Logótipo STJ
Jurisprudência
Sumário


I - Se o medicamento estava, pelo Infarmed, indicado para determinada patologia, se era essa indicação que determinava a comparticipação e sua percentagem por parte do SNS, se nenhum dos doentes a quem foi prescrito através do formulário do SNS dela padecia, logo a prescrição não podia dar direito a comparticipação.

II - A astúcia do arguido consistiu em exteriorizar a sugestão, de forma absoluta e indesmentivelmente, concludente, no meio em que desenvolve a sua actividade profissional, por via do uso por si feito daquele modelo, nos termos em que o fez, de que o/a utente reunia critério para a comparticipação.

III - Esta actuação do arguido causou um benefício para os utentes, que pretendia, correspondente aos montantes que foram indevidamente dispensados de pagar de cada vez que aviavam uma receita e um inerente e consequente prejuízo equivalente para o Estado, que se viu forçado a reembolsar, indevidamente, esse montante às farmácias.

Decisão Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Efectuado o julgamento no âmbito do processo comum colectivo 1964/17.0... do Juízo Central Criminal de..., Juiz ..., foi proferido acórdão em 1.2.2024 que absolveu o Arguido AA da prática, que lhe vinha imputada em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada (agravada), previsto pelos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) CPenal.

2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que o acórdão enfermava do vício de contradição insanável da fundamentação e padecia do vício de erro notório na apreciação da prova, que a prova produzida em sede de audiência de julgamento e constante dos autos não foi corretamente ponderada e valorada, verificando-se erro de julgamento e ainda discordando do enquadramento jurídico-penal efectuado, pugnando pela sua revogação e condenação do AA pela prática do ilícito supra enunciado.

Por acórdão de 6.2.2025, decidiu-se:

“3.1 Determinar, nos termos previstos pelos artigos 410.º/2 alíneas b) e c), 426.º/1, 428.º e 431.º/1 alínea a) CPPenal, a seguinte reformulação na descrição dos factos provados e não provados:

3.1.1 Aditar à matéria de facto provada os seguintes factos (que se retiram dos não provados):

«38-A: O SNS (ARS) só comparticipa o medicamento quando receitado a doentes com diabetes tipo 2 obesos, sendo considerado obeso quem tiver um índice de massa corporal igual ou superior a 35 kg/m2. (fls. 22)»

253-A: AA, pelas suas prescrições de Liraglutido, levou a que os técnicos do SNS ficcionassem que os pacientes identificados nas receitas eram diabéticos e, sujeitos a tal ficção, determinassem o pagamento injustificado, pelo Ministério da Saúde – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, com sede em Av. dos Estados Unidos da América 77, Lisboa, de um total de € 98.057,70, sendo € 99,45 por receita, o valor da comparticipação, com benefício económico proporcional dos pacientes.

253-B: Consequentemente, uma receita (emitida nos termos indicados em 7) de Liraglutido determina o SNS (ARS) a assumir que o destinatário da prescrição seja obeso com diabetes mellitus de tipo 2.

256-A: AA bem sabia que só os obesos com diabetes mellitus tipo 2 podiam ter acesso à comparticipação, pelo SNS, do fármaco VICTOZA, que a prescrição de um médico faz fé pública, nomeadamente de que o destinatário tenha o quadro clínico constante das indicações do fabricante e do SNS e que o valor das comparticipações a suportar pelo Ministério da Saúde corresponderia a valores próximos da centena de milhar de euros.

256-B: Não obstante, AA quis emitir prescrições de LIRAGLUTIDO com indiferença pelo preenchimento dos pressupostos, querendo gerar, nos técnicos do Ministério da Saúde - ARS, a convicção de os mesmos serem obesos diabéticos e, assim, levá-los a assumir um custo de 90% do fármaco, num somatório de €98.057,70, que caberia aos seus clientes, o que tudo conseguiu.

256-C: Sempre e em tudo, AA, que é médico, agiu livremente e com consciência de que as suas condutas eram gravemente reprováveis e legalmente proibidas.

3.1.2 Reformular a redação do ponto (A) dos factos não provados, ficando o mesmo com o seguinte teor:

(A) «Que o facto referido em 38º-A se explica em função do elevado preço do medicamento»

3.2 Julgar no mais procedente o recurso, condenando o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, prevista pelos artigos 217º, nº 1, 218º, nº 2, alínea a) e 202º, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, suspensa na sua execução por igual período”.

3. Inconformado, agora, recorre o arguido para este Supremo Tribunal, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1. Da violação do artigo 410.º/2 alínea b) CPPenal ou da inexistência de contradição insanável:

2. Ao contrário do que consta do Acórdão da Relação, a 1.ª instância decidiu bem ao dar como não provado os factos identificados como 1 e 3 do elenco de factos não provados.

3. Com efeito, não ficou demonstrado que a administração do Liraglutido fosse restringida aos obesos com diabetes mellitus de tipo 2, com exclusão dos obesos com diabetes mellitus de tipo 1 e dos obesos não diabéticos – ponto 3 dos factos não provados;

4. Os Venerandos Desembargadores não compreenderam a nuance que foi compreendida pelas Mm.ª Juizes da 1.ª instância, que souberam distinguir entre administração e comparticipação, porque apenas a segunda estava em causa nos autos e foi dada como provada, isto é, o Tribunal deu como provado que a comparticipação do Liraglutido era restrita a obesos com diabetes mellitus de tipo 2, com exclusão dos obesos com diabetes mellitus de tipo 1 e dos obesos não diabéticos;

5. A restrição de administração é que não está nem nunca foi restringida pois a dispensa do medicamento apenas está condicionada a receita médica por não ser de venda livre.

6. Não existe, portanto, qualquer contradição da decisão da 1.ª instância, o que equivale a dizer que o Acórdão da Relação neste ponto violou o artigo 410.º/2 alínea b) CPPenal.

7. Tal como também violou o referido artigo ao decidir que existe contradição entre o ponto 1 dos factos não provados e o facto provado n.º 28 e 36;

8. Nesse ponto 1 o que consta é o seguinte: “Em função do seu elevado preço, o SNS (ARS) só comparticipa o medicamento quando receitado a doentes com diabetes tipo 2 obesos, sendo considerado obeso quem tiver um índice de massa corporal igual ou superior a 35 kg/m2. (fls. 22)”;

9. Ora, o Tribunal de 1.ª instância considerou não provado que a comparticipação limitada do medicamento se devesse ao “elevado preço”, precisamente porque a Acusação não provou que tivesse sido essa a razão para a limitação da comparticipação;

10. Inexiste, portanto, e também aqui, qualquer “contradição insanável” entre o ponto 1 dos factos não provados e os factos provados 28 e 36, pelo que o Acórdão da Relação neste ponto também violou o 410.º/2 alínea b) CPPenal.

11. Da inexistência de erro notório na apreciação da prova ou da violação do artigo 410.º/2 alínea c) CPPenal.

12. Segundo o Acórdão da Relação, “Sendo o Arguido médico que ministrava consultas ligadas à problemática da obesidade; que realizava o diagnóstico dos utentes e lhes prescrevia a medicação que tinha por adequada de acordo com as terapêuticas disponíveis (factos 24 e 25); que emitia e assinava receitas do medicamento em causa, eficaz na perda de peso e inibição de apetite (facto 39); e que o fez durante anos, é altamente expectável, por ser o que corresponde às regras da normalidade, da lógica, da experiência comum, que conhecesse as regras essenciais ligadas ao acesso à comparticipação daquele fármaco seu bem conhecido, de resto divulgadas no meio, fármaco esse integrado, insista-se, numa sua área de especialidade e prática; como é também altamente expectável, pelas mesmas razões, que soubesse que, prescrevendo o fármaco fazendo uso do modelo de receita do SNS com identificação do número de beneficiário(a), isso daria origem à comparticipação, por si procurada e pretendida, como os factos bem ilustram ter acontecido por longo período de tempo”.

13. Ou seja, a Relação, apoiando-se naquilo que designa de regras de experiência comum, acaba por concluir que o ora Recorrente conhecia os critérios legais para a comparticipação de medicamentos pelo SNS e do medicamento Liraglutido em concreto, e que isso devia ter levado a 1ª Instância a concluir, em síntese, que aquele agira de forma livre, consciente e voluntária;

14. Contudo, a Relação olvida que todas as testemunhas inquiridas referiram que a questão do preço do medicamento não era abordada nas consultas e que apenas tinham presente o custo elevado dos fármacos manipulados que também eram prescritos pelo aqui Recorrente;

15. Ou seja, não existe erro notório na apreciação da prova, pelo que a decisão da Relação violou o artigo 410.º/2 CPPenal, devendo por isso ser mantida a decisão da 1.ª instância quanto ao elenco de factos não provados.

16. Ausência de erro ou engano astuciosamente provocado

17. O acórdão da primeira instância absolveu o arguido, considerando que as receitas correspondiam a atos clínicos verdadeiros.

18. Argumentou-se que não houve qualquer erro ou engano astuciosamente provocado pelo médico que tivesse como consequência a aplicação da comparticipação pela farmácia.

19. Na verdade, o arguido nunca indicou nas receitas que os beneficiários sofriam de diabetes tipo 2 com IMC superior a 35 kg/m2, nem instruiu os doentes para o fazerem na farmácia.

20. Responsabilidade da farmácia e do SNS:

21. A decisão inicial referiu que cabia ao médico diagnosticar e prescrever, e à farmácia verificar as condições de comparticipação.

22. Salientou-se então que nem a farmácia nem o Centro de Conferência de Faturas (CCF) tinham forma de confirmar se os utentes podiam ou não beneficiar da comparticipação, devido à proteção de dados clínicos.

23. Ou seja, o que se constata é que existe uma falha no controlo da comparticipação no sistema do SNS e não uma ação ardilosa do médico.

24. Limitação da comparticipação, não da prescrição:

25. O acórdão da primeira instância sublinhou que o INFARMED limitou a comparticipação do medicamento, e não a sua prescrição.

26. Efetivamente, o Liraglutido poderia ser prescrito para outras condições (como a obesidade), mesmo sem comparticipação do SNS.

27. Ora, a prescrição efetuada pelo arguido foi clinicamente justificada para os seus pacientes com obesidade, independentemente da comparticipação.

28. Ausência de meios astuciosos:

29. A decisão inicial considerou que o comportamento do arguido não preenchia a factualidade típica exigida para a prática do crime de burla qualificada, uma vez que não se vislumbrava o recurso a qualquer meio astucioso para induzir em erro os técnicos do SNS relativamente ao pagamento de comparticipações que não eram devidas.

30. Na verdade, o que o presente processo permitiu perceber é que não é necessária qualquer tipo de astúcia ou engano para que o sistema de dispensa de medicamentos faculte ao cidadão o fármaco em questão com comparticipação pelo SNS. E isto sucede porque o Estado assim quis que ocorresse e, mesmo depois de se considerar lesado, até hoje não instituiu um mecanismo eficaz de controlo da dispensa em farmácia deste tipo de medicamentos por razões que não se entendem e que só o Estado poderá explicar, mas que certamente beneficia os laboratórios e os doentes obesos.

31. E na verdade o arguido apenas prescreveu um medicamento de forma clinicamente apropriada, utilizando um formulário que era e é o padrão do SNS.

32. Diga-se ainda, que a prescrição manual é admitida, apenas, em casos muitos específicos, devendo os médicos utilizar a prescrição eletrónica ou a prescrição materializada, não sendo correcta a conclusão da Relação de Lisboa de que o aqui recorrente poderia ter prescrito o medicamento em questão de forma manual dado que nenhuma das situações legalmente previstas se verificaram.

33. Dúvidas sobre o prejuízo efetivo do SNS – a violação do princípio in dúbio pro reu:

34. O acórdão da primeira instância reconheceu e bem que os factos trazidos aos autos, nomeadamente os contratos secretos entre INFARMED e o laboratório ..., criaram dúvidas sobre se o SNS teve efetivamente prejuízo com a aplicação da comparticipação, porquanto tais acordos previam um teto máximo de vendas e eventuais reembolsos.

35. A verdade é que devido a esses acordos de payback, o dano patrimonial ao SNS não foi comprovado.

36. A Relação de Lisboa entende que existiu prejuízo, mesmo sem cuidar de apurar se os autos revelam esse prejuízo face à existência desses acordos de payback, entendendo que a existência de posteriores reembolsos é irrelevante, argumentação que carece de lógica.

37. Ora, além de uma insuficiência de matéria de facto provada, o que se constata é que a decisão da Relação viola claramente o artigo 217.º do Código Penal, na medida em que considerou consumado o crime de burla sem que exista prova cabal, para além da dúvida razoável, de que os actos imputados ao aqui recorrente causaram prejuízo ao Estado.

38. Na verdade, os tais acordos de payback permitem perceber que o Estado se defendeu e bem de previsíveis volumes elevados de comparticipação do medicamento, reconhecendo não só a mais-valia desse medicamento no tratamento da obesidade, mas também a inexistência de um verdadeiro mecanismo de controlo da prescrição desse mesmo medicamento.

39. As “más-línguas” diriam que existe uma clara intenção de não limitar a prescrição do medicamento, salvaguardado que está o risco de prejuízo para o Estado através dos tais acordos de payback.

40. Mas para o que aqui interessa a verdade é que não foi feita prova da existência de efetivo prejuízo para o Estado ou, numa outra perspectivo, existe uma dúvida razoável sobre a existência desse prejuízo, pelo que a decisão sobre a prova ou não desse elemento do tipo objectivo do crime deve ser no sentido mais favorável ao arguido, isto é, de que não existe prova desse elemento do tipo objectivo do crime.

41. O que equivale a dizer que a decisão da Relação de Lisboa violou o princípio in dúbio pro reu e o artigo 207.º do Código Penal.

42. Atuação sem intenção de prejudicar o Estado – Da inexistência de dolo e do erro notório na apreciação da prova:

43. O arguido, nas suas declarações finais na audiência de julgamento, referiu que tudo o que fez foi para ajudar e tratar a saúde dos seus doentes, sem qualquer intenção de prejudicar o Estado.

44. Na verdade, a sua intenção era e é terapêutica, não tendo agido com o dolo específico de causar prejuízo patrimonial ao SNS.

45. A Relação de Lisboa, fazendo uso das regras de experiência comum, conclui que o arguido não podia não saber as regras de comparticipação do medicamento e os custos que isso traria para o Estado.

46. Ora, a verdade é que neste tema da prescrição medicamentosa e comparticipação de medicamentos não se afigura correcta o recurso às regras de experiência “comum” pois falta ao julgador essa mesma experiência comum sobre a atividade médica e aquilo que são os conhecimentos dos profissionais de saúde sobre preço de medicamentos e regras de comparticipação.

47. Ao contrário, as regras de experiência comum aquilo que nos dizem é que os médicos não conseguem ter presente o preço dos medicamentos que prescrevem, precisamente porque a sua intervenção é técnica, com intuitos terapêuticos, na procura de dar ao paciente a melhor solução para os seus problemas de saúde.

48. As questões financeiras não são parte integrante do raciocínio clínico.

49. Aliás, as testemunhas ouvidas em julgamento foram unânimes em referir que o custo do medicamento não era abordado em consulta.

50. Lacuna no sistema de controlo do SNS:

51. O que os factos provados permitem constatar é que foi a ausência de um sistema eficaz de controlo por parte do SNS para verificar as condições de comparticipação que permitiu os pagamentos alegadamente indevidos.

52. Aliás, a criação posterior de um alerta no sistema eletrónico de prescrição sugere que o sistema anterior tinha deficiências.

53. Por outro lado, o Estado tem mecanismos legais para controlar eficazmente a verificação das condições de comparticipação, mas, por alguma obscura razão, entendeu não as implementar no caso concreto do Liraglutido, eventualmente porque não tem prejuízo com essa comparticipação considerando os termos do acordo de payback que celebrou com o laboratório farmacêutico.

54. Conformidade da receita com os requisitos legais:

55. O acórdão da primeira instância mencionou que a prescrição respeitou as exigências legais contidas nos artigos 5.º, 6.º e 9.º da Portaria n.º 224/2015.

56. E efetivamente assim foi, os autos revelam que o arguido cumpriu os requisitos legais da prescrição.

57. Pelo que a decisão da Relação de Lisboa interpretou incorrectamente as regras legais contidas no citado diploma legal ao concluir que o medicamento em questão poderia ser adquirido com recurso a receita manual e que essa receita não necessitaria de ter inscrito no n.º de utente do SNS do paciente.

58. Ausência de conduta criminosa:

59. Da análise dos factos provados o que se conclui é que se verificou uma ausência de intenção fraudulenta, a licitude das prescrições do ponto de vista clínico, a total ausência de mecanismos de controlo por parte do SNS, e uma incerteza sobre o dano patrimonial efetivo sofrido pelo Estado.

60. Por outras palavras, os autos permitem concluir que o arguido não praticou qualquer crime e, por isso mesmo, deve ser absolvido.

61. Ou seja, pelo exposto a decisão da Relação violou o disposto nos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) C Penal.

3. Admitido o recurso e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, a ele respondeu a Magistrada do MP defendendo a sua improcedência, com base nas seguintes asserções:

- não estar verificado qualquer erro notório na apreciação da prova;

- o tribunal não se encontra na presença de qualquer dúvida razoável relativamente à valoração da prova, logo não havia que apelar para o principio in dúbio pro reo, no sentido de que na presença desta dúvida esta deve ser decidida a favor do arguido;

- na inexistência de qualquer dúvida valorativa, o tribunal não decidiu “contra” o arguido;

- nunca, ao longo do processado se colocou em causa a presunção de inocência - coisa diversa é chegar à conclusão da verificação de um comportamento doloso e culposo integrador da prática de um ilícito de natureza criminal;

- não se verifica assim pelo exposto qualquer erro de julgamento no sentido de uma distorção da realidade factual e de desconforme subsunção jurídica dos factos ao direito;

- o douto acórdão recorrido não se encontra ferido de qualquer nulidade, ou vício, nem merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se nos seus precisos termos, negando-se total provimento ao recurso interposto pelo arguido.

4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, secundando a resposta apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da rejeição, em parte do recurso e da improcedência, na parte restante, defendendo,

- a inadmissibilidade legal do recurso, na parte respeitante aos vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, que, segundo o recorrente, afectariam o acórdão recorrido, a saber, e como alega: contradição insanável entre factos provados e não provados (cfr. conclusões 1 a 10, enunciadas na motivação do recurso), erro notório na apreciação da prova (conclusões 11 a 15 e 42 a 49) e até insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusão 37);

- dado que estamos numa situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, recurso de acórdão da Relação tirado em recurso e apenas nas situações previstas nas alíneas a) recurso, em 1.º grau, de decisão da Relação proferida em 1.ª instância e c) recurso per saltum de acórdão do tribunal de júri ou colectivo, desde que tenha sido aplicada pena de prisão em medida superior a 5 anos, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer, a requerimento, da existência dos vícios da decisão, como fundamento do recurso;

- naturalmente, sem ficar excluída a possibilidade do conhecimento oficioso desta matéria, se acaso do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, se evidenciassem os referidos vícios, o que, porém, não ocorre;

- estabilizada definitivamente a matéria de facto e excluída a possibilidade da sua alteração, também, por via do princípio in dubio pro reo, que constitui matéria de facto, sendo vedado ao STJ o seu conhecimento, deve improceder o segmento do recurso atinente com o enquadramento jurídico-penal dos factos operado pelo Tribunal a quo, quando considerou preenchido o tipo legal de crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) CPenal.

5. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. O âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

Das conclusões da motivação de recurso do arguido, extrai-se que o mesmo pretende colocar à apreciação deste Supremo Tribunal as questões seguintes:

- o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;

- o vício da contradição insanável;

- o vício do erro notório na apreciação da prova;

- a violação do princípio in dubio pro reo;

- subsunção dos factos ao Direito.

2. Delimitação dos poderes de cognição deste Tribunal.

Estamos perante um recurso para este Supremo Tribunal de uma decisão da Relação de Lisboa que reverteu a absolvição do arguido decretada em 1.ª instância e que assim, o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202º alínea b) CPenal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Diz o arguido, acerca dos poderes deste Supremo Tribunal, que o recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º

Para o que aqui importa, o CPPenal diz-nos que se pode interpor recurso para o STJ “de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410”.

Os n.ºs 2 e 3 do citado artigo 410.º do CPP dispõem que o recurso para o STJ pode ainda ter como fundamentos, “(…) desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”

Isto dito, cremos ser caso de inadmissibilidade legal, de parte do recurso,

Com efeito.

Em matéria de vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal diz o arguido que o acórdão recorrido padece de contradição insanável entre factos provados e não provados, de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

De acordo com o actual regime de recursos, na sequência das alterações ao CPPenal introduzidas pela Lei 94/2021, de 21 de Dezembro, apenas nas situações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, pode este Supremo Tribunal conhecer, a requerimento, da existência dos vícios da decisão previstos no n.º 2 do mencionado artigo 410.º, como fundamento do recurso.

Com efeito.

Dispõe o artigo 434.º CPPenal, sob a epígrafe de “poderes de cognição”, que, “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.º”.

E dispõe actualmente o artigo 432.º do C.P.P., no que ora importa:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

(…)

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

(…).

Nestes termos, impõe-se concluir que este Supremo Tribunal não pode conhecer da matéria relativa aos vícios e nulidades a que se reporta o artigo 410.º/2 e 3 CPPenal a não ser nas situações acabadas de enunciar.

E, o caso dos autos – recurso de acórdão da Relação, que se pronunciou sobre o recurso da decisão da 1.ª instância – não se enquadra em nenhum das ditas situações.

Hoje, os erros-vicio e a nulidades a que se refere o artigo 410.º/2 e 3 CPPenal podem legitimar recurso para este Supremo Tribunal, mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pela de prisão em medida superior a 5 anos.

Assim, com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso – situação delineada nos autos.

Assim, importa afirmar que o acórdão recorrido não admite recurso para este Supremo Tribunal, no que a tal matéria se reporta.

Naturalmente, sem embargo da possibilidade do conhecimento oficioso desta matéria, se acaso do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, se evidenciarem os referidos vícios.

Por outro lado, invocando a violação, na decisão recorrida, dos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) CPenal, diz o arguido que,

- não se verifica erro ou engano astuciosamente provocado,

- existem dúvidas sobre o prejuízo efetivo do SNS,

- não se verifica actuação com intenção de prejudicar o Estado e não se verifica o dolo.

Questões que apesar de inseridas no capítulo reservado à matéria de Direito, culminam com a invocação dos vícios que o arguido assacou à decisão recorrida e à violação do princípio in dubio pro reo.

Como é sabido a questão da violação do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência, em que aquele se pode traduzir, pode e deve ser conhecida em sede do vício do erro notório na apreciação da prova.

A invocação do princípio in dubio pro reo que o arguido diz ter sido violado, acaba por se dizer respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º/2 CPPenal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Como decidiu o Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, processo 3102/06 - 3.ª Secção, os vícios elencados no artigo 410.º/2 CPPenal, respeitam à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Termos em que, o recurso tem de ser rejeitado, também no que diz respeito à violação do princípio in dubio pro reo.

Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, mas que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.

E, assim, também, neste segmento, o recurso é rejeitado.

Como é sabido, a circunstância de o recurso ter sido admitido, sem restrição, não obsta a tal desfecho, pois que, “a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”, artigo 414.º/3 CPPenal.

E, assim, subsiste para apreciação, por parte deste Supremo Tribunal, apenas e tão só a questão da subsunção dos factos ao Direito.

3. Os factos

Se é certo, como acabamos de ver, não estar prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.

Factos julgados provados no acórdão da 1.ª instância.

1. No âmbito do Serviço Nacional de Saúde, a comparticipação do Estado no preço dos medicamentos é fixada de acordo com diferentes escalões:

a) No escalão A a comparticipação do Estado é de 90% do preço de venda ao público dos medicamentos;

b) No escalão B a comparticipação do Estado é de 69% do preço de venda ao público dos medicamentos;

c) No escalão C a comparticipação do Estado é de 37% do preço de venda ao público dos medicamentos;

d) No escalão D a comparticipação do Estado é de 15% do preço de venda ao público dos medicamentos.

2. Sempre que a prescrição se destine a pensionistas abrangidos por regime especial de comparticipação, deve ser impressa na receita, junto dos dados do utente, a sigla "R”.

3. Os beneficiários deste regime especial de comparticipação (pensionistas que auferem pensões de montante não superior ao salário mínimo nacional) têm de fazer prova dessa sua qualidade através de documento emitido pelos serviços oficiais competentes.

4. Ainda assim, a comparticipação no preço do medicamento pode ser restringida a determinadas indicações terapêuticas, fixadas no diploma que estabelece a comparticipação.

5. Nestes casos, o médico prescritor tem de indicar na receita, de forma expressa, o diploma que prevê a comparticipação em causa.

6. Sempre que a receita se destine a um doente abrangido por um regime especial de comparticipação, conforme acima descrito, deve ser impressa na receita, junto dos dados do utente, a sigla “O”.

7. Os utentes do Serviço Nacional de Saúde apenas beneficiam de comparticipação quanto aos medicamentos prescritos em receita médica de modelo aprovado por despacho do Ministro da Saúde.

8. Os medicamentos são receitados pelos médicos, no âmbito da sua atividade profissional, após consulta e exame dos pacientes com vista à realização de diagnóstico sobre o seu estado clínico.

9. Por receita médica, entende-se o documento através do qual são prescritos, por um médico um ou mais medicamentos.

10. Por regra, a partir de pelo menos 2012, a receita eletrónica passou a ser emitida de forma exclusivamente informática, sem prejuízo de, numa fase inicial, ter de ser materializada, isto é impressa.

11. Quando a receita eletrónica se destinava a um doente abrangido por um regime especial de comparticipação de medicamentos utilizados no tratamento de determinadas patologias ou utilizados por grupos especiais de utentes, a menção ao despacho que consagra o regime que abrange o utente deve ser impressa na receita eletrónica, no campo relativo à designação do medicamento, devendo ainda ser impressa, na receita materializada, a sigla «O», junto dos dados do utente.

12. A receita eletrónica só é válida se incluir os seguintes elementos:

a) O número da receita, constituído por 19 dígitos, atribuído pelo Sistema Central de Prescrições ou, em casos excecionais, pelo software de prescrição;

b) O local de prescrição, que é de preenchimento automático pelo software de prescrição;

c) A identificação do médico prescritor, com a indicação do nome profissional, especialidade médica, se aplicável, número da cédula profissional e contacto telefónico, que é de preenchimento automático pelo software de prescrição;

d) O nome e número de utente e, sempre que aplicável, de beneficiário de subsistema;

e) A entidade financeira responsável pelo pagamento ou comparticipação dos medicamentos da receita;

f) O regime especial de comparticipação de medicamentos, representado pelas siglas «R» e ou «O», se aplicável;

g) A designação do medicamento, sendo esta efetuada através da denominação comum da substância ativa, da marca e do nome do titular da autorização de introdução no mercado;

h) O código do medicamento representado em dígitos;

i) A dosagem, forma farmacêutica, dimensão da embalagem, número de embalagens e posologia;

j) A identificação do despacho que estabelece o regime especial de comparticipação de medicamentos, se aplicável;

k) A data de prescrição, preenchida automaticamente pelo software de prescrição;

l) A assinatura, manuscrita ou digital, do prescritor.

13. Salvo casos de força maior, devidamente justificados, os medicamentos sujeitos a receita médica só podem ser dispensados ao utente nelas indicado ou a quem os represente.

14. No ato de aviamento das receitas, o utente tem de confirmar obrigatoriamente os medicamentos que lhe foram dispensados, apondo a sua assinatura na receita médica.

15. É ao farmacêutico ou ao seu colaborador que incumbe datar, assinar e carimbar a receita, para além de indicar o preço total de cada medicamento, o valor total da receita e o valor da comparticipação do Estado, bem como colar na receita a etiqueta destacável das embalagens dispensadas ou, em alternativa, imprimir nela informaticamente os respetivos códigos identificadores.

16. Compete ainda às farmácias proceder à verificação física das prescrições, designadamente, conferir se existem rasuras na receita no que toca às quantidades e à denominação dos medicamentos prescritos, ou se houve lugar a aditamentos desconformes com a letra do médico e a validade da receita.

17. Desde março de 2010, a conferência do receituário remetido mensalmente, pelas farmácias de Portugal Continental encontra-se centralizada no Centro de Conferências de Faturas (CCF), estrutura criada pela “Administração Central do Sistema de Saúde I. P.”

18. O Centro de Conferência de Faturas é responsável por gerir e assegurar todas as atividades relacionadas com o processamento de conferência de faturas, desde a sua receção até ao correto apuramento dos valores devidos pelo Serviço Nacional de Saúde às farmácias, bem como o arquivo dos respetivos suportes documentais.

19. Cada farmácia envia ao Centro de Conferência de Faturas, até ao dia 10 do mês seguinte ao do seu aviamento, as receitas médicas onde foram prescritos medicamentos comparticipados dispensados a beneficiários do Serviço Nacional de Saúde que não estejam abrangidos por qualquer subsistema.

20. No mesmo passo, as farmácias remetem igualmente ao Centro de Conferência de Faturas a fatura mensal respetiva, em dois exemplares, correspondente ao valor mensal da comparticipação do Estado no preço de venda ao público (PVP) dos medicamentos dispensados.

21. Entre 2014 e 2016, no Centro de Conferência de Faturas, as receitas eram digitalizadas e sujeitas a um processo de conferência onde era verificado se a dispensa estava de acordo com a prescrição e se os valores das comparticipações aplicadas estão corretos, analisando-se, designadamente, as substituições dos medicamentos, os preços e as comparticipações devidas.

22. Logo que concluída a operação de validação do receituário e das faturas, o Centro de Conferência de Faturas enviava, ou disponibilizava no portal do Centro de Conferência de Faturas, à respetiva Administração Regional de Saúde, para efeitos de validação e pagamento das comparticipações, os seguintes elementos:

a) Informação mensal das faturas recebidas;

b) Resultado da conferência;

c) Notas de crédito e notas de débito recebidas.

23. No dia 10 do mês seguinte ao do envio da fatura mensal, o Estado, através da Administração Regional de Saúde competente, procedia ao pagamento do valor da fatura mensal entregue no mês anterior e informa a Administração Regional de Saúde em causa do montante transferido, do valor da fatura, das eventuais retificações a crédito ou a débito, da data da transferência e do número de identificação bancária para onde esta foi efetuada.

24. AA é médico, ministrando consultas de obesidade no seu consultório, sito em ..., na Rua ...

25. No âmbito das suas funções, compete-lhe, como a qualquer outro médico, praticar atos médicos, nomeadamente proceder ao atendimento, consultas e exame dos utentes e realizar diagnóstico sobre o seu estado clínico, bem como prescrever medicação adequada ao diagnóstico efetuado de acordo com as terapêuticas disponíveis ou em conformidade com o registo existente no serviço médico para efeitos de prescrição.

26. A decisão sobre os pedidos de comparticipação dos medicamentos é da competência do Ministro da Saúde, podendo ser delegada no INFARMED.

27. A avaliação dos medicamentos para efeitos de inclusão na lista de comparticipações pelo SNS, rege-se por critérios de natureza técnico-científica.

28. Anualmente, a lista dos medicamentos comparticipados pelo SNS é editada pelo INFARMED e publicada no Diário da República.

29. Os utentes do SNS apenas beneficiam de comparticipação quanto aos medicamentos prescritos em receita médica de modelo aprovado por despacho do Ministro da Saúde.

30. O Estado comparticipa igualmente os medicamentos receitados pelos médicos privados, desde que o utente apresente o respetivo Cartão de Identificação de Utente do SNS, para que possa ser identificada a receita.

31. No que respeita à emissão de receitas médicas, os medicamentos são receitados pelos médicos, no âmbito da sua atividade profissional.

32. Para o efeito, o médico procede ao atendimento, consulta e exame dos pacientes com vista à realização de diagnóstico sobre o seu estado clínico.

33. Tal ato médico culmina, se for caso disso, com a prescrição do tratamento adequado ao diagnóstico efetuado, através de receita médica, e com o esclarecimento do paciente sobre a posologia, doseamento e alerta sobre eventuais efeitos secundários do tratamento.

34. No que tange à dispensa de medicamentos, para adquirir os medicamentos que lhe foram prescritos o utente dirige-se à farmácia, onde entrega a receita, ou o respetivo documento impresso no caso de prescrição eletrónica.

35. Victoza é o nome comercial de um medicamento injetável, vendido em caneta pré-cheia, cujo princípio ativo é o Liraglutido. (fls. 4-V.º)

36. Consta do “relatório de avaliação do pedido de comparticipação de medicamento para uso humano” elaborado pelo INFARMED:

Escalão de comparticipação: Regime Geral – A (90 %);

Data de Comparticipação: 13/01/2014

Estatuto quanto à dispensa: Medicamento Sujeito a Receita Médica

Indicações Terapêuticas à data da avaliação: Victoza é indicado no tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 para alcançar o controlo glicémico:

Em combinação com:

Metformina ou uma sulfonilureia, em doentes com um controlo glicémico insuficiente, apesar da dose máxima tolerada de monoterapia com metformina ou sulfonilureia.

Em combinação com:

Metformina e uma sulfonilureia ou metformina e uma tiazolidinediona em doentes com um controlo glicémico insuficiente, apesar da terapia dual.

[A avaliação restringiu a indicação sujeita a comparticipação a doentes com diabetes tipo 2 obesos (IMC igual ou superior a 35 kg/m2 kg/m2 ), em segunda linha (adicionado a metformina, ou sulfonilureia ou glitazona, se houver intolerância a qualquer um destes fármacos) ou em terceira linha (após dois dos anteriores e também inibidores das DPP-4).]

37. Consta das conclusões do “relatório de avaliação do pedido de comparticipação de medicamento para uso humano” que o Liraglutido é um medicamento com valor terapêutico acrescentando em relação à insulina nos doentes diabéticos com obesidade (IMC superior a 35 kg/m2 kg/m2), que precisem de insulina, uma vez que o valor terapêutico acrescentado diz respeito à capacidade de reduzir o peso nestes doentes, ao contrário da insulina que o aumenta.(fls. 22)

38. O Liraglutido reduz o peso corporal e a massa de gordura corporal através de mecanismos que envolvem a redução da sensação de fome e a diminuição da necessidade de aporte de energia.

39. Entre 21/02/2014 e 15/05/2017, AA emitiu e assinou receitas de LIRAGLUTIDO/VICTOZA, um fármaco eficaz na perda de peso e inibição do apetite, a favor dos seus pacientes, tivessem ou não diabetes mellitus de tipo 2.

40. Entre 10/09/2014 e 09/12/2016, AA emitiu e assinou 26 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de BB, a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%), no valor global de € 2.585,70.

41. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 115 a 191.

42. Entre 24/04/2014 e 14/10/2016, AA emitiu e assinou 43 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a CC (fls. 315), sem diagnóstico de diabetes, a quem as entregou em mão, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%), no valor global de € 4.276,35 kg/m2.

43. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 315 a 35 kg/m28.

44. Entre 10/07/2014 e 04/11/2016, AA emitiu e assinou 39 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de DD (fls. 383), sem diagnóstico de diabetes, a quem as entregou em mão, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, no valor global de € 3.878,55.

45. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 274 a 313.

46. Entre 07/07/2014 e 03/03/2017, AA emitiu e assinou 44 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de EE, sem diagnóstico de diabetes, a quem as entregou em mão, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 4.375,80.

47. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 216 a 262.

48. Entre 30/06/2014 e 22/12/2016, AA emitiu e assinou 37 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a FF (fls. 385), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 3.679,65.

49. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 462 a 499.

50. Entre 14/05/2015 e 19/02/2016, AA emitiu e assinou 8 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a GG (fls. 374), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 795,60.

51. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 600 a 607.

52. Entre 07/12/2015 e 05/12/2016, AA emitiu e assinou 14 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a HH (fls. 372), sem diagnóstico de diabetes, o qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.392,30.

53. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 692 a 706.

54. Entre 02/10/2014 e 25/11/2016, AA emitiu e assinou 32 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a II (fls. 386), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 3.182,40.

55. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 908 a 940.

56. Entre 12/05/2014 e 09/09/2016, AA emitiu e assinou 25 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a JJ (fls. 387), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.486,25.

57. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 863 a 887.

58. Entre 09/07/2014 e 13/07/2015, AA emitiu e assinou 8 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a KK (fls. 377), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-,, o valor global de € 795,60.

59. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1092 a 1100.

60. Entre 17/03/2014 e 18/08/2016, AA emitiu e assinou 30 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a LL (fls. 370), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.983,50.

61. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1154 a 1183.

62. Entre 05/06/2014 e 23/03/2017, AA emitiu e assinou 28 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a MM (fls. 392), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.784,60.

63. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1363 a 1390.

64. Entre 07/02/2015 e 03/11/2016, AA emitiu e assinou 25 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a NN (fls. 392), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)- o valor global de € 2.486,25.

65. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 392 a 417.

66. Entre 12/12/2014 e 11/04/2016, AA emitiu e assinou 16 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a OO (fls. 396), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.591,20.

67. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 788 a 804.

68. Entre 25/08/2014 e 26/10/2015, AA emitiu e assinou 17 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a PP (fls. 397), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.690,65.

69. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 583 a 599.

70. Entre 12/06/2014 e 09/01/2017, AA emitiu e assinou 22 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a QQ (fls. 399), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.187,90.

71. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1131 a 1152.

72. Entre 08/05/2014 e 01/09/2016, AA emitiu e assinou 21 receitas de Liraglutido / Victoza, que entregou em mão a RR (fls. 400), sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.088,45.

73. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 988 a 1010.

74. Entre 30/05/2014 e 28/08/2015, AA emitiu e assinou 13 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de SS (fls. 405), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.292,85.

75. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1209 a 1221.

76. Entre 02/07/2014 e 18/06/2015, AA emitiu e assinou 10 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de TT (fls. 407), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 994,50.

77. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 264 a 273.

78. Entre 03/11/2014 e 18/07/2016, AA emitiu e assinou 10 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de UU (fls. 408), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 994,50.

79. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 189 a 199.

80. Entre 09/07/2014 e 05/05/2016, AA emitiu e assinou 11 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de VV (fls. 409), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)- o valor global de € 1.093,95.

81. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 169 a 179.

82. Entre 11/01/2016 e 15/05/2017, AA emitiu e assinou 22 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de WW (fls. 410), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 2.187,90.

83. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 545 a 567.

84. Entre 23/09/2015 e 02/05/2016, AA emitiu e assinou 11 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de XX (fls. 423), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.093,95.

85. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 450 a 460.

86. Entre 19/05/2014 e 04/11/2016, AA emitiu e assinou 10 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de YY (fls. 425), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 994,50.

87. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 740 a 750.

88. Entre 19/06/2014 e 27/11/2015, AA emitiu e assinou 18 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de ZZ (fls. 426), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.790,10.

89. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 716 a 734.

90. A 27/03/2014 (1 receita) e 29/04/2014 (2 receitas), AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de AAA (fls. 454), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

91. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1229 a 1231.

92. Entre 04/07/2014 e 30/11/2015, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de BBB (fls. 456), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 696,15.

93. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 135 kg/m25 a 1361.

94. Entre 10/11/2014 e 25/06/2015, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de CCC (fls. 457), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 696,15.

95. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1305 a 1313.

96. Entre 21/05/2014 e 16/02/2015, AA emitiu e assinou 9 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de DDD (fls. 458), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 895,05.

97. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 142 a 150.

98. Entre 05/02/2015 e 27/01/2016, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de EEE (fls. 459), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 696,15.

99. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 978 a 984.

100. Entre 03/04/2014 e 15/10/2014, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de FFF (fls. 460), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o, o valor global de € 596,70.

101. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1184 a 1189.

102. Entre 01/10/2014 e 01/08/2016, AA emitiu e assinou 11 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de GGG (fls. 461), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.093,95.

103. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 431 a 442.

104. Entre 19/05/2014 e 21/04/2016, AA emitiu e assinou 5 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de HHH (fls. 460), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 497,25.

105. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 200 a 204.

106. Entre 31/08/2015 e 20/06/2016, AA emitiu e assinou 5 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de III (fls. 463), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 497,25.

107. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1391 a 1395.

108. Entre 19/06/2014 e 05/02/2015, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de JJJ (fls. 464), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 596,70.

109. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 366 a 371.

110. Entre 21/02/2014 e 05/02/2015, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de KKK (fls. 465), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 696,15.

111. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 808 a 814.

112. Entre 30/07/2015 e 13/06/2016, AA emitiu e assinou 8 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de LLL (fls. 466), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 795,60.

113. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1346 a 135 kg/m24.

114. Entre 26/06/2014 e 09/01/2015, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de MMM (fls. 467), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 596,70.

115. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 972 a 977.

116. Entre 03/03/2014 e 13/04/2015, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de NNN (fls. 472), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 596,70.

117. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1011 a 1016.

118. Entre 05/05/2014 e 08/09/2014, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de OOO (fls. 474), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 397,80.

119. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1316 a 1322.

120. Entre 09/04/2015 e 06/03/2017, AA emitiu e assinou 15 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de PPP (fls. 478), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 1.491,75.

121. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 666 a 680.

122. Entre 02/05/2014 e 28/08/2015, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de QQQ (fls. 480), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 696,15.

123. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 529 a 535 kg/m2.

124. Entre 28/05/2015 e 27/06/2016, AA emitiu e assinou 5 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de RRR (fls. 460), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 497,25.

125. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 657 a 661.

126. Entre 01/07/2015 e 05/12/2016, AA emitiu e assinou 9 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de SSS (fls. 483), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 895,05.

127. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 180 a 188.

128. 11/08/2015 e 02/11/2015, AA emitiu e assinou 5 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de TTT (fls. 484), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 497,25.

129. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1324 a 1328.

130. Entre 04/04/2014 e 29/10/2016, AA emitiu e assinou 44 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de UUU (fls. 485), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 4.375,80.

131. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 816 a 861.

132. Entre 03/07/2014 e 04/11/2016, AA emitiu e assinou 21 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de VVV (fls. 486), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 2.088,45.

133. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1071 a 1091.

134. Entre 09/06/2014 e 11/08/2014, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de WWW (fls. 637), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)- o valor global de € 397,80.

135. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1301 1304.

136. Entre 10/09/2014 e 09/12/2016, AA emitiu e assinou 26 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de BB (fls. 391), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.585,70.

137. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 115 a 191.

138. 02/07/2015 e 22/01/2016, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victozaa em nome de XXX (fls. 645), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

139. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1070 a 1072.

140. A 11/11/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de YYY (fls. 663), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

141. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1126.

142. A 23/05/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de ZZZ (fls. 666), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o, o valor global de € 99,45.

143. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1297.

144. Entre 25/07/2014 e 22/01/2015, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de AAAA (fls. 645), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 596,70.

145. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1398 a 1404.

146. A 07/08/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de BBBB (fls. 684), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

147. A receitas e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 691.

148. A 06/11/2014 e 11/02/2016, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de CCCC (fls. 687), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

149. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 1298 e 1299.

150. A 16/04/2015 e 01/06/2015, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de DDDD (fls. 690), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

151. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 1314 e 1315.

152. A 18/07/2014 e 06/10/2014, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de EEEE (fls. 693), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

153. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 751 e 752.

154. A 04/07/2016 e 26/01/2017, AA emitiu e assinou 6 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de FFFF (fls. 697), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 596,70.

155. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 1329 a 1334.

156. Entre 02/08/2014 e 01/07/2016, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de GGGG (fls. 714), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%), o valor global de € 397,80.

157. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 525 a 528.

158. A 08/05/2014 e 07/07/2014, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de HHHH (fls. 717), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-o valor global de € 397,80.

159. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Apenso A, a fls. 1224 a 1227.

160. A 11/05/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome deIIII (fls. 736), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

161. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 537.

162. A 18/03/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de JJJJ (fls. 743), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

163. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1035 kg/m2.

164. A 12/10/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de KKKK (fls. 757), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

165. A receita e fatura da farmácia é a constantes do Processo, a fls. 758.

166. A 06/08/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de LLLL (fls. 759), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

167. A receita e fatura da farmácia é a constantes do Processo, a fls. 760.

168. A 11/08/2014 e 29/10/2015, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de MMMM, a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 397,80.

169. As receitas e faturas da farmácia são as constantes do Processo, a fls. 767 e 768.

170. A 17/04/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de NNNN (fls. 771), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

171. A receita e fatura da farmácia é a constante do Processo, a fls. 773.

172. A 07/07/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de OOOO (fls. 782), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

173. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 736.

174. A 21/05/2014 e 21/02/2015, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de PPPP (fls. 785), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

175. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1337 a 1339.

176. A 28/04/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de QQQQ (fls. 787), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

177. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 568.

178. A 30/06/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de RRRR (fls. 798), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

179. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 429.

180. A 22/09/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de SSSS (fls. 1004), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

181. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 506.

182. A 21/08/2014 e 11/10/2014, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de TTTT (fls. 1006), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 397,80.

183. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 538 a 543.

184. A 13/08/2015 e 12/10/2015, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de UUUU (fls. 1016), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

185. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 684 e 685.

186. A 10/10/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de VVVV (fls. 1020), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

187. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 629.

188. Entre 10/04/2014 e 09/02/2015, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de WWWW, a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

189. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 780 a 782.

190. A 26/05/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de XXXX (fls. 1032), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

191. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 815.

192. A 26/05/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de YYYY (fls. 1038), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

193. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 536.

194. A 18/09/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de ZZZZ (fls. 1039), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

195. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1294.

196. Entre 20/08/2014 e 09/12/2016, AA emitiu e assinou 24 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de AAAAA (fls. 1051), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 2.386,80.

197. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1101 a 1125.

198. A 20/06/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de BBBBB (fls. 1053), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

199. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1037.

200. A 05/03/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de CCCCC (fls. 1055), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

201. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1323.

202. A 25/07/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de DDDDD (fls. 1057), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-,, o valor global de € 99,45.

203. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1400.

204. Entre 27/03/2015 e 14/05/2015, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de EEEEE (fls. 1059), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

205. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 681 a 683.

206. A 16/04/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de FFFFF (fls. 1061), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

207. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 686.

208. Entre 05/11/2014 e 17/01/2015, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de GGGGG (fls. 1079), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298.35 kg/m2.

209. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 985 a 987.

210. A 27/03/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de HHHHH (fls. 1084), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

211. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 787.

212. A 10/10/2014 e a 13/11/2014, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de IIIII (fls. 1129), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

213. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 424 a 426.

214. A 04/08/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de JJJJJ (fls. 1133), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

215. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1293.

216. A 02/05/2014 e a 03/03/2016, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de KKKKK (fls. 1137), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

217. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 783 e 784.

218. A 04/08/2014 e a 11/08/2014, AA emitiu e assinou 2 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de LLLLL (fls. 1139), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 198,90.

219. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 1396 e 1397.

220. A 02/05/2014 e a 21/07/2014, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de MMMMM (fls. 1143), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 397,80.

221. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 629 a 632.

222. A 12/12/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de NNNNN (fls. 1147), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

223. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 167.

224. De 29/03/2014 a 24/06/2016, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de OOOOO, a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-,, o valor global de € 397,80.

225. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 753 a 756.

226. De 25/03/2014 a 01/07/2014, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de PPPPP (fls. 1155), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

227. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 446 a 448.

228. A 26/09/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de QQQQQ (fls. 1164), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

229. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 500.

230. Entre 29/10/2014 e 14/09/2015, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de RRRRR, a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

231. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 963 a 965.

232. A 21/05/2015, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de SSSSS (fls. 1219), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

233. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls.1153.

234. A 27/05/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de TTTTT (fls. 1225), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

235. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 372.

236. A 07/08/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de UUUUU (fls. 1226), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

237. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 1036.

238. A 25/07/2014, AA emitiu e assinou 3 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de VVVVV (fls. 1227), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 298,35 kg/m2.

239. As receitas e facturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 653 a 655.

240. Entre 19/05/2014 e 24/06/2016, AA emitiu e assinou 7 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de WWWWW (fls. 1241), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 696,15.

241. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 209 a 215.

242. De 22/04/2014 a 30/10/2015, AA emitiu e assinou 4 receitas de Liraglutido / Victoza em nome de XXXXX (fls. 1252), a quem as entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 397,80.

243. As receitas e faturas da farmácia são as constantes de no Apenso A, a fls. 642 a 645.

244. A 04/08/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de YYYYY (fls. 1256), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, , em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-,, o valor global de € 99,45.

245. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 757.

246. A 10/04/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de ZZZZZ (fls. 1264), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

247. A receita e factura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 428.

248. A 01/12/2014, AA emitiu e assinou 1 receita de Liraglutido / Victoza em nome de AAAAAA (fls. 1268), a quem a entregou em mão, sem diagnóstico de diabetes, a qual comprou o fármaco, nas quantidades receitadas, em farmácia, que aplicou a taxa de comparticipação do regime geral – escalão A (90%)-, o valor global de € 99,45.

249. A receita e fatura da farmácia é a constante do Apenso A, a fls. 430.

250. O CCF validou o receituário e as faturas acima referidas através do procedimento referido nos pontos 19. a 25. supra e o Estado, através da Administração Regional de Saúde, procedeu ao pagamento do valor das faturas, informando o montante transferido, o valor total, das eventuais retificações a crédito ou a débito, a data da transferência e o número de identificação bancária para onde esta foi efetuada.

251. O CCF não tem acesso, nem pode ter, por força do regime de proteção de dados pessoais, aos dados clínicos dos utentes, como é o caso dos dados de diagnóstico.

252. Consequentemente, o CCF não tem forma de confirmar se os utentes têm ou não têm o diagnóstico de diabetes tipo II obesos (IMC igual ou superior a 35 kg/m2 kg/m2)”] que correspondia, segundo o relatório de avaliação do pedido de comparticipação, à indicação sujeita a comparticipação.

253. Pela mesma razão, a Farmácia também não tem forma de assegurar que os utentes indicados nas prescrições efetivamente tinham o diagnóstico/indicação sujeita a comparticipação.

254. Em Setembro de 2012 a criação da Unidade de Exploração de Informação do Centro de Conferências de Facturas, doravante UEI-CCF, veio permitir que a análise de situações de erro, até então feita por receita, passasse igualmente a ser efectuada por grupo de receitas (tendo em atenção o comportamento do prescritor e da farmácia), possibilitando deste modo a detecção de situações até à data ignoradas, e que passaram a ser consideradas no processo de conferência.

255. O INFARMED celebrou um acordo com o titular da autorização de introdução no mercado, a ..., nos termos do qual a comparticipação ficou condicionada à fixação de um valor máximo de vendas do medicamento a comparticipar, o qual, uma vez ultrapassado, determina o reembolso ao SNS, pelo titular da respetiva autorização de introdução no mercado, do montante de comparticipação correspondente à facturação que exceda o valor acordado, nos termos do artigo 6.º do DL 48-A/2010, de 13 de maio.

256. De acordo com esse contrato, que entrou em vigor na data de início da comparticipação e esteve em vigor durante dois anos, o limite encargos para o 1.º ano (2014) era de 2.652.444,00 (dois milhões, seiscentos e cinquenta e dois mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros) e relativo ao 2.º ano de € 3.591.266, sendo que os pay back ia aumentando à medida que o valor de encargos ia aumentando.

257. AA reside só desde que se divorciou aos 54 anos de idade e tem dois filhos já autonomizados, sendo que um filho tem 41 anos e reside em ...e a filha com 37 anos reside na ..., estabelecendo, ainda assim, um contacto regular com os descendentes. O arguido mantém há cerca de seis anos uma relação de namoro, sem coabitação, que valoriza.

258. É licenciado em medicina e tem uma pós graduação em medicina desportiva.

259. AA encontra-se reformado desde os 66 anos de idade mas é proprietário e desempenha funções de diretor clínico da clínica M..., Lda..” desde 1992, localizada em ..., mantendo, desde 1988, funções de perito médico de incapacidades temporárias e permanentes do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, desempenhando ainda funções de clínico de medicina geral nos lares da Santa ....

260. AA é um médico conceituado e respeitado pelos colegas de profissão e que mantém uma boa relação com os pacientes.

261. AA beneficia de uma pensão de reforma no valor de 1131€ mensais, a que acrescem os valores que aufere como gestor e médico na clínica privada “M..., Lda..” de que é proprietário e a prestação de serviços clínicos/avenças para o Instituto da Segurança Social e para a Santa ..., desempenhos que lhe proporcionam rendimentos variáveis que referiu oscilar entre os 4000€e os 6000€mensais.

262. O arguido tem uma condição económica confortável que lhe permite fazer face aos encargos assumidos.

263. AA é atualmente e desde o início de 2023, presidente do “Lions ...”, organização que promove atividades que geram apoio a várias instituições da comunidade local.

264. À data das circunstâncias que determinaram o presente processo judicial o arguido prestava colaboração na academia de ténis de mesa do ..., onde já tinha desempenhado funções de coordenador médico da equipa de futebol profissional (entre 2000e 2007).

265. O arguido tem problemas de diabetes tipo II há cerca de dez anos e problemas de hipertensão arterial.

266. O arguido mostrou algum desconforto/vergonha por ter de responder em Tribunal por esta acusação.

267. Alguns pacientes que acompanhava abandonaram as suas consultas após terem sido inquiridos pelos OPC que conduziram a investigação criminal que esteve na génese do presente processo judicial.

268. O arguido centrou a grande parte do seu percurso de vida no desempenho profissional, dispondo de uma condição económica equilibrada.

269. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou provados – retirados dos não provados – e que aditou ao elenco dos factos provados.

38-A: O SNS (ARS) só comparticipa o medicamento quando receitado a doentes com diabetes tipo 2 obesos, sendo considerado obeso quem tiver um índice de massa corporal igual ou superior a 35 kg/m2. (fls. 22)»

253-A: AA, pelas suas prescrições de Liraglutido, levou a que os técnicos do SNS ficcionassem que os pacientes identificados nas receitas eram diabéticos e, sujeitos a tal ficção, determinassem o pagamento injustificado, pelo Ministério da Saúde – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, com sede em Av. dos Estados Unidos da América 77, Lisboa, de um total de € 98.057,70, sendo € 99,45 por receita, o valor da comparticipação, com benefício económico proporcional dos pacientes.

253-B: Consequentemente, uma receita (emitida nos termos indicados em 7) de Liraglutido determina o SNS (ARS) a assumir que o destinatário da prescrição seja obeso com diabetes mellitus de tipo 2.

256-A: AA bem sabia que só os obesos com diabetes mellitus tipo 2 podiam ter acesso à comparticipação, pelo SNS, do fármaco VICTOZA, que a prescrição de um médico faz fé pública, nomeadamente de que o destinatário tenha o quadro clínico constante das indicações do fabricante e do SNS e que o valor das comparticipações a suportar pelo Ministério da Saúde corresponderia a valores próximos da centena de milhar de euros.

256-B: Não obstante, AA quis emitir prescrições de LIRAGLUTIDO com indiferença pelo preenchimento dos pressupostos, querendo gerar, nos técnicos do Ministério da Saúde - ARS, a convicção de os mesmos serem obesos diabéticos e, assim, levá-los a assumir um custo de 90% do fármaco, num somatório de €98.057,70, que caberia aos seus clientes, o que tudo conseguiu.

256-C: Sempre e em tudo, AA, que é médico, agiu livremente e com consciência de que as suas condutas eram gravemente reprováveis e legalmente proibidas.

Tendo ainda reformulado a redação do ponto (A) dos factos não provados, ficando o mesmo com o seguinte teor – “que o facto referido em 38º-A se explica em função do elevado preço do medicamento”.

4. Subsunção dos factos ao Direito.

Assim, definida definitivamente a matéria de facto provada que, por essa forma, se tornou intangível, não mais se pode discutir qualquer questão subjacente á sua fixação.

Importa, assim, agora, averiguar, se como diz o arguido, existe, ou não, conduta criminosa, o que equivale por dizer que importa averiguar se a dita materialidade tida como assente é, ou não, susceptível de integrar o tipo legal de crime de burla.

4. 1. Vejamos primeiro os fundamentos da decisão recorrida.

“O enquadramento jurídico-penal

Do mérito do recurso quanto ao enquadramento jurídico-penal

Vinha o Arguido pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto pelos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) CPenal.

Ora, no que respeita ao enunciado geral dos requisitos da incriminação, não nos merece qualquer reparo tudo quanto se mostra afirmado no acórdão recorrido. Já não acolhemos, todavia, a solução jurídica aí dada ao caso. Vejamos porquê.

Defende-se no acórdão, em síntese, que as receitas em causa correspondem a atos médicos efetivamente realizados e que o Arguido não estava impedido de prescrever o fármaco em função do diagnóstico que fez.

Quanto a isto, nada a objetar. É óbvio, à luz dos factos provados, que o Arguido realizou consultas aos/às utentes descrito/as, que lhes fez o diagnóstico que teve por acertado, que lhes prescreveu o medicamento que considerou indicado e que nenhuma desconformidade médico-científica se conhece entre aquele diagnóstico e o potencial clínico do medicamento.

Nada disso está porém em causa, esclareça-se: assumamos sem rebuço que o Arguido podia prescrever aquela concreta medicação para a concreta patologia que observou àqueles/as concretos/as pacientes, numa lógica, entenda-se, off-label.

O que está em causa é outra coisa: antes de mais, saber se o fármaco, fora da patologia para a qual está prevista a comparticipação (e aliás, fora até da sua indicação terapêutica aprovada, e daí a nota off-label) podia ter sido prescrito naqueles termos, isto é, com recurso a formulário do SNS e com indicação do número de beneficiário, e nomeadamente se esses termos, na ausência de indicação em contrário do médico prescritor, determinavam ou não o acionamento automático do mecanismo da comparticipação.

Ora, o que os factos revelam é que o uso do formulário de receita do SNS, com indicação do número de beneficiário do SNS, gera, por defeito, o acionamento dos mecanismos de comparticipação; não fosse assim e por certo que as farmácias não teriam dispensado o medicamento com comparticipação, como o fizeram abundantemente durante anos em relação a múltiplos/as utentes, e não teriam elas sido reembolsadas pelo erário público no circuito próprio da comparticipação.

Assim é que não acompanhamos o raciocínio desenvolvido pelo acórdão recorrido que conclui que o comportamento do Arguido não revela qualquer meio astucioso pelo qual tenha induzido em erro os técnicos do SNS relativamente ao pagamento de comparticipações.

O Vizcoza estava indicado para «o tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 para alcançar o controlo glicémico» (facto 36). E dentro dessa patologia, a comparticipação está prevista para um tipo específico de doentes. Ora, não padecendo nenhum dos utentes mencionados nos factos de diabetes, é manifesto que a prescrição, off-label, nunca poderia gerar a comparticipação.

Houve então um meio enganoso; tão enganoso que efetivamente enganou e durante anos farmácias (que dispensavam o medicamento a 10% do preço) e os serviços do SNS (que pagavam às farmácias os restantes 90% não cobrado aos/às utentes) – o uso pelo Arguido do modelo de receita do SNS com indicação do número de utente, sabendo que com isso, sem nenhum esclarecimento adicional, seria acionada a indevida comparticipação, baseada na pressuposição falsa de que o/a utente padecia da patologia que justificaria a comparticipação e para a qual o emprego daquele modelo seria essencial, nos termos para que aponta a legislação aplicável. Note-se, aliás, que o médico não é alheio à definição da existência ou não de comparticipação, como aliás decorre dos termos não exatamente coincidentes a que deve obedecer a prescrição, consoante haja ou não comparticipação e que se encontravam estabelecidos nos arts. 5º e 6º da Portaria nº 137-A/2012, de 11/05.

A astúcia do Arguido consistiu, pois, em exteriorizar a sugestão, por via do uso por si feito daquele modelo, nos termos em que o fez, que o/a utente reunia critério para a comparticipação.

E esta dinâmica protagonizada pelo Arguido causou um benefício para o/as utentes, que pretendia, correspondente aos montantes que aquele/as foram indevidamente dispensado/as de pagar de cada vez que aviavam uma receita; e um prejuízo equivalente para o Estado, que se viu forçado a pagar indevidamente esse montante às farmácias.

Dir-se-á que podia o sistema estar organizado em termos diferentes, nomeadamente impondo um escrutínio mais apertado aquando da dispensa de medicação com comparticipação, logo nas farmácias, ou procedimentos de deteção de fraude mais precoces ao nível do sistema central, e com isso se evitariam pagamentos indevidos ou se mitigaria o seu alcance. Tudo isso é sempre possível, mas não exclui a conduta passada, nem o contexto e a intencionalidade que os factos revelam ter-lhe presidido.

Ainda a respeito do prejuízo patrimonial, ocorre acrescentar que ao reconhecimento da sua existência não obsta o acordo mencionado nos pontos 255. e 256 dos factos provados, acordo esse que levou o acórdão recorrido a concluir que também por esta via não poderia proceder a acusação, por não se saber se o SNS teve ou não prejuízo, assim como o nexo de causalidade entre as receitas em concreto e os montantes reembolsados pelo Laboratório de acordo com os contratos celebrados.

Estamos em crer, salvo melhor opinião, que há aqui uma certa confusão.

Primeiro aspeto: o SNS pagou o valor de comparticipações que não era suposto ter pago – é aqui que reside o seu prejuízo patrimonial direto e que está estabelecido nos factos provados.

Segundo aspeto: o acordo descrito nos factos 255 e 256 reporta-se a um teto geral de comparticipações que o Estado assegura, na relação com o titular da autorização de introdução no mercado do fármaco, neste sentido: o Estado assume as comparticipações devidas, mas se o valor destas ultrapassar certo patamar global, assiste-lhe contratualmente o direito de exigir daquele titular o reembolso na parte correspondente. Não significa isso, porém, que aquele prejuízo direto não tenha existido. Existiu e sempre existiria, aliás, visto que o teto a que alude o art. 6º, alínea d) do D.L. nº 48-A/2010, de 13 de maio, a que se refere o acórdão recorrido, é o que corresponde ao «valor máximo de vendas do medicamento a comparticipar», e as vendas de que aqui se cuida não era suposto serem «a comparticipar».

De todo o modo, mesmo que assim se não pense, o que quando muito aconteceria, ao abrigo do dito acordo, era que se chegaria a um ponto em que o prejuízo global para o sistema de comparticipações acabaria por estancar, visto que, embora o SNS suportasse a comparticipação na relação com as farmácias, e desse modo tivesse no imediato um prejuízo, viria a ser entretanto reembolsado do mesmo por terceiro, caso em que o prejuízo não deixava ainda assim de ter existido - apenas era transferido para terceiro, como se existisse um mecanismo sub-rogatório de seguro.

Em suma, afigura-se-nos estarem preenchidos os requisitos objetivos do tipo de crime; bem assim como os subjetivos, dado que os factos revelam que o Arguido atuou de forma livre, voluntária, com consciência da ilicitude e representando e querendo levar os serviços públicos a assumirem o custo correspondente à comparticipação do valor de cada medicamento prescrito, num total de € 98.057,70, em benefício ilegítimo do/as utentes.

Não pode assim deixar o Arguido de ser condenado pela prática do crime em apreço: burla qualificada, previsto e punível ao abrigo do disposto nos artigos 217.º/1 e 218.º/2 alínea a) CPenal, por referência ao artigo 202.º alínea b) do mesmo diploma”.

4. 2. O crime de burla.

O crime de burla está inserido no capítulo dos crimes contra o património em geral e está previsto, cfr. artigo 217.º CPenal, para a situação de “quem com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”.

Requisitos deste tipo legal surgem, assim:

uma actividade enganadora;

a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo;

a prática de actos pelo enganado;

o prejuízo patrimonial do enganado ou de outrem;

o duplo nexo causal, entre a actividade enganadora do agente e o erro do enganado e entre estes actos e o prejuízo patrimonial.

A conduta enganadora deve ser adequada a produzir um erro no sujeito passivo, deve ser a causa do erro, pressupondo um nexo de causalidade entre ambos.

Para que o engano seja causa adequada a produzir o erro é suficiente que possa exercer influência no ânimo do sujeito passivo. O meio enganador não é, no entanto, suficiente; torna-se necessário que ele consubstancie a causa do erro, em que se encontra o burlado. Como da mesma forma não será suficiente a simples verificação do estado de erro; necessário, será, ainda, que nesse engano resida a causa da prática pelo enganado dos actos donde decorre o prejuízo patrimonial.

O crime de burla, enquanto crime de dano, consuma-se com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro, que passa, então, por aquele apontado duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta do agente e a prática pelo burlado dos actos tendentes a uma diminuição do património e, depois, entre estes e a efectiva verificação do prejuízo.

O engano é o mais melindroso dos elementos deste tipo legal, se bem que seja, em simultâneo, o decisivo. É ele que individualiza o crime de burla em face das restantes figuras de enriquecimento ilegítimo.

Enganar é fazer crer a alguém, por acção ou de qualquer forma concludente, algo que não é verdade.

Por sua vez, a par da idoneidade do meio enganador, objectivamente apreciada, deve-se tomar em consideração a personalidade do burlado.

Aquilo que pode não revelar idoneidade como meio para enganar a generalidade das pessoas, pode-o assumir, no caso concreto, em face da particular credulidade ou falta de resistência do burlado, vg, mercê da fragilidade intelectual ou inexperiência ou de especiais relações de confiança para com o agente.

“Com efeito, na burla assiste-se a um dispositivo de estratagemas, à organização de enganos, a um certo cenário (mise-en-scène) que tem por fim dar crédito à mentira e enganar terceiros, segundo Garraud, citado pelo eminente penalista Prof. Beleza dos Santos, in estudo publicado na RLJ, Ano 76, n.º 2760, 278.

O que verdadeiramente distingue o dolo civil do dolo criminal, na esteira de Chauveau e Hélie, ali citados, págs. 275, é que no dolo civil se compreendem as manhas e artifícios que, embora, de per si, censuráveis, são no entanto empregados menos com o intuito de prejudicar outrém, do que no interesse de quem faz uso deles.

É nessa categoria que se vem a integrar os actos mentirosos nos contratos, o exagero do preço ou das qualidades do objecto da venda.

A lei penal não atingiu essa imoralidade, por ser mais fácil a defesa contra ele e toda a tentativa de representação prejudicar a segurança das convenções.

O dolo criminal não se manifesta somente pela simulação, pela manha, pois na burla se procura enganar, enredar, prejudicar terceiros.

A astúcia, pressuposto de resto já consagrado no artigo 148º C Penal helvético, para configuração do crime de burla, com descritivo típico em tudo similar ao do nosso C Penal actual, é algo que acresce à mentira, à dissimulação, ao silêncio, com carácter artificioso, reforçado habilmente com factos, atitudes e aproveitamento de circunstâncias que a tornem particularmente credível – nota 2, pág. 307.

A astúcia é um meio de enganar, com especial habilidade, direccionada ao aproveitamento ou mesmo criação de condições que lhe confiram particular credibilidade.

O embuste não tem que ser sofisticado, rebuscado, altamente engenhoso só apreensível por pessoas superiormente dotadas, deixando sem protecção (…) o cidadão medianamente inteligente, pois o que se pretende é que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, seja idóneo a enganar a boa fé da vítima, de modo a convencê-la a praticar actos em seu prejuízo, limitando-se ao que se torna necessário ao seu objectivo”. 1

O erro entende-se como o estado psicológico de falsa representação da realidade, consequência do engano e causa do acto de disposição patrimonial. Não é, no entanto, qualquer erro que o crime de burla pressupõe. O erro, aqui, tem de ser provocado astuciosamente, de forma fraudulenta. Maliciosamente era a expressão utilizada no já citado tipo legal previsto no nº. 4 do artigo 450.º C Penal de 1886.

Na actividade de apreciação do preenchimento dos elementos do tipo legal de burla, há que com muito cuidado apreciar e avaliar as palavras e declarações expressas, os actos concludentes e os silêncios, pois que o engano pode ser produzido por omissão.

O acto concludente ou engano implícito, assume a maioria das vezes uma conduta do agente que leva associada ou implícita a ideia de que vai cumprir a contraprestação, mas em que na realidade tal propósito não existe e a sua aparência outra finalidade não tem senão a de induzir em erro o ofendido. 2 Eis, o artifício fraudulento.

4. 3. A isto que contrapõe o arguido?

Invocando a violação, na decisão recorrida, dos artigos 217.º/1, 218.º/2 alínea a) e 202.º alínea b) CPenal, diz o arguido que,

- não se verifica erro ou engano astuciosamente provocado,

- existem dúvidas sobre o prejuízo efetivo do SNS,

- não se verifica actuação com intenção de prejudicar o Estado e não se verifica o dolo.

Estrutura o arguido este seu entendimento na afirmação de que se verifica uma ausência de intenção fraudulenta, se verifica a licitude das prescrições do ponto de vista clínico, se verifica a total ausência de mecanismos de controlo por parte do SNS, e uma incerteza sobre o dano patrimonial efetivo sofrido pelo Estado.

Diz o arguido que a decisão recorrida,

- interpreta de forma alargada o conceito de "astúcia", sem que tenha havido necessariamente um esquema fraudulento sofisticado, mas sim a exposição de uma lacuna no sistema - dir-se-ia tão evidente que parece intencional;

- assume um nexo de causalidade demasiado direto entre a ação do médico e o prejuízo, sem dar o devido peso às falhas de controlo por parte do próprio SNS.

- infere a intenção de enriquecimento ilegítimo de forma primária da ação em si, sem apresentar outras provas conclusivas desse propósito fraudulento, numa clara violação das regras legais da prova indirecta ou por presunção;

- não cumpre integralmente os requisitos para a caracterização do crime de burla, nomeadamente no que concerne à natureza da astúcia, à causalidade do prejuízo e à prova da intenção específica de defraudar.

Defende o arguido na linha da decisão de 1.ª instância que,

- não se verifica erro ou engano astuciosamente provocado, porque,

- ali se considerou que as receitas correspondiam a actos clínicos verdadeiros e argumentou-se que não houve qualquer erro ou engano astuciosamente provocado pelo médico que tivesse como consequência a aplicação da comparticipação pela farmácia;

- o arguido nunca indicou nas receitas que os beneficiários sofriam de diabetes tipo 2 com IMC superior a 35 kg/m2, nem instruiu os doentes para o fazerem na farmácia;

- ali se entendeu que cabia ao médico diagnosticar e prescrever, e à farmácia verificar as condições de comparticipação, salientando-se que nem a farmácia nem o Centro de Conferência de Faturas (CCF) tinham forma de confirmar se os utentes podiam ou não beneficiar da comparticipação, devido à proteção de dados clínicos - existe uma falha no controlo da comparticipação no sistema do SNS e não uma ação ardilosa do médico;

- ali se sublinhou que o INFARMED limitou a comparticipação do medicamento, e não a sua prescrição – o Liraglutido poderia ser prescrito para outras condições (como a obesidade), mesmo sem comparticipação do SNS;

- a prescrição efetuada pelo arguido foi clinicamente justificada para os seus pacientes com obesidade, independentemente da comparticipação;

- ali se entendeu que não se vislumbrava o recurso a qualquer meio astucioso para induzir em erro os técnicos do SNS relativamente ao pagamento de comparticipações que não eram devidas;

- o processo permitiu perceber que não é necessária qualquer tipo de astúcia ou engano para que o sistema de dispensa de medicamentos faculte ao cidadão o fármaco em questão com comparticipação pelo SNS;

- isto sucede porque o Estado assim quis que ocorresse e, mesmo depois de se considerar lesado, até hoje não instituiu um mecanismo eficaz de controlo da dispensa em farmácia deste tipo de medicamentos por razões que não se entendem e que só o Estado poderá explicar, mas que certamente beneficia os laboratórios e os doentes obesos;

- o arguido apenas prescreveu um medicamento de forma clinicamente apropriada, utilizando um formulário que era e é o padrão do SNS;

- a prescrição manual é admitida, apenas, em casos muitos específicos, devendo os médicos utilizar a prescrição eletrónica ou a prescrição materializada, não sendo correcta a conclusão da decisão recorrida de que o argui poderia ter prescrito o medicamento em questão de forma manual dado que nenhuma das situações legalmente previstas se verificaram.

Por outro lado, diz o arguido que existem dúvidas sobre o prejuízo efetivo do SNS, retomando também, aqui o entendimento da decisão que decretou a sua absolvição:

- os contratos secretos entre INFARMED e o laboratório ..., criaram dúvidas sobre se o SNS teve efetivamente prejuízo com a aplicação da comparticipação, porquanto tais acordos previam um tecto máximo de vendas e eventuais reembolsos;

- devido a esses acordos de payback, o dano patrimonial ao SNS não foi comprovado;

- a decisão recorrida entendeu que existiu prejuízo, mesmo sem cuidar de apurar se os autos revelam esse prejuízo face à existência desses acordos de payback, entendendo que a existência de posteriores reembolsos é irrelevante, argumentação que carece de lógica;

- os tais acordos de payback permitem perceber que o Estado se defendeu e bem de previsíveis volumes elevados de comparticipação do medicamento, reconhecendo não só a mais-valia desse medicamento no tratamento da obesidade, mas também a inexistência de um verdadeiro mecanismo de controlo da prescrição desse mesmo medicamento;

- as “más-línguas” diriam que existe uma clara intenção de não limitar a prescrição do medicamento, salvaguardado que está o risco de prejuízo para o Estado através dos tais acordos de payback;

- não foi feita prova da existência de efetivo prejuízo para o Estado.

E, finalmente defende o arguido que não se verifica actuação com intenção de prejudicar o Estado e não se verifica o dolo.

Para o que alinha o seguinte raciocínio:

- nas suas declarações finais na audiência de julgamento, referiu que tudo o que fez foi para ajudar e tratar a saúde dos seus doentes, sem qualquer intenção de prejudicar o Estado;

- a sua intenção era e é terapêutica, não tendo agido com o dolo específico de causar prejuízo patrimonial ao SNS;

- a decisão recorrida fazendo uso das regras de experiência comum, conclui que o arguido não podia não saber as regras de comparticipação do medicamento e os custos que isso traria para o Estado;

- neste tema da prescrição medicamentosa e comparticipação de medicamentos não se afigura correcto o recurso às regras de experiência “comum” pois falta ao julgador essa mesma experiência comum sobre a atividade médica e aquilo que são os conhecimentos dos profissionais de saúde sobre preço de medicamentos e regras de comparticipação;

- ao contrário, as regras de experiência comum aquilo que nos dizem é que os médicos não conseguem ter presente o preço dos medicamentos que prescrevem, precisamente porque a sua intervenção é técnica, com intuitos terapêuticos, na procura de dar ao paciente a melhor solução para os seus problemas de saúde - as questões financeiras não são parte integrante do raciocínio clínico;

- as testemunhas ouvidas em julgamento foram unânimes em referir que o custo do medicamento não era abordado em consulta;

- o que os factos provados permitem constatar é que foi a ausência de um sistema eficaz de controlo por parte do SNS para verificar as condições de comparticipação que permitiu os pagamentos alegadamente indevidos;

- a criação posterior de um alerta no sistema eletrónico de prescrição sugere que o sistema anterior tinha deficiências;

- o Estado tem mecanismos legais para controlar eficazmente a verificação das condições de comparticipação, mas, por alguma obscura razão, entendeu não as implementar no caso concreto do Liraglutido, eventualmente porque não tem prejuízo com essa comparticipação considerando os termos do acordo de payback que celebrou com o laboratório farmacêutico;

- o acórdão da 1.ª instância mencionou que a prescrição respeitou as exigências legais contidas nos artigos 5.º, 6.º e 9.º da Portaria 224/2015 – e, efetivamente assim foi, os autos revelam que o arguido cumpriu os requisitos legais da prescrição;

- a decisão recorrida interpretou incorrectamente as regras legais contidas no citado diploma legal ao concluir que o medicamento em questão poderia ser adquirido com recurso a receita manual e que essa receita não necessitaria de ter inscrito o n.º de utente do SNS do paciente.

4. 4. Aproximação ao caso concreto.

Para um mais correcto e cabal enquadramento e compreensão da realidade subjacente à questão da comparticipação de medicamentos por parte do SNS, passamos a transcrever o que da decisão recorrida, a este propósito, de forma absolutamente pertinente e esclarecedora, consta:

“Quanto ao funcionamento da comparticipação, veja-se que à data em que se iniciou a conduta do arguido vigorava o Decreto Lei 48-A/2010, de 13/05, que aprovou o regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, que consta do anexo I (artigo 2º), vigente desde 1 de junho de 2010 (artigo 10º).

Do artigo 1º desse anexo I consta a definição do objeto do diploma, que para o que aqui releva está definido desta forma, no seu nº 1:

“(…) o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos prescritos aos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e aos beneficiários da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE)”.

De acordo com o artigo 3º do diploma, sob a epígrafe “acesso à comparticipação de medicamentos”, estatui-se que “os utentes do SNS e os beneficiários da ADSE apenas beneficiam de comparticipação quanto aos medicamentos prescritos em receita médica destinada a esse fim, de acordo com o modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde”.

No Capítulo II, que figura sob a epígrafe “regimes de comparticipação de medicamentos”, há uma Secção I, intitulada “Regime geral de comparticipação de medicamentos”, artigos 4.º a 18.º, e uma Secção II, intitulada “Regimes especiais de comparticipação”, artigos 19.º e 20.º.

Dentro do “regime geral de comparticipação de medicamentos”, há quatro escalões, a saber, os escalões A, B, C e D, cujos níveis de comparticipação eram, respetivamente, 95%, 69%, 37% e 15%.

A decisão sobre o pedido de comparticipação do medicamento é da competência do membro do Governo responsável pela área da saúde, na sequência de um procedimento instruído pelo INFARMED e objeto de publicitação, artigos 7.º a 14.º.

Dentro dos “regimes especiais de comparticipação”, relevam os artigos 19.º e 20.º, que nos dizem que regimes especiais são esses:

- o artigo 19.º trata da “comparticipação em função dos beneficiários”, ou seja, pensionistas cujo rendimento total anual não exceda determinados valores fixados, n.º 1;

- o artigo 20.º trata da “comparticipação em função das patologias ou de grupos especiais de utentes”, em que a comparticipação se refere ao preço de medicamentos utilizados no tratamento de determinadas patologias ou por grupos especiais de utentes, definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, e que pode ainda ser restringida a determinadas indicações terapêuticas fixadas no diploma que estabelece a comparticipação, n.ºs 1 e 2.

No caso do Liraglutido/Victoza, percebe-se claramente da leitura do “relatório de avaliação do pedido de comparticipação” mencionado no facto n.º 36 que se trata de medicamento aprovado para esse efeito ao abrigo do regime geral de comparticipação, pela expressa menção ao artigo 4.º/2 alínea a) do Anexo I.

O Decreto Lei 48-A/2010, de 13/05 foi entretanto sofrendo alterações que não relevam para o caso que nos ocupa, exceto na alteração do nível de comparticipação do escalão A do regime geral, que passou para 90% por via do Decreto Lei 106-A/2010, de 1/10, e o seu anexo I veio a ser revogado praticamente na íntegra pelo Decreto Lei 97/2015, de 1/06, que entrou em vigor em 1 de julho de 2015, artigos 40.º alínea b) e 42.º.

Em matéria de comparticipação, com particular interesse para o caso que nos ocupa, atente-se ao teor mais relevante do artigo 13.º deste Decreto Lei 97/2015:

“1 - O Estado pode comparticipar a aquisição dos medicamentos prescritos aos beneficiários do SNS e de outros subsistemas públicos de saúde.

2 - A comparticipação referida no n.º 1 é estabelecida mediante:

a) Uma percentagem do PVP do medicamento;

b) Um sistema de preços de referência;

c) A ponderação de fatores relacionados, nomeadamente com características dos doentes, prevalência de determinadas doenças e objetivos de saúde pública.

3 - Os grupos e subgrupos farmacoterapêuticos de medicamentos que podem ser comparticipados, os escalões de comparticipação e os fatores de ponderação são fixados por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde.

(…)

6 - A comparticipação depende da prescrição ser feita em receita médica de modelo em vigor no SNS”.

E concretizam-se então no diploma os termos de cada um destes tipos de comparticipação, percebendo-se que continua a existir uma distinção entre um regime geral, com subgrupos e um regime especial, com a epígrafe, no artigo 22.º, de “outros regimes de comparticipação”, que contém o seguinte teor:

“1 - Podem ser estabelecidos regimes especiais de comparticipação para determinados grupos e subgrupos farmacoterapêuticos, tendo em conta, nomeadamente, o rendimento dos utentes, a prevalência das doenças e os objetivos de saúde pública.

2 - Mediante portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde podem ser estabelecidos regimes excecionais de comparticipação, nomeadamente para:

a) Determinadas patologias ou por grupos especiais de utentes;

b) Determinadas indicações terapêuticas;

c) Sistemas de gestão integrada de doenças;

d) Medicamentos qualificados, por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, como imprescindíveis em termos de sustentação de vida.

3 - Os regimes excecionais de comparticipação obedecem a procedimento que pode incluir avaliação prévia determinada pelo órgão que autorizar a comparticipação, nos termos a definir na portaria referida no n.º 4 do artigo 5.º (…)”.

4. 5. No ensinamento do Prof. Faria Costa, 3 importa proceder à delimitação do âmbito de protecção do ilícito subjacente a este tipo legal: apesar da característica acentuadamente solidária dos actuais Estados de Direito social, persiste a convicção de que, em primeira linha, compete a cada pessoa cuidar dos seus próprios interesses, surgindo a obrigação de salvaguardar bens jurídicos alheios – até por razões reportadas à preservação da autonomia da esfera privada – com carácter subsidiário e residual.

Este facto adquire particular acuidade na esfera das relações patrimoniais, quer de natureza civil, quer, sobretudo, comerciais, no âmbito do mundo dos negócios.

Com efeito, numa economia de mercado, assente em mecanismos de livre concorrência, o sucesso liga-se, as mais das vezes, ao superior conhecimento das características do sector concreto de actividade e assim, em termos de erro ou de ignorância dos seus competidores. Dentro de certos limites, o mencionado domínio do erro consubstancia um elemento constitutivo, intrínseco, do regular funcionamento de uma economia de mercado. Neste caso o correspondente exercício apresenta-se conforme à ordem jurídica, não podendo integrar a previsão do ilícito criminal em apreciação.

A questão será já diversa, quando tal domínio corresponder a uma actuação ofensiva das relações de lealdade que deve acompanhar o comércio jurídico e como tal consubstanciando o domínio do erro penalmente relevante. 4

Como da mesma forma, o Prof. Costa Andrade, 5 defende que importa ponderar a existência, ou não, de um critério legal de interpretação da factualidade típica susceptível de em certos domínios, um deles a burla, permitir valorar a conduta da vítima do ponto de vista da carência de tutela jurídica e, por essa via, excluir determinadas expressões da vida do âmbitos da factualidade típica. Citando Hassemer, que parte do princípio da subsidariedade do direito penal – a que atribui dignidade constitucional – segundo o qual a intervenção do direito criminal só é legítima quando a tutela de bens jurídicos em causa, não puder ser garantida por outras vias, que impliquem custos menos gravosos para os direitos do homem, tal princípio vale sem limites, ié, tanto em relação ao outras alternativas estaduais como alternativas privadas, nomeadamente a auto-tutela que se permite e se reclama aos portadores concretos de bens jurídico-penais.

Quer dizer o princípio da subsidariedade do direito penal tem como reverso um princípio de auto-responsabilização dos titulares concretos dos bens jurídico-penais.

O direito não pode exigir que os indivíduos se fechem à participação social e evitem todo o contacto histórico-socialmente adequado mesmo que susceptível de criar risco para os respectivos bens jurídico-penais. Mas já pode reclamar que não sejam eles a elevar as cotas de risco em termos que ultrapassem o limiar de que a lei, de forma abstracta e típica, faz depender a sua intervenção. Pois se aquele limiar só foi atingido e excedido por razões imputáveis à vítima – que não aproveitou as oportunidades de auto-tutela que lhe eram oferecidas e cujo aproveitamento lhe era exigível, então terá que se concluir, à luz dos princípios da subsidariedade e da proporcionalidade, que ela se colocou fora do âmbito de tutela da norma penal incriminatória.

Aplicando esta construção à interpretação da factualidade típica do crime de burla, interroga-se Hassemer, sobre se deverá considerar-se o elemento erro da vítima em todos os casos em que a sua situação cognitiva se caracteriza pela dúvida concreta: nos casos em que, não sendo de convicção subjectiva quanto à verdade do estado de coisas apresentado fraudulentamente pelo agente, ultrapassa, todavia, o grau de mera dúvida difusa adequada ao tráfego normal comercial.

Dúvida concreta, existirá, quando o comprador do automóvel usado, a quem o vendedor garante que o mesmo nunca sofreu qualquer colisão, sendo que o estado da pintura e da chaparia, apresenta sinais concretos que torna razoável a representação da possibilidade de ocorrência da colisão e, por seu lado, dúvida difusa, ocorrerá, quando, o mesmo comprador, sem ignorar a eventualidade e mesmo frequência de fraude nesta actividade, não vê sinais externos e concretos susceptíveis de fazer ultrapassar este estado difuso e generalizado de dúvida.

Sustenta, então, Hassemer, que o enquadramento de cada uma destas duas situações, deve ser diferenciado: ninguém pretenderá excluir a subsunção da 2ª hipótese na factualidade típica do crime de burla, em especial no elemento erro. Será diferente quanto à 1ª situação: se com a dúvida concreta se verificar, cumulativamente, que sem custos ou sacrifícios inexigíveis, o comprador poderia alargar o seu campo de informação ou, em alternativa, renunciar à transacção. Se o portador do bem jurídico não assume qualquer destas atitudes alternativas, embora tal lhe fosse possível e exigível, então falha a sua carência de tutela e por isso, a aplicabilidade do elemento da factualidade típica, erro, com a consequência de ter que se excluir, pelo menos, a condenação por burla consumada.

Claro que esta teoria não é decisiva para fundamentar a carência de tutela penal do bem jurídico, sobretudo em sociedades como a portuguesa, mal habituada para aceitar subtilezas da doutrina, antes habituada a recorrer à protecção que lhe é facultada pelo direito criminal para resolver problemas decorrentes de negócios jurídicos tutelados pela lei civil ou comercial. É certo que o direito criminal presta apoio com as suas técnicas específicas a outros ramos de direito, mas resta saber se tal apoio não deverá, em certas situações particulares sofrer algumas restrições, sobretudo quando os lesados omitem as precauções exigíveis e normais em contraentes prudentes e avisados. 6

A manutenção da actualidade da questão subjacente à realidade aqui espelhada – médico que pretende tratar os pacientes da obesidade com o recurso ao receituário do SNS, com a prescrição de medicamento apenas com indicação terapêutica para comparticipação para diabetes – versus a preocupação de assegurar o equilíbrio das contas públicas (implícito na fixação de regras pelo Infarmed, para comparticipação), está hoje, deveras, expressivamente, traduzida na edição do “Público”, com a chamada de 1.ª página, “Portugueses gastam mais de 21 milhões de euros nos novos medicamentos para a obesidade”, que pode ser acedida em https://www.publico.pt/2025/06/02/sociedade/noticia/obesidade-portugueses-gastam-21-milhoes-euros-novos-medicamentos-2135072?utm_content=web_manhas.

4. 6. Baixando ao caso concreto.

Cremos não ser, de todo, pertinente nenhuma das críticas que o arguido dirige à decisão recorrida.

As críticas do arguido esbarram na realidade que os factos provados deixam transparecer.

As críticas que o arguido dirige à decisão recorrida e os elogios que, pelo contrário, dirige à decisão da 1.ª instância não têm em linha de conta a alteração do julgamento da matéria de facto.

A matéria de facto definida na decisão recorrida e aqui tida por definitivamente fixada e intangível não suportam qualquer das críticas feita pelo arguido.

A leitura que o arguido faz dos factos não tem qualquer suporte, qualquer respaldo na verdade processualmente adquirida.

E, por isso está, incontornavelmente, votada ao insucesso.

Começando pelo princípio, pela ordem cronológica dos factos.

É evidente que todo o receituário corresponde a actos médicos levados a cabo pelo arguido - no seu consultório privado.

Naturalmente, que com o grau de autonomia científica, de acordo com as boas práticas clínicas as “legis artis” da medicina, o arguido fez o diagnóstico aos pacientes que o procuraram e prescreveu a terapêutica que reputou de adequada.

Não está, não esteve, não estará nunca isso em causa.

Operação de que resultou e que culminou com a prescrição do medicamento que entendeu apropriado, para combater o diagnóstico, invariavelmente, de obesidade - não estando aqui em causa a desconformidade técnico-científica da terapêutica, em face do diagnóstico que foi feito.

O arguido prescreveu, no seu inalienável e incontornável direito o medicamento que considerou o indicado.

E nenhum impedimento, nenhum constrangimento se lhe deparava para o fazer.

A questão surge na forma e nas condições em que o fez.

Aquele medicamento está indicado pelo Infarmed como sendo comparticipado pelo SNS, na percentagem de 90%, para determinada patologia, ié., com determinada indicação terapêutica – que não o simples tratamento da obesidade.

Com efeito, nas indicações terapêuticas do medicamento constava:

- indicado no tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 para alcançar o controlo glicémico:

Em combinação com:

Metformina ou uma sulfonilureia, em doentes com um controlo glicémico insuficiente, apesar da dose máxima tolerada de monoterapia com metformina ou sulfonilureia.

Em combinação com:

Metformina e uma sulfonilureia ou metformina e uma tiazolidinediona em doentes com um controlo glicémico insuficiente, apesar da terapia dual.

A avaliação restringiu a indicação sujeita a comparticipação a doentes com diabetes tipo 2 obesos (IMC igual ou superior a 35 kg/m2 kg/m2 ), em segunda linha (adicionado a metformina, ou sulfonilureia ou glitazona, se houver intolerância a qualquer um destes fármacos) ou em terceira linha (após dois dos anteriores e também inibidores das DPP-4).

Consta das conclusões do “relatório de avaliação do pedido de comparticipação de medicamento para uso humano” que o Liraglutido é um medicamento com valor terapêutico acrescentando em relação à insulina nos doentes diabéticos com obesidade (IMC superior a 35 kg/m2 kg/m2), que precisem de insulina, uma vez que o valor terapêutico acrescentado diz respeito à capacidade de reduzir o peso nestes doentes, ao contrário da insulina que o aumenta.(fls. 22)

O Liraglutido reduz o peso corporal e a massa de gordura corporal através de mecanismos que envolvem a redução da sensação de fome e a diminuição da necessidade de aporte de energia.

O que aqui está em causa é, tão só a limitação resultante do enquadramento legal da comparticipação por parte do SNS.

Deixando, de lado, por isso, a óbvia situação de prescrição a um paciente com obesidade do mesmo medicamento, por isso fora da indicação aprovada pelo Infarmed para beneficiar de comparticipação do SNS, ser feita não utilizando o formulário do SNS – onde a prescrição manual assume natureza excepcional e reservada a situações muito restritas.

Com tudo de diverso que isso pressupõe.

O arguido podia prescrever aquela concreta medicação para a concreta patologia das testemunhas, suas pacientes.

Contudo, o que aqui está em causa é saber se o dito medicamento, fora da sua indicação terapêutica aprovada podia ser prescrito nos termos em que o foi.

Com recurso a formulário do SNS, com a indicação do SNS como entidade financeira responsável e com indicação do número de utente do SNS.

E, se tal determinava, de forma directa, imediata o acionamento automático do mecanismo da comparticipação, de 90% para o SNS e de 10% para o doente.

E a resposta é inequívoca.

O uso do formulário de receita do SNS, com indicação do SNS como entidade financeira responsável e com a indicação do número de utente do SNS, nos termos em que o foi, geraria, por defeito, o acionamento da dita comparticipação.

O arguido emitiu e assinou receitas de LIRAGLUTIDO/VICTOZA, fármaco eficaz na perda de peso e inibição do apetite, a favor dos seus pacientes, que não padeciam de diabetes mellitus de tipo 2.

Esta prescrição, feita, como foi, através do pertinente formulário do SNS, com a necessária indicação do SNS como entidade financeira responsável e com o número de utente, determinava um directo, imediato, necessário e automático resultado.

Sendo aviada a receita, o doente apenas pagaria 10% do seu preço de venda ao público e o SNS comparticipava os restantes 90%.

Só que a questão fulcral reside no facto de que nenhum dos ditos doentes apresentava a patologia de que o Infarmed fazia depender a comparticipação por parte do SNS.

E, então, toda esta actuação, desencadeou o indevido reembolso por parte do SNS, em situações em que os doentes não apresentavam a patologia indicada para a comparticipação do medicamento, a que formalmente se apresentavam com direito por via da exibição da receita emitida através do formulário do SNS, com a indicação do SNS como entidade financeira responsável e com a aposição do número de utente.

A partir do momento em que o arguido faz uso do modelo de receita do SNS, aí apondo o SNS como entidade financeira responsável e apondo o número de utente, está, inequívoca e inelutavelmente, a fazer despoletar o sistema de comparticipação, na forma e nos moldes em que se traduziu – o SNS pagava 90% e o doente pagava apenas 10%.

O arguido bem sabia que ao utilizar o modelo de receita do SNS com indicação do número de utente, sem nenhum esclarecimento adicional, se mais nenhum elemento, seria acionada a indevida comparticipação, baseada na pressuposição falsa de que o/a utente padecia da patologia que justificaria a comparticipação e para a qual o emprego daquele modelo seria essencial, nos termos para que aponta a legislação aplicável.

Aqui reside, inquestionavelmente, a astúcia do arguido, ao exteriorizar a sugestão, por via do uso por si feito daquele modelo, nos termos em que o fez, que o/a utente reunia critério para a comparticipação – quando não reunia de facto.

Por defeito, bem sabia o arguido, que através daquela sua forma de prescrição seria accionado o regime de comparticipação que foi, de facto.

O Liraglutido/Victoza integra-se no regime geral de comparticipação e o arguido a partir do momento em que faz uso do modelo de receita do SNS, aí indicando o SNS como entidade financeira responsável e apondo o número de utente, está a fazer despoletar o sistema de comparticipação, defindo pelo Infarmed – 90% para o SNS e 10% para o doente.

Tudo o que se segue parte do pressuposto que o doente preenche o critério da indicação terapêutica do medicamento, para aquela prescrição e, no que ao caso releva, para aquela forma de comparticipação.

Não tivesse o arguido emitido o receituário da forma – enganosa - como emitiu e não teria sido accionada, de forma automática, a dita comparticipação.

Os doentes continuavam a pagar, para tratamento da obesidade, sensivelmente, a mesma quantia que antes pagavam pelo produto manipulado, agora pelo medicamento prescrito.

O arguido continuava a exercer no seu consultório. Os doentes continuavam a procurá-lo e o arguido continuava a actuar a bem da saúde pública.

Tudo, sem a comparticipação do SNS, que no caso não estava prevista para as patologias que todos os doentes apresentavam e para o medicamento, invariavelmente, prescrito, para as tratar.

O arguido, ao emitir uma receita através de um formulário do SNS está a fazer presumir que o diagnóstico do utente preenche os requisitos exigidos para a comparticipação.

Foi através deste estratagema, deste método de actuação, desta prática clínica que o arguido induziu em erro todos os que a jusante da sua actuação se encontravam.

O doente desde logo, fazendo-o crer que para a sua patologia aquela prescrição seria comparticipada a 90% e que por isso aviava a receita desembolsando, apenas, uma pequena parte do valor de venda ao público. E assim cairia por terra o argumento do preço elevado do manipulado que, antes, tinham de suportar na totalidade.

A farmácia que iria aviar a receita, que no acto apenas recebia 10% do preço e que depois seria reembolsada pelo SNS dos restantes 90%. Quando, naquelas concretas e precisas circunstâncias, o aviamento da receita daria lugar ao pagamento imediato da totalidade do preço de venda ao público.

E, os serviços competentes do SNS de conferência de receitas, primeiro e, de reembolso depois, à farmácia do valor respeitante à comparticipação do medicamento.

A que não estava obrigada, em face do medicamento concreto não se destinar a doente com a patologia indicada para o efeito de desencadear aquela comparticipação.

E que apenas o fazia na falsa pressuposição de que o utente do SNS padecia da patologia, condição, justificação, sem a qual a comparticipação não tinha lugar.

Quando afinal de facto, na verdade, o pressuposto material, a única patologia prevista, não se verificava, nenhum dos doentes a apresentava.

Apenas se verificava, sim, a aparência do direito à comparticipação, através a prescrição ter sido feita no suporte, formulário do SNS.

Elemento cujo emprego era essencial, como aponta a legislação aplicável.

Aqui se salientado que o próprio médico prescritor não é alheio à definição da existência ou não de comparticipação, como aliás decorre dos diferenciados termos a que deve obedecer a prescrição, consoante haja ou não comparticipação e que se encontravam estabelecidos nos artigos 5.º e 6.º da Portaria 137-A/2012, de 11.5 e, depois da que se lhe seguiu, a Portaria 224/2015 de 27.7.

Aqui reside, por outro lado o prejuízo do SNS, traduzido no facto de estar a reembolsar, indevidamente 90% do valor de venda ao público de determinado medicamento, que na situação concreta, na relação patologia/prescrição em formulário do SNS, não teria de reembolsar.

Se o medicamento estava, pelo Infarmed, indicado para determinada patologia, se era essa indicação que determinava a comparticipação e, sua percentagem, por parte do SNS, se nenhum dos doentes a quem foi prescrito, através do formulário do SNS dela padecia, logo a prescrição não podia dar direito a comparticipação.

Tudo isto bem sabendo o arguido que a sua actuação desencadearia aquela consequência, por si querida, naturalmente, de levar o SNS a assumir o custo correspondente à comparticipação do valor de cada medicamento prescrito, num total de € 98.057,70, em benefício ilegítimo dos utentes/paciente do arguido.

Quando afinal bastaria, para ter evitado a comparticipação indevida por parte do SNS, não usar o formulário do SNS para fazer a prescrição.

No que ao caso releva, para evitar aquela forma de comparticipação, porque qualquer medicamento pode ser prescrito off label, ié. para além da sua indicação terapêutica. Mas fora do regime de comparticipação definido pelo Infarmed para os utentes do SNS.

A astúcia do arguido consistiu, pois, em exteriorizar a sugestão, de forma absoluta e indesmentivelmente, concludente, no meio em que desenvolve a sua actividade profissional, por via do uso por si feito daquele modelo, nos termos em que o fez, que o/a utente reunia critério para a comparticipação.

Esta actuação do arguido causou um benefício para os utentes, que pretendia, correspondente aos montantes que foram indevidamente dispensados de pagar de cada vez que aviavam uma receita e, um, inerente e consequente prejuízo equivalente para o Estado, que se viu forçado a reembolsar, indevidamente, esse montante às farmácias.

É evidente que, como em sua defesa alega o arguido, o sistema podia estar organizado em termos diferentes, nomeadamente impondo um escrutínio mais apertado aquando da dispensa de medicação com comparticipação, logo nas farmácias, ou procedimentos de deteção de fraude mais precoces ao nível do sistema central.

E, assim, se evitariam pagamentos indevidos ou se mitigaria o seu alcance.

Tudo isso é sempre possível, mas não exclui a ressonância jurídica, a censura penal inerente à sua apurada, reiterada, conduta.

Os factos assumem, naturalmente, determinado contexto e intencionalidade.

É claro que numa sociedade perfeita, em termos de implementação de mecanismos de organização, gestão, controlo, despiste e dissuasão, a actuação do arguido não conduziria ao resultado final.

Ou, ainda, o arguido só actuava daquela forma porque sabia da forma de funcionamento, em concreto, do sistema, em que estava inserido, profissionalmente.

Da mesma forma, numa sociedade perfeita em termos de educação cívica, numa sociedade desenvolvida, com outros níveis de cidadania, de sentido de responsabilidade e de solidariedade, estes factos não aconteceriam, de todo.

No que respeita ao prejuízo, que o arguido tem dúvida se tenha verificado, obviamente que este – de resto como o dolo, pois que não existe dolo subsequente – se tem que verificar aquando da consumação do crime.

O SNS pagou o valor de comparticipações que não era suposto ter sido pago – é aqui que reside o seu prejuízo patrimonial directo e imediato, causado pelo erro inerente à prescrição na forma e nas condições que que foi feita.

É o que basta e é suficiente para se ter como verificado tal elemento constitutivo do tipo. Independentemente de qualquer desenvolvimento posterior, no sentido ou com a virtualidade de o reparar, minimizar, reduzir ou eliminar.

E, assim, o facto de existir um acordo entre o laboratório que produz o medicamente e o SNS que se reporta a um tecto geral de comparticipações que o Estado assegura, na relação com o titular da autorização de introdução no mercado do fármaco, através do qual o Estado assume as comparticipações devidas, mas se o valor destas ultrapassar certo patamar global, assiste-lhe contratualmente o direito de exigir daquele titular o reembolso na parte correspondente, não significa que aquele prejuízo direto não tenha existido.

Desde logo, pela simples e singela razão de que o referido tecto diz respeito ao valor máximo de vendas do medicamento a comparticipar e, as vendas aqui em causa não era suposto serem a comparticipar.

O mesmo aconteceria em caso de existência de seguro, por parte do lesado no crime de burla. Ou mesmo, por via do subsequente desenvolvimento da vida comercial o prejuízo se ter vindo a repercutir, em última análise em outra pessoa inserida na cadeia mercantil.

O prejuízo do SNS é evidente, traduzido no reembolso – que não era suposto ser feito - de 90% do valor de venda ao público do medicamento.

Mesmo que, eventualmente, por via do dito acordo o SNS tenha vindo a ter recebido o que quer que fosse pela prescrição do medicamento.

O nexo de causalidade entre o erro e o prejuízo, é ostensivo, o pagamento do reembolso apenas ocorreu dado o facto de o arguido ter utilizado o formulário do SNS, numa situação em que os doentes não apresentavam a patologia, única, de resto, indicada pelo Infarmed como condição da sua comparticipação.

E, não se diga como faz o arguido que a decisão recorrida colocou ênfase na astúcia do médico em detrimento das falhas do sistema, enquanto que a decisão da 1.ª instância realçava as debilidades do sistema de conferência de faturas e a ausência de mecanismos de controlo para verificar o diagnóstico dos utentes - argumentando e, bem, nas suas palavras, que, sendo o SNS incapaz de validar as condições de comparticipação, deveria assumir o risco da sua aplicação indevida.

Com efeito o que a decisão recorrida fez, ainda nas próprias palavras do arguido, foi especificar, concretizar, densificar a forma como o arguido induziu o SNS em erro ao prescrever o medicamento em formulários do SNS a pacientes não elegíveis para comparticipação e que a astúcia do arguido consistiu em exteriorizar a sugestão de que os utentes reuniam critérios para a comparticipação ao utilizar o formulário de receita do SNS.

Como já deixamos enunciado as falhas do sistema no caso concreto adicionam-se à voluntariosa actuação do arguido.

Sem esta o crime não se verificava. Isto é que é o essencial e decisivo.

O que o arguido qualifica de falhas, seja a forma de funcionamento, em concreto, dos serviços reportados ao controlo de receituário e ao encaminhamento do reembolso, foram o pasto evidente propício para a actuação do arguido.

O que em nada contende com a sua responsabilidade pessoal.

As ditas falhas sistémicas não têm qualquer virtualidade, nenhum relevo assumem, nem minimizando, nem reduzindo, nem eliminando, a sua responsabilidade criminal.

Falhas que afinal, vieram, ainda assim, ao fim de 3 anos, a constatar, a denunciar e a colocar termo, à atuação ilícita e criminosa do arguido.

Constituem é certo, circunstâncias externas que o arguido conhecia e que aproveitou para concretizar o seu desígnio criminoso.

E, não será o contexto externo, a forma de funcionamento do sistema, sem mecanismo eficaz do controlo de diagnóstico médico - sem atentar contra o sigilo médico - que impede, como defende o arguido, se qualifique a sua conduta como astuciosa, com utilização de artifício, de manobras fraudulentas ou encenações destinadas a induzir o erro na vítima – traduzida, no caso concreto, na utilização do formulário do SNS, para a prescrição em situação que caía fora do âmbito da comparticipação por parte do SNS.

Diz o arguido que, a burla implica um "processo enganatório, astucioso" e que a falta de controlo por parte do SNS das regras da comparticipação era uma vulnerabilidade do sistema e não resultado de um esquema ardiloso por si orquestrado.

É claro que sim.

A questão é que o arguido aproveitou a por si sabida vulnerabilidade do sistema para o enganar, para o induzir em erro, pela forma e condições que prescrevia.

E, como parece evidente, para a questão aqui em apreço, em nada releva a pergunta que formula sobre saber a quem interessa a evidenciada vulnerabilidade do sistema.

Não é seguramente ao médico que prescreve em formulário do SNS medicamente indicado para patologia, fora do âmbito de comparticipação do SNS.

Independentemente de ser, como alega o arguido, fácil de corrigir.

Ou de ainda persistir nos dias de hoje.

Em outra perspectiva não fosse o ardil do arguido e o sistema não era, sequer, colocado à prova.

E, como parece, medianamente evidente não será pelo facto de o sistema não ter adoptado um mecanismo capaz de detectar, desde logo, os sucessivos e reiterados erros do arguido que tem a virtualidade, tem o efeito de afastar, de apagar, de eliminar o carácter ilícito da sua conduta.

De eliminar o erro de verificar essa informação, concluindo que não se verificou um "erro" induzido por uma ação astuciosa da sua parte.

Em conclusão, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao entender que estão preenchidos todos os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo do tipo legal de crime de burla, pelo qual vem o arguido condenado.

Improcede, assim, o recurso.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III do RCProcessuais.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 26JUN2025

Ernesto Nascimento - Relator

Celso Manata - 1.º Adjunto

Jorge Gonçalves – 2.º adjunto


-*-


1. Cfr. Acórdão do STJ de 20DEZ2006, que vimos seguindo de perto e outros aí citados.

2. Voto de vencido subscrito pelo então Desembargador Santos Cabral no Acórdão da RC de 13.12.2000, in CJ, V, 54.

3. C Penal Conimbricense, II, 263

4. Voto de vencido subscrito pelo então Desembargador Santos Cabral no Acórdão da RC de 13.12.2000, in CJ, V, 54.

5. Citado no Acórdão do STJ de 1.7.1998, de que foi relator o Conselheiro Lopes Rocha, in CJ, S, II, 223 e extraído do estudo denominado “Sobre o estudo e Função da Criminologia Contemporânea, in Separata do BMJ 13, 25.

6. Citado acórdão de 1.7.98