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Jurisprudência
Sumário

I. O pressuposto da cooperação judiciária internacional é a confiança entre as autoridades dos países cooperantes, por um lado, e a lógica do cumprimento de sentença estrangeira, assente no menor desfiguramento possível da pena aplicada pelo país da condenação.

II. Dos nossos compromissos de cooperação internacional pode resultar a necessidade de intervenção do tribunal português na decisão judicial de revisão e confirmação.

III. Essa intervenção é correctiva e mínima: o tribunal português fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação; se for aplicada uma pena que a lei portuguesa não admite a pena é convertida na que seria aplicável segundo a lei portuguesa; se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional deve adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar.

IV. Se o arguido foi condenado numa pena de prisão efectiva no Estado da condenação, é à luz desses princípios de cooperação judiciária penal que a possibilidade de suspensão da execução da pena deve ser equacionada.

V. O desconto dos períodos de detenção e/ou prisão preventiva só é decidida em sede de cômputo da pena a efetuar posteriormente, nos termos dos art.s 469º, 477º e 479º do Código de Processo Penal e 80º do Código Penal.

VI. A execução de uma sentença penal estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa, por força do art. 101º nº 1 da Lei 144/99, sem possibilidade de opção pelo regime de execução da pena do Estado da condenação.

Decisão Texto Integral

Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

O ora Recorrente, AA, brasileiro, nascido em ... de ... de 1988, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., ......, foi condenado no Brasil na pena única de 8 anos e dois meses de prisão, bem como no pagamento de uma pena de multa de 13 dias, pela prática, entre Abril e Julho de 2012, de um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p respectivamente pelo art. 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c art. 61º, inciso I, e pelo art. 288º, parágrafo único, c/c art. 61º inciso I, c/c art. 69º, todos do C.P Brasileiro..

Dado residir em Portugal e na sequência de pedido da República do Brasil, foi instaurado, na 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, o processo de extradição 2757/23.1...

Tendo o requerente solicitado ao Brasil, que fosse “transferida a execução pena” para o nosso país, para cumprir a pena em que fora ali condenado, por se encontrar a residir em Portugal desde 2019, foi decidido pelo Estado Brasileiro suspender o pedido de extradição, e formalizar o pedido de reconhecimento e a execução da sentença acima mencionada, por parte de Portugal, para cumprimento da pena pelo condenado AA.

Veio então o Ministério Público junto da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, por solicitação das autoridades brasileiras, requerer, no Tribunal da Relação de Lisboa, a revisão e a confirmação da acima referida sentença penal proferida em 7 de Junho 2017 pelo Tribunal de ..., na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital, e transitada em julgado em 4.3.2020, no âmbito do processo nº .....................23.

O pedido foi formulado ao abrigo dos artigos 95º e 96º nº 4 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei nº 144/99 de 31 de agosto, e dos artigos 234º a 240º do Código de Processo Penal.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Setembro de 2024, decidiu:

«Declarar revista e reconhecida a sentença proferida no Brasil, em 7.6.2017 no âmbito do processo nº .....................23 do Tribunal do Estado de ..., a correr os seus termos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital (junta aos autos a fls 12 a 32 dos presentes autos), transitada em julgado em 4.3.2020, pela prática de factos entre Abril e Julho de 2012 que, de acordo com a legislação do Estado da condenação, integram o cometimento pelo cidadão AA, de nacionalidade Brasileira, de um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa p.p respectivamente pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro, pelos quais lhe foi aplicada uma pena única de 8 anos e dois meses de prisão e uma pena de multa de 13 dias, e são idóneos a preencher no nosso ordenamento jurídico português, a prática dos crimes de roubo e de associação criminosa, p.p no artº 210º/1 e 2 (ex vi do artº 204º/2 f) e artº 299º do C.P.

Com vista à execução em Portugal dessa sentença condenatória, segundo a liquidação efectuada no processo instruído, resulta para cumprir, a prisão remanescente de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão (fls 8), sempre a executar de acordo com o disposto no artº 100º a 103º da Lei nº 144/99 de 31.8.».

Inconformado, o Recorrente interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões1:

«I. Seja acolhido o presente recurso por sua motivação, para revogar o d. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para determinar:

a) A detração de 11 (onze) meses e 14 (catorze) dias a penal total a ser cumprida;

b) Pelo princípio da proporcionalidade na dosimetria da pena, pela regra penal mais benéfica a PHILLIPE, seja determinada que a pena que deve cumprir em Portugal é de no máximo 5 (cinco) anos;

c) A expurgação da condenação pelo crime de associação criminosa agravada, uma vez que não tem correspondência com o Código Penal português;

d) A pena a ser executada seja suspensa, uma vez que inferior a 5 (cinco) anos;

e) Não sendo acolhidas as pretensões anteriores, requer que a execução da pena se dê de forma diferida no que se refere à progressão de regime, nos termos da legislação brasileira.

II. Provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente a junção de documentos;

Termos em que requer a V. Exa. se digne a deferir a pretensão do Requerente. Nestes termos e nos melhores de direito, pede e espera deferimento, fazendo-se, assim a habitual, inteira e sã justiça.

Mais, aproveita o ensejo para reiterar os mais elevados votos de estima e consideração.».

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu ao recurso, salientando-se:

(…)

- A primeira questão invocada pelo recorrente prende-se com a contagem do tempo de privação de liberdade à ordem dos presentes autos (e dos autos de extradição que os antecederam), que computa em alguns meses, o que não estaria considerado no acórdão recorrido.

(…)

O recorrente beneficiará, em devido tempo, das regras de Desconto (art.° 80.° CP) na liquidação da pena que virá a ocorrer, segundo as competências próprias do MP (art.°s 469.°, 477.° e 479, do CPP, inter allia) e do juiz competente para homologar a pena.

(…)

- Alude ainda o recorrente a novo motivo de revogação da decisão recorrida, o desconhecimento do quadro jurídico nacional do crime de "associação criminosa agravada" tal como o Brasil a prevê.

(…)

A majoração, para usar o sugestivo termo com que a Corte Catarinense qualifica o agravamento da pena pelo crime de associação criminosa, resultou num incremento da pena de 1 anos e 9 meses de prisão, pelo que não se verifica o caso de aplicação de pena em medida superior ao máximo legal admissível à luz do direito português, o que se mostraria problemático à luz do n.º 3 do art.° 237.° CPP.

(…)

- A pretensão de recebimento da sentença penal brasileira a la carte, expressa pelo recorrente, ou de um novo julgamento, sustentado no facto de que o requerido era jovem à data dos factos e mereceria uma atenuação especial, não pode assim ser atendida.

Pelo contrário, o ideário avançado pelo recorrente, a ter acolhimento, levaria a uma espécie de turismo penal, pelo qual agentes condenados viriam a procurar o reconhecimento e execução das respectivas sentenças em jurisdições mais favoráveis. É tudo o que o ordenamento jurídico da cooperação penal internacional em matéria penal não quer, por se sustentar em princípios de confiança mútua e partilha de responsabilidade entre Estados, factor único pelo qual estes aceitam abdicar de segmentos de soberania, renunciando ao cumprimento de sentença reconhecida em Estado Terceiro.

- A questão da suspensão da pena, que seria atenuada para 5 anos de prisão, fica assim prejudicada pelo recebimento da sentença brasileira na sua íntegra e sem ajustamentos em favor do recorrente (art.° 50.° n.° 1 CP, a contrario).

- Finalmente, a questão da progressão do regime de execução da pena segundo o modelo brasileiro colide frontalmente com as disposições legais - art.° 101.° n.° 1 Lei 144/99, tendo prevalência única no caso concreto o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da liberdade.

Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal proferiu parecer, salientando:

Sem necessidade de (novamente) repetir a ‘história do processo’ já adequadamente feita pelo Tribunal recorrido, e indo diretamente aos pontos controvertidos, ou seja, às questões que o condenado AA levanta no seu recurso, emite o Ministério Público parecer nos seguintes termos (basicamente seguindo o referido na resposta apresentada pelo Exmº magistrado do MºPº junto do Tribunal a quo2 que defendeu a decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que igualmente não nos merece qualquer censura):

1. A questão do desconto do período de tempo em que, ao abrigo do mandado de detenção com eficácia internacional emitido pelas autoridades Brasileiras esteve detido em Portugal, concretamente no âmbito do processo nº 2757/23.1... da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa (de 21.09.2023 a 28.02.2024, data em que veio a ser restituído à liberdade, na sequência de uma comunicação das autoridades brasileiras, solicitando a suspensão do processo de extradição, por terem dado início a um processo de “transferência de execução da pena” a pedido do condenado, o que importou que o Estado Brasileiro formalizasse pedido de reconhecimento e a execução da sentença acima mencionada, por parte de Portugal, afim de o condenado poder aqui cumprir a pena remanescente de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão) é uma questão que não se coloca neste processo, mas sim em sede de cômputo da pena a efetuar posteriormente, nos termos dos artºs. 469º, 477º e 479º, do CPP. Aí serão descontados todos os períodos em que o arguido esteve detido ou preso, conforme dispõe o artº 80º do mesmo diploma.

Assim, quanto a esta matéria, terá o arguido/recorrente que aguardar pela efetivação do cômputo da pena quando se verificar a transmissão do processo para o tribunal da execução3, não sendo este recurso o momento próprio para apreciar a questão (como, aliás, sucedeu com o Tribunal da Relação na decisão recorrida: esta não se debruçou, nem tinha de debruçar, acerca da matéria, pelo que nunca poderia a questão ser, sequer, objeto do recurso).

2. O mesmo, adianta-se já, quanto ao pedido de aplicação do regime que, alegadamente, possibilitaria ao arguido, a estar a cumprir a pena no Brasil, a concessão de liberdade condicional: também não é este recurso o local competente para apreciar a matéria, como igualmente não o foi o Tribunal da Relação (aqui tribunal recorrido), cabendo ao Tribunal de Execução de Penas apreciar todas as situações relacionadas com o cumprimento da pena pelo arguido, desde as saídas precárias à concessão de liberdade condicional, passando por todas as vicissitudes que podem ocorrer durante aquele cumprimento.

É claro o artº 101º, nº 1, da Lei nº 144/99 quanto a este aspeto.

3. Também quanto ao pedido de redução da pena para 5 anos e sua subsequente suspensão de execução, entendemos não poder ser deferido o pedido formulado pelo recorrente, precisamente pelos motivos que a decisão recorrida referiu.

Na verdade, o recorrente, ao que resulta da sua motivação, parece pretender:

• a alteração da qualificação jurídica quanto ao crime de associação criminosa agravada, ou mesmo a sua eliminação; e

• a redução das penas aplicadas (a manter-se a condenação pelo crime de associação criminosa, pois que seria sempre de excluir a agravação) por – transcreve-se: «considerando ainda a idade de AA quando da prática do ilícito penal, bem como a ausência de antecedentes criminais e a sua natureza de réu primário, sua condenação deveria ser numa base de cerca de 4 (quatro) anos a 5 (cinco) anos de prisão, podendo ter a pena suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º, n.ºs 1 a 5, do Código Penal Português.»

Ora, não é possível, neste tipo de processos, alterar as condenações sofridas no país de origem mediante a alteração da factualidade ali dada como provada, pois o que está em causa é o cumprimento da pena já estipulada. Ou seja, não corresponde à realidade o que o recorrente refere quando escreve – e transcreve-se novamente: «aplicando-se o previsto no art. 101º da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, conjugada com o princípio da proporcionalidade, é correto afirmar que os mesmos 8 (seis) anos e 2 (dois) meses pelo qual AA foi condenado no Brasil são equivalentes a uma pena máxima entre 4 (quatro) e 5 (cinco) anos em Portugal».

Na verdade, o que aquele artº 101º refere é, precisamente, o contrário, ou seja (como entendido por este STJ em 23.05.2024 no processo 2681/23.8YRLSB.S1 (Relator – Agostinho Torres) não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira no âmbito da matéria de facto quando as normas convencionais internacionais às quais Portugal aderiu equivalentes àquela norma suportam essa insindicabilidade, o que tem arrimo e proteção constitucionais no artº 8º da Constituição da República Portuguesa. Daqui que afastada fique a possibilidade de, como parece pretender o recorrente, alterar a pena com base em considerações acerca da idade e outros elementos de facto que foram apreciados pelo tribunal brasileiro.

A única coisa possível de ser feita é, como referido no mesmo acórdão acabado de citar, «havendo conversão, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza».

Se bem que a questão da agravação do crime de associação criminosa levantada pelo recorrente pudesse, em abstrato, levantar a necessidade de adaptação, certo é que isso não sucede na prática.

Efetivamente, há a notar que o recorrente foi condenado pela prática de um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p,, respetivamente, pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro nas penas, respetivamente, de 6 anos, 5 meses (e ainda 13 dias de multa) e de 1 ano e 9 meses de reclusão (conforme decisão transitada em julgado junta aos autos).

Ora, idênticos crimes no ordenamento jurídico português são puníveis com penas que podem ascender: quanto ao crime de roubo, a pena até 15 anos de prisão; e, no que se refere ao crime de associação criminosa – mesmo a desagravá-lo -, até 5 anos de prisão.

A isto havendo ainda a notar que, por via disto, o cúmulo jurídico das penas poderia ascender aos 20 anos de prisão, ou seja, a montante bem superior ao aplicado pela justiça Brasileira.

Ou seja, não se está perante situação a integrar na previsão do nº 3 do artº 237º do CPP, porquanto o tribunal da condenação não aplicou pena superior ao máximo legal admissível na lei portuguesa para os mesmos crimes, pelo que nem existe aqui lugar a qualquer conversão ou redução.

- Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, é parecer do Ministério Público que a decisão recorrida não merece censura, devendo, consequentemente, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Não houve resposta ao parecer.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

1. A expurgação da condenação pelo crime de associação criminosa agravada;

2. A fixação da pena que deve cumprir em Portugal em 5 anos de prisão;

3. A suspensão da execução da pena;

4. O desconto de 11 meses e 14 dias na pena total a ser cumprida;

5. A execução da pena de forma diferida no que se refere à progressão de regime, nos termos da legislação brasileira.


*


O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25.9.2024, decidiu declarar como revista e confirmada a sentença revidenda, passando aquela a produzir todos os seus efeitos em Portugal.

Para o efeito, fundamentou tal decisão da seguinte forma:

«O cidadão AA, foi condenado no Brasil na pena única de 8 anos e dois meses de prisão, bem como no pagamento de uma pena de multa de 13 dias, pela prática, entre Abril e Julho de 2012, de um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p respectivamente pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro.

Esses factos pelos quais o arguido foi condenado no processo em que foi proferida a sentença a rever (descritos nessa mesma sentença junta aos autos que se dão aqui reproduzidos) são idóneos a preencher no nosso ordenamento jurídico português, a prática dos crimes de roubo e de associação criminosa, p.p no artº 210º/1 e 2 (ex vi do artº 204º/2 f) e artº 299º do C.P..

No âmbito do referido processo de condenação no Estado Brasileiro, as autoridades brasileiras, emitiram mandado de detenção com eficácia internacional, requerendo a sua extradição para cumprimento da pena de prisão em que fora ali condenado, pedido esse que deu origem ao processo nº 2757/23.1... da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Em execução desse pedido de extradição, AA esteve detido de 21.9.2023 a 28 de Fevereiro de 2024, data em que veio a ser restituído à liberdade, na sequência de uma comunicação das autoridades brasileiras, solicitando a suspensão do processo de extradição, por terem dado início a um processo de “transferência de execução da pena” a pedido do condenado.

O aqui requerido, de nacionalidade Brasileira, tendo recusado ser entregue ao Estado da condenação, no mencionado processo da extradição, veio posteriormente solicitar ao Brasil, que fosse “transferida a execução pena” para o nosso país, afim de poder aqui cumprir a pena em que fora ali condenado, por se encontrar a residir em Portugal desde 2019.

Foi assim decidido pelo Estado Brasileiro, suspender o pedido de extradição, pendente neste Tribunal (fls 76), e formalizar o pedido de reconhecimento e a execução da sentença acima mencionada, por parte de Portugal, afim de o condenado AA, poder aqui cumprir a pena remanescente de sete anos, sete meses e 18 dias de prisão (fls 8), com base na promessa de reciprocidade para casos análogos.

O pedido das Autoridades Brasileiras foi submetido à Autoridade Central/Procuradoria Geral da República, cfr artº 21º/1 da Lei nº 144/99 de 31.8, que o submeteu à consideração de Sua Excelência a Ministra da Justiça, nos termos do artº 99º/1 da referida Lei.

Por despacho de 13.6.2024, Sua Excelência a Ministra da Justiça, considerou admissível e aceitou o pedido de execução em Portugal do remanescente da pena em que o cidadão AA foi condenado - a pena remanescente de sete anos, sete meses e 18 dias de prisão (fls 7).

Nos presentes autos, veio o condenado a constituir mandatário (fls 93) e foi o mesmo oportunamente notificado, nos termos e para os efeitos do artº 16º-A da Lei nº 158/2015 de 17.9, para querendo se pronunciar relativamente ao promovido pelo M.P, no que respeita ao reconhecimento da sentença estrangeira a ele respeitante.

Na sequência dessa notificação e não obstante ter sido ele a requerer e aceitar ab initio, a execução em Portugal da pena em que fora condenado no Brasil, veio o condenado a deduzir oposição, no prazo legal, alegando em súmula o seguinte (cfr requerimento junto aos autos a fls 96 a 100):

a. Deve cumprir a pena em Portugal por ser aqui residente e possuir família e ter esse seu pedido sido diferido no Estado Brasileiro;

b. A detração de 11 meses e 14 dias à pena total a ser cumprida;

c. De acordo com o princípio da proporcionalidade na dosimetria da pena, pela regra penal mais benéfica ao condenado, seja determinado que a pena a cumprir em Portugal tenha um máximo de 5 anos;

d. A expurgação da condenação pelo crime de associação criminosa agravada, uma vez que não tem correspondência com o C.P português;

e. A pena a ser executada, seja suspensa uma vez que inferior a 5 anos de prisão;

f. Subsidiariamente, não sendo acolhidas as pretensões anteriores, requer que a execução da pena de prisão se dê de forma diferida, no que se refere à progressão de regime, nos termos da legislação brasileira,

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Importa atentar concretamente nos termos e nos factos que constituem a base da sentença penal estrangeira a rever, bem como os trâmites subsequentes, e que nos são dados pelo requerimento inicial apresentado, devidamente acompanhado pelos documentos certificados.

Por factos praticados entre Abril e Julho de 2012 no Brasil, foi o cidadão de nacionalidade Brasileira, AA, condenado na pena única de 8 anos e dois meses de prisão e no pagamento de uma multa de 13 dias, por sentença proferida no Brasil, em 7.6.2017 no âmbito do processo nº .....................23 do Tribunal do Estado de Santa Catarina, a correr os seus termos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital, junta aos autos a fls 12 a 32 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (relevando em especial, tudo o que respeita à factualidade provada, enquadramento legal e dosimetria da pena aplicada aí claramente expressos).

Essa sentença já transitou em julgado em 4.3.2020, sendo que os factos praticados pelo arguido integram um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p respectivamente pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro.

Esses factos pelos quais o arguido foi condenado no processo em que foi proferida a sentença a rever (descritos nessa mesma sentença junta aos autos que se dão aqui reproduzidos) são idóneos a preencher no nosso ordenamento jurídico português, a prática dos crimes de roubo e de associação criminosa, p.p no artº 210º/1 e 2 (ex vi do artº 204º/2 f) e artº 299º do C.P.


***


Cumpre apreciar do ponto de vista jurídico-normativo.

O reconhecimento dos efeitos internacionais das sentenças penais estrangeiras em Portugal não se processa automaticamente.

Antes de mais importa referir que o condenado, já no decurso deste procedimento de reconhecimento, deduziu oposição quando foi notificado nos termos do artº 16º-A nº 1 da Lei nº 158/2015 de 17.9, o que no fundo não deixa de ser um procedimento contraditório e incorrecto.

Com efeito, verifica-se que a lei nº 158/2015 de 17.9 foi aqui incorrectamente aplicada, uma vez que a mesma só é válida entre os Estados Membros da Comunidade Europeia, tratando-se do instrumento legislativo que transpõe para a nossa ordem jurídica interna a Decisão Quadro 2008/909/JAI do Conselho e 2008/947/JAI, ambas de 27.11.2008.

No caso presente, uma vez que não estava em causa a transferência de uma pessoa condenada para Portugal (o cidadão AA já estava a residir em Portugal desde 2019), mas apenas um pedido de revisão e confirmação de uma sentença proferida no Brasil (país que não pertence à Comunidade Europeia), para que a pena crime aplicada a este cidadão no Brasil pudesse ser aqui executada, não se aplica o regime previsto no artº 114º e segs da Lei nº 144/99 de 31.8, mas estamos claramente perante uma situação de execução em Portugal, de sentenças penais estrangeiras, a qual se encontra regulada no artº 234º a 240º do C.P.P e artº 95º a 103º da Lei 144/99 de 31.8 (lei especial).

Não obstante, aceita-se conhecer de tal oposição, uma vez que o condenado poderia ser notificado para deduzir oposição, nos termos do artº 981º do C.P.C (ex vi do artº 240º do C.P.P), sendo tal oposição particularmente útil, nas situações em que não tenha sido o condenado o requerente dessa confirmação/reconhecimento e execução de sentença condenatória proferida no estrangeiro – e como já vimos, tal não sucedeu no caso em apreço, pois que foi o condenado AA a despoletar no Brasil este específico procedimento.

Deste modo, e tal como se encontra previsto no artº 99º/5 da Lei nº 144/99 de 31.8, não tem lugar nestes autos a audição do condenado, uma vez que foi o mesmo que despoletou o procedimento para esse reconhecimento ser legalmente obtido, pelo que se encontra comprovado o seu consentimento para esse efeito - conforme foi aliás bem sublinhado na promoção de 3.9.2024 e resulta comprovado da documentação junta com o requerimento inicial apresentado pelo M.P nestes autos.

Aliás, resulta desta oposição do requerido, tal como foi também referido na promoção do MP, ser inequívoca a vontade do mesmo em que a sua sentença de condenação proferida no Brasil, seja revista e executada em Portugal, por ser o país onde o mesmo se encontra a residir desde 2019.

Quanto ao mais peticionado pelo condenado, na oposição por ele deduzida, as suas concretas pretensões não são atendíveis, por não se encontrarem previstas na lei, não tendo assim cabimento legal – isto é, a pena que deverá ser executada em Portugal no caso em apreço, é aquela que resulta duma sentença de condenação estrangeira, já transitada em julgado e oportunamente liquidada pelo Estado Brasileiro, devendo o condenado cumprir por isso em Portugal a pena remanescente de sete anos, sete meses e 18 dias de prisão, sendo essa a pena que foi objecto do despacho de aceitação de admissão do pedido de execução em Portugal, proferido pela Sua Exa a sra Ministra da Justiça em Portugal (fls 8).

Não é admissível legalmente, que no processo para reconhecimento e execução de uma sentença penal estrangeira já transitada em julgado, o condenado venha requerer ao Estado da execução que altere a qualificação jurídica dos factos ilícitos pelos quais foi condenado no país estrangeiro, ou altere (diminuindo) o quantum da pena a cumprir ou a sua natureza, por tais pretensões não terem qualquer acolhimento no regime jurídico aplicável.

Por último, importa sublinhar que uma vez concluído o processo do reconhecimento da sentença, a execução da pena em Portugal terá que obedecer às normas que regem a execução das penas criminais em Portugal – cf resulta expressamente do preceituado no artº 98º a 101º da Lei nº 144/99 de 31.8.

Os únicos limites que terão que ser observados, são aqueles que se encontram fixados no artº 237º do C.P.P, sendo que todos eles foram respeitados no caso concreto, como se seguida melhor se verá, nomeadamente no que respeita à natureza da pena aplicada e sua quantificação.

Sublinhamos assim, que no caso presente, não obsta à confirmação da sentença, o cumprimento pelo arguido de uma pena remanescente de sete anos, sete meses e 18 dias de prisão efectiva (pena liquidada de acordo com o processo instruído no Brasil), tendo em atenção que tal pena de prisão não viola nenhum dos limites impostos no nº 3 do artº 237º do C.P, porquanto em Portugal, de acordo com o artº 210º/1 e 2 do C.P o crime de roubo agravado p.p no artº 210º/1 e 2 do C.P é punido com uma moldura abstracta de 3 a 15 anos de prisão e o crime de associação criminosa p.p no artº 299º/1 do C.P é punido com uma moldura abstracta de pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão.

Nestes termos, a pena remanescente acima mencionada, a cumprir pelo condenado neste caso, não é superior ao máximo legal admissível em Portugal, porquanto em caso de concurso entre estes dois crimes, apenas se exige que a pena única aplicável em cúmulo, não seja superior a uma pena de 20 anos de prisão (artº 77º e 78º do C.P).

Assim sendo, indefere-se por ser manifestamente improcedente e infundado, todo o peticionado formulado pelo condenado no seu requerimento de oposição, nos termos supra expostos.

Ao abrigo do princípio da reciprocidade constante do artº 4º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em matéria Penal, aprovada pela Lei nº 144/99 de 31 de Agosto, AA requereu como já acima ficou dito, a delegação de execução de sentença em Portugal, nos termos do artº 100º da Lei nº 13.445 de 24 de Maio de 2017 do Brasil, dirigido às autoridades portuguesas, para execução de sentença penal (cumprimento da pena aplicada) que lhe respeita.

Esse pedido de execução de sentença em Portugal foi elaborado e diferido, no âmbito do processo nº .....................23 do Tribunal do Estado de ..., a correr os seus termos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital, sendo que de acordo com a informação constante desse processo instruído, AA tem por cumprir uma pena de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão (cfr 50 a 53 dos autos e fls 79).

As autoridades Brasileiras, especificamente o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, prestaram nos autos, a garantia de que uma vez cumprida a pena remanescente em Portugal por AA, o Estado Brasileiro considerará extinta a responsabilidade criminal deste cidadão nos termos do artº 96º/1 h) da Lei 144/99 de 31.8 (fls 82).

Assim, por não se identificarem motivos que pudessem obstar à execução em Portugal da pena determinada pelas autoridades judiciais da República Federativa do Brasil, por despacho de sua Exª a Srª Ministra da Justiça Portuguesa, foi admitido e aceite o pedido de execução em Portugal da pena decretada por aquela República relativa a AA, por sentença proferida na 1ª Vara Criminal em 7.6.2017 (transitada em 4.3.2020), no âmbito do processo nº .....................23 da Comarca de Capital, Tribunal do Estado de ... (fls 7).

Na verdade e como já acima foi aflorado, a eficácia interna dessa sentença Brasileira decorre do processo de revisão e confirmação regulado nos artºs 234º a 240º do CPPenal – cf. também o artº 95º a 103º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto (Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, LCJIMP), e sendo concedida a revisão, a sentença revidenda ingressa por essa via no sistema jurisdicional português que a acolheu.

A Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de que Portugal é parte, contém a seguinte declaração do Governo português:

“g) A execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação” (Resolução da AR n.º 8/93, de 20/4).

E, nesse sentido, preceitua o artº 100º, nº1, da LCJIMP que a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no Código de Processo Penal e o previsto nas alíneas a) e c) do artº 6º do diploma.

No caso em apreço, a revisão e confirmação foi pedida por quem tem legitimidade para o efeito, sendo este Tribunal da Relação o competente em razão da matéria e do território (cfr. artºs 235º e 236º do CPPenal e artº 95º, 96º/1 e 99º, da LCJIMP).

Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira, de que depende a sua força executiva em Portugal, estão especificados nas diferentes alíneas do artº 237º, nº1, do CPP, a que acrescem, na parte aplicável, os das alíneas do artº 980.º do CPC, estando as condições especiais de admissibilidade do pedido de execução de sentença penal estrangeira em Portugal fixadas no artº 96º da LCJIMP aplicáveis nesta situação.

De acordo com o disposto no artº 237º, nº 1, do Código de Processo Penal, para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes:

a. Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português;

b. Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa;

c. Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa;

d. Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete;

e. Que, salvo tratado ou convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado.

Por outro lado, é ainda necessário que se verifiquem, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira (artº 237º/2 do CPP e artº 980º do CPC), quais sejam:

a. Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;

b. Que a sentença tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;

c. Que a sentença provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

d. Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;

e. Que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;

f. Que a sentença não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Tendo em conta que a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira não significa um novo julgamento nem o processo de exequatur deve ser transformado numa reforma da sentença, perante o juiz nacional, não cabe, em princípio, ao Estado da execução exercer qualquer censura ou comutação sobre a bondade da decisão, seja no âmbito da matéria de facto (à qual está vinculado em toda a sua extensão - cfr. artº 100º, nº2, da LCJIMP), seja no da aplicação do direito.

Assim os limites e as condições do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira devem reconduzir-se ao carácter jurisdicional da decisão, à legitimidade para a proferir e à sua conformidade com a justiça.

No caso sub judice os requisitos acima enunciados encontram-se plenamente satisfeitos.

Com efeito, quanto às condições especiais de admissibilidade do pedido de execução a que se referem os artºs 96º da LCJIMP, constata-se nomeadamente que:

A sentença revidenda é a sentença proferida no Brasil, em 7.6.2017 no âmbito do processo nº .....................23 do Tribunal do Estado de ..., a correr os seus termos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital, junta aos autos a fls 12 a 32 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (relevando em especial, tudo o que respeita à factualidade provada, enquadramento legal e dosimetria da pena aplicada aí claramente expressos).

Essa sentença já transitou em julgado em 4.3.2020, sendo que os factos praticados entre Abril e Julho de 2012 pelo AA, de nacionalidade Brasileira, integram no ordenamento jurídico brasileiro, um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p respectivamente pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro, pelos quais lhe foi aplicada uma pena única de 8 anos e dois meses de prisão e uma pena de multa de 13 dias.

Esses factos pelos quais o requerido foi condenado no processo em que foi proferida a sentença a rever (descritos nessa mesma sentença junta aos autos que se dão aqui reproduzidos), são idóneos a preencher no nosso ordenamento jurídico português, a prática dos crimes de roubo e de associação criminosa, p.p no artº 210º/1 e 2 (ex vi do artº 204º/2 f) e artº 299º do C.P, pelo que se verifica o respeito pela dupla incriminação, foi prestada nos autos a garantia a que alude o artº 96º/1 h) da Lei nº 144/99 de 31.8, e liquidada a sua pena no processo instruído no Brasil, este cidadão possui uma pena remanescente de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão para cumprir (cfr documentação junta aos presentes autos, já acima mencionada, nomeadamente fls 8 e 82).

O requerido encontra-se a residir em Portugal desde 2019 e tem nacionalidade Brasileira, tendo dado o seu consentimento ao reconhecimento da sentença condenatória, por ter sido ele quem despoletou o processo para esse efeito, junto das autoridades do Estado do Brasil, reiterando essa sua vontade, no requerimento de oposição, por ele apresentado nos presentes autos, mostrando-se assim reunidos os pressupostos necessários à sua transmissão.

É pois inegável que a execução em Portugal, da pena de prisão aplicada ao arguido, contribuirá assim para atingir o objectivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada, já que o Estado de execução (Portugal), é o Estado onde o condenado se encontra a residir desde 2019 - sendo a sua morada de residência em Portugal, a Rua ... ... em ... (artº 979º do CPC ex vi do artº 240º do C.P.P).

Este Tribunal é territorialmente competente para reconhecer a sentença estrangeira, de acordo com o disposto no artº 235º do C.P.P, artº 979º do CP.C e artº 95º, 96º e 99º da Lei nº 149/99 de 31.8, com base na documentação emitida pela autoridade do Estado da condenação, tendo tomado já as medidas necessárias ao seu reconhecimento, de modo a que a pena aplicada, na parte ainda restante, seja cumprida em Portugal.

O requerido foi julgado no Brasil e aí condenado, em audiência pública, tendo sido assistido por defensor e como se vê da informação prestada a fls 8, o remanescente da pena de prisão que o requerido tem de cumprir, num total de 7 anos, 7 meses e 18 dias, é superior a 1 ano.

A decisão de condenação não contém disposições que violem os princípios do ordenamento jurídico português ou obstem a este mesmo reconhecimento e à execução do remanescente da pena de prisão, ainda por cumprir, em Portugal.

A par disso, não se vê que segundo a lei portuguesa, tenha ocorrido qualquer causa de extinção do procedimento criminal pelos factos cometidos pelo arguido ou da pena que para esse facto lhe foi aplicada (artº 238º do CPP).

Quanto aos requisitos enunciados na lei processual civil, impõe-se apenas referir que do exame dos autos resulta não haver dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão objecto de revisão e de confirmação, sendo esta perfeitamente perceptível.

Tal decisão foi proferida por Tribunal estrangeiro competente, transitou em julgado e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses, sendo susceptível de ter força executiva em Portugal, sendo certo também que o reconhecimento não contraria qualquer princípio da ordem pública internacional do Estado Português.

Não se mostrando assim presente no caso em apreço, qualquer um dos motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos nos preceitos acima referidos e aqui aplicáveis.

É pois de deferir a revisão e confirmação da mencionada sentença, proferida no Brasil, em 7.6.2017 no âmbito do processo nº .....................23 do Tribunal do Estado de ..., a correr os seus termos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Capital (junta aos autos a fls 12 a 32 dos presentes autos), transitada em julgado em 4.3.2020, pela prática de factos entre Abril e Julho de 2012 que, de acordo com a legislação do Estado da condenação, integram o cometimento por AA, de nacionalidade Brasileira, de um crime de roubo agravado e de um crime de associação criminosa, p.p respectivamente pelo artº 157º, parágrafo 2º, incisos I, II e V, c/c artº 61º, inciso I, e pelo artº 288º, parágrafo único, c/c artº 61º inciso I, c/c artº 69º, todos do C.P Brasileiro, pelos quais lhe foi aplicada uma pena única de 8 anos e dois meses de prisão e uma pena de multa de 13 dias, e são idóneos a preencher no nosso ordenamento jurídico português, a prática dos crimes de roubo e de associação criminosa, p.p no artº 210º/1 e 2 (ex vi do artº 204º/2 f) e artº 299º do C.P, tendo o condenado para cumprir em Portugal a pena remanescente de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão (fls 8).».

Os factos provados são os que resultam do acórdão supra transcrito.


*


Atenta a sua pertinência, deixam-se consignados os seguintes elementos que resultam da sentença proferida no Brasil que o acórdão recorrido deu por reproduzido:

Relativamente ao crime de associação criminosa foi aplicado o disposto no art. 288º do Código Penal, na redacção da Lei 12850/13 (considerada mais favorável): “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão de 1 (um) e 3 (três anos).

Parágrafo único. A pena aumenta-se até metade se a associação é armada ou se houver participação de criança ou adolescente”.

Considerando a agravante relativa à reincidência e a causa de aumento de pena em decorrência do carácter armado da associação, a pena foi fixada em um ano e nove meses de reclusão.

Quanto ao crime de roubo verificou-se a agravante relativa à reincidência e “a presença de 03 (três) causas de aumento de pena, quais sejam, o concurso de agentes, o uso de armas de fogo e a restrição de liberdade das vítimas”, pelo que foi aplicado “o aumento na fração de 3/8 (três oitavos) sobre a pena”, nos termos da art. 157º § 2º do Código Penal, fixando-se a pena em seis anos e cinco meses de reclusão e treze dias de multa.

1. A expurgação da condenação pelo crime de associação criminosa agravada

Pretende o Recorrente que foi condenado por um crime de associação criminosa agravada, argumentando que os fundamentos da agravação do Código Penal Brasileiro são diferentes dos constantes do n.º 3 do art. 299.º do Código Penal Português e que, a ausência de correspondência entre os fundamentos do agravamento implica que “deve ser expurgada a condenação por um crime de associação agravado”.

A epígrafe da norma aplicável em ambos os ordenamentos jurídicos é a de “associação criminosa”, nem sequer havendo uma condenação em crime diferente.

As operações para determinação da medida concreta da pena no ordenamento jurídico-penal brasileiro seguem um modelo diferente do português: primeiro fixa-se a pena-base; em seguida são consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento da pena (cfr. art.s 59º e 68º do Código Penal brasileiro).

De qualquer forma, a pena máxima para o crime de associação criminosa naquele ordenamento jurídico é inferior à pena máxima para o crime de associação criminosa (não agravado) p. e p. pelo art. 299º nºs 1 e 2 do Código Penal Português.

Acresce que a factualidade pela qual o Recorrente foi condenado integra a previsão do nº 2 do art. 299º do Código Penal Português: pertença a grupo cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes.

Consequentemente, verifica-se o pressuposto da dupla incriminação (art. 237 nº 1 al. b) do Código de Processo Penal), não se encontrando qualquer fundamento para a pretendida “expurgação da condenação pelo crime de associação criminosa”.

2. A fixação da pena que deve cumprir em Portugal em 5 anos de prisão

Por força dos nossos compromissos de cooperação internacional, a jurisprudência actual do Supremo Tribunal de Justiça aponta no sentido de alguma intervenção na conformação da pena a cumprir em Portugal, na revisão e confirmação das sentenças penais estrangeiras.

Especialmente em casos, como o dos autos de continuação da execução da pena no nosso país.

Citamos, por particularmente expressivo, o seguinte excerto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça desta secção de 23.2.2022, no proc. 1626/21.4YRLSB.S1 (relator: Cons. Lopes da Mota) 4:

«10. A questão de saber se o tribunal recorrido pode ou não alterar a pena aplicada no Estado requerente (Estado da condenação), embora não colocada pelo recorrente, constitui-se, assim, no tema central e fundamental do presente recurso, que este tribunal, por razões de metodologia da decisão, deve começar por apreciar, no uso dos seus amplos poderes de conhecimento oficioso de todas as questões de direito necessárias ao julgamento do recurso.

O que, à semelhança do que sucede com outras formas de cooperação, remete para um regime, multifacetado, de execução de sentenças penais, conformado por uma diversidade de normas aplicáveis em função da participação do Estado português em espaços institucionais e regionais de cooperação multilateral (Conselho da Europa, União Europeia) ou de quadros legais específicos de cooperação bilateral, moldados por acordos, tratados e convenções, ou, na falta deles, pelo princípio da reciprocidade [artigos 1.º, n.º 1, al. c), 3.º e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto].

Sendo instrumental desta forma de cooperação (a força executiva de uma sentença penal estrangeira que deva ter eficácia em Portugal depende de prévia revisão e confirmação – artigo 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (artigos 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99), o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, destinado a conferir força executiva a uma condenação estrangeira para cumprimento de pena em Portugal (artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º, n.º 1, e 100.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99), reflete essa diversidade normativa, em particular no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artigos 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99).

A este regime subtraem-se, atualmente, as sentenças penais proferidas no espaço da União Europeia. A evolução da cooperação neste âmbito resultou na adoção de mecanismos próprios que, na fase mais avançada de construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça [artigos 3.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia e 4.º, n.º 2, al. j), e Título V – artigos 67.º a 76 e 82.º a 86.º – da Parte III do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)], baseada no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE), se autonomizaram da revisão e confirmação, através de um regime de reconhecimento dotado de completude normativa, substantiva e processual, que encontra expressão em instrumentos jurídicos adotados com base nos Tratados, em particular, no que respeita às penas privativas da liberdade, na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º. 158/2015, de 17 de setembro.

11. A observação dos regimes de execução de sentenças penais estrangeiras permite identificar dois métodos substancialmente distintos: a cooperação por via da continuação da execução da pena, como sucede no caso de esta se iniciar no Estado da condenação e o condenado ser transferido para outro Estado para continuar a cumprir a pena, e a cooperação por via da conversão ou adaptação da condenação, em processo de exequatur, seja naquele caso, seja no caso de a pessoa se encontrar no Estado de execução.

Esta diferenciação resulta clara do texto do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção do Conselho da Europa relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983 [ratificada pelo Decreto do Presidente da República (DPR) n.º 8/93, de 20 de abril, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República (RAR) n.º 8/93, DR-I Série A, de 20.4.1993], sob a epígrafe “Efeitos da transferência para o Estado da execução”, que dispõe:

“1 - As autoridades competentes do Estado da execução devem:

a) Continuar a execução da condenação imediatamente ou com base numa decisão judicial ou administrativa, nas condições referidas no artigo 10.º; ou

b) Converter a condenação, mediante processo judicial ou administrativo, numa decisão desse Estado, substituindo assim a sanção proferida no Estado da condenação por uma sanção prevista pela legislação do Estado da execução para a mesma infração, nas condições referidas no artigo 11.º.”

Nos termos do artigo 10.º, “No caso de continuação da execução, o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação” (n.º 1). “Contudo, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução” (n.º 2).

De acordo com o n.º 1 do artigo 11.º, “No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução. Ao efectuar a conversão, a autoridade competente: a) ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes figurem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação; b) não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária; c) descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado; e d) não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Estado da execução para a infracção ou infracções cometidas”.

Por ocasião da ratificação desta Convenção, que visou complementar a Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, com o objetivo de simplificar e tornar mais célere a transferência de condenados (cfr. relatório explicativo, ponto 8), Portugal formulou as seguintes declarações (RAR n.º 8/93): a) que “utilizará o processo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, nos casos em que seja o Estado de execução”; b) que “a execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação”; c) que “quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa”. Assim, por virtude destas declarações, Portugal continua a execução da condenação, com base numa decisão judicial de revisão e confirmação, ficando vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação, podendo, contudo, se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional, adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar, sem agravar, pela sua duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto na lei interna, convertendo a sanção estrangeira, segundo a lei portuguesa, ou reduzindo a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa.

A declaração apresentada por Portugal levou em conta a exigência de revisão e confirmação imposta pela lei portuguesa, em conformidade com o disposto nos artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99.

Nos termos do artigo 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária e não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira. Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado (artigo 237.º, n.º 3, do CPP).

Deve notar-se que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99, reproduz o dos artigos 89.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166.º da Lei n.º 144/99), que têm por fonte, nomeadamente, os artigos 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (“European Convention on the International Validity of Criminal Judgments”), de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, mas ainda não ratificada (cfr. Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins, Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Comentários), Aequitas/Editorial Notícias, 1992). De acordo com o artigo 44.º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos descritos na condenação (artigo 42.º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (cfr. “Explanatory Report – ETS 70 – International Validity of Criminal Judgments”, em www.coe.int).

No caso de execução de sentenças penais estrangeiras – lê-se no preâmbulo do Decreto-lei n.º 43/91 – “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente. A ordem de execução é precedida da conversão das sanções impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa”.» (sublinhado do relator).

Portugal continua, porém, adstrito ao respeito pelos princípios básicos da cooperação judiciária em matéria penal, que se mantêm e estão perfeitamente plasmados na jurisprudência deste Tribunal:

«O pressuposto da cooperação judiciária internacional analisa-se na confiança entre as autoridades dos países cooperantes, por um lado, e a lógica do cumprimento de sentença estrangeira, assente no menor desfiguramento possível da pena aplicada pelo país da condenação»5.

«IV - Na revisão e confirmação de sentença estrangeira há que acatar tal e qual o decidido, como manifestação de reconhecimento da soberania do órgão decisor de outro país, a menos que objecções de fundo, conexionadas com princípios estruturantes do direito penal pátrio e que têm a ver com direitos fundamentais consignados na Constituição, impliquem ajustamentos de alguns aspectos da sentença revidenda, a fim de a adequar ao direito nacional. As únicas hipóteses de ajustamento previstas pela nossa lei são as já mencionadas.

V - O nosso sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras é, por regra, meramente formal, não competindo ao tribunal português exercer censura ou crítica à sentença revidenda, nem pronunciar-se sobre o fundo ou mérito da causa»6.

Consequentemente, revertendo ao caso dos autos, o que importa reter é que a intervenção do tribunal português na decisão judicial de revisão e confirmação se deve pautar por uma intervenção correctiva mínima: fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação. Se for aplicada uma pena que a lei portuguesa não admite a pena é convertida na que seria aplicável segundo a lei portuguesa; se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional deve adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar.

In casu, o Recorrente considera que a pena única aplicável deve ser fixada em cinco anos de prisão.

Como o Recorrente reconhece na sua motivação, ao crime de roubo praticado corresponde, em Portugal a pena de 3 a 15 anos de prisão atendendo à qualificativa arma, nos termos do art. 210º nº 2 al. b), por referência ao art. 204º nº 2 al. f) do Código Penal.

Assim, a pena fixada para tal crime, de seis anos e cinco meses de reclusão e treze dias de multa encontra-se dentro dos limites da moldura penal do crime no nosso ordenamento jurídico-penal.

O mesmo ocorre, como se viu, com a pena pelo crime de associação criminosa.

Consequentemente, tendo em atenção que o tribunal que se pronuncia sobre a revisão e confirmação “está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira” (art. 100º nº 2 al. a) da Lei 144/99 de 31.8 - Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), não encontramos qualquer fundamento – nem o Recorrente invoca – que permita divergir das penas parcelares e única7 fixada pelo Tribunal do Estado de Santa Catarina e mantidas pela decisão recorrida, porquanto aquelas não exigem qualquer intervenção correctiva por parte do tribunal que procede à revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, não havendo campo para se apelar ao princípio da proporcionalidade para redução da pena, face aos referidos princípios de cooperação judiciária em matéria penal.

Como afirma o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal, não existe aqui lugar a conversão ou redução.

3. A suspensão da execução da pena

Não se torna necessário ponderar, à luz dos princípios de cooperação judiciária penal, a possibilidade de suspensão de uma pena de prisão nos casos em que o arguido foi condenado numa pena de prisão efectiva no Estado da condenação porquanto o Recorrente foi condenado e tem a cumprir em Portugal uma pena superior a 5 anos de prisão, o que torna legalmente inadmissível a suspensão da execução da pena por não se verificar o pressuposto material básico: medida da pena não superior a cinco anos.

Consequentemente, é manifestamente inadmissível a suspensão da execução da pena em que o Recorrente foi condenado.

4. O desconto de 11 meses e 14 dias na pena total a ser cumprida

O Recorrente pretende que se desconte à pena 6 meses e 9 dias em que esteve preso preventivamente em estabelecimento prisional brasileiro e os 5 meses e 5 dias de detenção provisória no âmbito do processo de extradição, no montante total de 11 meses e 14 dias.

Como bem assinala o acórdão recorrido, “a pena que deverá ser executada em Portugal no caso em apreço, é aquela que resulta duma sentença de condenação estrangeira, já transitada em julgado e oportunamente liquidada pelo Estado Brasileiro, devendo o condenado cumprir por isso em Portugal a pena remanescente de sete anos, sete meses e 18 dias de prisão, sendo essa a pena que foi objecto do despacho de aceitação de admissão do pedido de execução em Portugal, proferido pela Sua Exa a sra Ministra da Justiça em Portugal (fls 8)”. É esse o pedido e, conforme se observa, corresponde à pena em que foi condenado, com o desconto do período de prisão preventiva no Brasil.

Relativamente ao desconto do período de detenção provisória no âmbito do processo de extradição, não é este o momento próprio para proceder à liquidação da pena, como decorre do disposto no art. 477º do Código de Processo Penal.

Como bem assinala o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal, “a questão do desconto do período de tempo em que, ao abrigo em que, ao abrigo do mandado de detenção com eficácia internacional emitido pelas autoridades Brasileiras esteve detido em Portugal, concretamente no âmbito do processo nº 2757/23.1... da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa (de 21.09.2023 a 28.02.2024, data em que veio a ser restituído à liberdade, na sequência de uma comunicação das autoridades brasileiras, solicitando a suspensão do processo de extradição, por terem dado início a um processo de “transferência de execução da pena” a pedido do condenado, o que importou que o Estado Brasileiro formalizasse pedido de reconhecimento e a execução da sentença acima mencionada, por parte de Portugal, afim de o condenado poder aqui cumprir a pena remanescente de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão) é uma questão que não se coloca neste processo, mas sim em sede de cômputo da pena a efetuar posteriormente, nos termos dos artºs. 469º, 477º e 479º, do CPP. Aí serão descontados todos os períodos em que o arguido esteve detido ou preso, conforme dispõe o artº 80º” do mesmo diploma”.

5. A execução da pena de forma diferida no que se refere à progressão de regime, nos termos da legislação brasileira.

Pretende o Recorrente que lhe seja aplicável o regime de execução da pena do Brasil que afirma ser mais favorável por lhe permitir progredir para regime semi-aberto em 4 meses enquanto em Portugal terá de cumprir metade da pena para lhe poder ser concedida liberdade condicional, podendo antecipar em um ano em caso de adaptação à liberdade condicional…

Sem embargo do Recorrente olvidar as possibilidades de beneficiar de regime aberto no interior e no exterior (art.s 12º e 14º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), nem sequer sendo óbvio qual o regime mais favorável, a realidade é que, como salientam o acórdão recorrido e o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto no seu parecer, o Recorrente não tem possibilidade de escolha: Por força do art. 101º nº 1 da Lei 144/99 “a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa”. Por outro lado, é ao Tribunal de Execução de Penas que, após o trânsito em julgado, compete acompanhar e fiscalizar a execução da pena e apreciar todas as situações relacionadas com o seu cumprimento (art.s 114º da Lei da Organização do Sistema Judiciário e 138º nº 1 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) não cabendo a esta instância determinar a forma de cumprimento da pena.

III. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se em cinco UC a taxa de justiça devida.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2024

Jorge Raposo (relator)

Carlos Campos Lobo

António Augusto Manso

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1. Em sintonia com o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste STJ, entende-se que as conclusões, embora sem que essa específica denominação, constam no último ponto (9. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS), pelo que não se justifica qualquer convite ao aperfeiçoamento.

2. À exceção de uma questão prévia que o mesmo levantou, quando foi do parecer que deveria o recorrente ser notificado para apresentar conclusões, pois que não o teria feito de modo articulado, como exigem os artºs 240º, al. a), e 412º, nº 1, do CPP e 3º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31.08: Na verdade, entende-se que as conclusões, que bem que sem que essa específica menção seja efetuada, constam no último ponto (9. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS), pelo que não se entende pela necessidade de tal notificação.

3. Sendo de notar que, ao contrário do que parece pretender o recorrente, aí nunca será de deduzir no cumprimento da pena aquela que o arguido cumpriu no Brasil à ordem do processo, porquanto no pedido de cumprimento da pena em Portugal, quando é indicada a pena a cumprir de 7 anos, 7 meses e 18 dias de prisão, já é tido em conta o período em que AA esteve detido naquele país à ordem do processo (concretamente, 6 meses e 9 dias, conforme elementos juntos aos autos – fls. 67 e seguintes da certidão que inicia o presente processo).

4. Na mesma linha, também numa situação de execução em Portugal de condenação por tribunal brasileiro, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.5.2024, no proc. 2681/23.8YRLSB.S1.

5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.2.2013, no proc. 372/12.4YRLSB.S1.

6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.7.2012, proc. 166/11.4YREVR.S1. Doutrina (Simas Santos e M. Leal-Henriques, in Código de Processo Penal anotado, 1.º volume, 2.ª edição, reimpressão, 2004, Editora Rei dos Livros, pg. 1122) e jurisprudência (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2010, proc. 301/09.2TRPRT.S1) anteriores consideravam que (acórdão referido): «Por “máximo legal admissível” entende-se os limites máximos legais da pena de prisão consagrados nos n.ºs 1 e 2, do art. 41.º do CP, pois só em relação a estes limites gerais e abstractos faz sentido convocar o princípio constitucional da duração limitada das penas previsto no art. 30.º, n.º 1, da CRP. Tentar interpretar aquela expressão com outro significado, mormente para significar a pena máxima da moldura penal do crime concretamente em apreciação, ou a aplicação de regimes especiais previstos na ordem jurídica portuguesa comportaria uma distorção inadmissível do sistema, com base em especificidades do ordenamento jurídico-penal português, em confronto com os ordenamentos dos Estados estrangeiros, que como é sabido também adoptam sistemas de penas divergentes do cúmulo jurídico, como os sistemas da absorção, da agravação ou exasperação e da acumulação material das penas – neste sentido, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1971 (reimpressão), págs. 211 a 215. A entender-se de outro modo seria menosprezar-se ostensivamente a cooperação internacional acordada e restringir-se desadequadamente a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, pelo que, desde que verificadas as condições gerais estabelecidas na Lei 144/99, bem como as condições especiais de admissibilidade nada obstará ao exequatur da sentença penal estrangeira no Estado de execução».

7. Apesar do sistema penal de determinação das penas brasileiro ser diferente do português (cfr. art.s … do Código Penal brasileiro), também a pena única fixada respeita os limites legais para determinação da pena única do art. 77º do nosso Código Penal.