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Jurisprudência
N.º de Processo:
21509/19.7T8LSB.L2.S1
www.dgsi.pt Fonte: STJ (DGSI)
Data:
26/02/2025
Jurisprudência:
Votação:
Sumário

I – O princípio da boa-fé impunha, só por si, à Ré, face a esse desvio funcional mais ao menos constante e duradouro por parte do Autor no sentido do desenvolvimento de atribuições e competências que cabiam dentro da categoria de Realizador, que a mesma lhe pagasse a retribuição correspondente aquelas e não apenas a remuneração relativa à de produtor.

II - Tal juízo sai reforçado pelas normas constantes da alínea b) do número 1 do artigo 127.º, 115.º, números 1 e 2 e 118.º do CT/2009, dado resultar das mesmas que a Recorrente deveria determinar e consentir apenas ao Autor [designadamente, na razão das suas habilitações académicas, que se situam no 12.º ano de escolaridade], a título principal e em termos permanentes, a execução das funções próprias da referida categoria de Produtor [sem prejuízo da concretização acessória de outras afins ou funcionalmente ligadas, que poderiam entroncar, eventualmente, nas previstas para Realizador, desde que o mesmo tivesse a qualificação adequada] e não as que, primordialmente, respeitavam a esta segunda categoria profissional.

III – Se a Ré - como esta própria parece afirmar - celebrou um acordo com o Autor no sentido deste desenvolver, como objeto contratual normal, a atividade profissional de produtor mas permitiu, desde logo, de forma expressa ou tácita, que aquele assegurasse, ainda que temporariamente, as funções de realizador, o que aconteceu por um período de tempo superior a 180 dias seguidos, provocou, dessa forma, o acionamento do regime do número 4 da aludida cláusula 11.ª do AE, com a inerente obrigação de liquidar, a título permanente, a retribuição correspondente a essas outras funções de realizador;

IV – Se a Recorrente assentou consensualmente o vínculo laboral dos autos na assunção inicial e única por parte do Autor das funções de realização, não havendo, assim e nessa medida, qualquer cenário de desvio temporário das funções acordadas que justifique a convocação direta do regime da dita Cláusula, tal revela-se contudo juridicamente indiferente, pois a Ré, ao beneficiar, sem oposição conhecida, do trabalho de realização desenvolvido pelo Autor nessas precisas condições e circunstâncias ao longo da vigência do contrato de trabalho formado com o mesmo, estava contratualmente obrigada a pagar-lhe a respetiva remuneração.

V – Há lugar aqui à aplicação do princípio constitucional e legal de a «Trabalho Igual, Salário Igual» [artigos 13.º e 59.º, número1, alínea a) da CRP e 23.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, na parte aplicável], pois não há justificação para o Recorrido, apesar de desenvolver o mesmo quadro funcional dos demais realizadores da RTP, receber salário distinto e inferior ao daqueles, não constituindo obstáculo ou óbice ao funcionamento de tal regra central do Direito do trabalho a circunstância de o Autor não possuir as habilitações académicas necessárias à atribuição da correspondente Categoria Profissional.

Decisão Texto Integral

RECURSO DE REVISTA N.º 21509/19.7T8LSB.L2.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL S.A.

Recorrido: AA

(Processo n.º 21509/19.7T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, no dia no dia 17/10/2019, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL S.A., igualmente identificada nos autos, pedindo, em síntese, o seguinte:

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, por via dela ser a Ré condenada:

a) Ao reconhecimento da categoria profissional de realizador (nível IV) desde Janeiro de 2010 (a que corresponde uma remuneração mensal de 2.910,00 €);

b) Ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do reconhecimento da existência de contrato de trabalho (desde Janeiro 2010 até à Maio 2018) atenta a categoria aqui indicada o que perfaz um total de 110.600,00 € (cento e dez mil e seiscentos euros)

c) Ao que acrescem ainda à remuneração base (de acordo com a categoria de “Realizador – nível IV”):

Proporcional subsídio de férias (2010): 2.667,50 €

Subsídios de férias (2011 a 2019): 23.280,00 €

Férias (2011 a 2019): 23.280,00 €

Proporcional subsídio de Natal (2010): 2.667,50 €

Subsídio de Natal (2011 a 2018): 20.370,00 €

Subsídios de refeição: 7.25 €/dia (ao que acresce 45% porque noturno): 14.036,00 € + 6.316,00 €

Formação não dada: 1.958,00 €

Trabalho Noturno (25%): 64.000,00 €

Subsídio de Transporte (2010 a 2018): 3.960,00 €

Deslocação (5 Km RTP – domicílio): 212,00 €

d) Ao pagamento das diferenças salariais vencidas desde Maio de 2018 até à presente data (2.910,00 €/mês e 1.350,00 €/ mês – ordenado base), 26.520,00 €, vincendas e demais acertos daqui decorrentes nos diferentes créditos de acordo com alínea anterior.

e) Sem conceder, caso não seja reconhecida a categoria de realizador nível IV, os valores que se apurarem atento o disposto nas aqui alíneas b) e c) em montante a liquidar em execução de sentença;

f) Ao pagamento das demais prestações vincendas até efetivo e integral pagamento;

g) Ao pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante de 18.000,00 €;

h) Tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre àquelas quantias à taxa legal em vigor desde Janeiro de 2010 até efetivo e integral pagamento.”


*


2. Alegou, muito em síntese, o seguinte:

- Que, na sequência de ação inspetiva, nas instalações da Ré, desencadeada pela ACT em 2017, veio a ser instaurada pelo Ministério Público ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho celebrado entre aquela e o aqui Autor, tendo sido reconhecida a existência de contrato de trabalho com efeitos a 18.01.2010;

- O Autor continua a exercer a sua atividade para a Ré que se consubstancia na emissão de um programa diário de rádio e de um compacto que vai para o ar aos Sábados;

- Na sequência da “integração” nos quadros da Ré (em 2018) e ao arrepio das suas concretas funções e da decisão judicial, foi-lhe atribuída a categoria de “Produtor”, correspondente ao nível de desenvolvimento 1B, atento o Acordo da Empresa em vigor, sendo a sua retribuição base mensal atualmente fixada em 1.350.00 €;

- Sucede que o Autor exerce as funções inerentes à categoria profissional de Realizador, Nível de Desenvolvimento IV - 4 C da tabela salarial;

- Aquando do seu ingresso ao serviço da Ré foi condição o facto de poder exercer na prática as funções inerentes à categoria de “realizador”;

- O Autor vive diariamente num estado de desconforto, tristeza desilusão e humilhação, sendo frequentemente abordado por outros colaboradores da Ré sobre a sua situação profissional, sentindo um decréscimo de respeito e de consideração dos colegas em virtude da despromoção que lhe foi atribuída pela Ré, pelo que esta deve ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais e que, apesar do reconhecimento da existência do contrato de trabalho, até à data, ainda não foram pagas ao Autor as quantias que lhe são devidas por força do mesmo.


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3. Frustrada a conciliação em sede de Audiência de Partes, contestou a Ré por exceção e por impugnação.

Por exceção, invocou a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor com referência ao período compreendido entre 18.01.2010 e 07.11.2014.

Por impugnação invocou, em suma, que:

- Na sequência da sentença proferida na ação n.º 17339/17.9..., o Autor foi integrado nos quadros da Ré em 01.04.2018, com antiguidade reportada a 18.01.2010, com a categoria de produtor, nível de desenvolvimento I, escalão salarial B;

- Não corresponde à verdade que o Autor venha desenvolvendo, ou alguma vez tenha desenvolvido, as suas funções com total autonomia, tal como o próprio pretende fazer crer na sua contestação;

- Não se pode afirmar que o Autor vem desempenhando, ao longo do tempo, funções de realização, nem nunca contratualizou com a Ré o desempenho das funções inerentes a essa categoria;

- O Autor só poderia reclamar créditos salariais na hipótese de o Tribunal entender que está incorretamente enquadrado em termos de nível de desenvolvimento (os quais se subdividem em I, II, III, IV) e escalão remuneratório (A, B ou C) e não porque deveria, supostamente, ser realizador em vez de produtor; as funções exercidas pelo Autor enquadram-se perfeitamente na categoria de produtor sendo certo que, em termos remuneratórios, atribuir ao Autor a categoria de produtor ou de realizador é absolutamente irrelevante;

- O Autor não tem fundamento para pretender o enquadramento, ab initio no ND 4, nem alega qualquer facto suscetível de permitir apreciar a sua pretensão, sendo inexistente a causa de pedir da mesma;

- O nível de desenvolvimento atribuído a novos trabalhadores depende diretamente do preenchimento de requisitos de formação e conhecimento expressamente definidos no Anexo III A do AE;

- O Autor não tem o nível de formação superior exigido para ser admitido para o referido ND4, nem para NDII, apenas tem o 12.º ano de escolaridade;

- E não é devida a peticionada indemnização por danos não patrimoniais na medida em que falta um pressuposto essencial para o efeito, a ilicitude do enquadramento do Autor na categoria de produtor, bem como os demais requisitos da responsabilidade civil.

Terminou pedindo que a ação seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.


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4. O Autor respondeu à exceção pugnando pela sua improcedência.

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5. Foi proferido Despacho Saneador, onde foi fixado o valor da ação em € 30.001,00 e sido declarada improcedente a exceção perentória suscitada pela Ré na sua contestação.

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6. Por Sentença de 19/06/2022, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu condenar a Ré na reclassificação do Autor como Realizador - Nível de Desenvolvimento III, com efeitos reportados ao dia 18/01/2010, assim como no pagamento por parte da mesma das diferenças salariais existentes entre a retribuição auferida e a que o mesmo Autor deveria receber por via da reclassificação, acrescidas dos devidos juros de mora, vindo, finalmente, a condenar a RTP no pagamento de uma indemnização no valor total de € 4.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos devidos juros de mora e nas custas da ação na proporção do decaimento.

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7. A Ré interpôs recurso da aludida Sentença, cujas alegações foram apresentadas a 20/9/2022.

A 29/3/2023, no Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido Acórdão, o qual, em síntese, entendeu que as partes não foram previamente ouvidas acerca da atribuição ao Autor do aludido Nível de Desenvolvimento III, pelo que concluiu que a sentença recorrida se encontrava ferida de nulidade, pelo que a mesma foi anulada.

Assim, foi determinado que os autos descessem a esta 1.ª instância, com vista ao cumprimento do contraditório e posterior prolação de Sentença.


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8. Regressados os presentes autos ao Juízo de Trabalho de ...e cumprido, quanto às partes, o ordenado contraditório, veio, em 10.07.2023, a ser proferida nova sentença com o seguinte dispositivo:

““Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

A. Condeno a Ré a reclassificar o Autor como Realizador - Nível de Desenvolvimento III (três), com efeitos reportados ao dia 18 de Janeiro de 2010.

B. Em face ao acima determinado em A., condeno a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais entre a retribuição e a que o Autor deveria auferir por via da reclassificação ora determinada.

C. Condeno a Ré a pagar ao Autor indemnização no valor total de € 4.500,00 (Quatro mil e quinhentos euros), por força dos danos não patrimoniais apurados.

D. Aos valores acima determinados em B. e C. são devidos juros de mora, computados às sucessivas taxas legais, até efetivo e integral pagamento (artigos 804.º, 805.º n.º 2, alínea a), e 806.º do Código Civil e Portarias n.º 171/1995, de 25 de Setembro; n.º 263/1999, de 12 de Abril e n.º 291/2003, de 8 de Abril).

E. Absolvo a Ré no demais peticionado pelo Autor

Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção de 80% e 20% respetivamente (artigo 527.º do CPC aplicável por remissão do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT).

Registe e notifique.”.


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9. A Ré interpôs novo recurso de Apelação desta segunda sentença judicial.

Por Acórdão datado de 5/06/2024, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa acordaram em:

“- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados [1];

- Julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

a) Revogar a sentença na parte em que condenou a Ré a reclassificar o Autor como Realizador, Nível de Desenvolvimento III, com efeitos reportados ao dia 18 de Janeiro de 2020;

b) Condenar a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais entre a retribuição que este aufere como Produtor, Nível de Desenvolvimento I e a que deveria ter auferido desde 18 de Janeiro de 2010, por exercer as funções inerentes à categoria profissional de Realizador, Nível de Desenvolvimento III;

d) Revogar a alínea C) do dispositivo da sentença e absolver a Ré do pedido de condenação numa indemnização por danos não patrimoniais;

e) Revogar a alínea D) do dispositivo na parte em que condena a Ré no pagamento de juros de mora devidos sobre os valores da alínea C).

f) Manter, no mais, a sentença recorrida”.


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10. A Ré RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL S.A. interpôs recurso ordinário de revista, que, por despacho de 12/10/2024,foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Foi determinada a subida do presente recurso de revista a este Supremo Tribunal de Justiça, onde foi objeto de um despacho liminar que entendeu se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso ordinário de Revista [artigos 629.º, número 1 e 671.º, número 1 do NCPC].


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11. A recorrente RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL S.A. apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

«a) Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido a fls.__ dos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, muito embora não reconhecendo o direito do Recorrido à integração no Nível de Desenvolvimento III da categoria de Realizador, condenou a Recorrida a pagar-lhe, para o passado e para o futuro, a remuneração prevista para esse Nível de Desenvolvimento. Porém, o referido Acórdão, salvo o devido respeito, é ilegal, merecendo o presente recurso total provimento;

b) Quanto ao Nível de Desenvolvimento, sublinha-se que o Recorrido, quando iniciou o exercício de funções na Recorrente, em 2010, jamais poderia ter sido colocado num Nível de Desenvolvimento Nível superior ao I, até porque foi confirmado, pelo Acórdão Recorrido, que o Recorrido possui (apenas) o 12.º ano de escolaridade;

c) Esta mesma conclusão foi retirada pelo Tribunal a quo. Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter, de imediato, concluído pela absolvição da Recorrente, na parte referente ao pedido de pagamento de diferenças salariais.

Contudo, seguiu uma via diferente, acabando, na prática, por retirar exatamente o mesmo efeito prático da Sentença que havia sido proferida pelo Tribunal do Trabalho de .... Ou seja: ainda que declarando que, efetivamente, o Recorrido, em face do não cumprimento do critério relativo às habilitações, não tem direito a ser colocado no Nível de Desenvolvimento III, entende, contudo, que a Recorrente deve pagar-lhe a remuneração correspondente a esse mesmo Nível.

d) A fundamentação utilizada para o efeito terá de ser considerada, inquestionavelmente, desadequada. Assenta, essencialmente, no recurso à cláusula 11.ª do AE aplicável à Recorrente, a qual estabelece, entre outras coisas, que os trabalhadores têm direito ao tratamento remuneratório correspondente às funções exercidas temporariamente. Ora, aplicar, ao caso concreto, a referida disposição convencional, equivaleria, desde logo, a ficcionar que as funções aqui em causa são funções que foram atribuídas ao Recorrente já no decurso da sua relação de trabalho com a Recorrente, o que não sucede, já que tais funções são aquelas que têm vindo a ser desempenhadas, desde o início, pelo Recorrido, não equivalendo, naturalmente, a funções exercidas com caráter temporário.

e) Por outro lado, teria como consequência necessária a total desconsideração das demais regras estabelecidas nesse mesmo AE, nomeadamente, na sua cláusula 12.ª, que prevê, tal como é reconhecido no próprio Acórdão Recorrido, a necessidade de consideração do critério das habilitações académicas/formação (por de tratar de um critério cumulativo) para efeitos de atribuição de um determinado enquadramento em termos de categoria profissional e respetivo Nível de Desenvolvimento.

f) Tal como explicado no supra mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/01/2019, «Seja como for, a verdade é que, salvo o devido respeito, tal especificidade não releva pois que, afinal, em ambos os casos, sempre se terá de considerar, como o referiu o Tribunal recorrido, que “a demonstração do tipo de formação e conhecimento do trabalhador é um requisito cumulativo a avaliar juntamente com as funções desempenhadas”, não bastando, assim, demonstrar que o trabalhador exerce funções compatíveis “com o descritivo do nível de desenvolvimento em que pretende ser inserido mas também que detém as habilitações literárias exigidas por aquele”…».

g) Tendo decidido da forma supra indicada, o Acórdão Recorrido violou, designadamente, o disposto na cláusula 11.ª do AE (pois não é aplicável à situação sub judice), bem como na cláusula 12.ª do AE (que tem como requisito cumulativo para integração num Nível de Desenvolvimento superior ao I a formação/habilitações – formação superior -, que o Recorrido não detém). Ora, se não pode ser integrado num Nível superior, independentemente das funções exercidas, também por essa mesma razão não tem o Recorrido direito ao tratamento remuneratório que esse Nível superior (III) lhe conferiria.

h) Assim, mesmo admitindo a atribuição ao Recorrente da categoria de realizador, não deve o mesmo beneficiar de um tratamento remuneratório superior ao correspondente ao do Nível de Desenvolvimento I.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE SE CONSIDERAREM APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE O ACÓRDÃO RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ABSOLVA A RECORRENTE DO PAGAMENTO DE QUAISQUER DIFERENÇAS SALARIAIS, POR REFERÊNCIA À REMUNERAÇÃO PREVISTA PARA O NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO III DA CATEGORIA DE REALIZADOR, ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!»


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12. O Autor não veio responder dentro do prazo legal ao recurso de revista da Ré, apesar de notificado para o efeito, não tendo, nessa medida, apresentado contra-alegações.

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13. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Somos, assim, de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente, sendo mantido o douto acórdão recorrido.»


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14. As partes não se pronunciaram sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de terem sido notificadas do mesmo.

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15. Cumpre decidir, depois de o coletivo ter tomado conhecimento dos autos, recebido o projeto de Acórdão elaborado pelo relator e debatido o seu teor.

II. FACTOS

16. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:

- FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS:

«1. A Ré é uma empresa do sector público empresarial do Estado e que tem por objeto social a prestação de serviços públicos de rádio e televisão.

2. A 12/12/2017, foi proferida Sentença no âmbito da ação de reconhecimento de existência n.º 17339/17.9..., que correu termos perante o Mm.º Juiz de Direito ... deste Juízo do Trabalho, a qual, após ser confirmada através de Acórdão proferido a 7/3/2018 no Tribunal da Relação de Lisboa, alcançou trânsito em julgado.

Através da referida Sentença foi reconhecida a existência, entre os ora Autor e Ré, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a 18/01/2010.

3. Presentemente, ao Autor assiste a categoria de produtor, nível de desenvolvimento I, escalão salarial B.

4. A retribuição base do autor atual ascende a € 1.350,00 (documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

5. O Autor exerce as seguintes funções:

a. Emissão de um programa diário, entre as 5:00 horas e as 7:00 horas.

b. Preparação de um programa compacto, previamente gravado que vai para o ar ao Sábado na RÁDIO ANTENA 1 (entre as ...:00 horas e as ...:00 horas).

6. Neste último caso, o Autor ouve os programas emitidos para selecionar o “BEST OFF” a ser emitido ao Sábado, de acordo com os seus próprios critérios e criatividade.

7. O Autor procede à montagem, edição e sonorização.

8. Diariamente, o Autor pratica essencialmente o seguinte horário semanal: entra nas instalações da Ré por volta das 3:00 horas e sai cerca das 11:00 horas.

9. O Autor concebe tal programa e faz entrevistas, contactos com ouvintes, desenvolve e apresenta propostas, dirige e coordena as tarefas, procede a reportagens sobre temas que pretende abordar, sendo uma parte acessória a emissão de música.

10. O Autor tem atribuições abrangentes e autonomia na idealização, na conceção, na elaboração, execução e na própria apresentação de propostas e programas de rádio.

11. É o Autor que estabelece os contactos essenciais, efetua as diferentes pesquisas e suscita, de forma autónoma, uma temática diária sobre o que entende mais pertinente, dentro daquela que tem sido experiência e âmbito.

12. O Autor apresenta um conhecimento amplo de todas as vertentes que envolvem os seus programas, quer ao nível da apresentação, dos conteúdos que desenvolve, nas reportagens, sonorização, montagens, edição.

13. O Autor dirige tais conteúdos e coordena as tarefas que são necessárias à concretização, sendo o responsável pela qualidade da realização do programa, tendo somente a colaboração diária de um trabalhador, BB, que dá apoio em algumas tarefas.

14. O Autor não tem de previamente submeter à Direção os seus programas e conteúdos, não obstante a sua ação encontrar-se balizada por um conceito e estratégia de posicionamento definidos pela Direção de Programas da Ré.

15. O Autor é reconhecido nacional e internacionalmente; em muitas ocasiões o Autor é reconhecido apenas pela voz.

16. Anteriormente, o Autor desenvolveu a sua atividade como realizador, produtor e apresentador de programa de rádio no “RÁDIO ...” (de 2002 a 2009); foi jornalista, repórter, realizador e apresentador na RÁDIO ... (de 1982 a 2002).

17. Já no âmbito da Ré, o Autor pensou, desenvolveu e concretizou trabalhos de informação, reportagem, programas ao vivo (nomeadamente, Timor, França, Navio Escola Sagres, São Tomé e Príncipe).

18. Em tais projetos o Autor tomou a cargo a apresentação, a produção e até a sonoplastia.

19. Nas ausências do Autor, por motivos de doença, o programa emitido entre as 5:00 horas e as 7:00 horas é apresentado por outra pessoa, nomeadamente por CC (documento n.º 2 junto com a contestação, a fls. 183, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), por DD e por EE.

20. Quando o Autor apresenta o aludido programa o mesmo assume a denominação de “AA”.

21. Quando o Autor é substituído na apresentação do aludido programa, o mesmo pode assumir o nome do profissional que o apresenta.

22. O Autor vivencia estado de tristeza.

23. Tal estado de tristeza é percecionado também por alguns dos ouvintes do Autor.

24. O acima exposto nos pontos 22 e 23 tem como causa o posicionamento do Autor ao nível da sua atual categoria.


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- FACTO ADITADO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

25. De acordo com a informação constante da ficha individual do Autor, este possui o 12.º ano de escolaridade.


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- FACTOS NÃO PROVADOS:

a) Que o Autor tenha frequentado o curso de Filosofia - variante História das Ideias, bem como o Curso de Rádio e TV - RAI - Centro de Estudos de Turim.

b) Que não exista qualquer outro colaborador da Ré que desenvolva, conceba ou dirija os programas do Autor ou seja responsável pela sua qualidade e realização.

c) Que, aquando do ingresso do Autor ao serviço da Ré, tivesse sido condição o facto do mesmo poder exercer na prática as funções inerentes à categoria de “realizador”.

d) Que, sempre sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, o Autor viva diariamente no estado de desconforto e humilhação, e que sejam visíveis tais incómodos.

e) Que o Autor seja frequentemente abordado por colegas de profissão (da Ré ou não) e por pessoal administrativo e que os mesmos lhe questionem acerca do mesmo deter a categoria de produtor.

f) Que a remuneração de terceiros seja superior à do Autor; e que tal aspeto tenha provocado no Autor um forte sentimento de humilhação e de embaraço.

g) Que o acima exposto na alínea anterior seja do conhecimento geral dos colaboradores da ANTENA 1.

h) Que o Autor disponha de um sentimento generalizado que o seu trabalho, dedicação e a sua notória carreira profissional não sejam reconhecidos pela ré.

i) Que, sempre sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, o Autor apresente uma reação depressiva, e que seja patente a sua desilusão e forte desgosto.

j) Que não seja raro o Autor ser abordado por colaboradores da Ré ou por outros profissionais do sector, e que os mesmos o questionem acerca do seu reconhecimento (e a falta dele) no seio da RTP.

k) Que o Autor sinta preocupação e angústia relativamente ao seu presente e futuro.

l) Que o Autor tenha deixado de se alimentar convenientemente.

m) Que o Autor não durma de forma tranquila.

n) Que o Autor esteja abalado e muito pouco comunicativo.

o) Que o Autor fica ansioso e com manifestações de elevado stresse.

p) Que a postura e ânimo acima referidos nas alíneas anteriores sejam facilmente “transportados” na relação que com os ouvintes vem criando.

q) Que apenas com enorme esforço o Autor consiga desempenhar com aparente alegria e vivacidade as suas atribuições.

r) Que o prestígio e a notoriedade do Autor sejam fortemente abalados, não só no seio da Ré como junto de terceiros.

s) Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, que sejam definidos pela Direção de Programas da Ré a formatação do alinhamento, as rubricas, as playlists, o tipo de convidados.

t) Que o Autor tenha gozado as férias legalmente estabelecidas.

u) Que ao Autor não tenha sido paga qualquer importância a título de subsídio de férias e de Natal.

v) Que ao Autor não tenham sido pagos os demais créditos, os quais possam respeitar a todo o período em que tem vindo a ser executado o contrato de trabalho até à presente data.

w) Que a Ré tenha sido instaurada pelo Autor a proceder ao pagamentos dos valores aludidos nas alíneas anteriores.

x) Que não tenha sido proporcionada formação por parte da Ré em benefício do Autor.»

III – OS FACTOS E O DIREITO

17. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 17/10/2019, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, já depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista, tudo sem prejuízo da Regulamentação Coletiva que é aplicável à relação laboral dos autos.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

Neste recurso de Revista está em causa decidir se, apesar de não poder ser reclassificado na categoria de Realizador - Nível de Desenvolvimento III por não ter as habilitações literárias necessárias, o Autor tem direito às diferenças salariais entre a categoria de Produtor Nível de Desenvolvimento I e a referida categoria.

Importa dizer, depois de uma leitura atenta das alegações e das conclusões, que não resulta das mesmas que a empregadora recorrente pretenda também impugnar judicialmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que, não obstante revogar a sentença na parte em que concedeu ao Autor a reclassificação profissional por ele pretendida, lhe reconheceu o desenvolvimento de funções subordinadas para a Ré correspondentes à dita categoria profissional de Realizador, Nível de Desenvolvimento III, conforme previsto no Acordo de Empresa da RTP.

Verifica-se, com efeito, que, muito embora as instâncias não convirjam nessa aceitação e declaração judicial da reclassificação, desde 18 de janeiro de 2010 [2], do Autor como Realizador, parecem ambas estar de acordo quanto à efetiva recondução da atividade profissional desenvolvida pelo Recorrido ao correspondente quadro funcional de Realizador e não ao que se acha convencionalmente descrito como de Produtor, não havendo, nesta específica matéria, divergência marcante e essencial entre a sentença da 1.ª instância e o Aresto do TRL, que nos afaste do regime do número 3 do artigo 671.º do CPC/2013.

Logo, a ser assim, verifica-se aqui uma situação de dupla conforme, nos termos de tal dispositivo legal, que impede a Ré de suscitar e ver discutida essa problemática no quadro desta revista ordinária interposta ao abrigo dos números 1 dos artigos 629.º e 671.º do aludido diploma legal, sendo certo, por outro lado, que a Ré não veio recorrer dessa parte, através da interposição de um Recurso de Revista Excecional, nos termos do artigo 672.º do Código de Processo Civil de 2013.

No fundo, é isso que nos parece ressaltar do próprio teor das alegações e das inerentes conclusões da Revista da Ré que, no fundo e depois de decidida de forma coincidente pelas duas instâncias essa faceta fundamental da presente ação laboral [funções profissionais coincidentes, no essencial, com as elencadas para o Realizador e não para o Produtor], procura que este Supremo Tribunal de Justiça revogue o Aresto recorrido na parte em que determinou o pagamento, desde 18/01/2010, das diferenças salariais entre a remuneração que o mesmo auferiu enquanto Produtor, Nível de Desenvolvimento I, Escalão Salarial B e aquela que deveria ter ganhado como Realizador, Nível de Desenvolvimento III.

C – LITÍGIO DOS AUTOS

Sabemos que o TRL entendeu que o Autor não podia ser reclassificado como Realizador pois apesar de assegurar as funções fulcrais e definidoras de tal categoria, não possuía as habilitações académicas convencionalmente exigidas pelo Acordo de Empresa da RTP [3] para poder assumir desde logo esse outro e mais elevado estatuto socioprofissional e respetiva remuneração.

Não existindo em tal regulamentação coletiva de trabalho qualquer cláusula que abra uma exceção para situações como a do Autor, afigura-se-nos que, de facto, não é possível proceder à sua reclassificação profissional, dado a falta das habilitações académicas mínimas por parte do mesmo.

Mas se assim é, também não se pode ignorar que o recorrido, não obstante essa falta de formação adequada, desenvolveu ao longo de 15 anos – cerca de 10 anos, às data da propositura desta ação - muitas das atribuições fulcrais ou centrais de tal categoria profissional e, atento o tipo de atividade executada, devidamente identificada e com inevitável exposição pública, fê-lo certamente com o conhecimento e por determinação da Ré RTP.

Num quadro funcional como esse, que já se desenvolve há cerca de década e meia [perto de uma década à data da entrada em juízo da PI] e em que se assiste à prossecução continuada por um dado trabalhador, que nem sequer tem as habilitações necessárias para o efeito, de funções que não são as próprias da Categoria Profissional que lhe foi atribuída pela sua empregadora [Produtor] mas antes da Categoria Profissional de Realizador, há que convocar, desde logo, o princípio geral da boa fé que domina, em termos gerais, a celebração, execução e cessação dos negócios jurídicos [cf., designadamente, o disposto nos artigos 227.º, 239.º, 334.º e 762.º, número 2 do Código Civil] e, em termos especiais, toda a vida do contrato de trabalho e ainda o que se passa antes do seu início e depois do seu termo [cf. artigo 102.º do Código do Trabalho de 2009].

Tal princípio da boa-fé impunha, só por si, à Ré, face a esse desvio funcional mais ao menos constante e duradouro por parte do recorrido, no sentido do desenvolvimento de atribuições e competências que cabiam dentro da categoria de Realizador, que a mesma lhe pagasse a retribuição correspondente às mesmas e não apenas aquela relativa à de produtor.

Tal juízo sai reforçado pelas normas constantes da alínea b) do número 1 do artigo 127.º, 115.º, números 1 e 2 e 118.º do CT/2009 [4], dado resultar das mesmas que a Recorrente deveria determinar e consentir apenas ao Autor [designadamente, na razão das suas habilitações académicas, que se situam no 12.º ano de escolaridade – Ponto 25.], a título principal e em termos permanentes, a execução das funções próprias da referida categoria de Produtor [sem prejuízo da concretização acessória de outras afins ou funcionalmente ligadas, que poderiam entroncar, eventualmente, nas previstas para Realizador, desde que o mesmo tivesse a qualificação adequada] e não as que, primordialmente, respeitavam a esta segunda categoria profissional.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que é aqui objeto de recurso invoca ainda as normas convencionais ínsitas na Cláusula 11.ª do Acordo de Empresa antes identificado para sustentar tal dever da Recorrente:

«Nos termos da cláusula 11.ª do AE (Funções desempenhadas):

“1 - Os trabalhadores abrangidos por este acordo exercem as funções correspondentes à função tipo/categoria e nível de desenvolvimento em que estão integrados.

2 - A empresa pode determinar o exercício de funções não compreendidas na função tipo/categoria do trabalhador desde que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e não impliquem desvalorização profissional.

3 - Nos termos do presente acordo de empresa, sempre que o trabalhador seja incumbido de exercer funções não compreendidas na sua função tipo/categoria por período superior a 30 dias seguidos, quando aos serviços temporariamente desempenhados corresponder um tratamento mais favorável, o trabalhador terá direito a esse tratamento.

4 - Se a situação prevista no número anterior durar mais de 180 dias seguidos, o trabalhador manterá o direito à retribuição correspondente às funções para que foi incumbido.

(…).”

Como dispõe o artigo 127.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, é dever do empregador pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho.

E no caso há que atentar no disposto na cláusula 11.º do AE acima citada.

(…)

Por outro lado, tendo o Autor exercido desde 18.01.2010 as funções inerentes à categoria profissional de Realizador, Nível de Desenvolvimento III, são-lhe devidas as diferenças salarias entre a retribuição que lhe tem sido paga como Produtor, Nível de Desenvolvimento I e a que deveria auferir pelo efetivo desempenho das funções de Realizador, Nível de Desenvolvimento III, acrescidas de juros de mora como decidido.»

A Ré contesta tal juízo efetuado pela 2.ª instância, com base na referida Cláusula do Acordo de Empresa da RTP, por entender que as funções levadas a cabo pelo Autor não foram temporárias mas definitivas, o que afastaria a aplicação ao caso dos autos da referida norma convencional, mas fá-lo sem razão e fundamento, pois, das duas uma:

- Ou a Ré - como esta própria parece afirmar - celebrou um acordo com o Recorrido no sentido deste desenvolver, como objeto contratual normal, a atividade profissional de produtor mas permitiu, desde logo, de forma expressa ou tácita, que aquele assegurasse, ainda que temporariamente, as funções de realizador, o que, como sabemos, veio a acontecer por um período de tempo superior a 180 dias seguidos, provocou assim e dessa forma, o acionamento do regime do número 4 da aludida cláusula 11.ª do AE e a inerente obrigação de liquidar, a título permanente, a retribuição correspondente a essas outras funções de realizador;

- Ou a Recorrente assentou consensualmente o vínculo laboral dos autos na assunção inicial e única por parte do Autor das funções de realização, não havendo, nessa medida, qualquer cenário de desvio temporário das funções acordadas que justifique a convocação direta do regime da dita Cláusula mas tal revela-se, contudo, juridicamente indiferente, pois a Recorrente, ao beneficiar, sem oposição conhecida, do trabalho de realização desenvolvido pelo Recorrido, nessas precisas condições e circunstâncias, ao longo da vigência do contrato de trabalho firmado com o mesmo, estava contratualmente obrigada a pagar-lhe a respetiva remuneração [5].

Importa também não olvidar aqui a inevitável aplicação à concreta situação dos autos do princípio constitucional e legal de a «Trabalho Igual, Salário Igual» [artigos 13.º e 59.º, número1, alínea a) da CRP e 23.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, na parte aplicável], pois não há justificação para o Recorrido, apesar de desenvolver o mesmo quadro funcional dos demais realizadores da RTP, receba salário distinto e inferior ao daqueles.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Parecer, sustenta a este respeito, o seguinte:

«Com efeito, uma situação é a reclassificação do autor numa categoria profissional prevista no IRCT aplicável, outra é a remuneração devida ao mesmo, a qual deve estar em conformidade com a atividade que efetivamente exerce.

O facto de o autor não poder ser reclassificado profissionalmente, na categoria «Realizador, Nível de Desenvolvimento III», por não possuir as habilitações literárias suficientes para tal, não impede que deva ser remunerado pela categoria que desempenhou.

E desde logo porque, a assim não ser, existia um benefício económico bem expressivo para a ré sem qualquer justificação, pelo que contrário aos princípios da boa-fé que devem caraterizar o desenvolvimento da relação laboral, designadamente por força do disposto nos arts. 762.º, n.º 2, do CC, e 126.º, n.º 1, do CT.

Mas também em obediência aos fundamentos do princípio legal e constitucional de «salário igual para trabalho igual», previsto nos arts. 59.º, n.º 1, al. a), da CRP, e 31.º, n.ºs 1 e 2, do CT.

Sendo certo que este princípio, pela sua natureza e consagração legal e até constitucional, sobrepõe-se, naturalmente, à ligação entre a previsão da progressão das carreiras e inerente estatuto remuneratório, estabelecido em IRCT, nomeadamente com a sua dissociação.

De resto, as categorias profissionais previstas nos IRCT’s têm precisamente como um dos objetivos garantir a equidade salarial, ao estabelecerem um nível remuneratório mínimo comum aos trabalhadores que nela se integram, por força da semelhança das funções que são exercidas.

Não existindo duvidas que o autor desempenhou as funções da categoria profissional de «Realizador, Nível de Desenvolvimento III», é apodítico afirmar que o seu trabalho é igual aos restantes trabalhadores da ré abrangidos por essa categoria profissional, devendo, portanto, auferir o mesmo salário.

Ou seja, o autor não pode ser reclassificado, logo não pode usufruir dos direitos da categoria profissional superior, exceto quanto ao valor da remuneração.

Acresce, ainda, que a cl.ª 11.ª do AE para a Rádio e Televisão de Portugal, SA, publicado no BTE n.º 36/151, prevê essa equiparação salarial para o trabalhador que temporariamente exerce funções de categoria superior, pelo que, por maioria de razão, tal previsão será aplicável à situação do autor que, desde o início e até pelo menos à propositura da ação, sempre as desempenhou.

De resto, este é o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente deste Supremo Tribunal, conforme se pode constatar dos excertos dos seguintes arestos:

– Acórdão do STJ de 02-11-2005, proc. n.º 326/00 (revista 1167/05-4) [6]:

«A este propósito é necessário ter presente que a categoria profissional significa para o trabalhador, não só a garantia de um certo estatuto remuneratório, como também do seu estatuto profissional. Por isso, em respeito pelo princípio da igualdade, se justifica que em casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a determinada categoria profissional, sem que se verifiquem os requisitos necessários para que esta lhe seja reconhecida, ele adquira o direito a auferir a retribuição correspondente, sem que, contudo, possa invocar o direito à reclassificação nessa mesma categoria.».

– Acórdão do TRP de 22-02-2010, proc. n.º 949/06.7TTVNG.P1 [7]:

«Deste modo, apenas se pode concluir que o autor não reúne os requisitos para que fosse legítimo operar a sua reclassificação profissional, com a atribuição da categoria profissional de técnico superior, nos termos pretendidos. Mas, se isto é assim, e à semelhança do que também se considerou no dito acórdão, tal não significa que ao autor não assista o direito à retribuição correspondente às funções desempenhadas. Na verdade, como se considerou no Acórdão do STJ de 2 de Novembro de 2005 (Revista n.º 1167/05), www.stj.pt/Sumários de Acórdãos, em respeito pelo princípio da igualdade “justifica-se que, em casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a determinada categoria profissional, sem que se verifiquem os requisitos para que esta lhe seja reconhecida, ele adquira o direito a auferir a retribuição correspondente, ainda que não possa invocar o direito à reclassificação nessa mesma categoria.

– Acórdão do TRP de 30-05-2018, proc. n.º 4350/17.9T8PRT.P1[8]:

«Porque assim é, independentemente da reclassificação da categoria do Autor face às novas funções poder colidir como se disse com a regra estabelecida no seu n.º 1, tal não significa, sem prejuízo do que se dispõe nos n.ºs 21 e 22 do mesmo normativo[12] … que aquele, sob pena de violação de elementares princípios gerais como o da igualdade e da justiça, com repercussão também no âmbito laboral, assim desde logo o primado legal e constitucional de salario igual trabalho igual (al. a), do n.º 1, do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa), não tenha direito a auferir a remuneração correspondente à das funções que está a desempenhar, por decisão da entidade patronal, em condições idênticas às dos demais trabalhadores que essas exercem.».

– Acórdão do TRC de 10-02-2023, proc. n.º 287/22.8T8CVL.C1 (no sumário) [9]:

«II – No âmbito de contrato individual de trabalho regulado pelo Código do Trabalho, sendo o empregador um hospital EPE e sendo nulo, por violação de norma imperativa, o ato contratual modificativo das funções do trabalhador para as correspondentes a categoria melhor remunerada, o trabalhador tem direito a auferir a remuneração correspondente à das funções que está a desempenhar e enquanto as desempenhar, quer por força da regra legal e constitucional de salário igual, trabalho igual, quer por força das regras da nulidade parcial do contrato previstas no Código do Trabalho, na medida em que o art.122.º n.º 2 deste Código estabelece que o ato modificativo de contrato de trabalho que seja inválido produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.».

– Acórdão do TRC de 05-04-2024, proc. n.º 612/23.4T8VIS.C1 [10]:

«Desta atividade contratada depende, em primeira linha, o estatuto remuneratório do trabalhador, pois que, o que conta para este efeito, são as funções concreta ou efetivamente exercidas.

O que importa para efeitos salariais é a verificação da atividade concreta e efetivamente exercida pelo trabalhador.

O Autor não exerce as funções de Assistente Técnico, sendo-o apenas no nome e não na realidade.

Por isso, enquanto a situação de facto se mantiver, é obrigação da ré remunerar o autor de acordo com a remuneração devida aos Técnicos Superiores, sob pena estar a usufruir de uma atividade laboral em que é devida uma remuneração superior àquele com que remunera o trabalhador.

Uma coisa é reclassificação do autor numa categoria profissional prevista em certo IRCT; outra é a remuneração devida a trabalhador a qual deve estar em conformidade com a atividade efetivamente exercida.

A não ser assim estar-se ia a alterar o equilíbrio das prestações com nítido prejuízo para o trabalhador.».

Em consequência, afigura-se-nos que o autor tem, efetivamente, direito às «diferenças salariais entre a retribuição que este aufere como Produtor, Nível de Desenvolvimento I e a que deveria ter auferido desde 18 de Janeiro de 2010, por exercer as funções inerentes à categoria profissional de Realizador, Nível de Desenvolvimento III».

Sendo assim, pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente recurso de Revista da Ré, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

IV – DECISÃO

18. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL S.A., com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Custas do presente recurso a cargo da Recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa 26 de Fevereiro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Paula Leal de Carvalho [Juíza-Conselheira Adjunta]

Mário Belo Morgado [Juiz-Conselheiro Adjunto]

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1. O Tribunal da Relação aditou à Matéria de Facto assente o seguinte facto:

“De acordo com a informação constante da ficha individual do Autor, este possui o 12.º ano de escolaridade.”.↩︎

2. Data de início da relação laboral dos autos, conforme declarado, por sentença transitada em julgado, na ação de reconhecimento de existência de um contrato de trabalho oportunamente instaurada pelo Ministério Público contra a RTP [ARECT] – Ponto 2 da Factualidade dada como Assente.↩︎

3. Falamos do Acordo de Empresa para a RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA., o qual está publicado no BTE n.º 36, de 29/09/2015 (disponível em http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/2015/bte36_2015.pdf).

As partes, assim como as instâncias, são unânimes no que respeita à aplicação de tal Acordo de Empresa ao vínculo laboral dos autos.

Segundo a Cláusula 71.ª desse AE, foram revogados por este último, as seguintes convenções coletivas de trabalho da mesma natureza:

«a) Acordo de empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 2006, com as alterações introduzidas pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 2007, e Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 2008, e pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 27, de 22 de Junho de 2009, que igualmente procedeu à republicação do texto consolidado;

b) Acordo de empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2006, com as alterações introduzidas pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 22, de 15 de Junho de 2007, pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 2008, e pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 27, de 22 de Junho de 2009, que procedeu à republicação do texto consolidado;

c) Acordo de empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2006 e alterado pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 18, de 15 de maio de 2007.»↩︎

4. Não sendo despiciendo referir ainda os artigos 119.º e 120.º do mesmo diploma legal, quanto à mudança para categoria inferior ou à mobilidade funcional do trabalhador.↩︎

5. Atente-se contudo na interpretação e aplicação desse número 4 da Cláusula 11.ª do AE a esse segundo cenário que o Ministério Público defende no seu Parecer, cuja parte respetiva iremos transcrever de imediato neste Aresto.↩︎

6. Sumário publicado em:   https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-social-2005.pdf» - NOTA DE RODAPÉ DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [2]↩︎

7. «Consultável em:   https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b9fa9237fab96af6802576e70051732b?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [3]↩︎

8. «Disponível em:   https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/419ef75d2f624c9f802582c1004f0f11?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [4]↩︎

9. « Acessível em:   https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/55d8d83d7a11862f8025896a005b8391?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [5]↩︎

10. «Consultável em:   https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/62a4d55801c4d8c380258b080031ebb6?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [6]↩︎