Sumário
I. Em mandado de detenção europeu os prazos da privação da liberdade são os fixados no artigo 30º da Lei 65/03 de 23.8: 60 dias até à prolação do acórdão da relação sobre a execução do mandado; 90 dias, no caso de ser interposto recurso da decisão da relação; e, 150 dias, no caso de ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
II. A prorrogação do prazo ordenador constante do nº 3 do art. 26º da Lei 65/03 limita-se aos prazos para decisão e não se pode estender aos prazos de duração máxima da detenção, fixados peremptoriamente no art. 30º.
III. A libertação do arguido por ter sido ultrapassado o prazo máximo de detenção não obsta ao prosseguimento do processo, adopção das medidas necessárias à sua execução e fixação das medidas adequadas para impedir a sua fuga.
Decisão Texto Integral
Acordam em audiência na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. RELATÓRIO
AA, detido à ordem dos autos acima identificados - instaurados com vista à execução de mandado de execução europeu proveniente das autoridades dos Países Baixos, veio ”requerer a concessão da providência de HABEAS CORPUS, ao abrigo dos artigos 222°, n.° 2, alínea c), e 223°, ambos do Código de Processo Penal”, com os seguintes fundamentos:
«O requerente encontra-se em situação de prisão ilegal, dado que esta se mantém para além dos prazos fixados pela lei, nos termos do artigo 222°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O requerente está em situação de prisão decretada ao abrigo da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, desde 2 de Julho de 2024.
Em 3 de Julho de 2024, foi reconhecida a validade da detenção, decretando-se que aguardasse os ulteriores termos em prisão preventiva.
No dia 30 de Setembro de 2024, cumpriram-se 90 dias desde a data da detenção do requerente.
Em 2 de Outubro de 2024, encontrando-se o requerente já detido há mais de 90 dias, veio este requerer ao Tribunal da Relação de Lisboa a sua libertação imediata por transcurso do prazo máximo de detenção, nos termos do art.° 30°, n.° 1 e 2, da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto.
Citamos os termos do artigo 30°, n.° 1, da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto: "a detenção, da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, podendo ser substituída por medida de coacção prevista no Código de Processo Penal." - este é o prazo geral.
Citamos ainda os termos do artigo 30°, n.° 2, da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto: "o prazo revisto no número anterior é elevado para 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação."
O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou, no entanto, o pedido de libertação por entender, peregrinamente, que "tendo o arguido apresentado recurso em 2/10, este facto não pode impedir a aplicação do n.° 2 do artigo 30° da citada Lei 65/2003, que determina que o prazo de detenção é acrescido de 30 dias se for interposto recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação. Assim, no caso do recurso vir a ser interposto, como é o caso, é nosso entendimento que resulta claro da conjugação de todas estas citadas normas que o prazo de detenção tem agora o seu termo no dia 29/10, sendo um prazo que corre, de imediato, a seguir, ao referido dia 29/9".
Esta interpretação é ilegítima, pois colide, desde logo, com a própria letra da lei - já para não falar do espírito da mesma -, uma vez é claro que, no n.° 2 do artigo 30° da Lei n.° 30/2003, de 23 de Agosto, o prazo máximo de detenção de 60 dias, contado desde a data em que esta ocorreu, é elevado para 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação.
Ou seja, o prazo geral é de 60 dias e a lei só admite duas situações em que o prazo não segue o prazo geral: a primeira, é a do recurso sobre a decisão do tribunal da relação que eleva o prazo para 90 dias; e a segunda, é a do recurso para o tribunal constitucional que eleva o prazo para 150 dias - não há outras situações.
Aliás, alertamos que a norma do artigo 30°, n.° 2, da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, não determina um acréscimo de 30 dias se foi interposto aquele recurso, mas uma elevação do prazo de 60 dias para 90 dias se for interposto tal recurso.
Ora, no presente caso, este prazo de 90 dias já havia transcorrido antes da interposição de recurso sobre a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que não há agora lugar a mais um acréscimo de mais 30 dias - invenção normativa do Tribunal da Relação de Lisboa.
De acordo com o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, a lei teria de ter sido pensada e redigida de modo profundamente distinto, pois devia admitir um outro prazo de 120 dias de detenção contado desde a data da privação da liberdade.
Este entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa é manifestamente ilegal, não só por introduzir contra-legem um prazo de privação da liberdade que não está previsto no diploma citada, como por perturbar insanavelmente a segurança jurídica que a lei deve proporcionar às pessoas que a ela se devem se submeter.
Nestes termos e nos demais de Direito, impõe-se que seja concedida a providência de habeas corpus, ordenando-se in continenti a libertação do requerente por se ter esgotado o prazo de duração máxima da sua detenção, a saber, 90 dias.».
Foi prestada informação judicial a que alude o art. 223º nº 1 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
«AA, veio interpor petição de Habeas corpus por prisão ilegal, ao abrigo dos artigos 222°, n.° 2, alínea c), e 223°, ambos do Código de Processo Penal.
Cumpre, elaborar a informação a que se reporta o n°.1 do art°.223° do Código de Processo Penal, o que se faz nos termos seguintes.
a. Os factos relevantes para a decisão constam do despacho de 4/10/2024, que em apertada síntese, são os seguintes:
a.a. O requerido foi detido no dia 2/7/2024 e ouvido neste TRL em 3/7/2024, que validou a detenção e determinou que aguarda-se os ulteriores do processo em prisão preventiva;
b. O prazo de 60 dias a que se reporta o nº 2 do artº 26 da Lei 65/2003 de 23/8, teve o seu termo em 30/8/024;
c. Sucede que em 27/8/2024, procedeu-se a repetição integral do auto de audição de arguido detido tendo a Exma. Desembargadora de turno proferido despacho que determinou “que o aguarda-se os ulteriores termos do processo na situação em que se encontra, nos termos já decididos no despacho de 3/7/2024” e determinou que se informasse “a autoridade de judiciária de emissão que tenho havido necessidade de solicitar informações complementares, a decisão sobre a execução do MDE, a decisão não poderá ser proferida no prazo de 60 dias a que alude o art.º. 26 nº 2 da lei 65/2003.
Pelo exposto prorroga-se tal prazo por mais 30 dias ao abrigo do nº 3 do normativo legal.
d. Assim, o termo do prazo alargou-se para 90 dias e passou a fixar-se no dia 29/9.
e. Entretanto, no dia 25/9, este Tribunal da Relação proferiu decisão final, a qual foi notificada, na mesma data, ao Mandatário do requerido.
f. O prazo para interpor recurso iniciou-se a 28/9 e, nos termos do disposto no artº 24 nº 2 da citada Lei 65/2003, terminou em 2/10 - data em que, efectivamente o requerido veio interpor recurso da decisão deste TRL.
g. E não podendo este facto impedir a aplicação do disposto no nº 2 do artº 30 da Lei 65/2003, que determina que o prazo de detenção é elevado de 30 dias se for interposto recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, o prazo de detenção tem agora o seu termo no dia 29/10 - prazo que corre, de imediato, a seguir ao referido dia 29/9, sem que haja qualquer suspensão desse prazo.
h. Se assim não se entendesse, em todas as situações em que o prazo para a interposição de recurso ultrapassa o prazo de detenção, bastaria que se deixasse correr esse prazo até ao último dos 5 dias, para esvaziar de conteúdo a citada norma do nº 2 do artº 30, o que não seria compreensível.
i. Entende-se, pelo exposto, que a detenção do requerido se contem dentro dos prazos fixados na lei, sendo a mesma de manter.».
O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.
Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.
A secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão a decidir
A questão a decidir é a prisão ilegal do peticionante e a sua libertação por se ter esgotado o prazo de duração máxima da sua detenção.
2. Factualidade e iter processual
A matéria de facto relevante para a decisão resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada e da certidão que acompanha os presentes autos, de que resultam os seguintes elementos de facto:
1. O requerido nos autos foi detido no dia 2 de julho de 2024, por existir Mandados de Detenção Europeu emitido pelas autoridades dos Países Baixos;
2. No dia 3 de julho de 2024 procedeu-se à audição do requerido, sendo julgada válida a detenção e determinado que o requerido aguardasse os ulteriores do processo em detenção, tendo-lhe sido concedido prazo de 10 dias para deduzir oposição;
3. No final de nova audição que teve lugar no dia 27 de agosto de 2024, foi proferido o seguinte despacho:
«A detenção foi validamente efetuada conforme já afirmado no despacho judicial de 03/07/2024 aquando da da audição do detido, não tendo sido posta em causa nos autos.
(…)
Pelo exposto determino que o detido aguarde os ulteriores termos do processo na situação de detenção em que se encontra, nos termos já decididos aquando da sua audição neste Tribunal da Relação de Lisboa no dia 03/07/2024, validando os mandatos oportunamente emitidos. Entende-se que só esta detenção poderá assegurar a integral execução do presente MDE até a sua efectivação, não sendo suficiente, adequado e exequível qualquer outra medida de coação prevista no CPP. Art.º 191º, 192º, 193º, 202º e 204º, alínea a) do CPP.
Junta que seja a oposição, vão os autos com vista ao Ministério Público.
Informe a autoridade judiciária de emissão que tendo havido necessidade de solicitar informações complementares, a decisão sobre a execução do MDE não poderá ser proferida no prazo de 60 dias a que alude o ar.º 26º Nº 2 da Lei 65/2003, , de 23 /08. Pelo exposto prorroga se tal prazo por mais 30 dias ao abrigo do art.º nº 3 do mesmo normativo legal.»;
4. Por acórdão de 25 de Setembro de 2024, o Tribunal da Relação decidiu deferir a execução do mandado para entrega do requerido “às autoridades judiciárias do Reino dos Países Baixos para efeitos de procedimento criminal, quanto aso crimes de tráfico de estupefacientes e Branqueamento dos produtos do crime”.
5, O requerente encontra-se actualmente em situação de detenção no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária de Lisboa.
3. O Direito
3.1 Habeas corpus
Todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (art. 27º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), exceptuando a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, mormente, no que importa nos autos, (c) a prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa (…) contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão.
O direito à providência de habeas corpus está assegurado constitucionalmente (art. 31º da CRP).
O artigo 222.º do CPP, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, dispõe, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:
«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»
A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de que o habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade: não tem o propósito de proceder à reanálise do caso, mas sim a constatação de forma expedita da ilegalidade, que por isso mesmo tem de ser patente e pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido.
Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do nº 2 do artigo 222º do CPP, de enumeração taxativa.
3.2 Mandado de detenção europeu
A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados.
Foi concretizada no ordenamento jurídico interno com a Lei 65/2003 de 23.8, posteriormente alterada pela Lei 35/2015 de 4.5 e pela Lei 115/2019 de 12.9.
Como resulta do seu art 1º nº 1, o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, sendo executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na supra referida Lei e na Decisão-Quadro (art. 1º nº 2).
O mencionado princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional, sendo certo que “a sindicância judicial a exercer no Estado recetor é muito limitada, perfunctória, sem abandono, contudo, pese embora a sua celeridade, do respeito por aqueles direitos fundamentais, produzindo a decisão no Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional (…)” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.2009, proc. 1087/09.6YRLSB.S1).
A detenção e entrega são os únicos objetivos do MDE, visando a primeira a efectivação da segunda. Isto é, a detenção no âmbito do MDE tem por finalidade a entrega de pessoa procurada ao Estado emissor, após a tomada de decisão sobre a validade da detenção e sobre a verificação dos requisitos legais de que depende a execução do mandado (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.11.2012, proc. 211/12.6YRCBR).
Por isso, em princípio, a detenção efectuada no âmbito do MDE, quando validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder/dever da sua substituição (art. 18º nº 3 da Lei 65/03), designadamente quando a detenção se mostre desnecessária à efetivação da entrega.
É no art. 30º da Lei 65/03 que estão fixados os prazos de duração máxima da detenção e a sua violação pode ser fundamento para a providência de habeas corpus (art. 222º nº 2 al. c) do CPP).
3.3 Concretização
O Requerente fundamenta a sua pretensão num alegado incumprimento dos prazos da sua privação da liberdade.
Os prazos da privação da liberdade são os fixados no artigo 30º da Lei 65/03, que estabelece o seguinte:
«1 - A detenção da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, podendo ser substituída por medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.
2 - O prazo previsto no número anterior é elevado para 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação.
3 - Os prazos previstos nos números anteriores são elevados para 150 dias se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
4 - A detenção da pessoa procurada cessa ainda quando tiverem decorrido os prazos referidos nos n.os 2, 3 e 5 do artigo anterior»
Diversamente, o art. 26º da Lei 65/03 determina os prazos (ordenadores) de tramitação processual até à decisão. Não havendo consentimento, o prazo-regra é de 60 dias (nº 2 do art. 26º) e esse prazo prorrogado por mais 30 dias se “tiver sido interposto recurso da decisão proferida” (nº 3 do art. 26º), sendo claro, atendendo à letra da lei e à inserção sistemática da norma, que esta prorrogação se limita aos prazos para decisão e não se pode estender aos prazos de duração máxima da detenção, fixados peremptoriamente no art. 30º.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.4.2024 no proc. 320/23.6YRPRT-B.S1: “O que a Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto estabelece no seu art. 30º, são os prazos máximos de duração da detenção, em função de determinadas etapas do procedimento do MDE: 60 dias até à prolação do acórdão da relação sobre a execução do mandado; 90 dias, no caso de ser interposto recurso da decisão da relação e; 150 dias, no caso de ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional. Portanto, estes são os prazos que a detenção não pode exceder até à decisão sobre a execução do MDE em cada uma das instâncias” (cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.9.2008, proc. 08P2911).
In casu, a detenção do recorrente iniciou-se a 2 de Julho de 2024, pelo que em 25 de Setembro de 2024, data em que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a execução do MDE o prazo previsto no nº 1 do art. 30º da Lei nº 65/2003 estava claramente ultrapassado. Aliás, já decorreram mais de 90 dias sem que tenha existido recurso para o Tribunal Constitucional.
Perde, por isso, interesse a discussão sobre se o dies ad quem do prazo estabelecido no nº 3 do artigo 30º da Lei nº 65/2003 é o da decisão ou o do seu trânsito em julgado.
Consequentemente, neste momento, não existe base legal que legitime a detenção do Requerente. Assim, e em obediência ao disposto no 222º do Código de Processo Penal há que deferir a pretensão do Requerente e ordenar a sua libertação imediata.
A libertação do arguido nada tem a ver com o prosseguimento do processo e com a adopção das medidas necessárias à sua execução e, bem assim, das medidas adequadas para impedir a sua fuga (Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2015, Lanigan, C-237/15 PPU, ECLI:EU:C:2015:474, referido a fls 23 da “Nota da Comissão — Manual sobre a emissão e a execução de um mandado de detenção europeu” (2017/C 335/01), Jornal Oficial da União Europeia).
III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em deferir a providência de habeas corpus apresentada por AA e em determinar sua imediata libertação.
Passe mandados de libertação imediata do requerente (art.223.º nº 4 al. d) do CPP).
Dê-se imediato conhecimento do presente acórdão ao Tribunal da Relação de Lisboa, com nota de “muito urgente/libertação de recluso”, para que possa ponderar a eventual aplicação de medidas de coação (art.s 18º nº 3 e 24º nº 1 al. a) da Lei 65/2003).
Sem custas
Lisboa, 16 de Outubro de 2024
Jorge Raposo (relator)
Carlos Campos Lobo
Horácio Correia Pinto
Nuno Gonçalves