado no acórdão recorrido:
“Todavia, e no que respeita às despesas devidas aos mesmos pelos serviços prestados depois de Julho de 2011, não há qualquer razão para não concluir que o valor das mesmas é devido pela A., nos termos indicados pela 1ª R., através da carta de 18/1/2015.
Com efeito, nessa carta foi comunicado à A. que as despesas em questão ascendiam a € 4.930,02, com IVA de 23% (o que perfaz € 6.063,92), e a € 4.024,08, sem IVA (por se tratarem de despesas não sujeitas a IVA)
Do mesmo modo, com tal carta foi apresentada à A. a relação discriminada das despesas em questão, apurando-se que as mesmas respeitam a gastos com correios e telecomunicações, com material de escritório, fotocópias e digitalizações, com um alojamento do 2º R. em unidade hoteleira da cidade do Porto, e com despesas judiciais.
Do mesmo modo, ainda, as mesmas têm por referência temporal o mesmo período dos serviços em questão (depois de Julho de 2011) e estão indexadas a apenas nove referências de “pastas”, assim deixando antever que respeitarão às seis situações acima mencionadas.
Por último, quer os valores unitários aí inscritos, quer as quantidades de actos que conduzem aos valores globais em questão, apresentam-se como adequados ao lapso temporal em questão e à previsível dimensão judicial e extrajudicial das seis situações em apreço (recorde-se que dos descritivos das “pastas” respectivas se retira a existência de, pelo menos, duas expropriações, bem como de uma referência a um equipamento público, previsivelmente autárquico).
Ou seja, é de afirmar que, no que respeita às despesas realizadas pelos RR., os mesmos justificaram-nas cabalmente perante a A., porque de forma individualizada e discriminada. Pelo que se torna forçoso concluir que, quanto aos montantes em apreço, assiste à A. a obrigação de pagar os mesmos aos RR., desde que lhe foram comunicados.
Pelo que aos referidos valores de € 6.063,92 e de € 4.024,08, devidos aos RR. e em falta, acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.”
Se é certo que, na enunciação da matéria de facto, não se dá como provado que os RR. prestaram à A., no período posterior a junho de 2011, serviços jurídicos para além dos atinentes ao mencionado processo de expropriação, também é verdade que não se deu como provado que, além do processo de expropriação, os RR. não prestaram à A. qualquer serviço jurídico. Assim, a Relação, ao aceitar como boas as despesas invocadas pelos RR., ainda que as mesmas possam extravasar, como admite a Relação, o raio de atuação exclusivo do citado processo de expropriação, não incorre numa insanável contradição, que afete a decisão de facto por ela emitida. O mais que se pode dizer é que os RR., nesta parte atinente à aceitação das despesas reclamadas, foram beneficiados pelo acórdão recorrido.
Em suma, a Relação ateve-se ao uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º n.º 1 do CPC, em termos que não merecem alteração.
Nesta parte, pois, a revista improcede.
5. Quarta questão (repristinação da sentença quanto à remuneração dos serviços prestados pelos RR.)
Esta ação tem como causa de pedir a imputação de responsabilidade civil contratual. Isto é, a A. demandou os RR. por entender que estes, intervenientes (o R., por si e na qualidade de representante legal da R.) numa relação contratual que os ligou, violaram os deveres e obrigações que dela emergiam, causando à A. danos cujo ressarcimento esta peticionou.
Provou-se que em data não apurada, anterior ao ano 2000, foi acordado entre a A. e a R., sociedade de advogados, que, por meio de avença, a R. prestaria serviços de consulta e representação jurídica às sociedades do grupo em que a A. se integrava, contra pagamento de um correspetivo mensal fixo, acrescido de despesas (n.º 4 dos factos provados). Mais ficou acordado que, no âmbito do funcionamento de tal avença, o 2.º R. seria constituído mandatário forense de qualquer sociedade do grupo económico da A., que carecesse de representação em tribunal (n.º 5 dos factos provados).
Assim, vigorava entre a A. e a R. um contrato mediante o qual a R. se obrigava à realização de atos próprios do exercício da advocacia, no âmbito da consulta jurídica e representação jurídica, em benefício da A. e das restantes sociedades que compunham o grupo empresarial em que a A. se inseria. Na celebração desse acordo e na sua execução interveio o 2.º R., na qualidade de sócio (n.º 3 da matéria de facto) e representante da 1.ª R. e, também, enquanto advogado a quem era passada procuração para representar a A. ou qualquer sociedade do grupo que carecesse de representação em tribunal.
Poderá dizer-se, utilizando uma expressão que sintetiza o relacionamento jurídico existente entre a A. e os RR., que entre eles vigorava um contrato de mandato forense.
Tal contrato regia-se pelas disposições comuns do contrato de mandato civil contidas nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil e ainda pelas disposições especiais constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, em vigor à data dos factos (atualmente substituído pelo Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, cujas normas em nada inovaram, no que diz respeito à matéria em questão).
Nos termos do art.º 1158.º n.º 1 do Código Civil, o mandato forense, praticado por profissional, presume-se oneroso.
O n.º 2 do art.º 1158.º estipula que, na falta de ajuste entre as partes, a medida da retribuição do mandatário é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; na falta de umas e outros, por juízos de equidade.
Em relação aos advogados, o Regulamento dos Laudos de Honorários, aprovado por deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 29.4.2005 e publicado no D.R., série II, de 20.5.2005, páginas 7880-7883 (Regulamento n.º 40/2005 OA), declara, no art.º 3.º, n.º 1, que “Entende-se por “honorários” a retribuição dos serviços profissionais prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão”.
Segundo o art.º 100.º n.º 1 do EOA de 2005 (art.º 105.º n.º 1 do EOA de 2015), “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa”.
No n.º 2 do art.º 100.º do EOA de 2005 (correspondente ao n.º 2 do art.º 105.º do EOA de 2015) estabelece-se que “Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados”.
No n.º 3 do art.º 100.º do EOA de 2005 (correspondente ao n.º 3 do art.º 105.º do EOA de 2015), estipula-se que “Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”
Os honorários podem, nomeadamente, ser previamente acordados entre as partes mediante a fixação de uma retribuição fixa e regular, vulgarmente designada de avença.
“No regime de avença, o advogado estipula, previamente, um preço fixo (mensal, na sua maioria) a cobrar ao cliente. Por norma, as partes convencionam por escrito quais são os serviços que o advogado poderá prestar e que estão abrangidos no preço fixo mensal, com a possibilidade de serem praticados outros serviços que o cliente terá que valorizar e suportar, para além do preço fixo a pagar” (Carlos Sarmento, “Honorários e quota litis”, in Deontologia profissional dos Advogados, Almedina e Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2019, pág. 373).
A avença é uma forma de ajuste prévio de honorários que permite ao advogado “a segurança do seu recebimento regular ao longo do respetivo período da “avença”. E confere ao cliente uma expetativa de custos controlada, com a vantagem de poder contar com a permanente disponibilidade do advogado, nos termos dessa avença” (Manuel Ramirez Fernandez, Advocacia e Deontologia Profissional do Advogado, Quid Juris, 2019, páginas 422 e 423).
Não vigorando o regime de avença, e estando em causa serviços cujos honorários não estejam previamente fixados, o advogado (ou a respetiva sociedade em cujo proveito o advogado exerce a sua atividade) deve apresentar a respetiva nota de honorários (e despesas), sempre que lhe for pedido pelo cliente (art.º 96.º n.º 1 do EOA de 2005, art.º 101.º n.º 1 do EOA de 2015) e, em todo o caso, uma vez finda a prestação do serviço (art.º 100.º n.º 2 do EOA de 2005, art.º 105.º n.º 2 do EOA) (cfr, v.g., Manuel Ramirez Fernandez, ob. cit., pág. 406 t).
A nota ou conta de honorários deve ser apresentada ao cliente “com discriminação dos serviços prestados” (art.º 100.º n.º 2 do EOA de 2005, art.º 105.º n.º 2 do EOA de 2015).
O supramencionado Regulamento dos Laudos de Honorários desenvolve a questão do conteúdo da conta de honorários.
Veja-se o seu art.º 5.º:
“A conta de honorários
1 - A conta de honorários deve ser apresentada ao cliente por escrito, mencionar o IVA que for devido e ser assinada pelo advogado ou por ordem e responsabilidade do advogado ou da sociedade de advogados.
2 - Os honorários devem ser fixados em euros, sem prejuízo da indicação da sua correspondência com qualquer outra moeda.
3 - A conta deve enumerar e discriminar os serviços prestados.
4 - Os honorários devem ser separados das despesas e encargos, sendo todos os valores especificados e datados.
5 - A conta deve mencionar todas as provisões recebidas.
6- (…).”
A exigência de discriminação dos serviços prestados está conforme o Código de Deontologia dos Advogados Europeus, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 13.7.2007, pela Deliberação n.º 2511/2007, publicada no D.R., 2.ª série, n.º 249, de 27.12.2007: no respetivo ponto 3.4, respeitante à “Fixação de honorários”, estipula-se que “A conta de honorários apresentada pelo advogado deve conter a discriminação completa dos serviços prestados e o montante dos honorários deve ser moderado e justo em conformidade com a lei e com as regras profissionais a que o advogado se encontra vinculado”.
Será através da explicitação, na nota de honorários, dos serviços prestados, que o cliente poderá compreender e sindicar a quantificação dos honorários (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 15.9.2020, proc. n.º 108657/17.0YIPRT.L1-7).
Conforme-se se pondera no acórdão da Relação de Lisboa, de 19.12.2019, processo n.º 56285/17.9YIPRT.L1-6, a apresentação ao cliente, da nota ou conta de honorários, constitui “a imposição de uma formalidade que se destina à demonstração da liquidação do crédito por honorários e, simultaneamente, à interpelação para pagamento desse crédito, exigindo a lei que seja feita por escrito.
Esta exigência da apresentação da conta de honorários por escrito - em que o advogado deve enumerar e discriminar os concretos serviços que prestou, separando-os das despesas e dos encargos que tenha tido, indicando todos os valores especificados por datas, bem como deve mencionar especificadamente todas as provisões, valores, objectos e documentos que recebeu na execução do mandato – dá expressão da obrigação de prestação de contas que o artº 1161º al. d) do CC estabelece para os mandatários em geral: o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir”.
Com a apresentação da nota de honorários, o crédito do advogado torna-se certo, líquido e exigível (cfr. Carlos Sarmento, estudo citado, in Deontologia Profissional dos Advogados, pág. 371), emergindo na esfera jurídica do cliente a obrigação de proceder ao seu pagamento (obra citada, pág. 371), sem prejuízo da questionação que o cliente possa, como é evidente, apresentar aos valores reclamados.
A apresentação da nota de honorários associa-se ao exercício do direito de retenção, em especial relativamente a quantias detidas pelo advogado, que este possa invocar para garantir o seu crédito.
A regra geral está enunciada no art.º 754.º do Código Civil:
“O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
Para situações que não caberão, em rigor, na definição geral, prevê o legislador a concessão de direito de retenção, entre outros, ao mandatário, “sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua atividade” (alínea c) do n.º 1 do art.º 755.º do Código Civil).
Do disposto no art.º 757.º do CC decorre, a contrario sensu, que o direito de retenção não pode ser exercido em relação a créditos ainda inexigíveis: o preceito concede o direito de retenção, “mesmo antes do vencimento do seu crédito”, apenas se entretanto se verificar “alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo”.
A perda do benefício do prazo é objeto do art.º 780.º do CC. Ocorre se o devedor, entretanto, se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.
Deste preceito decorre que o agente não poderá “recusar a entrega da coisa quando, não podendo invocar a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor, tiver um fundado receio de não receber o crédito de que é titular em virtude da deterioração da situação patrimonial da contraparte, ao contrário do que parece suceder com a exceção de insegurança reconhecida para as situações em que as obrigações se encontram unidas pelo vínculo do sinalagma (vd. Anot. 3.III. ao art.º 429.º). Muito menos poderá proceder-se a uma invocação provisória ou cautelar do direito de retenção, até que o crédito devedor de entrega da coisa se torne exigível” (Ana Taveira da Fonseca, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações em Geral, UCP, 2018, pág. 1017).
Por outro lado, acresce, como pressuposto negativo do direito de retenção, a não ilicitude da detenção.
Nos termos da alínea a) do art.º 756.º do CC, não há direito de retenção “A favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta.”
Conforme expende Ana Taveira da Fonseca, no acima citado Comentário ao Código Civil (pág. 2015), “Assim como a compensação é excluída sempre que o crédito dado em compensação provenha da prática de um facto ilícito doloso [artigo 853.º, n.º 1, al. a)], assim também o direito de retenção depende de uma detenção lícita da coisa retida, porque ninguém pode pretender prevalecer-se da prática de um facto ilícito para adquirir validamente um direito de garantia. Solução diferente sempre consubstanciaria um abuso de direito na forma de tu quoque. Assim, por exemplo, se aquele que deve restituir a coisa tiver adquirido a detenção em virtude de um furto, um roubo ou uma extorsão, não gozará do direito de retenção” (negrito nosso).
Reportemo-nos especificamente ao mandato forense.
Há que atentar no disposto no art.º 96.º do EOA de 2005 (art.º 101.º do EOA de 2015).
No mencionado art.º 96.º, sob a epígrafe “Valores e documentos do cliente”, estipula-se o seguinte:
“1 - O advogado deve dar a aplicação devida a valores, objectos e documentos que lhe tenham sido confiados, bem como prestar conta ao cliente de todos os valores deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhe seja solicitado.
2 - Quando cesse a representação, o advogado deve restituir ao cliente os valores, objectos ou documentos deste que se encontrem em seu poder.
3 - O advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objectos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidos pelo cliente, a menos que os valores, objectos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis.
4 - Deve, porém, o advogado restituir tais valores e objectos, independentemente do pagamento a que tenha direito, se o cliente tiver prestado caução arbitrada pelo conselho distrital.
5 - Pode o conselho distrital, antes do pagamento e a requerimento do advogado ou do cliente, mandar entregar a este quaisquer objectos e valores quando os que fiquem em poder do advogado sejam manifestamente suficientes para pagamento do crédito”.
Do regime acima exposto resulta que o direito de retenção sobre quantias do cliente, que estejam na posse do mandatário, só pode ser exercido após a apresentação da nota de honorários e despesas.
Por outro lado, é jurisprudência reiterada da Ordem dos Advogados, a de que o advogado, sem o acordo do cliente, não pode “pagar-se por suas próprias mãos”. Segundo acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 17.6.1983, tirado ao abrigo do n.º 2 do art.º 587.º do então vigente Estatuto Judiciário, que igualmente previa o direito de retenção do advogado para garantia dos honorários e despesas a que tivesse direito, “uma coisa é o direito de reter tais valores, nos quais se inclui obviamente dinheiro, outra é a de se pagar com eles. O advogado que, tendo recebido dinheiro proveniente da cobrança de crédito do constituinte, lhe remete a conta de honorários, simultaneamente e apenas com o saldo apurado, sem o seu acordo, comete infração disciplinar” (ROA, 1983, ano 43, vol. III, dez.1983, pág. 853).
Tal doutrina foi recordada e mantida no acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 03.12.2021, que por sua vez foi alvo de impugnação perante os tribunais administrativos, vindo a ser inteiramente sufragada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 03.12.2021, processo n.º 03442/19.4....
Reproduzimos um excerto do aludido acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que obteve integral acolhimento pelo TCA Norte:
“A Recorrente vem afirmar que se limitou a exercer o seu (legítimo) direito de retenção, apesar de acabar por demonstrar que o que efetivamente pretendia era compensar as quantias que tinha recebido com aquelas que entendia devidas pelos seus honorários e despesas.
Vejamos, porém, se poderia ter tido tal comportamento.
Desde logo, tendo recebido as quantias devidas à sua cliente a título de tornas entre julho de 2007 e janeiro de 2008, não tinha, manifestamente, direito a exercer direito de retenção sobre essas verbas.
E não tinha por uma razão essencial: o número 3 do artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005 é claro como a água ao prever que apenas após a apresentação da conta de honorários e despesas goza do direito de retenção sobre as verbas que constassem daquela nota.
O mesmo vale por dizer que a norma (especial) do artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005 afasta o regime (geral) dos artigos 757º e seguintes do Código Civil, sendo que, enquanto que este prevê a possibilidade de retenção “mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo”, o Estatuto da Ordem dos Advogados define um regime diferente: para que possa haver direito de retenção, é necessário que haja prévia apresentação da Nota de Honorários e Despesas. E diga-se que nem poderia ser de outro jeito, se o legislador quisesse manter a coerência do sistema normativo: como permitir, numa relação que deve ser especialmente baseada na confiança recíproca e onde o Advogado deve colocar os interesses do cliente e da deontologia (mesmo) à frente dos seus próprios interesses, como justificar que uma dívida hipotética (in casu, seguramente não existente, porque ainda não havia sido apresentada a Nota de Honorários e Despesas) pudesse fundar um direito para o Advogado que, na prática é especialmente gravoso para o cliente?
Mas, por outro lado, também é preciso que se diga que não poderia ter compensado as verbas que tinha em sua posse com aquelas que tivesse direito a título de honorários e reembolso de despesas.
É vetusta, é certo, mas nem por isso menos acertada e fixada como obrigatória entre a classe a doutrina do Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados Portugueses de 17 de junho de 1983, que fixa como assente que o Advogado não pode, sem prévia autorização do cliente, compensar verbas que tenha direito a receber com verbas que tenha recebido por ser Advogado daquele concreto cliente e que são deste (ainda para mais quando não pode considerar — como é caso — como exigíveis as verbas que lhe são cabidas...).
A compensação não autorizada, ademais in casu considerando que havia séria discordância entre a Recorrente e a Recorrida sobre a forma como haveriam de ser calculados os honorários devidos, nunca poderia ser tida por outra coisa que não por infração disciplinar, por violação do disposto no artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005”.
No mencionado acórdão do TCA Norte manteve-se a condenação da mandatária em questão, proferida pelo acórdão da Ordem dos Advogados ao abrigo do disposto no art.º 125.º n.º 4 do EOA de 2005, na restituição à participante/cliente da totalidade das tornas que a causídica havia indevidamente retido.
O aludido preceito reza assim:
“Independentemente da decisão final do processo, pode ser imposta a restituição de quantias, documentos ou objetos que hajam sido confiados ao advogado”.
Retornemos ao caso destes autos.
Como se disse supra, no âmbito do contrato de mandato forense celebrado entre a A. e a R., a retribuição desta era efetuada em regime de avença, isto é, os serviços prestados eram pagos mediante uma quantia mensal fixa, acrescida de despesas (n.º 4 dos factos provados).
Em data não apurada do ano de 2011, anterior a 28 de julho, o representante legal da A. deslocou-se ao escritório do 2.º R. e sede da 1.ª R. informando que, em razão da crise económica, não estava em condições de manter a avença contratada (n.º 15 da matéria de facto).
Nesse momento existia um atraso de dimensão não concretamente apurada na liquidação à 1.ª R. dos valores devidos pela avença, perfazendo estes o montante global de € 39.089,95 (n.º 16 da matéria de facto).
Na sequência, entre BB (em representação de todas as sociedades do grupo económico Habiserve, incluindo a A.) e o 2.º R. (em nome próprio e em representação da 1ª R.), foi estabelecido um acordo verbal segundo o qual este continuaria a prestar serviços de consulta jurídica e representação processual às sociedades em causa em alguns processos e procedimentos que tinha atribuídos nessa data, sem lugar a qualquer pagamento fixo (n.º 17 da matéria de facto).
Mais ficou acordado que os RR. seriam pagos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos serviços a prestar em data posterior a essa pelo produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação suprarreferido (n.º 18 da matéria de facto).
Na sequência de tal reunião, o 2.º R. enviou comunicação de correio eletrónico dirigida a CC, filho de BB e diretor da A., datada de 28 de julho de 2011, que este recebeu, declarando, designadamente:
“Assunto: RE: pagamento e rescisão contratual
Dr. CC,
(…)
Presto serviços ao Eng. BB há mais de 17 anos e não serão as vossas dificuldades financeiras conjunturais (como já não foram num passado recente) que determinarão o contrário.
Assim, propomos o seguinte regime de colaboração:
a) abandonamos o regime da avença mensal, a Habiserve não se preocupa, para já, com o pagamento das facturas já emitidas e a ... & Associados não emite mais facturas no futuro imediato;
b) enviaremos ao Dr. DD alguns processos e continuaremos com os restantes (que iniciámos e com os quais temos especiais conexões): Lima 5 ..., ... NOPQ, Novo Mercado FF, Expropriação ..., Ocupação/Expropriação ..., Quinta ... Taxas;
c) Dado que alguns dos processos que ficarão connosco gerarão receita em meados do próximo ano ou em 2012 (outros só posteriormente), nessa altura, quando a Habiserve receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011.
Penso que desta forma ficam devidamente acautelados os legítimos interesses das duas partes, desonerando-os dos encargos de uma avença fixa mensal: a ... & Associados só recebe quando a Habiserve também receber nos nossos processos” (n.º 19 da matéria de facto).
Em resposta, CC enviou correio eletrónico no dia 10.8.2011 dirigido ao 2.º R., e que este recebeu, declarando, designadamente: - Caro Dr. AA, Aceito a sua proposta. (n.º 20 da matéria de facto).
Assim, em julho de 2011, fruto das dificuldades económicas por que passava o grupo da A., foi acordado entre as partes o abandono do regime de avença, cessando a obrigação de pagamento da retribuição mensal até então acordada. É o que resulta da comunicação/proposta enviada pela R. ao representante da A., mencionada no n.º 19 da matéria de facto, encimada com o título “pagamento e rescisão contratual” (negrito nosso), na qual se propõe o “abandono” do regime da avença mensal (“abandonamos o regime da avença mensal”).
Nos termos da aludida proposta, os RR. não exigiam, desde logo, o pagamento das quantias que se encontravam em dívida ao abrigo da avença acordada; os RR. continuariam a representar a A. e as empresas do grupo em seis processos, identificados na alínea b) da aludida proposta (n.º 19 dos factos apurados); o pagamento do montante então em dívida (reportado à avença) e a retribuição pelos serviços a prestar futuramente nos mencionados seis processos far-se-ia de acordo com os resultados obtidos nos aludidos processos, em relação aos quais havia perspetivas sérias de geração de receita. É o que resulta do exposto na aludida comunicação/proposta: ”Dado que alguns dos processos que ficarão connosco gerarão receita em meados do próximo ano ou em 2012 (outros só posteriormente), nessa altura, quando a Habiserve receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011” (negrito nosso).
Em suma, como se conclui na aludida comunicação da R., “…desta forma ficam devidamente acautelados os legítimos interesses das duas partes, desonerando-os dos encargos de uma avença fixa mensal: a ... & Associados só recebe quando a Habiserve também receber nos nossos processos” (negrito nosso).
Essa proposta foi aceite pela A., conforme decorre do n.º 20 da matéria de facto.
É certo que, na petição inicial, a A. qualificou o acordado como uma “suspensão” da avença (cfr. artigos 23.º, 24.º, 32.º, 36.º, da petição inicial), qualificação essa que os RR. aceitaram na contestação (cfr. art.º 9.º da contestação). Porém, tal juízo qualificativo não obriga o tribunal, estando dependente da demonstração que se fizer da realidade factual pertinente. Daí que, na enunciação dos temas da prova a que se procedeu no processo nos termos do art.º 596.º do CPC, se tenha indicado, sob o n.º 5, “Acordo de pagamento de quantias devidas por prestação de serviços do réu à autora após cessação da avença e até janeiro de 2015” (negrito nosso).
E, realizado o julgamento e enunciada a matéria de facto provada, a 1.ª instância não teve dúvidas em concluir que a relação de avença havia cessado.
Com o que concordou a Relação.
Porém, cessada a avença, ficou acordado que prosseguiria a prestação de serviços forenses por parte dos RR., nos termos acima mencionados.
Termos esses que o acórdão recorrido define assim:
“Assim, e nos termos desse acordo de vontades, foi abandonado o “regime da avença mensal” e o mesmo foi substituído por um outro tipo de relacionamento contratual, em que os RR. continuavam a prestar os seus serviços de advocacia em seis “processos” devidamente identificados (os tais que já lhes estavam atribuídos), e sendo remunerados pela “actividade desenvolvida/resultados obtidos” a partir de Julho de 2011.
Ou seja, não mais havia que falar na existência de uma “avença mensal”, mas antes num típico mandato com representação conferido para seis questões (ou processos ou procedimentos, segundo a nomenclatura escolhida pelas partes) carecidas de serviços de advogado, e que seria remunerado de acordo com a actividade desenvolvida (pelos RR.) e em razão dos resultados obtidos” (pág. 61 do acórdão).
Neste aspeto, isto é, no que concerne à manutenção, entre as partes, de um contrato de mandato forense, já não sujeito ao regime retributivo da avença mensal, não houve divergência entre as instâncias.
Porém, as instâncias já divergiram quanto ao concreto sistema retributivo a considerar, no que concerne ao período que se sucedeu ao fim do regime de avença.
A 1.ª instância considerou que os contraentes não haviam definido os termos em que se procederia ao cálculo dos pagamentos devidos, inexistindo acordo nesta parte. Assim, na sentença, após se ponderar, à luz do art.º 1158.º do Código Civil, que não havia tarifas profissionais a considerar, e que não eram conhecidos, nem haviam sido invocados, usos relevantes, concluiu-se que restava recorrer a juízos de equidade. E, recorrendo à equidade, considerou-se adequada a solução aventada pelos RR., que era a aplicação, como base de cálculo, do valor da avença que primitivamente havia vigorado entre as partes, aceitando-se que o volume e qualidade de serviço prestado após julho de 2011 e até 1 de agosto de 2014 não se teria afastado relevantemente do que era praticado na pendência da avença, tanto mais que a A. não teria verdadeiramente contestado a prestação dos serviços. Assim, a 1.ª instância entendeu que – pondo agora de lado a questão da licitude do comportamento das RR. ao receberem o valor da indemnização arbitrada no processo de expropriação sub judice e a temática atinente ao direito de compensação e retenção desse valor – que os RR. prestaram, desde julho de 2011 até início de agosto de 2014, serviços cuja retribuição corresponde ao reclamado pelas RR. nas comunicações enviadas à A. em 01.8.2014 (n.ºs 30 e 31 da matéria de facto), 19.12.2014 e 18.01.2015 (n.º 26 da matéria de facto) – com ressalva do período posterior a julho de 2014, em relação ao qual a 1.ª instância entendeu que não se demonstrou a existência da prestação de serviços.
Sobre esta matéria, a Relação adotou entendimento muito diverso.
Por um lado, a Relação entendeu que “as partes acordaram quanto à forma de remunerar os serviços prestados pelos RR., após Julho de 2011, no sentido de os mesmos serem remunerados em razão da actividade desenvolvida e dos resultados obtidos” (pág. 61 do acórdão).
Tal atividade e resultados seriam os reportados aos seis processos mencionados na alínea b) da comunicação mencionada no n.º 19 da matéria de facto (cfr. citações acima, da pág. 61 do acórdão).
Sendo certo que, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, os honorários devidos pelos serviços prestados entre julho de 2011 e 1.8.2024 não deveriam ser calculados por referência ao valor mensal da extinta avença, mas sim, conforme decorre do estipulado entre as partes, à luz do critério que emerge do n.º 3 do art.º 105.º do atual EOA, igual ao que consta no n.º 3 do art.º 100.º do anterior EOA, que tem, recorde-se, a seguinte redação:
“Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”.
Simplesmente, segundo o acórdão, além de apenas se ter provado a atividade processual respeitante ao mencionado processo de expropriação, descrita nos números 8 a 13 dos factos provados, a exigibilidade de honorários pressupõe o prévio envio, ao cliente, de nota de honorários devidamente discriminada, dever acessório esse que não havia sido cumprido.
Por outro lado, acrescentou-se no acórdão recorrido, “assistia aos RR. o direito a reterem os valores da A. em poder dos mesmos, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhes fossem devidos pela A., desde que tais valores não tivessem chegado à sua detenção por forma ilícita, conhecendo os RR. tal ilicitude (al. b) [a] do art.º 756º do Código Civil), e desde que tivesse sido apresentada a nota de honorários e despesas (nº 3 do referido art.º 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 3 do art.º 96º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos)” (negrito nosso).
Ora, no que diz respeito à receção, pelo mandatário forense, de valores pertencentes ao mandante, à sua aplicação de acordo com as instruções do mandante e à prestação de contas a esse respeito, provou-se o seguinte:
- Num processo de expropriação em que o 2.º R. fora constituído mandatário pela A., foi fixada, a favor da A., uma indemnização, cujo valor foi definitivamente fixado em € 256 299,98 (n.ºs 6, 8, 9, 10 e 11 da matéria de facto);
- o 2.º R., na qualidade de mandatário da A., dirigiu dois requerimentos ao dito processo judicial, indicando o NIF da A. e solicitando que a quantia indemnizatória fosse disponibilizada num determinado NIB (n.ºs 12 e 13 da matéria de facto);
- o tribunal procedeu à transferência da aludida quantia por meio de três pagamentos, em 29.11.2013 e 28.01.2014, para o aludido NIB (n.ºs 11 e 14 da matéria de facto);
- o NIB mencionado correspondia a conta bancária titulada pela 1.ª R. (n.º 14 da matéria de facto);
- A A. não havia autorizado o 2.º R. a indicar ao tribunal conta bancária que não fosse da titularidade da A., para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação – aliás, o 2.º R. sabia que a A. nunca aceitaria que o 2.º R. efetuasse a referida indicação do NIB de conta da 1.ª R. (n.º 39 da matéria de facto);
- os RR., após o recebimento das quantias relativas à mencionada indemnização, nada informaram à A. (n.º 27 da matéria de facto);
- os RR. utilizaram o montante da indemnização da expropriação para pagamento das despesas com obras nas instalações da 1ª R., que estavam em curso, bem como para suportar o normal funcionamento do escritório de advogados, onde trabalhavam duas secretárias e oito advogados, tendo despesas com pagamento de renda do espaço e com diversos fornecedores (n.º 37 da matéria de facto).
Face a este quadro factual, ambas as instâncias concluíram que os RR. agiram de forma ilícita, violando o contrato de mandato forense vigente entre a A. e a 1.ª R.. Os RR. rececionaram o valor da indemnização sem autorização da A., atuando de forma a induzir o tribunal em erro, levando este a entregar tal quantia à 1.ª R., contra a vontade da A., sem para tal terem instruções desta e sem lhe darem conhecimento desse recebimento.
Conforme se expendeu na sentença, “A orientação cardinal da relação advogado-cliente ou mandante-mandatário é a confiança e a boa-fé e, consequentemente, uma orientação desconforme com a vontade do cliente, real ou presumida, não é conforme com o direito.”
Porém, isto exposto, a sentença empreendeu, seguidamente, um raciocínio que, com o devido respeito, se revela algo tortuoso e de difícil sustentação.
Por um lado, apontam-se circunstâncias que poderiam, de alguma forma, justificar o comportamento dos RR.:
“a) Os réus trabalharam em representação e/ou no interesse jurídico da autora e do grupo de sociedades Habiserve, de forma continuada e que pode qualificar-se de intensa, sem nada receberem, durante três anos;
b) Os réus aceitaram conceder uma moratória por dívidas vencidas, sob condição de serem pagas aquando dos recebimentos de quantias pela autora e a indemnização dos autos terá sido o primeiro pagamento (e único conhecido);
c) Os réus aceitaram também que o trabalho que viessem a prestar seria pago do mesmo modo, fazendo-se contas quando tal recebimento se verificasse;
d) A autora (e o grupo económico) encontrava-se em situação económica difícil, à beira da insolvência;
e) O legal representante com quem o réu mantivera uma relação profissional e de confiança de longa data encontrava-se a residir no Brasil na altura do pagamento da indemnização”.
Ainda assim, e bem, na sentença concluiu-se que essas circunstâncias não justificariam o comportamento das RR., nem mesmo à luz do instituto da ação direta:
“Estas circunstâncias, em si consideradas, não permitem considerar justificado o comportamento dos réus, designadamente por um putativo recurso a ação direta (cf. art.º 336.º do CC), tendo os réus ao seu dispor os meios jurisdicionais de tutela, designadamente cautelar, que poderiam ter acionado, ante o risco de dissipação da garantia (sendo que a invocação de necessidade de utilização dos montantes para satisfação de necessidades imediatas não é razão suficiente para alterar esta conclusão)”.
Porém, seguidamente, restringe-se, na sentença, o âmbito do dano invocável pela A. na ação, para o efeito da determinação da indemnização:
“Face ao que antes se disse, estando a autora/reconvinda obrigada no pagamento de honorários e devendo dar pagamento preferencial àquela concreta obrigação (sendo também certo que nada foi alegado relativamente a outras obrigações que devesse satisfazer, privilegiadas ou comuns, aludindo-se apenas, de forma genérica, a uma situação económica difícil), tem que se concluir que o prejuízo efetivo que resulta para a autora, decorrente do comportamento dos réus, será apenas referente à diferença entre o valor retido e o valor dos honorários a pagar.
O ilícito civil não deu, assim, lugar a um prejuízo efetivo causal na esfera jurídica da autora correspondente a todo o valor reclamado (e peticionado nestes autos) porque, repescando a alusão anterior, a autora não tinha o direito a incumprir aquela concreta obrigação e a dar preferência a outra (ou à satisfação de necessidades próprias)”.
Subsequentemente, empreendeu-se, na sentença, a análise da faculdade de retenção, pelo mandatário forense, de quantias do mandante que aquele tivesse recebido, para garantia de verbas devidas pelo mandante ao mandatário, a título de honorários e despesas, uma vez emitida a respetiva nota de honorários e despesas. E, apesar de se reconhecer que as quantias haviam sido recebidas pela R. de forma ilícita e que a nota fora emitida muito depois do recebimento das aludidas quantias, concluiu-se que, ainda assim, atenta a letra do art.º 96.º do EOA de 2005 (igual ao art.º 101.º do EOA de 2015), e apresentada que foi, entretanto, nota de honorários, não havia razão para negar aos RR. o invocado direito de retenção sobre as quantias recebidas do tribunal.
É certo que, na sentença, se reconheceu que as RR. se haviam apropriado indevidamente das aludidas quantias, que usaram na satisfação de necessidades da sociedade R.
“Esse direito a lei não lhe concede” (sic).
Porém, daí não se extraiu consequência relevante, por se entender que a A. “não tem direito a exigir judicialmente a entrega das quantias retidas provenientes de indemnização, direito cujo exercício está impedido por força do legítimo exercício de retenção, operante até ao momento em que o crédito de honorários se mostre satisfeito”.
E, partindo das premissas, já acima mencionadas, de que a A. não tinha realmente questionado o trabalho invocado pelos RR., nem pedido qualquer laudo à autoridade competente, e que tinha sido equivalente o serviço prestado pelos RR antes e após julho de 2011, o tribunal de 1.ª instância considerou por bons os valores reclamados pelos RR. na aludida “nota de honorários” e sequente reconvenção, à exceção do período final correspondente aos meses de agosto de 2014 a fevereiro de 2015. Relativamente a este período, avaliado em € 21 600,00, foi reconhecido o direito da A. à respetiva restituição.
Daí que a 1.ª instância tenha emitido o seguinte dispositivo, que aqui se recorda:
“a) Declara-se compensação do crédito indemnizatório da autora e do crédito de honorários dos réus, autorizando-se a ré a fazer suas as quantias retidas, nos termos abaixo liquidados;
b) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a ação e condenam-se solidariamente os réus no pagamento à autora do valor de € 21.600 (vinte e um mil e seiscentos euros), não objeto de compensação, quantia a que acrescem de juros de mora devidos para as obrigações civis desde a citação e até integral pagamento;
c) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e condena-se a reconvinda a pagar aos reconvintes o montante constante da nota de honorários por si emitida e enviada, deduzida do valor supra referido, num total de € 130.200 (cento e trinta mil e duzentos euros), no que concerne a actos praticados entre Julho de 2011 e Julho de 2014, acrescida do valor de € 48.500 (quarenta e oito mil e quinhentos) relativos à dívida relativa a contrato de avença vencida até Julho de 2011, e juros vencidos sobre este valor, montantes integralmente compensados pelos réus-reconvintes”.
Em suma, a 1.ª instância condenou os RR. no pagamento à A. da quantia de € 21 600,00, acrescida de juros de mora desde a citação.
A Relação, muito diferentemente, condenou os RR. no pagamento à A. da quantia de € 197 242,76, acrescida de juros de mora desde 27.10.2020.
A chave da disparidade entre estas decisões reside no seguinte:
A Relação não deu como provado que os serviços dos RR., prestados após julho de 2011, foram idênticos aos prestados no período anterior, nem aceitou que a retribuição devida pelos serviços realizados após julho de 2011 fosse fixada nos termos de uma avença (uma quantia mensal fixa, independente dos serviços concretamente prestados). Assim, para a Relação, os RR. deveriam ter apresentado uma nota ou conta de honorários onde discriminassem os serviços concretamente prestados, a fim de que se pudesse avaliar a adequação do reclamado, à luz dos critérios previstos no n.º 3 do art.º 100.º do EOA de 2005. Não o tendo feito (não valem como tal as comunicações transcritas em 26 dos factos provados), vedado ficou o reconhecimento do direito aos honorários invocados. Apenas haverá que reconhecer os honorários respeitantes ao período de avença, anterior a julho de 2011, devidamente faturado, assim como as despesas invocadas, por terem sido devidamente justificadas, de forma individualizada e discriminada.
Os recorrentes apontam (vide conclusão E da revista) que, conforme alegadamente decorre do ponto 40 da matéria de facto, a A. terá aceitado, só em relação ao processo de expropriação acima mencionado, pagar de honorários a quantia de € 39 405,81: isto é, “só por um dos processos que os recorrentes mantiveram no terceiro período da relação entre as partes a Recorrida/grupo Habiserve aceitou pagar cerca de € 40.000 e aceitou pagar esse valor sem a apresentação de qualquer nota de honorários”.
O n.º 40 da matéria de facto, aditado pela Relação, corresponde à transcrição da resposta, efetuada pela A. por meio eletrónico, à comunicação da R. transcrita em 30 e 31 da matéria de facto, na qual a R. confirmou junto da A. o recebimento da indemnização arbitrada pelo tribunal à A. e explicou os termos em que tinha “processado” o aludido valor.
Na aludida resposta da A. à R., transcrita no n.º 40 da matéria de facto, manifesta-se discordância quanto ao exposto pela R., conforme aí consta. No que concerne à remuneração da A. atinente ao aludido processo de expropriação, a A., longe de concordar com o critério aplicado pela R., que foi o de recuperar o anterior método da avença, sugeriu (“sugiro” – sic) que nesse caso (processo de expropriação) se aplicasse uma percentagem de 12,5% sobre o valor recebido, a que corresponderia, assim, o montante de € 39 405,81, incluindo IVA. Essa percentagem de 12,5 corresponderia, conforme se aduz na comunicação da A., a um “meio termo” face à prática, segundo a A., de a R. receber entre 10 a 15% do resultado/valor recebido em cada processo.
Como se vê, desta “sugestão” da A., que os RR. não aceitaram, nada de relevante se pode inferir para a resolução do litígio, à exceção da oposição da A. à quantificação da dívida por honorários operada pelos RR.
Face a tudo o acima exposto, em que se inclui o acervo factual dado como provado, nada temos a censurar ao assim ponderado pela Relação.
Quanto à retenção, pelos RR., das quantias recebidas a título de indemnização devida à A. pelo Estado, em resultado da expropriação de um imóvel da A., é evidente que a mesma era ilícita, pela simples razão de que os RR. entraram na posse dessas verbas de forma ilegal, com dolo, delas se apropriando sem autorização e contra a vontade da A., conforme abundantemente provado e acima descrito. E, assim sendo, à luz do disposto no art.º 756.º alínea a) do Código Civil, não há lugar a direito de retenção sobre essas quantias.
Acresce que, ainda que as aludidas quantias tivessem chegado ao poder dos RR. no legítimo e lícito exercício do seu mandato, estava-lhes vedado, como resulta do acima exposto sobre esta temática, fazerem-se pagar por elas, como fizeram, seja empregando-as na satisfação de necessidades próprias da R. (cfr. n.º 37 da matéria de facto), seja dando-as como meio de pagamento dos honorários e despesas alegadamente devidas pela A., ainda por cima sem prévia apresentação de nota de honorários devidamente discriminada.
Por tudo isto, concorda-se com o acórdão recorrido, quando aí se aduziu (fls 71 e 72) que os RR. estavam obrigados a pagar à A. as aludidas quantias indevidamente recebidas, acrescidas de juros de mora legais contados da data de recebimento de cada uma das parcelas pagas pelo tribunal, devendo deduzir-se os montantes de € 25 000,00, € 15 000,00 e € 17 000,00 já entregues pelos RR. à A. (cfr. n.º 38 da matéria de facto).
Assim, como se calculou no acórdão, os RR. continuavam obrigados a pagar à A. (fls 72):
- € 164.697,36, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 5/5/2015;
- € 46.242,91, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014.
Quanto à A., no acórdão (fls 72) deu-se como demonstrado que aquela devia aos RR.:
- € 39 089,85 (honorários em dívida respeitantes ao período anterior a julho de 2011), acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013;
- € 10 088,00 (despesas), acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.
No que diz respeito à compensabilidade entre os créditos de cada uma das partes sobre a contraparte, a Relação apontou a impossibilidade de aplicação da compensação legal prevista no art.º 847.º e seguintes do CC.
Vejamos.
A compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo-se a existência de um crédito, opõe-se um contracrédito que libera o devedor na sua exata medida (art.º 847.º do Código Civil).
A compensação depende da verificação dos seguintes requisitos: a) reciprocidade dos créditos; b) que o crédito seja exigível judicialmente (e não proceda contra ele exceção perentória ou dilatória de direito material); c) que as duas obrigações tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade.
Conforme expende Vaz Serra (“Compensação”, estudo publicado em 1952 como separata do n.º 31 do Boletim do Ministério da Justiça, páginas 5 e 6), “a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.”
Nos termos do art.º 853.º n.º 1 al. a) do CC, não podem extinguir-se por compensação, entre outros, “os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos”.
O legislador veda ao credor a faculdade de se aproveitar da vantagem da compensação, livrando-se das consequências de um facto ilícito por si praticado dolosamente. Mas não se impede a compensação caso o compensante seja o credor (e não o devedor) da indemnização do dano proveniente do facto ilícito doloso (Paula Ponce Camanho, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações em Geral, ob. cit., pág. 1276).
No acórdão recorrido apontou-se este obstáculo à compensação de créditos pretendida pelos RR., registando que o crédito da A. perante os RR. emerge de um facto ilícito e doloso por eles praticado.
Porém, a Relação ponderou que a compensação, além de fonte legal, pode igualmente emergir da autonomia da vontade das partes.
Analisando o factualismo provado, no acórdão recorrido concluiu-se que as partes, na sequência do acordo de cessação do regime de avença, haviam acordado em que os RR. seriam pagos pelos valores devidos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos valores devidos pelos serviços a prestar, através do produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação mencionado nos autos, identificado no n.º 6 da matéria de facto, “fazendo-se então contas”.
Escreveu-se no acórdão (páginas 75 a 78):
“Ou seja, a A. aceitou privilegiar os RR. na satisfação dos créditos dos mesmos emergentes do mandato desempenhado por estes, através da entrega do que viesse a receber nos processos judiciais que se encontravam a correr, designadamente a expropriação em questão.
Pelo que, verificando tal intenção da A. e associando-a à utilização da expressão “faremos contas”, tal só pode ter o significado de a A. pretender pagar aos RR. com o valor da indemnização que viesse a receber do processo de expropriação. Do mesmo modo, não ficou convencionado que tal forma de satisfação recíproca dos créditos de cada uma das partes ficava dependente do estrito cumprimento do programa contratual, designadamente no que respeita ao modo como os RR. detivessem valores pecuniários da titularidade da A.
Assim, pode-se afirmar que as partes visaram a compensação dos créditos que sabiam deter reciprocamente, não nos termos legais, mas nos termos das condições que estipularam, prescindido da limitação a que respeita a al. a) do nº 1 do art.º 853º do Código Civil.
Repare-se que não se trata de afirmar, em aparente contradição relativamente ao acima afirmado, que as partes estipularam a possibilidade de os RR. reterem quantias da titularidade da A., para se fazerem pagar “pelas próprias mãos” (a expressão é da A.) dos honorários pelos serviços prestados. Com efeito, para tanto teriam os RR. de comunicar à A. a existência dos valores de indemnização devidos à mesma, no âmbito do processos em que prestaram os seus serviços, do mesmo modo apresentando a nota de honorários respectiva, elaborada nos termos já acima referidos, e, do mesmo modo, apresentando as “contas” respectivas para serem aprovadas pela A.
Do que se trata é de constatar que, não obstante ser de concluir pela ilicitude da retenção do valor da indemnização da titularidade da A., ainda assim se constata o acordo das partes no sentido de tal valor servir para satisfazer os créditos dos RR. emergentes dos serviços prestados à A., através de tal “encontro de contas”, que mais não significa que o pagamento dos créditos dos RR. através dos valores de indemnização devidos à A., ainda que os mesmos estivessem em poder dos RR., em violação do acordado entre as partes.
É esta forma de compensação de créditos convencionada pelas partes que se assume como válida, porque emergente da vontade das mesmas, e a ditar o afastamento das regras de sinal contrário decorrentes dos art.º 847º e seguintes do Código Civil, segundo o princípio da autonomia privada e da correspondente liberdade contratual que decorre do art.º 405º do Código Civil.
Isso mesmo explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 137), quando referem que a “compensação a que se refere este artigo 847º é aquela que pode ser imposta por uma das partes à outra. Nada obsta, porém, a que, por convenção entre ambas, se compensem créditos, independentemente da verificação dos requisitos deste artigo. É a chamada compensação voluntária ou contratual, que está sujeita à disciplina geral dos contratos e não à desta secção”. E mais explicam que “essencial [para que se possa falar de compensação voluntária] é que cada um deles possa dispor do crédito e que ambos acordem na extinção recíproca das obrigações”.
(…)
Regressando ao caso concreto dos autos, logo se antevê que o estipulado “encontro de contas” mais não representa que uma compensação voluntária dos créditos emergentes do relacionamento contratual entre as partes, sem que se distinga se tais créditos emergem do cumprimento pontual do clausulado contratual, ou se emergem do incumprimento de alguma das obrigações assumidas por qualquer uma das partes.
Dito de forma mais simples, na economia do acordo efectuado as partes não limitaram o pretendido “encontro de contas” aos valores correspondentes às prestações pecuniárias emergentes do contrato, com exclusão de valores devidos pelo incumprimento contratual.
Assim, também para efeitos desse “encontro de contas” deve ser considerado o montante que os RR. estão obrigados a restituir à A. em consequência da detenção conscientemente ilícita do mesmo, porque assim o quiseram as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, e sem que tal compensação voluntária dos créditos de cada uma das partes atente contra quaisquer razões ou interesses de ordem pública.
Em suma, há que admitir a extinção das obrigações pecuniárias acima identificadas de cada uma das partes, não na sua totalidade, mas na parte correspondente ao seu igual montante.
Já quanto ao momento a considerar para a compensação, torna-se patente que só em sede judicial os RR. exerceram essa faculdade estipulada no âmbito do acordo de 2011.
Com efeito, e não obstante a comunicação de correio electrónico de 1/8/2014 e as cartas de 19/12/2014 e de 18/1/2015, a circunstância de subsequentemente (em 30/1/2015 e em 5/5/2015) os RR. terem entregue à A. montantes destinados a satisfazer parcialmente a sua obrigação (correspondente à restituição do valor indemnizatório em poder dos mesmos), impede a afirmação da existência do “encontro de contas” com aquele intuito compensatório, o qual só é exercitado nos termos da defesa apresentada na contestação (mais concretamente por via da reconvenção).”
Na sequência do acima exposto, a Relação admitiu que os RR. compensassem os seus créditos sobre o crédito da A., reportando os efeitos da compensação à data da apresentação da contestação (27.10.2020).
Fê-lo nos seguintes termos (pág. 78 do acórdão):
“Assim, é por referência à data da apresentação da contestação (27/10/2020) que importa considerar a compensação das obrigações pecuniárias de cada uma das partes que acima foram identificadas, e que nessa data se devem considerar liquidadas nos seguintes montantes (já considerando os juros de mora à taxa legal incidentes sobre as mesmas):
a) No que respeita às prestações devidas pelos RR.:
- € 200.831,51 (correspondente ao capital de € 164.697,36, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 5/5/2015);
- € 58.728,61 (correspondente ao capital de € 46.242,91, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014);
b) No que respeita às prestações devidas pela A.: • € 49.902,21 (correspondente ao capital de € 39.089,85, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013);
€ 12.415,15 (correspondente ao capital de € 10.088,00, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.).
Nesta medida, apura-se que em 27/10/2020 a obrigação da A de pagar aos RR. a quantia global de € 62.317,36 ficou extinta na sua totalidade, por compensação com as referida obrigação dos RR., na parte correspondente, e subsistindo assim a obrigação dos RR. de pagar à A. a quantia de € 197.242,76, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento”.
Os RR./recorrentes não questionam, na revista, a admissibilidade da compensação do seu crédito com o crédito da A. No que verdadeiramente divergem face ao acórdão é na avaliação efetuada pela Relação ao seu crédito (dos RR.), que reputam muito superior aos montantes admitidos no acórdão.
Ora, no que concerne à forma como a Relação encarou a demonstração e a exigibilidade dos créditos de ambas as partes, nada temos a censurar, como se extrai do acima exposto, sem prejuízo dos eventuais efeitos da apreciação da revista subordinada, no que respeita à fixação do exato valor em dívida.
6. Quinta questão (remessa do processo ao tribunal recorrido, para ampliação da matéria de facto)
Conforme se salientou acima, o STJ aplica o direito aos factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido (n.º 1 do art.º 682.º do CPC).
Porém (deixando de lado a situação prevista no n.º 2, que não está aqui em causa), o n.º 3 do art.º 682.º admite que o processo “volte ao tribunal recorrido” “quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.
Trata-se de situações em que o STJ verifica que existe matéria de facto que, tendo sido alegada pelas partes, e sendo indispensável para a solução do litígio, não foi alvo de apreciação pelas instâncias; ou se verificam contradições na decisão proferida sobre a matéria de facto que, pela sua essencialidade, inviabilizam o julgamento do pleito (cfr., v.g., António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª edição atualizada, 2022, pág. 505; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, páginas 255 e 256).
Quanto à alegada contradição entre elementos da matéria de facto, já acima se concluiu pela negativa, a propósito da apreciação do segmento da revista respeitante à impugnação das alterações introduzidas, nesta vertente, pelo acórdão recorrido.
No que concerne à insuficiência da matéria de facto:
Os recorrentes RR. afirmam que, na audiência final, a 1.ª instância delimitou a instrução do processo em termos que transitaram em julgado. E foi atendendo a essa delimitação que os RR. condicionaram a sua atividade instrutória.
Para a compreensão do aqui exposto há que transcrever o teor da alegação da revista, na parte pertinente (páginas 18 a 22 da alegação - transcreve-se também os sublinhados):
“19. No essencial, esta ação foi configurada na 1ª Instância não como uma ação de honorários, mas sim com vista a regular a relação contratual de mais de 30 anos que se estabeleceu entre a A. e os RR. no âmbito da responsabilidade civil contratual e, na verdade, nenhuma das partes impugnou a configuração desta ação conforme foi estabelecida pela 1ª Instância.
19.1 De facto, o Tribunal recorrido, logo na primeira sessão da Audiência de Julgamento (26.05.2023), decidiu e advertiu as Partes para a configuração desta ação e, portanto, do modelo instrutório a adotar (cfr. ficheiro denominado Magistrado Judicial: GG 10:28 – 10:39):
a. 05.57: “Depois há uma outra questão que também não fazemos aqui e essa não é claramente não é objeto do processo, que é a questão de quantificar ou de estabelecer o valor exato de honorários por serviços prestados e essa é uma questão que importa esclarecer neste sentido, ou seja, nós temos um objeto do litígio que pressupõe a existência de uma relação subsistente de mandato forense além da cessação da avença, que também toda a gente está de acordo. Que existiu uma relação de mandato subsistente pontual, ou seja, relativa a processos concretos, também ... parece-me que está assente e admitido”;
b. 06.57: “Nesta síntese, é preciso percebermos que não vamos discutir nem vamos fazer trasmutar esta ação numa ação de honorários. Ou seja, não vamos aqui passar à discussão se o Sr. Dr. fez 100 horas ou 150 horas no Processo x e se deslocou x vezes ao Tribunal e se isto é ou não adequado”;
c. 07.22: “Aqui, a substância da relação dos mandatos subsistentes quanto a mim só interessará ... e também nesta lógica de algum afastamento, só interessará para estabelecer, eventualmente, algum abuso de direito que possa existir. Ou seja, para estabelecermos um valor de grandeza. Se estamos a falar de uma retenção de uma quantia aproximada de € 200.000, portanto, se houvesse, vamos imaginar, uma representação forense por uma ida a Tribunal ou por uma consulta, obviamente que seria manifesto que estaríamos numa situação de abuso de direito. Se não estivermos num quadro desse tipo, já não vamos estar a discutir processo por processo, mandato por mandato, horas por horas, trabalho por trabalho”;
d. 08.07: “Portanto, o Tribunal aqui centrará a sua decisão no exercício do direito de retenção com base no direito de honorários que não se afigure ou se afigure abusivamente exercido. É isto, certo? É este o quadro que nós temos”.
19.2 No mesmo sentido, na Sentença recorrida de 08.11.2023, decidiu-se o seguinte:
“Diga-se, todavia, que os réus também não vieram enxertar uma verdadeira ação de honorários na ação, sendo a alegação da natureza, extensão e complexidade do trabalho jurídico e judiciário por si invocadas, em primeiro lugar, como fundamento impeditivo do direito arrogado pela autora e, ainda que solicitem declaração do direito de fazer suas as quantias retidas, não alegam ou pedem ao tribunal que faça uma avaliação da correção do valor de honorários por si fixados, não apresentando também uma alegação minimamente descritiva do trabalho efetivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu).
Em simples, o que os réus vêm dizer é que realizaram trabalho contratado e procederam ao cômputo do seu valor, tendo por isso direito a reter e fazer suas as quantias percebidas.
Quer isto dizer, por outro lado, que a decisão do tribunal assentará neste objeto, sendo considerado o trabalho jurídico e judicial realizado como elemento complementar ou instrumental de avaliação, não como elemento essencial dos invocados direitos em confronto e, sobretudo, não conhecendo a ação ou a reconvenção como uma ação de honorários, principal ou enxertada” (cfr. p. 22 da Sentença).
“Como compaginar nos autos estas duas vertentes, sabendo que a presente ação, como foi referido por mais que uma vez, não é uma ação de honorários propriu sensu e, por consequência, o tribunal não foi chamado a avaliar e decidir, com base em alegação concreta, da correção da nota emitida por referência aos serviços efetivamente prestados ?” (cfr. p. 36 da Sentença).
19.3 Isto é, na configuração desta ação o Tribunal decidiu que o que está em causa não é apurar os serviços e tempos que, em concreto, os Recorrentes prestaram à Recorrida/Grupo Habiserve: não se trata aqui de uma ação de honorários. O que está em causa é verificar se, face aos processos e assuntos de que os Recorrentes se ocuparam a partir de Julho de 2011, o valor retido por estes a título de honorários/despesas não envolve um abuso de direito.
20. A Recorrida não impugnou estas decisões e esta configuração da ação, isto é, estes segmentos decisórios da Sentença de 08.11.2023 transitaram em julgado, seja porque os Recorrentes não recorreram da mesma, seja porque a Recorrida não impugnou essas decisões e configuração da ação.
21. Assim, constituindo esta decisão/configuração da ação pelo Tribunal de 1ª Instância caso julgado, o Acórdão recorrido não poderia ter decidido, como decidiu, julgar esta ação como uma ação de honorários, violando assim esse caso julgado.
22. Por outro lado, aspeto decisivo, o facto de a Sentença ter decidido expressamente que esta ação não iria ser tratada e decidida como uma ação de honorários, condicionou decisivamente a defesa dos Recorrentes, designadamente na instrução/prova que os mesmos deveriam apresentar no Tribunal da 1ª Instância.
Na verdade, tendo este Tribunal decidido que não estariam em causa as concretas diligências e atividade desenvolvidas pelos Recorrentes no 3º Período da relação (Julho 2011 – Julho 2014), bem como os tempos/horas dessas diligências e atividade, os Recorrentes não tinham que demonstrar no processo, em concreto, essas diligências, atividades e tempo/horas.
E porque não tinham que o demonstrar, os Recorrentes só tiveram a preocupação de demonstrar os essenciais que correspondiam à fisionomia da ação decidida pelo Tribunal (as pastas/assuntos/projetos imobiliários em que trabalharam e os processos judiciais em que intervieram): os Recorrentes, legitimamente (em função da referida configuração da ação pelo Tribunal da 1ª Instância) não tiveram outras preocupações instrutórias e não podem agora ser prejudicados pelo facto de o Acórdão recorrido, violando o caso julgado dessa decisão do Tribunal da 1ª Instância, ter decidido (em 2ª instância, já depois da fase de instrução do processo) que, afinal, esta ação deve ser tratada e decidida como uma ação de honorários e que os Recorrentes não provaram os concretos serviços prestados, os tempos da sua execução, etc..
Esta atitude e decisão do Acórdão recorrido (a interpretação que o mesmo fez do regime aplicável) violam assim os direitos fundamentais dos Recorrentes a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição), pois estes, legitimamente, não poderiam contar com essa alteração estruturante do objeto e âmbito do processo.
Na verdade, a Sentença da 1ª Instância fixou como “Objeto do litígio: Mandato forense conferido pela autora ao réu, respetivo âmbito e enquadramento na sociedade ré no âmbito do processo de expropriaçãon.º 217/2001, que correu os seus termos pelo ....º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...; relação continuada de apoio e representação jurídica da autora pelos réus integrada em avença”. E como Temas da prova os seguintes:
“1 - Indemnização estabelecida a favor da autora no processo expropriativo; forma e momento de pagamento; perceção do mesmo;
2- Valor entregue pelo réu à autora da indemnização percebida, extensão e momento;
3 – Informação prestada pelo autor quanto à liquidação da indemnização em causa e ao destino dado à quantia entregue;
4 – Avença contratada entre autora e réu, respetivo valor, periodicidade de pagamento e período de vigência;
5 – Acordo de pagamento de quantias devidas por prestação de serviços do réu à autora após cessação da avença e até janeiro de 2015”.
Vejamos.
As afirmações do Sr. Juiz da 1.ª instância, apenas parcialmente transcritas pelos recorrentes (ouvimos a respetiva gravação), ocorreram na fase inicial da audiência, em sede de tentativa de conciliação, tendo sido proferidas como um enquadramento possível para a obtenção de um acordo entre as partes, que pusesse termo ao litígio. Veja-se o que, a final dessa sua intervenção, afirmou o Sr. Juiz: “Portanto, é isto que eu traria para cima da mesa como proposta de trabalho. Os senhores doutores me dirão agora, o que podemos avançar, se podemos, se é viável, se não é?”.
E, não tendo as partes, após conversações, chegado a acordo, a audiência final prosseguiu os seus termos – sem que haja notícia de que tenha sido imposta às partes qualquer restrição na produção da prova.
Note-se que, na sentença, expressamente se considerou que, na enunciação dos temas da prova, o quinto tema (“Acordo de pagamento de quantias devidas por prestação de serviços do réu à autora após cessação da avença e até janeiro de 2015”) incluía a questão “relativa aos serviços de consulta e representação jurídica efetivamente prestados pelos réus às sociedades do grupo económico em que se insere a autora, após suspensão da avença e até ao final da relação contratual” (pág. 14 da sentença).
O que se passou foi que, como já se referiu supra, os RR. decidiram, na pendência da relação jurídica sub judice, calcular o valor dos honorários com base no anterior regime da avença. Assim, não careciam de alegar as atividades concretamente prestadas em execução do mandato. Daí que, na contestação, inclusive na versão aperfeiçoada, sejam muito parcas, ou inexistentes, as alegações de factos atinentes aos serviços concretamente prestados pelos RR. à A..
No mais, nomeadamente as considerações da 1.ª instância acerca da natureza da ação (se é uma ação de honorários, ou não), nada foi decidido com força de caso julgado. Proferida a sentença, esta foi alvo de impugnação pela A., nos termos já supra relatados, com um âmbito e um escopo cujos limites não foram excedidos pelo acórdão recorrido.
Nesta parte, pois, a revista também não procede.
7. Sexta questão (revista subordinada: juros de mora sobre a quantia de 39 089,85, vencidos desde 29.11.2013 até 27.10.2020, devida pela A. aos RR.)
Na contestação os RR. invocaram terem, perante a A., no que concerne ao período anterior a julho de 2011, em que vigorava entre as partes o regime de avença, um crédito, faturado, no valor total de € 39 089,85, a que acresciam juros de mora no valor de € 9 410,00 (calculados desde a data da emissão das faturas até à data em que os RR. receberam a indemnização respeitante à expropriação). Assim, em relação ao período anterior a julho de 2011, atinente ao regime de avença, os RR. tinham sobre a A. um crédito total de € 48 499,85.
Na sentença, os RR. obtiveram total ganho de causa no que concerne a este crédito.
Interposta apelação pela A., a Relação, no que concerne a este crédito, manteve como demonstrada a dívida de € 39 089,85, mas divergiu quanto aos juros.
No acórdão recorrido, acerca desta matéria, exarou-se o seguinte (páginas 66 a 68 do acórdão):
“Todavia, importa não esquecer que na primeira fase do relacionamento contratual (ou seja, antes da referida alteração) vigorava um regime de avença nos termos do qual era paga aos RR. uma quantia mensal fixa.
Do mesmo modo, emerge da factualidade apurada que os valores dessa retribuição mensal fixa não estavam todos liquidados, pois que em Julho de 2011 existiam valores em dívida cujo montante global ascendia a € 39.089,85.
Relativamente a tal obrigação pecuniária, resulta dos termos da proposta apresentada pelo 2º R. e aceite pela A. (pontos 19 e 20) que a A. “não se preocupa, para já, com o pagamento das facturas já emitidas” (ou seja, as facturas que titulavam o referido montante global em dívida de € 39.089,85) e que quando alguma das questões a resolver pelos RR. gerasse receita, “nessa altura, quando a Habiserve receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011”.
Mais resulta que essa proposta do 2º R. (reduzida a escrito) e subsequente aceitação da A. (por escrito) surge na sequência de uma reunião onde as partes alcançaram um acordo verbal, nos termos do qual os RR. seriam pagos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos serviços a prestar em data posterior à do acordo pelo produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação em que a A. figurava como expropriada (identificado em 6).
Assim, e interpretando tais declarações de vontade com recurso ao disposto no art.º 236º do Código Civil, aquilo que se deve concluir é que as partes estipularam que, no que respeita ao montante global em dívida de € 39.089,85, o mesmo só seria devido pela A. à 1ª R. nos mesmos termos da retribuição devida pelos serviços prestados a partir de Julho de 2011, isto é, quando desses serviços resultasse qualquer quantia a receber pela A.
Nessa medida uma primeira conclusão se impõe, no sentido de as partes terem consolidado o valor em dívida ao tempo desse acordo e terem estipulado que o pagamento do mesmo só era exigível quando surgisse o referido incremento patrimonial da A. O que é o mesmo que afirmar que a dívida em questão só se considerava vencida com a verificação da referida condição. Pelo que não se pode falar no cômputo de juros de mora sobre tal montante de € 39.089,85, enquanto não surgisse tal “receita” da A. gerada por qualquer uma das seis situações para cuja resolução eram prestados os serviços de advocacia pelos RR.
E como está demonstrado que só em 29/11/2013 surge tal “receita”, só a partir daí passou a A. a estar em mora com a satisfação de tal montante, daí emergindo a correspondente obrigação de pagamento de juros moratórios à taxa legal”.
O que é mesmo que afirmar a obrigação da A. a pagar aos RR. o referido montante de € 39.089,85, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013”.
Isto é, a Relação entendeu que, nos termos do acordo a que as partes haviam chegado em julho de 2011, o montante global então em dívida, no valor de € 39 089,85, só seria exigível quando dos serviços dos RR. “resultasse qualquer quantia a receber pela A.”, isto é, “quando surgisse o referido incremento patrimonial da A.”. Assim, não se poderia falar em mora enquanto não se verificasse a referida condição, isto é, se gerasse tal receita da A.. Na sequência, a Relação entendeu que a mencionada condição ocorreu quando, em 29.11.2013, surgiu a aludida receita (cfr. o n.º 11 dos factos provados, onde se deu como provado que em 29.11.2013 o tribunal transferiu, para a conta da R., as quantias de € 868,51 e € 210 056,97). A partir dessa data, pois, vencer-se-iam juros de mora sobre o valor de € 39 089,85, à taxa legal de 4%, juros esses que se venceram, nos termos do acórdão recorrido, até 27.10.2020, data da apresentação da contestação, em que operou a compensação de créditos – calculando-se, assim, os juros de mora devidos pela A., em € 10 812,36.
A A., na revista subordinada, contrapõe que em 29.11.2013 não obteve nenhuma receita, na medida em que os RR. se apoderaram das quantias que a constituiriam. Assim, segundo a A./recorrente, os fundamentos da decisão estão em contradição com a aludida condenação da A. no pagamento dos juros, o que constitui a nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC.
A A./recorrente concluiu pela substituição do acórdão recorrido por outro que não a condene nos mencionados juros.
O tribunal a quo apreciou a aludida arguição de nulidade, concluindo pela sua inverificação. Cremos que, nesta parte, a Relação tem razão.
A nulidade da sentença (ou do acórdão) por contraditoriedade entre os fundamentos e a decisão ocorre quando o teor dos fundamentos aponta para um determinado sentido do veredito do tribunal e, afinal, o tribunal envereda por um resultado que não tem conexão lógica com essas premissas. Trata-se, pois, de um vício lógico que compromete a sentença.
Ora, in casu, a Relação entendeu que o reconhecimento da quantia indemnizatória pelo tribunal por onde pendia o mencionado processo de expropriação e o subsequente envio das correspondentes verbas constituíam, desde logo, o preenchimento da condição de exigibilidade dos honorários (reportados ao período da anterior avença). Daí que, sem evidente contradição lógica de raciocínio, a Relação tenha ajuizado que os juros de mora se venciam a partir da data em que, no seu entender, se verificou a mencionada condição.
Não ocorre, pois, a apontada nulidade.
Questão diversa será a avaliação do mérito da decisão, isto é se, efetivamente, a simples receção da indemnização desencadeou o vencimento de juros de mora.
Note-se que os RR. não informaram a A. do recebimento das aludidas quantias. É certo que as quantias pertenciam à A., isto é, era ela a titular do direito à indemnização. Porém, não tendo sido informada dessa realidade, não podia cumprir a obrigação, nomeadamente dar o seu acordo a que a mencionada quantia de € 39 089,85 fosse paga, ou compensada, a partir do valor da indemnização. Só em 01.8.2014, data em que o 2.º R. enviou à A. a comunicação dada como provada nos números 30 e 31 dos factos provados, é que a A. foi informada dos aludidos pagamentos e foi, assim, confrontada (interpelada – art.º 805.º n.º 1 do Código Civil) com a exigência do pagamento dos aludidos € 39 089,85, isto é, com a cessação da moratória que lhe havia sido concedida.
Assim, os juros de mora serão devidos desde 01.8.2014 até, no quadro do entendimento da Relação que, neste aspeto, não foi impugnado, à data em que produziu efeito a compensação parcial de créditos, isto é, à data da apresentação da contestação (27.10.2020).
Pelo exposto, relativamente à verba de € 39 089,85, os juros de mora devidos orçam em € 9 762,82 (nove mil setecentos e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos).
Significa isto que a dívida da A., perante os RR., reconhecida nesta ação, sofre, na sequência da revista subordinada, em relação ao fixado no acórdão recorrido, uma redução de € 1 049,54 (mil e quarenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos). Assim, operada a compensação com a dívida dos RR. face à A., a dívida final dos RR., face à A., à luz dos elementos apurados nestes autos, é de € 198 292,30 (cento e noventa e oito mil, duzentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos).
A revista subordinada é, pois, parcialmente procedente.
8. Das custas
Em relação a custas, tal como as instâncias o entenderam em relação à respetiva tramitação, afigura-se-nos que estão preenchidos os requisitos, previstos no art.º 6.º n.º 7 do RCP, para que as partes, em ambas as revistas, sejam dispensadas do pagamento de taxa de justiça remanescente atinente ao valor excedente a € 275 000,00.
Com efeito, as revistas apresentam conclusões contidas, as matérias abordadas não atingiram particular complexidade e a conduta das partes pautou-se pela urbanidade e correção.
III. DECISÃO
Pelo exposto:
a) Julga-se a revista principal (interposta pelos RR.), improcedente;
b) Julga-se a revista subordinada (interposta pela A.) parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se o acórdão recorrido, passando o primeiro parágrafo do seu dispositivo a ter a seguinte redação:
“Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, declara verificada a compensação dos créditos reciprocamente detidos pela A. e pelos RR. e condena os RR. a pagar à A. a quantia de € 198 292,30 (cento e noventa e oito mil, duzentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento”.
No mais, mantém-se o acórdão recorrido.
As custas da revista dos RR., na modalidade de custas de parte, são a cargo destes, por nela terem decaído (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, 533.º do CPC).
As custas da revista subordinada, na modalidade de custas de parte, são a cargo da A. e dos RR., na proporção do respetivo decaimento.
Nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP, dispensa-se o pagamento de taxa de justiça remanescente atinente às duas revistas.
Lx, 17.6.2025
Jorge Leal (relator)
António Magalhães
Henrique Antunes