Sumário
O CAPÍTULO III (arts. 31.º a 46.º) do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto (o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ou simplesmente, “SORCA”) não prescinde da adaptação aos factos provados, sendo determinante saber se a Seguradora é a única responsável a quem possa ser imputado o não cumprimento dos seus deveres legais.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A., NUIPC .......27, com sede na ..., ..., ..., ..., propôs a presente acção declarativa de condenação contra Generali Seguros, S.A., NUIPC .......31, com sede na ..., ..., ..., pedido a condenação da Ré ao pagamento da quantia de €46.279,89 (quarenta e seis mil, duzentos e setenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), a título de penalizações impostas pelo Decreto-Lei 291/2007, €54,70 (cinquenta e quatro euros e setenta cêntimos), a título de gastos com a regularização do sinistro, a condenação em igual montante a favor da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e juros de mora de 14% ao ano, contados desde a data da efectivação da notificação judicial avulsa, 24 de Setembro de 2021, até à data de propositura da presente acção, acrescido de juros até ao efectivo e integral pagamento da quantia e juros de 14% ao ano, em dobro da taxa legal, por decorrência do nº 1 e 3 do art.º 43º do DL 291/2007 sobre o montante da condenação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto e em suma, que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo possuidora e legítima proprietária do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula QE-..-.., afecta ao desenvolvimento do seu objecto social, sendo que tal veículo envolveu-se em sinistro rodoviário em 23 de Novembro de 2018, pelas 17:15 horas, na Rua ..., ... ..., com o veículo ligeiro de passageiros ..-TV-.., segurado pela ora Ré, sinistro no qual este último veículo, ao iniciar manobra de estacionamento, foi embater na frente esquerda do veículo do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula QE-..-.. propriedade da Autora que se encontrava, à altura da manobra, estacionado e imobilizado.
Neste contexto, sustenta que logo em 27 de Novembro de 2018, enviou à ora Ré uma missiva a solicitar a quantificação dos danos, a fim de serem prontamente reparados para que o veículo ligeiro de mercadorias pudesse rapidamente continuar a laborar, com indicação do local onde a ora Ré deveria fazer deslocar o seu perito com o intuito de avaliação dos prejuízos materiais e com a cominação de que decorridos 5 dias úteis sem notícias, a empresa RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., tomaria a iniciativa de dar indicações à sua representada para requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo sinistrado, sendo que a Ré nada fez.
Por isso, procedeu à contratação de uma empresa especializada para proceder à realização de uma peritagem independente e à reparação, o que veio a ser feito.
Em seguida, tal empresa comunicou à Ré, via fax, um “reminder” da reclamação previamente enviada, que nada disse. Elaborou a nota de despesas com a reparação e custos associados, que remeteu à Ré, vindo esta a pagar-lhe o valor indicado, sem qualquer assunção ou não de responsabilidade.
Como a Ré não deu cumprimento às suas obrigações legais, apresentou notificação judicial avulsa junto do Juízo Local Cível do Tribunal de Comarca de ..., a qual foi distribuída com o n.º 21659/21.0..., na qual solicitava o pagamento da quantia de €38.674,03 (trinta e oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e três cêntimos), à qual não obteve qualquer resposta. Juntou documentos.
2. Regularmente citada, a Ré contestou a acção, assumindo a dinâmica do sinistro e que na fase de regularização do sinistro, recebeu apenas o fax da empresa contratada pela Autora, que se apresentou sem quaisquer poderes de representação e que relegou para momento posterior a quantificação dos prejuízos.
De todo o modo, na fase inicial procurou contactar a Autora logo que recebida a participação do sinistro pelo proprietário do veículo que colidiu com a viatura da Autora, o que fez por diferentes formas, mas nunca obteve qualquer resposta às solicitações para marcação da peritagem à viatura em causa.
Sem embargo, logo que lhes endereçaram a missiva que quantificou os prejuízos, o que só ocorreu em 09.01.2020, pagou a quantia solicitada, que a Autora recebeu, mesmo tendo razões para duvidar da correcção dos procedimentos adoptados e/ou dos eventuais danos ocasionados.
Sustenta, assim, que não foram incumpridos os procedimentos previstos para a regularização de sinistros, não havendo razões para os pedidos formulados pela Autora.
Juntou documentos.
3. Houve lugar a despacho que saneou e condensou os autos.
Efectuou-se audiência de julgamento, observando-se o legal formalismo.
4. Veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face às razões de facto e de direito supra indicadas, decido julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos nela formulados. Custas a cargo da Autora (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Registe e notifique.”
5. Não se conformando com a sentença a A. apresentou recurso per saltum para o STJ, “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629º nº1, 644º nº1 alínea a) e 678º nº1 do Código Processo Civil. O Recurso sub judice tem valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a sua sucumbência ascende a 46.334,59€ (quarenta e seis mil, trezentos e trinta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), superior a metade dessa mesma alçada. O Recurso, que é de Apelação per saltum, deverá subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 645º nº1 alínea a) e 647º nº1 do Código de Processo Civil.”
No recurso formula as seguintes conclusões:
1. Nos termos do artigo 678º nº1 do Código de Processo Civil, tendo a presente ação valor superior à Alçada do Tribunal da Relação, sendo o valor da sucumbência superior a metade desta alçada, inexistindo quaisquer decisões interlocutórias impugnadas e versando o presente Recurso apenas sobre questões de Direito, é de admitir o presente Recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Tal não se entendendo, o que se toma por cautela de patrocínio, deverá ser determinado por V. Exas. que o presente Recurso baixe à Relação e seja distribuído como Recurso de Apelação, nos termos do 214º nº1 do Código Civil.
3. No que concerne à prova de que um documento eletrónico foi recebido pela parte contrária rege o artigo 5º do Decreto-Lei 12/2012 que o «documento eletrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera -se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido, ou seja, exige-se não só a prova do envio, como também da receção.
4. E aqui assenta o erro de julgamento da Sentença Recorrida, ou seja, quando é exigido pela lei a prova do envio e receção, o Tribunal confunde ambas as realidades, afirmando que um email (ponto 7 da matéria de facto dada como provada) assim que é enviado é imediatamente rececionado pelo servidor da contraparte, o que está errado.
5. Analisado o documento nº3 da contestação, nem o mesmo é alvo de assinatura manuscrita, nem sequer resulta do mesmo ter-lhe sido aposta uma qualquer assinatura eletrónica qualificada, nem ter sido alvo de validação cronológica emitida por entidade certificadora.
6. O mesmo é dizer que do documento em causa nenhum valor probatório se retira quanto à sua receção pelo destinatário, condição para a eficácia da declaração nele contida.
7. De onde resulta que o facto nº 7 dos factos dados como provados nunca poderia ter sido dado como provado no que diz respeito à sua receção pela Autora, encontrando-se o Tribunal Recorrido em clara violação do disposto no artigo 5º nº1 do Decreto-lei 12/2021, nunca poderia dar como provado o facto nº7 dos factos dados como provados, pelo que se impõe a sua alteração, ope legis, nos termos deste artigo 5º nº1º, alteração esta a operar como preceituado nos artigos 674º nº3 e 682º nº2 e 3 do Código de Processo Civil.
8. Do mesmo modo e concomitantemente, a douta Sentença Recorrida é nula, nos termos do artigo 615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil, pela contradição insanável entre os pontos 7), 8), 9) e 12) da matéria de facto dada como provada e a alínea b) dos factos dados como não provados.
9. Ou seja, nunca pode uma parte reagir quando não toma conhecimento de uma missiva que não lhe chegou ao conhecimento.
10. Mais, reagindo, como se refere em 12), respondendo à Ré e indicando que, efetivamente, não tomou conhecimento de nenhuma missiva anteriormente enviada pela Ré, aqui Recorrida.
11. No que à violação do disposto no artigo 40º, nº2 do Decreto-Lei 291/2007, por referência ao normativo ínsito no artigo 36º do mesmo normativo diz respeito, sempre se teria de verificar a condenação da Ré na sanção cível prevista neste mesmo normativo.
12. Ter ou não a direção efetiva da reparação de um veículo não suspende a aplicação do prazo previsto na alínea e) do número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007.
13. O regime, neste aspeto, é claro e cristalino, dito de outro modo, a direção efetiva da reparação apenas suspende a contagem dos prazos para a conclusão das peritagens.
14. A contagem do prazo está estabelecida em função do previsto na alínea a) do número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007 e não sobre qualquer outra das alíneas deste normativo, ou seja, contando-se somente a data do sinistro.
15. Assentando o erro de julgamento do Tribunal Recorrido na interpretação de que a ausência de direção efetiva do veículo suspende a contagem dos prazos previstos na alínea e) do número 1 e na alínea a) do número 6 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007.
16. Doutrossim, este prazo encontra-se largamente ultrapassado pela Ré, a qual, no prazo máximo de 17 dias úteis deveria ter assumido, ou não assumido, perante a Autora, a responsabilidade na produção do sinistro, o que somente ocorreu a 15 de janeiro de 2020, conforme o ponto 19) da matéria de facto dada como provada e o ponto b) da matéria de facto dada como não provada.
17. Pois existe sempre a possibilidade de a Ré recursar o sinistro, o que não fez, colocando na Autora a responsabilidade de, aí, e no prazo de prescrição de três anos, colocar em causa o declinar na assunção de responsabilidade
18. A verdade é que a Ré, desde 27 de novembro de 2018 (conforme declaração da sua segurada), tem conhecimento do sinistro, sendo a total subversão dos prazos previsto no artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei 291/2007 somente comunicar a assunção, ou não assunção, da responsabilidade, mais de dois anos após a ocorrência do sinistro.
19. Sendo que, esta interpretação de que os prazos de aplicação do número 1 alínea e) do artigo 36º do Decreto-lei 291/2007 se encontram suspensos por ausência de peritagens, sempre implicaria que o segurado da Ré nunca informaria o seu segurado, como resulta da aplicação desse mesmo artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei 291/2007.
20. Sendo certo que esta comunicação da Ré para com o seu segurado nem sequer se verificou, como resulta inequivocamente do seu processo interno, logo, emerge igualmente a violação crassa dos prazos previstos no artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei 291/2007.
21. Incorrendo assim o Tribunal Recorrido em erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 36º nº1 alínea a) e e), nº2 e 40º, nº2 do Decreto-Lei 291/2007, devendo a Ré ser condenada no montante de 46.334,59€ (quarenta e seis mil, trezentos e trinta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), conforme peticionado.
Pede:
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão julgar o presente Recurso procedente por provado e, consequentemente, revogar a Sentença Recorrida, substituindo-a por outro que julgue procedente, por provada, as presentes alegações de recurso.
6. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui:
1. A douta Sentença proferida pelo MM.º Juiz do Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo.
2. O acidente de viação dos autos ocorreu no dia 23.11.2018 e a comunicação eletrónica a que a Revidente se reporta nas suas doutas alegações tem data de 29.11.2018.
3. O DL12/2021 foi publicado no dia 09.02.2021 e entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, pelo que não se encontrava em vigor à data da ocorrência do acidente dos autos, nem à data em que a comunicação eletrónica foi enviada.
4. O MM.º Juiz do Tribunal “a quo” apreciou a comunicação enviada pela Revidida à Revidente – e por esta recebida – nos termos gerais de direito, ou seja, de acordo com as regras gerais da prova, explicando todo o raciocínio inerente à apreciação dos vários meios de prova que permitiram concluir da forma como fez constar no ponto 7 do elenco dos factos provados.
5. Não se verifica a invocada violação do disposto no artigo 5º, n.º 1 DL12/2021 – que nem sequer estava em vigor à data dos factos –, nem mesmo qualquer violação do regime consagrado no DL290-D/99, de 02.08.
6. O Tribunal entendeu dar como provado o envio das duas comunicações à Revidente, mas que esta apenas recebeu uma delas, sendo lógica e plausível à luz da fundamentação da douta Sentença a conclusão de que “Na sequência dessas comunicações, a Autora nada transmitiu à Ré”.
7. O facto do fax mencionado no ponto 12 dos factos provados ter sido enviado por entidade diferente da Revidente não permite concluir, por si só, que anteriormente a esse envio não tenham sido enviadas comunicações anteriores dirigidas à Revidente.
8. Uma vez mais, a Revidente invoca o regime jurídico consagrado no DL12/2021 que não se encontrava em vigor à data dos factos em apreciação nos autos, circunstância que afasta irremediavelmente a sustentada nulidade da Sentença.
9. No dia 29.11.2018, 2º dia útil após a recepção da participação do sinistro, a Revidida enviou uma mensagem de correio electrónico para o endereço da Revidente, no qual identificou como assunto “sin: ......50 mat: QE-..-..”, solicitando o contacto para marcação de peritagem referente à viatura referida em assunto.
10. Se é certo que o artigo 36º, n.º 1 al. a) revela que a marcação da peritagem constitui uma obrigação da Seguradora, essa obrigação legal mostra-se constituída a favor da Seguradora – que tem interesse em proceder às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento (ou não) do sinistro e à avaliação dos danos –, quer a favor do lesado – que tem interesse em ver reparados os seus danos.
11. O cumprimento da obrigação quanto à marcação de peritagem importa cooperação recíproca, pelo que a Revidente não agiu em harmonia com os ditames da boa-fé, obstando ao cabal cumprimento pela Revidida da obrigação e prazo legais que o artigo 36º, n.º 1 al. a) DL291/2007, 21.08 lhe impunha, não podendo a Revidente extrair quaisquer benefícios dessa circunstância.
12. Quando ainda corria o prazo, que a própria Revidente defendeu na ação, de que a Revidida disporia para efetuar a peritagem, a Revidente não só peritou a sua viatura, como procedeu à sua reparação em oficina afeta à sua atividade;
13. No dia 03.12.2018 a Revidente mandou realizar peritagem aos danos no seu veículo em oficina afeta à própria e a reparação do veículo foi realizada na
mesma oficina, encontrando-se completamente reparado desde o dia 05.12.2018.
14. À luz do critério de «diligência e prontidão da empresa de seguros» que o legislador consagrou no DL291/2007, não se pode falar de qualquer violação do dever de diligência por parte da Revidida.
15. Sabendo-se que (i) o acidente foi participado no dia 27.11.2018, (ii) que a Revidida enviou mensagem de correio eletrónico à Revidente no dia 29.11.2018 solicitando contacto para marcação de peritagem, (iii) que a Revidida não respondeu a essa mensagem, (iv) que a Revidida colocou o veículo na oficina afeta à própria atividade no dia 03.12.2018, (v) que o veículo ficou totalmente reparado em 05.12.2018, (vi) que em 12.02.2019, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., enviou um fax à Revidida, (vii) que nessa comunicação, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., sem indicar a data da peritagem, data da conclusão da reparação e/ou o respectivo custo, afirmou que “oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”, (viii) que, em 9 de Janeiro de 2020, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda. enviou uma carta à Revidida, através da qual reclamou o pagamento do valor de €1.178,50, relativo à reparação do veículo de matrícula QE-..-.., a três dias de paralisação do dito veículo e aos custos de peritagem suportados pela Autora e (ix) que, em 15 de Janeiro de 2020, a Revidida, sem qualquer outra formalidade ou explicação, enviou directamente à Autora, por meio de correio simples, uma carta/cheque com o descritivo “reparação/perda parcial V/Ref-QE-..-.. ACID 23-11-2018”, no valor de €1.178,50, como é que a Revidida poderia apresentar uma proposta razoável de indemnização?
16. Apenas em 09.01.2020, a Revidente, através da empresa RSR, quantificou junto da Revidida os prejuízos decorrentes do acidente ocorrido em 23.11.2018, tendo a Revidida, em resposta e logo no dia 15.01.2020, enviado à Revidente uma carta/cheque destinada ao pagamento dos danos reclamados.
17. A Revidida não violou os deveres de regularização do sinistro tal como definidos no DL 291/2007, 21.08.
18. Tem sido a Revidida, supostamente a primeira interessada na rápida regularização dos sinistros, quem sistematicamente inviabiliza a marcação das peritagens e a sua realização pela Revidida, com o impacto que isso traz naquela regularização, promove a peritagem dos seus próprios veículos, repara os em oficina própria e, posteriormente, imputa à Revidida a violação dos prazos de regularização de sinistros automóveis estabelecidos no DL291/2007.
7. O recurso foi admitido com a prolação do seguinte despacho:
“Admito o recurso per saltum interposto pela Autora quanto à sentença proferida nos autos, por ser o mesmo tempestivo (art.º 638.º n.º 1 do CPC), a decisão ser recorrível e por ter legitimidade para recorrer (art.º 627.º, 629.º n.º 1 e 3 al. a), 631.º n.º 1, todos do CPC). O recurso é de revista (art.º 644.º n.º 1 al. a) do CPC), a subir imediatamente, nos próprios autos (art.º 645.º n.º 1 al. a) do CPC) e com efeito devolutivo da decisão impugnada (art.º 647.º n.º 1 e 676.º n.º 1 do CPC). Admitem-se ainda as contra-alegações apresentadas pela Ré, por legais e tempestivas.”
8. No referido despacho o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre as invocadas nulidades apontadas à sentença, considerando não serem as mesmas procedentes.
II. Fundamentação
De facto
9. Factos provados:
1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo possuidora e legítima proprietária do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula QE-..-.., viatura afecta ao desenvolvimento do seu objecto social.
2) No dia 23 de Novembro de 2018, pelas 17:15 horas, na Rua ..., ... ..., ocorreu um acidente envolvendo o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula QE-..-.., conduzido por AA, motorista da Autora, e o veículo ligeiro de passageiros ..-TV-.., com registo de propriedade a favor de L..., S.A. e conduzido por BB.
3) No momento, o condutor do veículo de matricula ..-TV-.., ao iniciar manobra de estacionamento, embateu na frente esquerda do veículo do veículo ligeiro de mercadorias de matricula QE-..-.. que se encontrava, à altura da manobra, estacionado.
4) O veículo de matricula ..-TV-.. tinha a responsabilidade civil por acidentes terrestres transferida para a Ré através da apólice nº ........90.
5) A Ré tomou conhecimento do sucedido pela participação de acidente que lhe foi remetida pela L..., S.A. e que entrou nos seus serviços no dia 27.11.2018, data em que foi aberto o respectivo processo de sinistro.
6) Em 27 de Novembro de 2018, a sociedade RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., dirigiu à Ré, por correio normal, a seguinte missiva:
…
7) No dia 29.11.2018, a Ré enviou uma mensagem de correio electrónico para o endereço da Autora, ..., que a Autora recebeu, no qual identificou como assunto “sin: ......50 mat: QE-..-..”, com os seguintes dizeres:
“Boa tarde.
Solicitamos contacto para marcação de peritagem referente a viatura referida em assunto.
Obrigado
CC
Linha de Sinistros Tranquilidade ...
Tel: 707 24 07 07 8h30/20h - dias úteis Assistência 24h - 7 dias/semana Fax: (+351) .. ... .. 30 / 33 mailto: ... http://www.tranquilidade.pt”
8) E na mesma data, a Ré enviou à Autora uma carta simples contendo os seguintes dizeres:
“Caro/a senhor/a, Reportamo-nos ao sinistro que oportunamente nos foi comunicado. A informação já disponível sobre o sinistro permite-nos concluir pela responsabilidade do n/ cliente ..-TV-... Por isso, vamos assumir a responsabilidade pelo pagamento dos danos causados no seu veículo, porém até ao momento ainda não foi possível a realização da peritagem. Assim, continuamos a aguardar o v/contacto através dos meios habituais para a realização desta peritagem. Obrigado”
9) Na sequência dessas comunicações, a Autora nada transmitiu à Ré.
10) Em seguida, a Autora, por indicação da empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., contactou a empresa RCR – Consultores, Lda., para proceder à realização da peritagem aos danos verificados no seu veículo.
11) Em 03/12/2018, a Autora colocou em oficina sua, o ligeiro de mercadorias de matrícula QE-87- 47, cuja reparação foi por si concluída em 05/12/2018.
12) Em 12/02/2019, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., enviou um fax à Ré, no qual solicitou a resposta a uma missiva de 27 de Novembro de 2018, a qual nesse acto juntou cópia, esclarecendo que os danos ocasionados no sinistro referido em 3), já tinham sido objecto de perícia e reparação.
13) Nessa comunicação, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., sem indicar a data da peritagem, data da conclusão da reparação e/ou o respectivo custo, afirmou que “oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”
14) Na apontada missiva 27 de Novembro de 2018, junta no momento aludido em 12), a empresa RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., invocando actuar em nome e representação da Autora, reclamou a regularização do referido em 3), com a identificação do evento, intervenientes, descrição da forma de ocorrência do evento, localização dos danos e a solicitação para a quantificação e realização da peritagem aos danos no seu veículo.
15) Indicou ainda que decorridos 3 dias úteis sem notícias da Ré, a empresa RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., tomaria a iniciativa de dar indicações à sua representada para requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo sinistrado.
16) Tomando conhecimento do FAX de 12 de Fevereiro de 2019, a Ré nada disse.
17) Nem nesse FAX nem posteriormente, a empresa RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda. apresentou junto da Ré, poderes de representação conferidos pela Autora.
18) Em 9 de Janeiro de 2020, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda. enviou uma carta à Ré, através da qual reclamou o pagamento do valor de €1.178,50, no prazo máximo de quinze (15) dias, relativos às seguintes parcelas: a) €873,50, relativos à reparação do veículo de matrícula QE-..-..; b) €105,00 (€35,00/dia), referentes a três dias de paralisação do dito veículo; e c) €200,00, relativos aos custos de peritagem suportados pela Autora.
19) Em 15 de Janeiro de 2020, a Ré, sem qualquer outra formalidade ou explicação, enviou directamente à Autora, por meio de correio simples, uma carta/cheque com o descritivo “reparação/perda parcial V/Ref-QE-..-.. ACID 23-11-2018”, no valor de €1.178,50 (mil, cento e setenta e oito euros e cinquenta cêntimos).
20) A Autora apresentou, a 21 de Setembro de 2021, junto do Juízo Local Cível do Tribunal de Comarca de ..., uma notificação judicial avulsa que teve a Ré como destinatária, a qual correu termos no Juiz 4 desse Tribunal, com o n.º de processo 21659/21.0...
21) Nesse acto processual, que veio a ser notificado à Ré em 24/09/2021, a Autora, entre o mais, solicitou o pagamento da quantia de 38.674,03€ (trinta e oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e três cêntimos), por conta da omissão de tomada de posição entre os dias 26.12.2018 e 15.01.2020, acrescido dos juros pedidos e custos associados.
22) Com o envio da carta aludida em 18) a Autora gastou €3,70 (três euros e setenta cêntimos).
23) Com a notificação judicial avulsa a Autora gastou €51,00 (cinquenta e um euros).
10. FACTOS NÃO PROVADOS
a) A missiva referida em 6) foi recebida pela Ré.
b) A Autora recebeu a missiva referida em 8)1
De Direito
11. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
12. Questões objecto do recurso:
a) saber se a sentença é nula, por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, por ter fundamentos em oposição com a decisão;
b) saber se a sentença:
(i) violou o disposto no artigo 5º, n.º 1 do DL12/2021;
(ii) violou o disposto no artigo 40º, n.º 2 do DL 291/2007, por referência ao normativo ínsito no artigo 36º;
(iii)e efetuou uma aplicação incorreta das normas jurídicas relativas ao caso em apreço, de onde decorre o erro de julgamento da matéria de Direito.
13. Nulidades da sentença
Sobre a invocada nulidade da sentença, teve o tribunal recorrido oportunidade de a conhecer, dizendo:
“Estamos em crer que as invocadas nulidades não têm razão de ser. Resulta do art.º 615.º do Código de Processo Civil: “1 - É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; Defende a recorrente, apesar de não recorrer da matéria de facto, que existe uma contradição entre os factos provados, que tornam a decisão nula (nomeadamente, a relação entre os factos provados 7, 8, 9 e 12).
Pois bem, a apontada contradição não parece existir, existindo outrossim um lapso manifesto (logo detectado pela Autora, assim logo se apurando a sua manifesta evidência) em relação ao facto não provado sob a alínea b), pois onde ali se diz “b) A Ré recebeu a missiva referida em 8)”, pretendia dizer-se “b) A Autora recebeu a missiva referida em 8)”, erro material (manifesto) que desde já se supre, ao abrigo do n.º 1 do art.º 614.º do Código de Processo Civil. Com efeito, tanto mais é evidente tal lapso, que o facto 8 diz respeito a uma missiva que a Ré enviou à Autora, donde não pode estar em causa uma missiva enviada para si própria, sendo um claro lapso a rectificar nos termos já enunciados.
Quanto à nulidade propriamente dita, a sua asserção tem por base um pressuposto equivocado que é o de que a Autora nunca recebeu nenhuma comunicação por banda da Ré.
Com efeito, não se provou que a carta de 29 de Novembro de 2018, enviada pela Ré, tenha chegado ao conhecimento da Autora (facto não provado sob a alínea b).
Todavia, provou-se que nessa mesma data, a Ré enviou uma mensagem de correio electrónico para a Autora, que esta recebeu (facto provado 7).
E, provou-se que a tal propósito, a Autora nada transmitiu à Ré, posto que em nenhum momento a Autora comunicou (por decisão recebida pela Ré), o seu contacto para marcação da peritagem, conforme solicitado pela Ré.
Por isso, com o devido respeito, é puro equívoco mesclar realidades e eventos diferentes, como se fossem o mesmo: o facto 12, praticado dois meses e meio depois, diz respeito já a um outro e diferente evento, em que a Autora não trata do agendamento da perícia com a Ré (conforme por esta última solicitado), mas antes lhe dá a saber, pela primeira vez (embora no teor do FAX conste coisa diferente), que já fez as perícias e reparações por sua própria e exclusiva iniciativa.
Numa frase: a comunicação (FAX) de 12/12/2019, que consta do facto provado 12, prova apenas o que lá se diz (que, entre o mais, solicita resposta a uma missiva de 27 de Novembro de 2018), não prova, de maneira nenhuma, o efectivo envio/recepção de tal missiva de 27/11/2018.
E é isso que nos diz o facto provado 14), aparentemente olvidado pela recorrente (a missiva de 27/11/2018 foi junta em 12/02/2019).
Entendemos que assim resulta claro que a decisão não padece do apontado vício de nulidade.”
E tem razão o tribunal recorrido.
E para fundamentar esta posição tanto basta dar aqui por reproduzida a fundamentação acolhida pela 1ª instância.
14. Objecto do recurso para além das nulidades
14.1. No que respeita à possível violação do artigo 5º, n.º 1 do DL 12/2021
Nesta questão, invoca a recorrente que o facto provado n.º8 não podia assim ter sido considerado “no que diz respeito à sua receção pela Autora”, porque não resulta de comunicação electrónica que tenha observado o regime do art.º 5.º do DL.12/2021; enviado e recebido não são coisas iguais; não terá sido realizada prova da recepção pela A.
A recorrida defende que não há qualquer erro de direito e não ocorreu violação do art.º 5.º, n.º1 do DL 12/2021, porquanto:
- o acidente de viação a que se reportam os presentes autos ocorreu no dia 23.11.2018;
- a comunicação eletrónica a que a recorrente se reporta tem data de 29.11.2018;
- O DL 12/2021 foi publicado no dia 09.02.2021 e entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, conforme resulta expressamente do seu artigo 37º, pelo que se conclui que o referido diploma legal não se encontrava em vigor à data da ocorrência do acidente dos autos, nem à data em que a comunicação eletrónica foi enviada.;
- Por essa razão, facilmente se constata que a douta Sentença proferida pelo MM.º Juiz do Tribunal “a quo” jamais poderia aplicar a uma comunicação eletrónica com data de 29.11.2018 o regime jurídico consagrado no DL12/2021, que apenas viria a ser publicado e a vigorar mais de 1 ano depois.
Na sentença a inclusão do ponto 8 dos factos provados foi assim justificado:
“A respeito do conjunto de factos 7) a 9), o Tribunal considerou, para a sua demonstração, o teor do processo interno da Ré, em anexo ao requerimento de 11/01/2024, com especial enfoque para o teor dos doc. 3 e 4 então logo juntos com a contestação. Com efeito, se tudo o quanto acima se disse a respeito da missiva por correio normal então enviada pela Autora à Ré, é agora igualmente válido quanto à missiva enviada pela Ré à Autora (que a última impugna ter recebido), o mesmo não se pode dizer em relação à comunicação e-mail a que alude o facto 7). Efectivamente, trata-se de uma mensagem de correio electrónico (sujeita à livre apreciação do Tribunal), a qual surge datada de 29.11.2018, indicando o envio pela Ré à Autora, para o correio electrónico desta última. Neste âmbito, ainda que a testemunha DD tenha negado que ao seu conhecimento haja chegado aquele e-mail (assim como negou ter chegado ao seu conhecimento a carta por correio normal), a referida testemunha explicou também que habitualmente as seguradoras enviam as comunicações para o endereço da sua entidade empregadora (o referido “...”), sendo que esse endereço de e-mail é gerido, além de si, por várias outras pessoas na estrutura da Autora, em número que não conseguiu precisar. Como é sabido da experiência comum, o registo de envio de e-mails (com data/hora), seja qual for o servidor, só acontece quando o mesmo é efectivamente enviado, donde resulta a convicção segura de que o mesmo foi efectivamente enviado pela Ré à Autora. Por outro lado, o seu envio ocorreu, precisamente, para o endereço correcto da Autora e, ademais, ainda que a testemunha DD tenha sustentado que ao seu conhecimento não tinha chegado tal e-mail, uma coisa é o seu conhecimento (eventualmente impreparado, tando mais que iniciou o seu depoimento reportando-se a um outro diferente caso em que a Autora também terá tomado parte), outra bem diferente é a possibilidade da Autora tomar conhecimento daquela comunicação. A Ré demonstrou a comunicação que fez e que a mesma ocorreu para um dos canais de recepção da Autora. Se na estrutura empresarial/organizativa da Autora são várias as pessoas que acedem ao correio e que após lhe dão, ou não, seguimento, é assunto que a Ré não pode controlar por logicamente ser alheia. Sabemos que basta qualquer utilizador “clicar” no e-mail para o mesmo passar ao estado de “lido”, com o que outros dos utilizadores do mesmo endereço certamente tomarão por encaminhada a questão para o lugar apropriado, o que até poderá ter ocorrido no caso. Não chega, sequer, a ter lugar a regra de que se considera eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (n.º 2 do art.º 224.º do CCiv.), posto que o destinatário não era a testemunha DD, mas a Autora, entidade esta detentora do endereço de e-mail para o qual foi enviada e recebida a dita comunicação, a qual não veio a ter qualquer seguimento, pretensamente por não haver sido recebida. Por fim, a testemunha EE, que explicou os procedimentos relativos às comunicações, deu conta de que tanto quanto teve oportunidade de avaliar desse processo, os gatilhos informáticos (ou «triggers» na expressão da testemunha) relativos ao procedimento adoptado para a comunicação com a Autora (embora não só relativo ao e-mail, mas também a missiva postal), estavam todos accionados, tudo indicando o envio efectivo das comunicações, formando-se então a convicção segura do Tribunal a este respeito.
Ainda a este propósito, o doc. 12 junto pela Autora (no requerimento de 09/01/2024), não corresponde a mais que um documento produzido pela própria Autora (ou sua representante), no qual fazem um apontamento das diligências que sustentam ter feito, dele não se podendo inferir a efectiva realização (ou não) de tais diligências.”
Conhecendo:
A invocação de violação do disposto no art.º 5º do DL 12/2021 é manifestamente improcedente.
Diz esta disposição:
Artigo 5.º Comunicação de documentos electrónicos |
1 - O documento eletrónico comunicado por um meio de comunicação eletrónica considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido. 2 - São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da receção de um documento eletrónico que contenha uma validação cronológica emitida por um prestador qualificado de serviços de confiança. 3 - A comunicação do documento eletrónico ao qual seja aposta assinatura eletrónica qualificada ou selo eletrónico qualificado, por meios de comunicação eletrónica que assegure a efetiva receção, equivale à remessa por via postal registada e, se a receção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção. 4 - A comunicação de dados e documentos com recurso a serviços qualificados de envio registado eletrónico, nos termos definidos nos artigos 43.º e 44.º do Regulamento, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção. |
Contudo, esta norma não seria aplicável à comunicação electrónica em causa, por não se encontrar em vigor na data do seu envio, conforme resulta do
Artigo 37.º Entrada em vigor |
O presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após sua publicação, exceto o artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 35.º, os quais entram em vigor no dia seguinte ao da publicação do presente decreto-lei. |
Mas a ser aplicável, o documento em causa – integrar-se-ia na categoria de documento electrónico – art.º 3º, n.1 e, por força do n.º10 desta mesma norma, teria o seu valor probatório apreciado nos termos gerais de direito.
Artigo 3.º Forma e força probatória | ||
1 - O documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita. 2 - A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa; b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico; c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada. 3 - A assinatura eletrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta. 4 - A aposição de assinatura eletrónica qualificada que conste de certificado que esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição, ou não respeite as condições dele constantes, equivale à falta de assinatura, sendo o documento apreciado nos termos do n.º 10. 5 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico com o conteúdo referido no n.º 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na sua redação atual. 6 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual. 7 - A aposição de um selo eletrónico qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Regulamento, a origem e a integridade do documento eletrónico. 8 - A aposição de um selo temporal qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do Regulamento, a exatidão da data e hora por ele indicados e a integridade do documento eletrónico. 9 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de identificação eletrónica, de comprovação da integridade, de correção da origem dos dados ou ainda de atestação temporal de documentos eletrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura eletrónica, desde que tal meio seja adotado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento. 10 - Salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito. 11 - As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas eletrónicas ou dos selos eletrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos. |
A solução não seria distinta se fosse aplicável o regime que estava em vigor na data do envio da mensagem: Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, cujo Artigo 3.º dispunha
Forma e força probatória
1 - O documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita.
2 - Quando lhe seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos neste diploma, o documento electrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
3 - Quando lhe seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos neste diploma, o documento electrónico cujo conteúdo não seja susceptível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal.
4 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos electrónicos, incluindo a assinatura electrónica não conforme com os requisitos do presente diploma, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.
5 - O valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos neste diploma é apreciado nos termos gerais de direito.
E isso mesmo foi afirmado pelo tribunal ao dar como provado – na sua livre convicção – o envio e recepção do email, com apelo a presunções jurídicas de normalidade – 350.º do CC.
Nada a apontar, portanto, ao modo como a lei foi aplicada na determinação do facto 8 como provado.
14.2. No que respeita à possível violação do artigo 40º, n.º 2 do DL 291/2007:
Nesta questão, invoca a recorrente que, “Em momento algum, ao contrário do silogismo judiciário vertido pelo Tribunal Recorrido, ter ou não a direção efetiva da reparação suspende a aplicação do prazo previsto na alínea e) do número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007.”
Consequentemente, conclui que “o erro de julgamento do Tribunal Recorrido na interpretação de que a ausência de direção efetiva do veículo suspende a contagem dos prazos previstos na alínea e) do número 1 e na alínea a) do número 6 do artigo 36º Decreto-Lei 291/2007.”.
A recorrida defende que não há qualquer erro de direito e não ocorreu violação do disposto no artigo 40º, n.º 2 do DL 291/2007, por referência ao normativo ínsito no artigo 36º, pois:
- No artigo 36.º, o legislador estabeleceu os deveres que o Segurador deve observar em caso de ocorrência de um sinistro, em termos de agilizar a sua regularização, desde os contactos que estabelece com o lesado/tomador, peritagens, assunção da responsabilidade;
- No artigo 38.º, estabeleceu o que se entende por proposta razoável e quando a mesma se tem por apresentada em tempo, bem assim como as consequências de não serem cumpridos os prazos ou os valores que devem integrar a referida proposta razoável.
- Estas normas contêm regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel;
- Entre tais procedimentos conta-se o de levar a cabo diligências com vista ao apuramento dos danos emergentes do acidente e da responsabilidade pela respetiva ocorrência e o de no caso de o Segurador assumir a responsabilidade, apresentar uma proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte;
- No caso vertente, a Revidida tomou conhecimento do sinistro no dia 27.11.2018 [facto provado 5], enviou à Revidente no 2.º dia útil subsequente [5.ª feira, 29.11.2018], uma mensagem de correio electrónico para o endereço da Revidente, no qual identificou como assunto “sin: ......50 mat: QE-..-..”, solicitando o contacto para marcação de peritagem referente à viatura referida em assunto [facto provado 7];
- Qualquer pessoa destinatária de tal mensagem, que conte com o mínimo de diligência e boa fé (art.º 236.º ex vi 295.º do CCiv.), sabe então que a seguradora Ré se reporta ao sinistro de 23 de Novembro de 2018, em que foi interveniente o veículo com a matrícula QE-..-.., propriedade da Autora;
- Tal mensagem transmite a inegável intenção do segurador efectuar a peritagem ao veículo de modo a permitir-lhe inteirar-se da situação e prejuízos a que se reporta tal sinistro;
- Pois bem, perante tal, a Autora remeteu-se ao silêncio. Não adianta dizer que não sabia a que sinistro se reportava tal mensagem, pois se dúvidas tivesse quanto ao seu veículo acidentado e que estava nas suas oficinas, o mínimo que a boa fé impõe é que procurasse saber então se não era o sinistro de 23/11/2018, então que sinistro seria com aquela mesma viatura, ao invés de se resguardar na falta de colaboração, por via da passividade, inércia, ou atitude contempladora;
- A due deligence dos seguradores, quer na averiguação da existência do sinistro, quer na quantificação e reparação dos danos, é a de observância de padrões éticos de um segurador normalmente diligente e previdente, em face das circunstâncias do caso está adstrito (arts. 762.º n.º 2 e 487.º n.º 2 “ex vi” art.º 799.º n.º 2 do CCiv.). Os seguradores não podem obrigar os lesados a exibir os bens de sua propriedade para que neles sejam efectuadas perícias. Nem os lesados são obrigados a suportar as reparações nos seus bens, se não as quiserem. Daí que se perante uma comunicação para ser efectuada a marcação da peritagem a Autora nada diz, não competia à Ré tentar combater a indiferença da Autora, nomeadamente, persistindo em outras ou novas insistências para realização da peritagem;
- É por isso que uma vez feita aquela primeira comunicação, os prazos para serem feitas as peritagens, só começam a contar ou quando a seguradora tenha a direcção efectiva da reparação, o que acontece “quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado”, como resulta do n.º 3 do art.º 36.º do SORCA), ou não havendo direcção efectiva, “a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo” (n.º 2 do art.º 36.º do SORCA);
- Por isso, a Ré fez o que a lei impõe, não se vendo ausência da diligência que a Autora aponta.”.
- In casu, à semelhança do que sucede noutros processos judiciais intentados pela Recorrente, verifica-se o seguinte:
1. A Recorrente envia uma missiva em 27.11.2018, na qual concede à Ré o prazo de três (3) dias úteis para agendar a peritagem ao veículo em causa nas suas instalações.
2. Não se provou que a Ré tivesse recebido tal missiva.
3. Mas mesmo que se provasse o envio e receção dessa missiva, quando se concluiu o prazo concedido pela Recorrente, já o veículo tinha sido reparado, pois o terceiro dia útil concedido ocorreria a 05.12.2018 [dia 01.12.2018 foi Sábado], dia em que, afinal, a reparação já tinha sido concluída.
- In casu, a Revidida procedeu no prazo legal ao contacto com a Revidente solicitando contacto para marcação da peritagem. Tanto bastaria, em condições de normal actuação de acordo com os ditames da boa-fé, para que a Revidente atentasse nessa mensagem e retribuísse esse contacto, o que não fez;
- De quanto antecede verifica-se que, para o cumprimento da obrigação legalmente imposta à Revidida quanto à marcação de peritagem, a qual importa cooperação recíproca, a Revidente não agiu em harmonia com os ditames da boa-fé, obstando ao cabal cumprimento pela Revidida da obrigação e prazo legais que o artigo 36º, n.º 1 al. a) DL291/2007, 21.08 lhe impunha, não podendo, por conseguinte, a Revidente extrair quaisquer benefícios dessa circunstância;
- Por outro lado, professa ainda a Revidente que a Revidida não cumpriu o prazo legal previsto para a conclusão da peritagem, pois entende que a mesma deveria ter sido concluída até ao final do dia 17.12.2018, isto é nos 8 dias úteis seguintes ao prazo de 2 dias úteis estabelecido na al. a) do artigo 36º, fazendo claro apelo à aplicação do disposto no artigo 36º, n.º 1 al. b);
- Sucede que, ao caso não é aplicável o disposto no artigo 36º, n.º 1 al. b) porquanto, atento o disposto no artigo 36º, n.º 3, a Revidida não tinha a direção efectiva da reparação, razão pela qual o prazo dos 8 dias úteis para conclusão da peritagem contar-se-ia a partir do dia de disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo [cfr. artigo 36º, n.º 2], pressupostos que jamais se verificaram por causas exclusivamente imputáveis à Revidente, a qual, mesmo na perspetiva defendida na douta Petição Inicial, de que a peritagem deveria ser concluída pela Revidida até 17.12.2018, impossibilitou-a definitivamente do cumprimento dessa obrigação, a qual, como referido, se encontra constituída no interesse de ambas as partes;
Efetivamente, quando ainda corria o prazo, que a própria Revidente defendeu na ação, de que a Revidida disporia para efetuar a peritagem, a Revidente não só peritou a sua viatura, como procedeu à sua reparação em oficina afeta à sua actividade: no dia 03.12.2018 a Revidente mandou realizar peritagem aos danos no seu veículo em oficina afeta à própria e a reparação do veículo foi realizada na mesma oficina, encontrando-se completamente reparado desde o dia 05.12.2018;
- Em vista de quanto antecede e à luz do critério de «diligência e prontidão da empresa de seguros» que o legislador consagrou, não se pode falar de qualquer violação do dever de diligência por parte da Revidida.
O que se disse na sentença?
“Também ao nível dos deveres de prontidão das respostas, o “SORCA” impõe um dever de diligência particularmente exigente: participado o sinistro pelo beneficiário ou por terceiro (art.º 34.º n.º 3 do SORCA), o legislador impõe prazos curtos: o segurador deve agendar as peritagens em 2 dias úteis e providenciar pela apresentação das conclusões respectivas nos 8 dias seguintes, podendo chegar aos 12 dias em casos especiais (art.º 36.º n.º 1 al. a), b) e c) do SORCA), devendo esses relatórios ser comunicados ao beneficiário. O prazo máximo para comunicar a assunção da responsabilidade (ou sua rejeição) é de 30 dias (art.º 36.º n.º 1 al. e) do SORCA). Contudo, excepcionando o prazo para agendamento da peritagem, todos os prazos são reduzidos para metade, havendo declaração amigável de acidente automóvel. Esses prazos podem ser duplicados, todavia, se ocorrido o sinistro em situação particularmente exigente, como a ocorrência de factores climatéricos excepcionais ou a ocorrência de um número de acidentes excepcionalmente elevado em simultâneo (art.º 36.º n.º 6 do SORCA). Portanto, em certos em casos, vinga um dever de instrução e tomada de posição do segurador em 17 dias úteis. O prazo para pagamento não pode exceder 8 dias, contados da data da assunção da responsabilidade (art.º 43.º n.º 1 do SORCA). Bem vistas as coisas, a preocupação de uma correcta caracterização das fases de regularização do sinistro e dos prazos máximos, revela uma preocupação do legislador em promover a prontidão e celeridade na regularização dos sinistros, fazendo associar ao incumprimento desses prazos certas sanções civis, tanto para o beneficiário (que nos termos do art.º 34.º n.º 1 do SORCA e art.º 101.º RJCS pode responder por “perdas e danos”, ou perder mesmo o direito às coberturas, não comunicando ao segurador o sinistro ou não fornecendo todas as indicações e provas documentais e ou testemunhais relevantes de que disponha para a compreensão do caso), como, inovatoriamente, agora também para o segurador, que é penalizado com o vencimento de juros moratórios, sem necessidade de interpelação, ao dobro da taxa legal. Visam-se os casos em que o segurador se atrasa a liquidar o montante já assumido (43.º n.º 3) ou se pronuncia, apresentando uma proposta de indemnização cujo valor, a final e em sede de sentença, se conclui ser manifestamente insuficiente (art.º 38.º n.º 2 e 3, 39.º n.º 2). Pretende-se, com isto, evitar estratégias de procrastinação da regularização do sinistro e de sancionamento de propostas pouco sérias ou de “nivelação por baixo”, que venham a impor o recurso aos tribunais. Além desta solução com vista a constranger os seguradores a absterem-se de práticas “inaceitáveis”, o legislador nacional criou uma sanção pecuniária compulsória10 diária de 200 (duzentos) euros, a repartir igualitariamente entre o beneficiário e a ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), como resulta do n.º 2 do art.º 40.º do SORCA. Por via desta norma, pretende-se punir os atrasos na emissão de pronúncia fundamentada quanto ao sinistro (de assunção ou não da responsabilidade) ou decisões de simples (e desajustado) descarte de responsabilidade. Parece-nos óbvio, aliás, nesta matéria, que os referidos €200 por cada dia de atraso não podem ser pedidos pelo beneficiário na sua totalidade, mesmo em favor da ASF (que não é parte da causa), apenas podendo exigir €100 diários.11 Dito isto, o primeiro pressuposto essencial para verificar do cumprimento (ou não), é o de saber se o segurador a quem o sinistro foi participado, procedeu, “ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar” (art.º 36.º n.º 1 al. a) do SORCA). A resposta é afirmativa: a Ré, que tomou conhecimento do sinistro no dia 27/11/2018 (facto 5), enviou à Ré, no 2.º dia útil subsequente (5.ª feira, 29.11.2018), uma mensagem de correio electrónico para o endereço da Autora, no qual identificou como assunto “sin: 12234550 mat: QE-..-..”, solicitando o contacto para marcação de peritagem referente a viatura referida em assunto (facto 7). O correio electrónico é uma das formas legalmente previstas para os seguradores encetarem contactos com os seus segurados ou com terceiros (art.º 46.º do SORCA). A viatura referida em assunto é a quem por matricula QE-..-.., correspondendo à viatura sinistrada (factos 1 a 3). Qualquer pessoa destinatária de tal mensagem, que conte com o mínimo de diligência e boa fé (art.º 236.º ex vi 295.º do CCiv.), sabe então que a seguradora Ré se reporta ao sinistro de 23 de Novembro de 2018, em que foi interveniente o veículo com a matrícula QE-..-.., propriedade da Autora. Tal mensagem transmite a inegável intenção do segurador efectuar a peritagem ao veículo de modo a permitir-lhe inteirar-se da situação e prejuízos a que se reporta tal sinistro. Pois bem, perante tal, a Autora remeteu-se ao silêncio. Não adianta dizer que não sabia a que sinistro se reportava tal mensagem, pois se duvidas tivesse quanto ao seu veículo acidentado e que estava nas suas oficinas, o mínimo que a boa fé impõe é que procurasse saber então se não era o sinistro de 23/11/2018, então que sinistro seria com aquela mesma viatura, ao invés de se resguardar na falta de colaboração, por via da passividade, inércia, ou atitude contempladora. A due deligence dos seguradores, quer na averiguação da existência do sinistro, quer na quantificação e reparação dos danos, é a de observância de padrões éticos de um segurador normalmente diligente e previdente, em face das circunstâncias do caso está adstrito (arts. 762.º n.º 2 e 487.º n.º 2 “ex vi” art.º 799.º n.º 2 do CCiv.). Os seguradores não podem obrigar os lesados a exibir os bens de sua propriedade para que neles sejam efectuadas perícias. Nem os lesados são obrigados a suportar as reparações nos seus bens, se não as quiserem. Daí que se perante uma comunicação para ser efectuada a marcação da peritagem a Autora nada diz, não competia à Ré tentar combater a indiferença da Autora, nomeadamente, persistindo em outras ou novas insistências para realização da peritagem. É por isso que uma vez feita aquela primeira comunicação, os prazos para serem feitas as peritagens, só começam a contar ou quando a seguradora tenha a direcção efectiva da reparação, o que acontece “quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado”, como resulta do n.º 3 do art.º 36.º do SORCA), ou não havendo direcção efectiva, “a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo” (n.º 2 do art.º 36.º do SORCA). Por isso, a Ré fez o que a lei impõe, não se vendo ausência da diligência que a Autora aponta.”
Analisando.
As disposições legais relevantes são as seguintes:
Artigo 36.º Diligência e prontidão da empresa de seguros |
1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve: a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior; c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a); d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão; e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico; f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento. 2 - Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo. 3 - Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado. 4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro. 5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas. 6 - Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1: a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel; b) Duplicam aquando da ocorrência de factores climatéricos excepcionais ou da ocorrência de um número de acidentes excepcionalmente elevado em simultâneo. 7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a empresa de seguros deve proporcionar ao tomador do seguro ou ao segurado e ao terceiro lesado informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro. 8 - Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.
|
Artigo 38.º Proposta razoável |
1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo. 3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial. 4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado. |
Artigo 40.º |
1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos: a) A responsabilidade tenha sido rejeitada; b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada; c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis. 2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso. |
artigos 36º nº1 alínea a) e e), nº2 e 40º, nº2 do Decreto-Lei 291/2007
Cremos que o tribunal interpretou a lei com o sentido que a mesma impõe, decorrente do espírito do sistema instituído: não patrocinar manobras dilatórias da seguradora quando accionado um seguro no qual possa vir a ser responsável.
Por isso o tribunal explicou o que a seguradora estava obrigada a fazer.
E conferiu se os factos provados permitiam afirmar que a seguradora tinha actuado em conformidade com essas obrigações.
O tribunal concluiu que sim.
Concorda-se com a aplicação do direito realizada aos factos aprovados.
E também com a defesa da Ré quando disse:
- No artigo 36.º, o legislador estabeleceu os deveres que o Segurador deve observar em caso de ocorrência de um sinistro, em termos de agilizar a sua regularização, desde os contactos que estabelece com o lesado/tomador, peritagens, assunção da responsabilidade;
- No artigo 38.º, estabeleceu o que se entende por proposta razoável e quando a mesma se tem por apresentada em tempo, bem assim como as consequências de não serem cumpridos os prazos ou os valores que devem integrar a referida proposta razoável.
- Estas normas contêm regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel;
- Entre tais procedimentos conta-se o de levar a cabo diligências com vista ao apuramento dos danos emergentes do acidente e da responsabilidade pela respetiva ocorrência e o de no caso de o Segurador assumir a responsabilidade, apresentar uma proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte;
- No caso vertente, a Revidida tomou conhecimento do sinistro no dia 27.11.2018 [facto provado 5], enviou à Revidente no 2.º dia útil subsequente [5.ª feira, 29.11.2018], uma mensagem de correio electrónico para o endereço da Revidente, no qual identificou como assunto “sin: ......50 mat: QE-..-..”, solicitando o contacto para marcação de peritagem referente à viatura referida em assunto [facto provado 7];
- Qualquer pessoa destinatária de tal mensagem, que conte com o mínimo de diligência e boa fé (art.º 236.º ex vi 295.º do CCiv.), sabe então que a seguradora Ré se reporta ao sinistro de 23 de Novembro de 2018, em que foi interveniente o veículo com a matrícula QE-..-.., propriedade da Autora;
- Tal mensagem transmite a inegável intenção do segurador efectuar a peritagem ao veículo de modo a permitir-lhe inteirar-se da situação e prejuízos a que se reporta tal sinistro;
- Pois bem, perante tal, a Autora remeteu-se ao silêncio.
Tendo a Ré solicitado a comunicação da A. para agendar a peritagem – que é realmente o que se deduz do contacto da Ré com a A- – e não tendo esta respondido, a impossibilidade de realizar a peritagem dentro do prazo legalmente definido deixa de poder ser assacada à Ré.
A Ré observou o prazo legal de contacto com a A. para efeito de marcação da peritagem.
Não é, por isso, relevante aqui, nem o foi na decisão judicial, o facto de a Ré não ter à sua disposição a viatura objecto da peritagem.
O que se identifica na sentença é claramente a dicotomia entre o prazo para marcar a peritagem e o prazo para a concluir e só relativamente a este último foi tido por relevante a falta de direcção efectiva da Ré.
E, por isso, tem sentido dizer que a concretização da obrigação de realizar a peritagem em prazo curto só pode significar que o veículo tenha sido colocado à disposição da Ré para que esta realize a peritagem – caso em que terá de observar o prazo legal.
Se o veículo não é disponibilizado, não se pode dizer que o prazo de peritagem está em curso ou se esgotou, nem que houve incumprimento do mesmo pela Ré.
Improcede a questão.
14.3. No que se reporta à terceira questão objecto do recurso
Sustenta a recorrente que, no caso em apreço, a douta Sentença viola o disposto no artigo 40º, n.º 2 DL 291/2007,21.08, o qual dispõe que “Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38º e 39º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de € 200 por cada dia de atraso.”.
Diz a recorrida:
- Os artigos 38º e 39º do citado diploma legal reportam-se à obrigação da empresa de seguros apresentar ao lesado uma proposta razoável de indemnização.
- Sabendo-se que:
1. o acidente foi participado no dia 27.11.2018;
2. a Revidida enviou mensagem de correio eletrónico à Revidente no dia 29.11.2018 solicitando contacto para marcação de peritagem;
3. a Revidida não respondeu a essa mensagem;
4. a Revidida colocou o veículo na oficina afeta à própria atividade no dia 03.12.2018; 5. o veículo ficou totalmente reparado em 05.12.2018;
6. em 12.02.2019, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda. enviou um fax à Revidida;
7. nessa comunicação, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., sem indicar a data da peritagem, data da conclusão da reparação e/ou o respectivo custo, afirmou que “oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”;
8. em 9 de Janeiro de 2020, a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda. enviou uma carta à Revidida, através da qual reclamou o pagamento do valor de €1.178,50, relativos às seguintes parcelas:
a) €873,50, relativos à reparação do veículo de matrícula QE-..-..;
b) €105,00 (€35,00/dia), referentes a três dias de paralisação do dito veículo;
c) €200,00, relativos aos custos de peritagem suportados pela Autora;
9. em 15 de Janeiro de 2020, a Revidida, sem qualquer outra formalidade ou explicação, enviou directamente à Autora, por meio de correio simples, uma carta/cheque com o descritivo “reparação/perda parcial V/Ref-QE-..-.. ACID 23-11-2018”, no valor de €1.178,50 (mil, cento e setenta e oito euros e cinquenta cêntimos.
- Impõe-se perguntar como é que a Revidida, impossibilitada pela Revidente de realizar a peritagem ao veículo, poderia apresentar uma proposta razoável de indemnização? Com base em que pressupostos?
- Apenas em 09.01.2020, a Revidente, através da empresa RSR, quantificou junto da Revidida os prejuízos decorrentes do acidente ocorrido em 23.11.2018, tendo a Revidida, em resposta e logo no dia 15.01.2020, enviado à Revidente uma carta/cheque destinada ao pagamento dos danos reclamados.
- Em face do exposto, a Revidida não violou os deveres de regularização do sinistro tal como definidos no DL 291/2007, 21.08.
- Pelo contrário, tem sido a Revidida, supostamente a primeira interessada na rápida regularização dos sinistros, quem sistematicamente inviabiliza a marcação das peritagens e a sua realização pela Revidida, com o impacto que isso traz naquela regularização, promove a peritagem dos seus próprios veículos, repara-os em oficina própria e, posteriormente, imputa à Revidida a violação dos prazos de regularização de sinistros automóveis estabelecidos no DL 291/2007.
Na sentença foi dito:
“Com efeito, o primeiro contacto ou reposta da Autora à comunicação da Ré de 29.11.2018, surge com um fax de 12.02.2019, através do qual a empresa RSR, Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., solicitou a resposta à uma missiva de 27 de Novembro de 2018 (que a Ré não tinha tomado conhecimento), que nesse acto juntou cópia, esclarecendo que os danos ocasionados no sinistro já tinham sido objecto de perícia e reparação, não indicando nem a data da peritagem, a data da conclusão da reparação e/ou o respectivo custo, concluindo com o lacónico “oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.” Uma vez mais nos interrogamos: que resposta poderia a Ré dar à Autora, se a última relega para momento ulterior a quantificação dos prejuízos, como que ainda a ser objecto de apuramento? Pois bem, no Acórdão do STJ de 08-02-2024, em que a Autora também foi parte (e que, portanto, tão bem conhece), esta questão já foi abordada (ainda que lateralmente, pois o seu cerne veio a ser decidido no aresto do Tribunal da Relação), no qual a então seguradora só veio a saber da realização da peritagem já depois da reparação feita (também ali, com uma missiva prévia da Autora, que seguiu por correio normal, mas que não chegou ao seu destino). Como se lê nas transcrições do Acórdão do Tribunal da Relação, feitas no referido Acórdão do Tribunal de cúpula “só em 16/05/2018, através da sua representante “R..., Lda.”, veio solicitar resposta à sua reclamação de 25/01/2018, que foi a comunicação do acidente, e informar que “dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procedemos à sua reparação. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.” (cf. facto aditado sob o n.º 5-A). Com esta comunicação é que a R. ficou a saber que já tinha sido feita a peritagem ao veículo, que até já estava reparado desde 06/02/2018 – o que impedia que a R. fizesse a peritagem –, e que a A. lhe enviará a quantificação dos prejuízos sofridos, daí que se compreenda que a R. tenha ficado a aguardar essa informação para apresentar uma proposta de indemnização, informação esta que só veio a ser prestada pela A. em 17 de Janeiro de 2020, quando pediu a indemnização total de € 3.715,05. Ora, não só a A. já sabia quais os danos sofridos pelo veículo acidentado desde, pelo menos, 06/02/2018, data em que foi apresentado o relatório de peritagem, como pela sua comunicação de 16/05/2018, fazendo tábua rasa da comunicação anterior da R. a comunicar a assunção da responsabilidade pelo sinistro, dá a entender à R. que deve aguardar que lhe comunique a quantificação dos prejuízos sofridos, o que só veio a fazer em 17/01/2020. Em suma, não só se considera, pelas razões supra referidas, que está justificado o atraso na assunção da responsabilidade pelo acidente, comunicada em 15/03/2018, como também está justificada a não apresentação da proposta de indemnização, não havendo por conseguinte lugar à aplicação das sanções previstas no n.º 2 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 291/2007. Conclusão esta que se alcançaria também por via do abuso de direito, como invocou a R. na contestação.”
Tais exactas considerações, com as devidas adaptações das datas, são absolutamente transponíveis ao nosso caso: só em 09/02/2019, através da sua representada, RSR, Lda., veio a Autora a dar resposta à comunicação da Ré de 29/11/2018, que foi a comunicação do acidente, e informar que dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitaram a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procederam à sua reparação, com a seguinte conclusão: “Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.” Com esta comunicação é que a Ré ficou a saber que já tinha sido feita a peritagem ao veículo, que até já estava reparado desde 05/12/2018 – o que impedia que a Ré fizesse a peritagem –, e que a Autora lhe enviará a quantificação dos prejuízos sofridos, daí que se compreenda que a Ré tenha ficado a aguardar essa informação para apresentar uma proposta de indemnização, informação esta que só veio a ser prestada pela Autora em 9 de Janeiro de 2020, quando pediu a indemnização total de €1.178,50. Ora, não só a Autora já sabia quais os danos sofridos pelo veículo acidentado desde, pelo menos, 05/12/2018 (já que a reparação foi feita e quantificada nas suas próprias oficinas), data em que foi apresentado o relatório de peritagem, como pela sua comunicação de 12/02/2019, fazendo tábua rasa da comunicação anterior da Ré, dá a entender à Ré que deve aguardar que lhe comunique a quantificação dos prejuízos sofridos, o que só veio a fazer em 09/01/2020. Que adianta afirmar que a factura da perícia, contrariando a obrigação legal de ser emitida até ao 5.º dia útil subsequente ao da prestação do serviço (cf. art.º 36.º do CIVA), só foi emitida mais tarde, se em relação aos danos do veículo (afinal, o cerne da razão de activação dos serviços da Ré), já eram conhecidos e tais elementos não foram transmitidos? Em suma, não só se considera, pelas razões supra referidas, que não há qualquer atraso na assunção da responsabilidade pelo acidente, como está justificada a não apresentação da proposta de indemnização, não havendo por conseguinte lugar à aplicação das sanções previstas no n.º 2 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 291/2007. Por outras palavras: não existe atraso algum que seja da responsabilidade da Ré, visto que se por um lado e por responsabilidade da Autora, foi arredada da possibilidade de executar qualquer perícia no veículo (perturbando-se, dessa forma, o mecanismo de célere regularização do sinistro previsto no capítulo III do SORCA), por outro lado, na primeira oportunidade que teve para ressarcir a Autora (quando a Autora lhe decidiu comunicar a quantificação do valor dos danos), procedeu ao pagamento dentro dos oito dias úteis a que se reporta o n.º 1 do art.º 43.º do SORCA, sendo o pagamento do exacto montante peticionado a mais clara das declarações de assunção da responsabilidade. Não existe, deste modo, fundamento para a acção, já que não havendo qualquer atraso na regularização do sinistro, ficamos impedidos de apreciar a bondade, um por um, dos invocados danos/sanções que a Autora fundamentava como causa de pedir da acção, dado que todos eles (a sanção punitiva, os juros e os custos incorridos com as interpelações), dependiam do facto ilício que não se logra verificar na presente causa.”
Analisando.
O que se compreende da posição do recorrente é que o mesmo entende que a assunção de responsabilidade pela Ré tem sempre de ser realizada no prazo disposto na al. e) do n.º1 do art.º 36.º
1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:
…..
e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;
o que envolveria a conjugação desse prazo com a alínea a) do n.1
a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;
E não sendo respeitado este prazo, seria aplicável a consequência dos art.ºs 38.º e 40.º
Artigo 38.º Proposta razoável |
1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo. |
A posição do recorrente seria justificada em situações de normalidade em que o não cumprimento das obrigações referidas no art.º 38.º pudessem ser imputadas à Seguradora e só a ela.
Ora, in casu, a situação é diversa – se a Ré não apresentou a proposta razoável no prazo a que se reporta o art.º 38.º é porque a A. não permitiu que o cumprimento desses prazos fossem realizados, devido ao seu comportamento com a não resposta ao pedido de contacto para marcação da peritagem e com as atitudes posteriores, que vem provadas: avançou com a peritagem e reparação por sua conta e risco.
Neste sentido, está justificada a orientação seguida no acórdão recorrido que, aliás, se louva no acórdão deste STJ em que a actual relatora havia sido igualmente a relatora e onde o mesmo problema se havia colocado.
Não havendo nenhum motivo para o STJ alterar a sua posição, entende-se que o não cumprimento dos prazos de apresentar a proposta razoável se encontra justificado pelo comportamento da A. – por si e por via da empresa que contratou para realizar a peritagem e reparação do veículo – não havendo lugar à penalização decorrente da lei, prevista para as situações em que é a Seguradora a única responsável pelo incumprimento dos deveres impostos na lei.
Assim, a questão suscitada, improcede.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados, é negada a revista e confirmada a sentença.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Setembro de 2024
Relatora: Fátima Gomes
1ª adjunta: Maria de Deus Correia
2º adjunto: António Barateiro Martins
______
1. Rectificação de lapso material realizada por despacho de admissão de recurso e conhecimento de nulidades invocads.