Sumário
I. O n.º 6 do artigo 145.º-O do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) obriga a considerar o fim do contrato e a complexidade e a unidade da relação obrigacional que dele emerge, determinando que a transferência de direitos e obrigações do banco objecto de resolução para o banco de transição compreenda todos os elementos integrantes do núcleo funcional do contrato ou que sejam indispensáveis para a realização do seu fim.
II. Nessa conformidade, deverá considerar-se abrangida no conjunto de direitos e obrigações do BES que é objecto da transferência para o Novo Banco a obrigação de restituição de quantias indevidamente pagas por cliente do BES e por ele recebidas.
Decisão Texto Integral
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
Recorrente: Novo Banco, S.A.
Recorrida: Voltalegre, Lda.
1. Voltalegre, Lda., com sede na Rua Alfredo Mirante, n.º 5, R/C Esquerdo, Assunção, Ajuda, Salvador e Santo Ildefonso, Elvas, intentou a presente ação declarativa de processo comum contra Novo Banco, S.A., com sede na Avenida da Liberdade, n.º 195, em Lisboa, pedindo que:
a) se considere a Cláusula 9.ª das Condições Gerais excluída do Contrato de Financiamento .08/08, por violação dos deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5.º, 6.º e 8.º da LCCG; caso assim não se entenda.
b) se declare nula, por abusiva, a comunicação e, consequentemente, a alteração unilateral do spread do Contrato Financiamento n.º FEC .08/08, ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º da LCCG, e por violar o princípio da boa-fé, previsto no artigo 15.º da LCCG e no artigo 227.º do Código Civil, conjugados com o artigo 294.º e 295.º do Código Civil; caso assim não se entenda,
c) se declare nula, por abusiva, a Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08, por violação do princípio da boa-fé e dos artigos 15.º, 16.º, 22.º e 19.º, n.º 1, alínea d), da LCCG; caso assim não se entenda,
d) se considere ilícita a alteração unilateral do spread por violação da Cláusula 9.º das Condições Gerais e Particulares do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08, ao abrigo do artigo 762.º n.º 2 do Código Civil;
e) em todo o caso e na decorrência dos anteriores pedidos, que se condene o Réu:
(i) à restituição da soma dos montantes semestrais entregues pela Autora por aplicação de taxa que não a taxa Euribor 6 meses acrescida do spread de 2%, prevista na cláusula 9.º das Condições Particulares do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08, acrescido do correspondente montante pago a título de imposto de selo, o valor pago a título de comissões, bem como os valores entregues em excesso a título de amortizações de capital, que tudo somado perfaz um montante global € 153.358,49, e ao pagamento de juros moratórios desde a citação.
(ii) À restituição de todos os montantes que vierem a ser exigidos à Autora pelo Réu por aplicação de taxa que não a taxa Euribor 6 meses acrescida do spread de 2%, prevista na cláusula 9.º das Condições Particulares do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08, desde a data da instauração da presente ação e até à prolação da sentença, em virtude da procedência dos anteriores pedidos.
2. Proferido despacho saneador no qual se decidia pela absolvição parcial do pedido do réu, foi este despacho, primeiro, confirmado pelo Tribunal da Relação e, depois, anulado, na parte em que apreciou a exceção peremptória de ilegitimidade substantiva do réu, pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 31.03.2022 no Apenso B).
3. Tendo os autos prosseguido os seus termos, foi, a final, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção parcialmente procedente e nesses termos:
1 – Declara-se nula a Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento FCE .08/08, considerando-se a mesma excluída dos termos do contrato e, em consequência, condena-se o Réu NOVO BANCO, S.A. a restituir à Autora VOLTALEGRE, LDA. os valores pagos em excesso por esta no âmbito do contrato de financiamento n.º FCE .08/08 quanto ao período compreendido entre 3 de Agosto de 2014 a 29 de Janeiro de 2016, quantia que deverá ser liquidada em posterior incidente e que corresponde à diferença entre os montantes efectivamente pagos pela Autora nesse período (que inclui capital amortizado, juros remuneratórios, comissões e imposto de selo) e o valor devido por aplicação da taxa Euribor a 6 meses, acrescida do spread de 3%.
2– Absolver o Réu do demais peticionado”.
4. Na sequência de apelação foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa, em cujo dispositivo pode ler-se:
“Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar parcialmente procedente o presente recurso, revogando-se parcialmente a decisão recorrida.
Consequentemente,
Declara-se nula a Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento FCE .08/08, considerando-se a mesma excluída dos termos do contrato e, em consequência, condena-se o Réu NOVO BANCO, S.A. a restituir à Autora VOLTALEGRE, LDA. os valores pagos em excesso por esta no âmbito do contrato de financiamento n.º FCE .08/08 nos períodos compreendidos entre 31.07.2008 e 30.07.2009, 31.01.2011 e 30.07.2011 e 30.01.2013 e 29.01.2016, quantia que deverá ser apurada em posterior incidente de liquidação e que corresponde à diferença entre os montantes efetivamente pagos pela Autora nesses períodos (que incluem capital amortizado, juros remuneratórios, comissões e imposto de selo) e os valores devidos por aplicação da taxa Euribor a 6 meses, acrescida, nos períodos de 31.07.2008 a 30.07.2009 e de 31.01.2011 a 30.07.2011, do spread de 2%, e no período de 30.01.2013 a 29.01.2016, do spread de 3%, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a data em que cada um desses valores foi pago até efetivo e integral pagamento”.
5. Inconformado, é agora o réu quem vem interpor recurso de revista, “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, alínea a), 675.º, 676.º e 682.º, todos do Código de Processo Civil”.
Pretende a revogação da decisão do Tribunal a quo e a manutenção da sentença, sendo, consequentemente, o réu absolvido do pedido contra si formulado pela autora no que toca à restituição de quantias pagas por esta em excesso ao BES em datas anteriores a 3.08.2014.
Finaliza as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo defendeu que “face à factualidade apurada e ao enquadramento que na sentença lhe foi dado e que acima ficou exposto, não se poderá considerar excluída a transmissão da responsabilidade do BES para o Réu no que toca à obrigação de restituição dos montantes indevidamente cobrados e recebidos pelo BES e efectivamente pagos pela Autora, porquanto essa exclusão afecta o sinalagma contratual, na medida em que veda à Autora a possibilidade de repor o equilíbrio contratual, invocando o direito de crédito que lhe assiste e que emerge directamente dessa obrigação de restituição”.
B. O sinalagma é, fundamentalmente, um feixe de correspectividade e reciprocidade que une duas obrigações – tipicamente as principais – de duas partes de um contrato, e não abrange toda e qualquer obrigação das partes de determinado contrato.
C. No caso concreto, dúvidas não restam de que o sinalagma relevante apenas se verifica(ou) entre (i) a obrigação de disponibilização do capital por parte do BES, que foi cumprida na data de celebração do contrato, e (ii) a obrigação de pagamento de prestações de reembolso e remuneração por parte da Recorrida.
D. O fundamento para a obrigação da Recorrida pagar prestações ao mutuante foi a (obrigação de) disponibilização do capital por parte do BES, e não uma qualquer obrigação do BES a restituir montantes dessas prestações pagos em excesso, num momento muito posterior.
E. O sinalagma não é evidente entre as obrigações aqui em causa, dada a natureza do contrato e o facto de a prestação bancária ligada sinalagmaticamente à obrigação de reembolso e amortização progressiva que impendia sobre a Recorrida foi cumprida pelo BES na data de celebração contrato.
F. É essencial procurar o maior equilíbrio possível entre (i) a discricionariedade do BdP quanto à delimitação do perímetro de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o NB, prevista no n.º 1 daquele artigo 145.º-O, do RGICSF, e (ii) a limitação decorrente do seu n.º 6.
G. E a delimitação do perímetro daquela transferência pelo BdP teve impacto, desde logo, na definição do balanço de abertura do NB em 03.08.2014.
H. A interpretação defendida pelo Tribunal a quo significa que os correspondentes passivos nem sequer puderam ser tidos em conta pelo BdP na delimitação daquele perímetro.
I. As funções de autoridade nacional de resolução que o BdP desempenhou, e o interesse público subjacente à decisão tomada em 03.08.2014, não se compadeciam nem compadecem com a indeterminação sobre os passivos do BES pelos quais o NB pode vir a ser chamado a responder, em moldes que contornem aquilo que o BdP estabeleceu nas suas deliberações de 03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2015.
J. A exclusão de determinado passivo da transferência do BES para o NB não implicava uma impossibilidade de satisfação do mesmo por parte da Recorrida.
K. O BES encontra-se ainda envolvido num processo de liquidação, onde todos os créditos que não tivessem sido transferidos para o NB podiam e deviam ter sido reclamados, como foram por inúmeros credores.
L. A exigência do cumprimento dessa obrigação do BES pela Recorrida deveria ser feita no âmbito do processo de liquidação do BES, e não nestes autos.
M. A retenção, na esfera do BES, da obrigação de restituição à Recorrida de quantias por esta pagas antes de 03.08.2014, neste caso concreto, não ofende o Acórdão deste Colendo Tribunal de 31.03.2022, nem viola o princípio, materializado em dever do BdP, previsto no n.º 6 do artigo 145.º-O, do RGICSF, como bem ajuizou a primeira instância.
N. E de que, ao defender posição contrária, considerando justificada a transmissão desse passivo do BES para o NB, coarctando a liberdade do BdP, na sua qualidade de autoridade nacional de resolução, de delimitar o perímetro de activos e passivos transmitidos a este, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente, tanto a norma prevista no n.º 1, como a prevista no n.º 6, ambos daquele artigo 145.º-O, do RGICSF”.
6. As alegações foram objecto de contra-alegações por parte da autora, que terminam com as seguintes conclusões:
“(1) A caracterização das responsabilidades e contingências excluídas da transmissão, decorrentes do anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03 de agosto de 2014, retificada pela deliberação de 11 de agosto de 2014, e clarificada pela deliberação de 29 de dezembro de 2015 têm de ser interpretadas restritivamente, em conformidade com a lei e com o princípio da incindibilidade entre certos ativos e responsabilidades que lhe estão associadas, materializada no n.º 6 do artigo 145.º-O do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”) que consagrou a regra da inseparabilidade entre posições ativas e passivas.
(2) Com efeito, o n.º 6, do artigo 145.º-O, do RGICSF, limita o alcance do poder do Banco de Portugal nas situações em que determinou para o Novo Banco transferência parcial ou total de direitos e obrigações do Banco Espírito Santo (”BES”) dispondo que a eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para a instituição de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.
(3) Assim, a cláusula genérica de exclusão de transmissão de responsabilidades contingentes e desconhecidas para o NOVO BANCO acima referida, deve ser interpretada à luz da limitação do poder do Banco de Portugal nas transmissões parciais, considerando-se que a mesma não abrange a exclusão de transmissão das responsabilidades inseridas num contrato ou em complexos contratuais em que a posição nele assumida pelo BES transitou para o Novo Banco.
(4) A interpretação restritiva dessa cláusula, em coerência com a amplitude da competência do Banco de Portugal nesta matéria, implica que não se deve considerar excluída a transmissão das responsabilidades do BES na execução de contratos em que o NOVO BANCO passou a ocupar a posição daquela entidade bancária, sempre que essa exclusão afete o sinalagma contratual, devendo, nessas situações, considerarem-se igualmente transmitidas as responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos.
(5) A letra do n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF é clara, determinando que não pode ficar prejudicada a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, tendo de ser transmitidas as responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, significando com isso que o legislador visou salvaguardar os nexos de sinalagmaticidade complexa e de acessoriedade.
(6) Esta salvaguarda decorre da Diretiva 2014/49/UE, de 16 de abril (“Diretiva 2014/49/UE”) e Diretiva 2014/59/EU de 15 de maio de 2014 (“Diretiva 2014/59/EU”), ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, mais concretamente do considerando 95 da Diretiva 2014/59/EU, através do qual se visou evitar a divisão de passivos, direitos e contratos associados entre si, transposta para o ordenamento jurídico pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que alterou o artigo 145.º-O do RGICSF passando a fazer nele constar o seu n.º 6.
(7) Com esta alteração legislativa ficou cristalizado o princípio da incindibilidade entre certos ativos e as responsabilidades que lhe estão associadas, pelo que a correta interpretação do artigo 145.º-O, nº 6 do RGICSF implica que a mesma seja lida – também - à luz das disposições da Diretiva 2014/59/EU.
(8) É, de resto, a interpretação que resulta do teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de março de 2022, proferido no apenso B da presente ação, no qual se funda o Tribunal a quo, que decidiu que não se deve considerar excluída a transmissão das responsabilidades do BES na execução de contratos em que o NOVO BANCO passou a ocupar a posição daquela entidade bancária, sempre que essa exclusão afete o sinalagma contratual, devendo, nessas situações, considerarem-se igualmente transmitidas as responsabilidades associadas aos elementos dos ativos transferidos, porquanto a relação jurídica emergente desse contrato transferiu-se na sua totalidade para o Recorrente, como todos os direitos e obrigações dele emergente.
(9) Pelo que o sinalagma relevante, para efeitos de reposição do equilíbrio contratual, tal como ele é exigido à luz do n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF não se subsume à sinalagmaticidade simples, não se podendo resumir à“(i) a obrigação de disponibilização do capital por partedo BES,que foi cumprida na data de celebração do contrato, e (ii) a obrigação de pagamento de prestações de reembolso e remuneração por parte da Recorrida”.
(10) Pelo contrário, essa sinalagmaticidade – complexa - terá sempre de acautelar as responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferido, neste caso, o contrato de mútuo.
Com efeito,
(11) Resulta por demais evidente do teor do Acórdão STJ, cujas passagens mais relevantes se encontram reproduzidas no Acórdão ora Recorrido, que, quer o Tribunal a quo, quer o Supremo Tribunal de Justiça interpretam o n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF no sentido de que aquela norma visa salvaguardar – também - os nexos de sinalagmaticidade complexa e de acessoriedade.
(12) Veja-se, em concreto:
“ (…) Esta limitação [do n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF] não se aplica, no entanto, apenas a estas situações expressamente, mas exemplificativamente previstas, mas a todas aquelas em que uma transmissão parcial dos direitos e obrigações ponha em causa o sinalagma da relação contratual objeto de transmissão, gerando um desequilíbrio superveniente entre as prestações das partes. (…) A exclusão de uma contingente responsabilidade do Novo Banco pela restituição de quantias alegadamente pagas em excesso ao BES, a título de juros remuneratórios, mesmo antes da resolução desta instituição bancária, é suscetível de colocar em causa a cessão integral da posição contratual do BES naquele contrato, uma vez que essa eventual responsabilidade continuaria a incidir sobre esta entidade, apartando-se da relação contratual que atualmente tem como partes a Autora e o Novo Banco, o que pode afetar o sinalagma inerente a tal relação, vedando à Autora a utilização de mecanismos como a exceção de não cumprimento e a compensação, perante o Novo Banco, mediante a invocação do direito de crédito correspondente à alegada responsabilidade (…)”
(13) Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça utiliza aqui a expressão “sinalagma” num sentido lato -sinalagmaticidade complexa - (nem poderia ser de outra forma, face à natureza do contrato de mútuo em que a prestação do Recorrente se esgotou com a disponibilização, pelo BES do capital mutuado à Recorrida) para ilustrar que, caso assim não fora, a Recorrida se encontraria despojada de quaisquer meios de defesa oponíveis ao Recorrente, incluindo o direito a recorrer à via judicial para pedir a declaração de nulidade de uma clausula contratual abusiva ao abrigo da qual o Recorrente veio a receber quantias que não lhe eram devidas, para efetivar a invocação do direito ao crédito que agora lhe foi judicialmente reconhecido, o que indubitavelmente colocaria em causa a cessão integral da posição contratual.
(14) É, de resto, entendimento pacífico e que este Colendo Tribunal tem vindo a reforçar nas ua jurisprudência mais recente, sendo o mais recente exemplo o da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2024, proferido do âmbito do processo 13494/15.0T8LSB.L1.S1, do qual resulta que “(…) Deve, aliás, entender-se que, se o legislador teve em conta a necessidade de salvaguardar os nexos de sinalagmaticidade complexa e de acessoriedade (…)”. De igual modo, “(…) o NB não pode pretender apenas ser titular de um direito de crédito, fazendo tábua rasa de todas as negociações existentes entre as partes, negociações essas que não podem deixar de relevar para efeitos de criação de deveres de protecção entre as partes. Das duas uma: ou o NB se arroga titular do direito de crédito, aceitando os deveres de proteçção que para si emergem, ou não poderá comportar-se como sendo titular do direito de crédito, sob pena de claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (…)”.
(15) Não tem, pois, razão o Recorrente ao afirmar que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o alcance do Acórdão do STJ de 31 de março de 2022, invocando não ser esta a interpretação que este Colendo Tribunal faz da leitura do n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF.
Sem conceder,
(16) O contrato celebrado entre as partes trata-se de um contrato de mútuo, como reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal a quo, sendo definido no artigo 1142.º do CC como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, pelo que existe obrigatoriamente um sinalagma, por força das obrigações cruzadas que se geraram por força da celebração desse mesmo contrato de mútuo.
(17) O próprio Recorrido reconheceu à Recorrente um direito à restituição, realizando o estorno de juros referentes a um período contratual anterior à resolução do BES e logo após a transferência do contrato de financiamento para a sua esfera jurídica.
(18) Resulta dos pontos 11, 12 e 16 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 que a criação do NOVO BANCO teve em vista a sucessão deste nos direitos e obrigações de que o BES detinha na sua esfera jurídica e que o objetivo das Deliberações do Banco de Portugal é proteger os depositantes e os contribuintes da exposição ao universo GES e às condutas ilícitas dos acionistas, obrigacionistas e administradores do BES e das empresas do GES.
(19) No contrato de financiamento inicialmente celebrado com o BES, a Recorrida assume a posição de mutuária, a qual é análoga, mutatis mutandis, à posição de depositária e o BES primeiro e o Recorrente após 03 de agosto de 2014, assumem a posição jurídica de mutuantes.
(20) Se as obrigações do BES decorrentes de contratos de depósito transitam para a esfera jurídica do NOVO BANCO, também os contratos de mútuo devem transitar, tanto mais que o Recorrente realizou um estorno de juros com o intuito de regularizar a situação de cobrança excessiva de montantes a título de juros do empréstimo, reportada a um período anterior à medida de resolução do BES.
(21) Portanto, o direito de crédito de que a Recorrida se arroga nasce de uma situação jurídica duradoura que integra um conjunto de direitos e deveres de ambos os contraentes e que não terminou com a resolução bancária do BES nem começou com a sucessão do Recorrente na posição jurídica do BES.
(22) Da Deliberação do Banco de Portugal não resulta que todos os passivos do BES tenham sido excluídos datransferênciaparao NOVOBANCO, nemo sistemajurídico permitetal entendimento, ao estabelecer limites às medidas de resolução de instituições bancárias, que têm como teleologia a proteção da confiança dos depositantes, a solidez financeira e a estabilidade do sistema financeiro.
(23) Na seleção de ativos e passivos a transferir para o banco de transição, o Banco de Portugal não pode olhar só aos interesses públicos da estabilidade do sistema financeiro ou da salvaguarda do erário público, devendo ainda ter em consideração as situações privadas concretas.
(24) É, como já vimos, aplicável o artigo 145.º-O, n.º6, do RGICSF, nos termos do qual a medida de resolução não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, pelo que o Banco de Portugal é legalmente obrigado a respeitar o sinalagma que une posições ativas e passivas.
(25) O direito de crédito invocado pela Recorrida não tem qualquer ligação ao GES ou aos comportamentos ilícitos e danosos dos funcionários do BES ou dos acionistas, administradores e gestores do BES ou do GES que conduziram o BES a uma situação de insolvência e motivaram a resolução bancária tal como esta foi constituída, e não resulta de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.
(26) Não se poderá opor à presente ação o argumento de que o Banco de Portugal excluiu o crédito exigido pela Recorrida com base na necessidade de garantir a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, uma vez que se trata de montantes entregues em excesso cuja prestação ao BES não foi contratualizada.
(27) Manifestamente, perante (i) as comunicações trocadas entre a Recorrida e o BES e a Recorrida e o Recorrente e (ii) o pagamento, pelo Recorrente, de passivos do BES pré-resolução no âmbito do contrato de financiamento, não pode qualificar-se o passivo em causa como incerto, meramente possível ou duvidoso – contingente – ou considerá-lo desconhecido à data da resolução do BES.
(28) O direito da Recorrida à restituição das quantias indevidamente pagas a título de juros remuneratórios ou spread, no âmbito do contrato de financiamento inicialmente celebrado com o BES, não é, do ponto de vista do mutuante e para efeito das Deliberações do Banco de Portugal de 03 de agosto de 2014 e de 29 de dezembro de 2014, um passivo contingente, desconhecido, resultante de fraude ou de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.
(29) E, também por esse motivo, não se encontra abrangido pelas exclusões previstas nos pontos A), B) ou C) das referidas Deliberações, tendo transitado da esfera jurídica do BES para a esfera jurídica do Recorrente, como parte integrante e incindível da posição jurídica de mutuante.
Pelo que,
(30) O Recorrente assumiu a posição jurídica do BES por inteiro, com todos os seus direitos e obrigações, inclusivamente, a obrigação de restituição dos montantes indevidamente cobrados à Recorrida no âmbito do contrato de financiamento.
(31) Donde, existe uma indiferenciação prática do BES e do Recorrente, visto que este sucedeu àquele na globalidade da relação contratual subjacente ao contrato de financiamento.
(32) E – também – por esse motivo, uma vez que posição jurídica do BES no Contrato de Financiamento objeto dos presentes autos se transferiu integralmente para o NOVO BANCO em 03 de agosto de 2014, nunca poderia a Recorrida – ao contrário do que defende o Recorrente - exigir do Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, por falta de legitimidade substantiva, o cumprimento da obrigação de restituição à ora Recorrida das quantias que esta pagou por indevidamente, referentes aos períodos que vigoraram de 31 de julho de 2008 a 30 de janeiro de 2009; de 31 de janeiro de 2009 a 30 de julho de 2009; de 31 de janeiro de 2011 a 30 de julho de 2011; e de 30 de janeiro de 2013 a 29 de julho de 2014, bem assim os juros que sobre tais quantias se venceram e vencerem, do qual vem o Recorrente – bem – condenado”.
7. No Tribunal da Relação de Lisboa determinou-se a subida dos autos.
*
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o réu Novo Banco, S.A., deve ser condenado a restituir à autora Voltalegre, Lda. os valores por esta pagos em excesso no âmbito do contrato de financiamento n.º FCE .08/08 em datas anteriores a 3.08.2014.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
1. No dia 30 de Janeiro de 2008, foi celebrado entre a Autora, o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (BES), AA e BB, os últimos na qualidade de prestadores de garantia de aval, o contrato de financiamento n.º FEC .08/08, nos seguintes termos:
“Entre o BES e VOLTALEGRE, LDA., (…), adiante designado (s) por Cliente, e O Cliente também designado por Prestador da Garantia da Hipoteca AA e BB, (…), adiante designados por Prestador (es) de Garantia do Aval,
É celebrado o presente contrato de financiamento (o «Contrato»), que se rege pelas seguintes condições particulares e gerais:
Condições particulares
1. Crédito: Montante Máximo Global de 1.350.000,00 EUR (…).
2. Finalidade: Apoio ao investimento.
3. Data Efectiva: A data efectiva corresponde à data da celebração da escritura pública de constituição de hipoteca.
4. Prazo: 180 meses.
5. Disponibilização: Imediata.
6. Conta D/O: (…).
7. Carência
Carência de Capital no prazo de 24 meses.
8. Utilização
Regime de utilização: Utilização única.
- Reutilização: Crédito não reutilizável.
- Multiusos: Não
- Multidivisas: Não
9. Juros
Taxa de Juro: correspondente à Média Mensal (MM) EURIBOR 6 meses acrescida de 2,0 ponto (s) percentual (ais).
Fixação da Taxa de Juro:
A taxa de juro é fixada no primeiro dia de cada período de 6 meses.
Taxa anual efectiva (TAE: Decreto-Lei 220/94, de 23 de Agosto): 6,9357%.
Pagamento de juros: 6 meses.
10. Reembolso
Reembolso do Crédito: O montante do saldo em dívida será reembolsado ao BES pelo Cliente de acordo com o seguinte plano:
- 26 amortizações semestrais, iguais e sucessivas, variando a percentagem, de amortização de capital, em função da incidência dos juros, de acordo com o disposto na Cláusula com epígrafe “Juros” do presente contrato, perfazendo uma prestação constante de capital e juros. Plano com início 30 meses após a data efectiva prevista no presente contrato.
Reembolso antecipado: O Cliente pode antecipar o reembolso do saldo em dívida, parcial ou totalmente, mediante pré-aviso de 15 dias, sem qualquer penalização.
11. Comissões:
- Comissão de Montagem de 0,125%
12. Comunicações:
(…)
13. Garantias de Crédito:
- Livrança subscrita pelo Cliente e avalizada;
- Hipoteca do Prédio Rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...79, ainda não inscrito a favor do Cliente e/ou Garantia e inscrito na Matriz Predial Rústica sob o Art.º 1 Secção GG da freguesia de ..., concelho de ...;”.
2. Na mesma data, as partes subscreveram o documento denominado “CONTRATO DE CRÉDITO - CONDIÇÕES GERAIS”, que se encontra junto aos autos a fls. 115 vs. a 116 vs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual se destaca, nomeadamente:
“9. Juros
§1. O montante de capital creditado na Conta D/O vence juros dia a dia.
§2. Salvo se diferentemente for disposto nas condições particulares, os juros são pagos postecipadamente no final dos períodos indicados nas condições particulares, contando-se o primeiro período a partir da data da primeira Utilização do Crédito.
§3. O Cliente assume integralmente o pagamento dos juros, ainda que existam entidades encarregues de procederem ao pagamento de parte ou da totalidade dos mesmos, e não o façam pontualmente, como por exemplo nos casos de bonificação ou comparticipação.
§4. As taxas de juro dos financiamentos de prazo igual ou inferior a um ano podem ser alteradas, mediante comunicação do seu novo valor ao Cliente, com uma antecedência de pelo menos 15 (quinze) Dias Úteis, como condição para a renovação do financiamento.
§5. As taxas de juro dos financiamentos de prazo superior a um ano podem ser alteradas, desde que a comunicação do seu novo valor seja comunicada com uma antecedência de pelo menos 15 (quinze) Dias Úteis em relação ao período em causa, podendo o Cliente efectuar o reembolso antecipado do crédito, sem qualquer penalização, no prazo de 30 dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração.
§6. Nos financiamentos com indexante, a sua variação não justifica qualquer incumprimento e não confere a qualquer das partes o direito de alterar ou resolver o Contrato.
§7. No caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, o BES poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito a resolver o Contrato no prazo de trinta dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração.
§8. Para os efeitos do Contrato, consideram-se alterações supervenientes quando:
a) Não seja viável determinar a taxa de juro aplicável ou a taxa alternativa para qualquer período de contagem.
b) O custo de obtenção de fundos no mercado para o BES se torne superior à taxa de juro aplicável.”.
3. O crédito destinou-se à compra do prédio rústico denominado Herdade de ... sito na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número ..79 da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo 1 da Secção GG.
4. A escritura de compra e venda da Herdade ... foi celebrada no mesmo dia em que foi celebrado o Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08.
5. O BES alterou o spread para 2,25% que vigorou de 31 de Julho de 2008 a 30 de Janeiro de 2009.
6. No início de 2009, em data não concretamente apurada, o BES remeteu carta à Autora, com o seguinte teor:
“Assunto: Alteração de condições de Financiamento
Contrato de Abertura de Crédito n.º B..70/....03
Exmos. Senhores,
Como é do conhecimento geral, os mercados financeiros têm sido atingidos, desde Agosto de 2007, por uma crise de enormes repercussões com origem nos Estados Unidos, a qual rapidamente se alastrou a toda a economia mundial.
A partir de meados de Setembro de 2008, com a falência do banco de investimento Lehman Brothers, esta crise acentuou-se de forma substancial.
As principais consequências deste cenário tão adverso são:
- um enorme agravamento do custo de obtenção de fundos, destinados à concessão de crédito por parte das entidades bancárias a nível mundial, reflectindo um forte aumento dos prémios de risco e de liquidez exigidos pelos investidores;
- uma redução muito significativa da liquidez disponível, deixando os Bancos nacionais e internacionais com acesso muito limitado aos seus habituais instrumentos de financiamento (por exemplo as securitizações, empréstimos obrigacionistas, obrigações hipotecárias,…). Os próprios mercados interbancários deixaram de funcionar com normalidade.
A recente possibilidade dos bancos (nacionais e internacionais) poderem efectuar emissões obrigacionistas com o aval dos respectivos Estados, veio confirmar o elevado custo de obtenção de fundos, pois os bancos, para além do pagamento do spread dessas emissões, pagam ainda ao Estado o custo das garantias concedidas pelo mesmo.
Face a este contexto, torna-se necessário proceder ao ajustamento das condições aplicadas ao financiamento em referência. Assim, informamos que, a partir do próximo período de contagem de juros, o spread aplicável passará a ser de 3.5%, mantendo-se inalteradas as restantes condições contratuais.
Mais informamos que, de acordo com a lei, V. Exas. dispõem do prazo de 30 (trinta) dias para, querendo, resolver o supra referido contrato com fundamento na presente alteração.
Certos da Vossa compreensão para o carácter excepcional deste ajustamento, continuamos, como sempre, completamente disponíveis para a prestação de esclarecimentos complementares que V. Exas. julguem necessárias e subscrevemo-nos com a maior consideração e estima.”.
7. No início de 2009, em data não concretamente apurada, o BES remeteu carta à Autora, com o seguinte teor:
“Assunto: Alteração de condições de Financiamento Contrato de Abertura de Crédito n.º ..........90
Exmos. Senhores,
Como é do conhecimento geral, os mercados financeiros têm sido atingidos, desde Agosto de 2007, por uma crise de enormes repercussões com origem nos Estados Unidos, a qual rapidamente se alastrou a toda a economia mundial.
A partir de meados de Setembro de 2008, com a falência do banco de investimento Lehman Brothers, esta crise acentuou-se de forma substancial.
As principais consequências deste cenário tão adverso são:
- um enorme agravamento do custo de obtenção de fundos, destinados à concessão de crédito por parte das entidades bancárias a nível mundial, reflectindo um forte aumento dos prémios de risco e de liquidez exigidos pelos investidores;
- uma redução muito significativa da liquidez disponível, deixando os Bancos nacionais e internacionais com acesso muito limitado aos seus habituais instrumentos de financiamento (por exemplo as securitizações, empréstimos obrigacionistas, obrigações hipotecárias,…). Os próprios mercados interbancários deixaram de funcionar com normalidade.
A recente possibilidade dos bancos (nacionais e internacionais) poderem efectuar emissões obrigacionistas com o aval dos respectivos Estados, veio confirmar o elevado custo de obtenção de fundos, pois os bancos, para além do pagamento do spread dessas emissões, pagam ainda ao Estado o custo das garantias concedidas pelo mesmo.
Face a este contexto, torna-se necessário proceder ao ajustamento das condições aplicadas ao financiamento em referência. Assim, informamos que, a partir do próximo período de contagem de juros, o spread aplicável passará a ser de 3.5%, mantendo-se inalteradas as restantes condições contratuais.
Mais informamos que, de acordo com a lei, V. Exas. dispõem do prazo de 30 (trinta) dias para, querendo, resolver o supra referido contrato com fundamento na presente alteração.
Certos da Vossa compreensão para o carácter excepcional deste ajustamento, continuamos, como sempre, completamente disponíveis para a prestação de esclarecimentos complementares que V. Exas. julguem necessárias e subscrevemo-nos com a maior consideração e estima.”.
8. No período de 31 de Janeiro de 2009 a 30 de Julho de 2009, o BES aplicou o spread de 3,25%.
9. A Autora remeteu carta ao BES, datada de 5 de Fevereiro de 2009, com o seguinte teor:
“(…)
Relativamente ao contrato de empréstimo hipotecário número ........03 de 30 de Janeiro de 2008 e do contrato de empréstimo pessoal que temos elaborado com o Banco Espírito Santo SA, (…), vimos manifestar, perante a informação fornecida pelos vossos colaboradores, que nos opomos determinantemente à aplicação de determinadas formas de cálculo dos juros que pretendem aplicar e que não cumprem as condições estabelecidas por V. Exas. na concessão e outorgamento do referido contrato de empréstimo hipotecário, firmado em escritura pública (…), e do contrato de financiamento número 107/08FEC.
Nós não podemos aceitar que V. Exas. violem as condições acordadas e que apliquem novos juros, sem que exista uma justificação dos factos que possam determinar a Vossa vontade de acordar algo diferente do inicialmente acordado, tanto para o contrato de hipoteca como para o contrato de financiamento, os juros devem ser os correspondentes aos da média mensal da taxa Euribor a seis meses incrementada em dois pontos percentuais, não podendo unilateralmente aplicar-se uma mudança no cálculo dos juros dos dois empréstimos.
Apesar do facto do Banco Espírito Santo, SA, ter estudado, analisado e aprovado apenas há um ano a operação financeira instrumentada nos citados a contratos hipotecário e de financiamento, cujos termos foram redigidos por V. Exas. e têm agora a intenção de substituir, os termos e as condições de ambos os contratos incorrendo assim numa clara violação dos mesmos, implicando por consequência gravíssimos e sérios danos à sociedade.
É que factos como os acima descritos podem causar sérios danos e de impossível reparação, pelo que a fim de os evitarmos, exigimos que se abstenham de realizar operações nas nossas contas, que representam a aplicação de juros diferentes do contratado sem o nosso conhecimento prévio e aceitação expressa, limitando-se V. Exas. a aplicar o cálculo dos juros acordados, ou seja, a média mensal da Euribor seis meses acrescida de dois pontos percentuais.”.
10. O BES remeteu carta à Autora, datada de 8 de Maio de 2009, com o seguinte teor:
“Contrato n.º ........03
(..)
Temos presente comunicação de V. Exas., relativa ao assunto em epígrafe, a qual foi objecto da nossa melhor atenção, cumprindo-nos solicitar que nos relevem a morosidade verificada na nossa resposta.
Após análise, esclarecemos que nas condições gerais do contrato celebrado entre V. Exas. e o Banco Espírito Santo, encontra-se prevista, na cláusula 9, ponto 7, onde se refere que “no caso de alterações supervenientes de mercado o justificarem, o BES poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o presente contrato”.
Importa ainda referir que as alterações apesar de suportadas contratualmente, forma alvo de reunião com V. Exas. e consequente esclarecimento sobre os motivos que estiveram na origem das alterações reclamadas.
(…).”.
11. A Autora remeteu carta ao BES, datada de 18 de Junho de 2009, com o seguinte teor:
“Após termos recebido de V. Exas. documentação onde solicitavam à VOLTALEGRE, LDA, a aceitação e assinatura dos mesmos, somos a informar que não os aceitamos porque pressupõem alterações às condições vigentes no contrato de empréstimo hipotecário número ........03 (financiamento n.º ...08/08 (…)) e no contrato de empréstimo (…), ambos celebrados com o Banco Espírito santo, SA a 30 de Janeiro de 2008. Os documentos referidos pressupõem uma alteração das condições básicas, que nos conduziram à assinatura do financiamento ao BES e concedido à VOLTALEGRE, LDA.
Já comunicamos, mediante carta registada com data de 5 de Fevereiro, que a VOLTALEGRE, LDA rejeita, de forma expressa, a aplicação de cálculo de juros diferente da contratada, isto é, a média mensal da taxa Euribor a seis meses, incrementado em dois pontos percentuais, cuja aplicação e cálculo temos vindo a reclamar ao BES.
Da mesma forma a VOLTALEGRE, LDA rejeita expressamente, e não aceita, qualquer outra modificação das condições particulares do financiamento que mantém com o BES em virtude de ambos os contratos.
A VOLTALEGRE, LDA tem cumprido com todas as obrigações contratadas com o BES, assim como tem efectuado o pagamento de todos os juros que o BES tem vindo a aplicar sobre os referidos contratos de empréstimo, apesar de não aceitar a forma de cálculo que o BES tem aplicado. As alterações que o BES pretende introduzir nos contratos de financiamento, podem originar graves prejuízos à VOLTALEGRE, LDA.
Desta forma a VOLTALEGRE, LDA, comunica que continuará, com carácter preventivo, a efectuar os pagamentos dos juros que o BES aplique, sem que isso pressuponha a aceitação tácita da modificação por Vós pretendida, pelo que informamos que a VOLTALEGRE, LDA se reserva o direito de exercer as acções que julgue necessárias em defesa dos próprios interesses.”.
12. A Autora elaborou e assinou uma carta que foi recebida pelo BES no dia 4 de Setembro de 2009, com o seguinte teor:
“(…)
2.- VOLTALEGRE, LDA e seus avalistas, assinam o presente documento de “alteração de financiamento nº...08/08” unicamente como comprovativo de o terem recebido e de terem tomado conhecimento do mesmo.
A Voltalegre, Lda e seus avalistas não pressupõem, neste documento, a sua aprovação já que não aceitam, e expressamente rejeitam, as alterações que contem relativamente ao contrato inicial de 30 de Janeiro de 2008, sendo que este documento pretende a alteração das condições inicias do empréstimo são as únicas que devem reger as partes.
A assinatura deste documento também não pressupõe a novação do contrato de empréstimo de 30 de Janeiro de 2008, cujos termos e condições devem prevalecer em todo o caso, pois mantémse vigente e aplicável entre as partes.”.
13. A Autora remeteu email ao BES a 22 de Outubro de 2009 no qual consta: “serve o presente para comunicar que estou disposto a deixar todas as minhas reivindicações "se em 30 de julho de 2009 colocarem o spread que assino no contrato (dos 2%)”.
14. No dia 15 de Novembro de 2009 foi assinado pela Autora um documento denominado “Alteração ao contrato de financiamento n.º ...08/08”, com a data de 30 de Julho de 2009, com o seguinte teor:
“Entre BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (…) e VOLTALEGRE, LDA., (…), adiante designado (s) por Cliente, e O Cliente também designado por Prestador da Garantia da Hipoteca AA e BB, (…), adiante designados por Prestador (es) de Garantia do Aval,
É celebrada a presente Alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos seguintes:
1. Alteração ao contrato
São alteradas as seguintes condições particulares de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor.
Condições particulares alteradas
9. Juros
Taxa de Juro: correspondente à Média Mensal (MM) EURIBOR 6 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 2 ponto(s) percentual (ais).
Fixação da Taxa de Juro:
A taxa de juro é fixada no primeiro dia de cada período de 6 meses.
Taxa anual efectiva (TAE: Decreto-Lei 220/94, de 23 de Agosto): 3,0800%.
Pagamento de juros: 6 meses.
2. Comissões
- Na sequência da presente alteração é devida uma comissão de EUR 3,00 que o BES fica autorizado a debitar na Conta D/O do Cliente.
3. Produção de efeitos
A presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir da data da sua assinatura pelas partes.
(…)”.
15. O BES remeteu carta datada de 3 de Dezembro de 2009 à Autora, com o seguinte teor:
“Crédito/ Financiamentos
(…)
Temos presente comunicação por V. Exas., relativa ao assunto em epígrafe, a qual foi objecto da nossa melhor atenção, solicitando desde já que nos seja relevada a morosidade verificada na nossa resposta.
A contribuição dos nossos Clientes é de extrema importância na detecção de situações que, pelo seu carácter de insatisfação, nos orientam na tomada de medidas internas entendidas por adequadas, no sentido de corresponder às vossas legítimas expectativas, motivo pelo qual o assunto apresentado, foi reportado ao Departamento competente.
Mais informamos que, tomámos conhecimento que a mesma foi objecto de esclarecimento por parte do Centro de Empresas do ..., através de reuniões havidas com V. Exas., onde foram acordadas novas condições a aplicar ao Contrato de Crédito/ Financiamento, encontrando-se em vigor o spread de 2%, retroagido ao dia 31-07-2009.
(…).”.
16. Em 31 de Janeiro de 2011, o BES comunica nova alteração do spread para 3%, a qual vigorou até 29 de Julho de 2011.
17. Foi reposto mais tarde o spread nos 2% para vigorar de 30 de Julho de 2011 a 29 de Julho de 2012.
18. Em 3 de Maio de 2011, Autora e BES subscreveram o documento denominado “Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC .08/08”, com o seguinte teor:
“Entre o BES e VOLTALEGRE, LDA., (…), adiante designado (s) por Cliente, e o cliente também designado por Prestador da Garantia da Hipoteca AA, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval, BB, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval,
É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos indicados:
1. Alteração ao contrato
São alteradas as condições particulares do contrato de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor:
Condições particulares alteradas
8. Juros
8.1. Taxa de Juro: Correspondente à Média Mensal (MM) EURIBOR 6 Mês(es), arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3.00000 ponto(s) percentual (ais).
8.2. Fixação da Taxa de Juro:
A taxa de juro é fixada no primeiro dia de cada período de 6 Mes(es).
8.3. Taxa anual efectiva (TAE: Decreto-Lei 220/94, de 23 de Agosto): 4.67500%.
8.4. Pagamento de Juros: Semestral.
2. Comissões
(…).
3. Produção de Efeitos
A presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir do dia 30/07/2012 e após a sua assinatura pelas partes.
(…)”.
19. Em 30 de Janeiro de 2013 é comunicado pelo BES a alteração do spread para 4,5%.
20. A Autora enviou email ao Réu a 23 de Julho de 2013, com o seguinte teor: “Ainda estou esperando notícias sobre os tópicos discutidos. O dia 30 de Julho está a aproximar-se e o vencimento do contrato a longo prazo e não falamos nada.”.
21. A 29 de Julho de 2013, foi enviado um email pelo BES à Autora comunicando que: “Quanto ao contrato de longo prazo e de acordo com o vosso correio o banco propôs uma mudança do spread para 3%, a partir de 30.07.2013, porém em outubro / 2012 aumentamos a grande maioria dos contratos a longo prazo incluindo o contrato a longo prazo da Voltalegre e a proposta era modificar o spread de 3% para 4,5%.
No entanto, foi possível aprovar a redução do spread de 4,5% para 4%.”.
22. A Autora remeteu email ao BES a 29 de Janeiro de 2014, com o seguinte teor:
“Continuo sem ter conhecimento de quanto é o spread que irão cobrar tanto no L / P e no C / P. Já, de uma maneira unilateral e sem falar comigo, em pagamentos anteriores dos contratos L/P e C/P, me cobraram o que queriam. Há dinheiro na conta, no momento, não sei se será suficiente para atender às L / P e C / P, mas como você não me diz o spread, não consigo calcular a quantia exata de dinheiro ... Espero que depois se não houver o suficiente, não haja juros ou recargas”.
23. A Autora remeteu email ao BES a 19 de Fevereiro de 2014 com o seguinte teor: “Como tu bem dizias ontem, consome-me ver a quantidade de dinheiro que me foi retirada, as alterações dos spreads de forma unilateral por parte do banco, mais a quantidade de dinheiro importante que supõe a cobertura dos tipos, e por esse motivo peço-lhe para lutar por 3,5”.
24. A 20 de Março de 2014, a Autora volta a enviar um email para o BES no qual expõe que: “Mais uma vez, lhe envio este escrito para mostrar minha insatisfação com a maneira unilateral em que sobem os spreads sem contar ou chegar a qualquer tipo de acordo comigo. Já são múltiplas as ocasiões em que discutimos sobre esta questão, nunca alcançando um acordo ou uma explicação do motivo pelo qual sobem a taxa de spread, violando o contrato que assinamos em 2008 ( …) Lembramos que, atualmente, nas últimas parcelas, foi mantido um spread de 4,5”.
25. O BES remeteu carta datada de 28 de Julho de 2014 à Autora, com o seguinte teor:
“Assunto: Modificação da Taxa de Juro Contrato de Financiamento n.º ODS .70/...03
(…)
Na sequência das conversas havidas, temos o prazer de informar V. Exas. que procederá este Banco à alteração das actuais condições aplicáveis ao contrato cima melhor identificado a partir de 30/07/2014, passando o spread aplicável a ser de 3,75000%.
Mantém-se em vigor as demais condições contratuais anteriormente estabelecidas.
(…)”.
26. O spread de 3,75% vigorou de 30 de Julho de 2014 até 29 de Janeiro de 2016.
27. O Réu NOVO BANCO, S.A. remeteu email datado de 22 de Agosto de 2014 à Autora, com o seguinte teor:
“(…)
No passado dia 23/07/2014 foi aprovado redução de spread com data retroactiva.
Desta forma vimos por este meio solicitar vossa autorização para estorno de juros e respectivo imposto de selo com data-valor de 30/07/2014.
(…)”.
28. O Réu efectuou um estorno a favor da Autora, no dia 27 de Agosto de 2014, no montante de € 12.433,27.
29. Em 1 de Junho de 2016, Autora e Réu subscreveram o documento denominado “Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC .08/08”, com o seguinte teor:
“Entre o Banco e VOLTALEGRE, LDA., (…), adiante designado(s) por Cliente, o cliente também designado por Prestador da Garantia da Hipoteca BB, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval AA, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval,
Considerando que:
a) O Banco Espírito Santo S.A. concedeu ao Cliente um financiamento em 30/01/2008, pelo valor inicial de 1.350.000,00 EUROS;
b) Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (…) foi constituído o NOVO BANCO, S.A., (…), para o qual foram transferidos determinados activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. identificados na referida deliberação incluindo o presente financiamento;
É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos indicados:
1. Alteração ao contrato
São alteradas as condições particulares do contrato de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor:
Condições particulares alteradas
9.1. Taxa de Juro: Correspondente à EURIBOR a 12 Mês(es), arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3,00000 ponto(s) percentual(ais).
(…)
3. Produção de Efeitos
A presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir do dia 01-06-2016.
(…)”.
30. Na mesma data, as partes subscreveram o documento denominado “CONTRATO DE CRÉDITO - CONDIÇÕES GERAIS”, do qual consta, nomeadamente:
“9. Juros
(…)
§7. O Banco poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, incluindo comissões, em caso de alterações supervenientes de mercado ou quando exista razão atendível para o efeito.
§8. Para os efeitos do presente contrato, consideram-se nomeadamente as seguintes situações:
a) A modificação de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do contrato que imponham o agravamento dos valores das provisões para riscos de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do crédito;
b) A impossibilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros, por extinção da taxa aplicável ou o do indexante que lhe serve de base;
b) O agravamento do custo de fundos para o Banco face àquele que vigorava na data de celebração do contrato, desde que tal agravamento seja relevante e determinado por razões externas ou fora da esfera de influência do Banco, o qual deverá ser objetivamente justificado.”.
31. Em 30 de Julho de 2017, Autora e Réu subscreveram o documento denominado “Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC .08/08”, com o seguinte teor:
“Entre o Banco e VOLTALEGRE, LDA., (…), adiante designado(s) por Cliente, o cliente também designado por Prestador da Garantia da Hipoteca BB, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval AA, (…), adiante designado(s) por Prestador(s) de Garantia do Aval,
É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos indicados:
1. Alteração ao contrato
São alteradas as condições particulares do contrato de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor:
Condições particulares alteradas
9.1. Taxa de Juro: Nominal fixa de 3,02%.
9.2. Fixação da taxa de Juro: Não aplicável.
14. Outras Estipulações:
- Derrogação de cláusulas das Condições Gerais
(…)
3. Produção de Efeitos
A presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir do dia 30-07-2017. (…)”.
32. Na mesma data, as partes subscreveram o documento denominado “CONTRATO DE CRÉDITO - CONDIÇÕES GERAIS”, do qual consta, nomeadamente:
“9. Juros
(…)
§7. O Banco poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, incluindo comissões, em caso de alterações supervenientes de mercado ou quando exista razão atendível para o efeito.
§8. Para os efeitos do presente contrato, consideram-se nomeadamente as seguintes situações:
a) A modificação de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do contrato que imponham o agravamento dos valores das provisões para riscos de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do crédito;
b) A impossibilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros, por extinção da taxa aplicável ou o do indexante que lhe serve de base;
b) O agravamento do custo de fundos para o Banco face àquele que vigorava na data de celebração do contrato, desde que tal agravamento seja relevante e determinado por razões externas ou fora da esfera de influência do Banco, o qual deverá ser objetivamente justificado.”.
33. O Réu remeteu carta datada de 27 de Dezembro de 2018 à Autora, com o seguinte teor:
“Assunto: Modificação da Taxa de Juro
Contrato de Financiamento n.º .......03
(…)
Na sequência das conversas havidas, temos o prazer de informar V. Exas. que procederá este Banco à alteração das actuais condições aplicáveis ao contrato acima melhor identificado a partir de 30-01-2019, passando a taxa nominal fixa aplicável a ser de 2,250%.
Mantém-se em vigor as demais condições contratuais anteriormente estabelecidas.
(…)”.
34. Em 18 de Março de 2008, foram celebrados, entre o BES e a Autora, dois contratos de swap para cobertura de riscos inerentes à alteração da taxa de juro com as referências KIKO-..06-..07-9108-..09-..10 e KIKO-..11-..12-..13- ..14-..15, nos quais a Autora foi compradora e o Réu vendedor.
35. Os contratos de swap vigoraram de 30 de Julho de 2008 a 30 de Julho de 2012.
36. O contrato de swap com a referência KIKO-..06-..07-9108-..09-..10 previa que, caso a Euribor 6 meses se fixasse abaixo da barreira inferior de 3,25%, a Autora pagaria o resultado da subtracção da Euribor da taxa de 3,89% sobre o nominal de, inicialmente, € 1.350.000,00, ou seja, o montante do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08.
37. O contrato de swap com a referência KIKO-..11-..12-..13-..14-..15 previa que, caso a Euribor 6 meses se fixasse abaixo da barreira inferior de 3,25%, a Autora pagaria o resultado da subtracção da Euribor da taxa de 3,89% sobre o nominal de € 250.000,00.
38. Os contratos de swap tinham periodicidade semestral.
39. A data de fixing teria lugar dois dias antes do início do período de cálculo.
40. As datas de pagamentos foram semestrais, nos dias 30 de Janeiro e Julho, tendo início em 30 de Janeiro de 2009 e terminando a 30 de Julho de 2012.
41. Durante a vigência dos contratos de swap, de 30 de Julho de 2008 a 30 de Julho de 2012, a taxa Euribor 6 meses apenas não se fixou abaixo da barreira inferior de 3,25% nas respectivas datas de fixing, no dia 28 de Julho de 2008.
42. Nos seguintes períodos de vigência dos contratos de swap a taxa Euribor 6 meses fixou-se sempre abaixo da barreira de 3,25%.
43. A Autora pagou ao BES, no âmbito dos contratos de swap, até 30 de Julho de 2012, os valores acordados.
44. O NOVO BANCO, S.A. foi constituído pelo BANCO DE PORTUGAL (BdP) no dia 3 de Agosto de 2014 como banco de transição no âmbito da resolução do BES.
45. Com a resolução do BES, foi transferida para o NOVO BANCO, S.A. “a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, S.A., bem como um conjunto dos seus activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão”.
46. Não foram transferidos do BES para o NOVO BANCO, S.A. quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, à 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos, nomeadamente todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contrato assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2014.
47. O NOVO BANCO, S.A. sucedeu ao BES no contrato de financiamento FEC .08/08.
48. A crise do subprime e a crise das dívidas soberanas levariam, por um lado, a uma queda abrupta e prolongada das taxas de referência e, por outro lado, a uma absoluta falta de liquidez dos mercados de crédito.
49. A queda das taxas contribuiu para a redução da remuneração dos empréstimos concedidos pelos Bancos.
50. A falta de liquidez dos mercados aumentou o custo do “funding” dos bancos.
51. Após a falência do Lehman Brothers, os bancos portugueses deixaram de conseguir emitir dívida nos mercados internacionais, tendo o Estado Português, no início de 2009, estabelecido uma linha para cada banco, que vigorou até 2015, ao abrigo da qual os Bancos poderiam emitir empréstimos obrigacionistas com garantia do Estado.
52. Em 31 de Janeiro de 2019, com as alterações de spread e taxa de juros, a Autora pagou a quantia de € 1.444.919.58.
E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:
a) O texto final do Contrato FEC .08/08 foi remetido e disponibilizado à Autora em cima da data de celebração do contrato.
b) Com uma antecedência insuficiente para o efectivo esclarecimento e compreensão dos termos do referido Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08.
c) A Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08 foi objecto de negociação pelas partes.
d) O conteúdo da Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08 foi devidamente explicado à Autora pelo BES.
e) Como forma de minimizar as consequências nefastas da subida unilateral do spread aplicável ao Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08 e para conseguir prever a quantificação destes, foi a Autora forçada a celebrar sucessivas alterações ao Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08.
f) As alterações ao contrato apenas foram celebradas pela Autora para tentar minimizar as perdas ocorridas em virtude da alteração unilateral do spread aplicável ao Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08 pelo Réu.
g) A Autora resignou-se a pagar o valor das prestações resultantes das alterações ao spread aplicável por estar convicta que o não pagamento poderia redundar em incumprimento do contrato e na perda do imóvel hipotecado.
h) A perda do imóvel causaria avultados prejuízos patrimoniais para a Autora.
i) A Autora viu-se forçada a celebrar a alteração ao Contrato de Financiamento n.º FEC .08/08 por crer ser essa a sua única opção para reduzir os prejuízos patrimoniais sofridos.
j) Relativamente ao período compreendido entre 30 de Janeiro de 2013 e 29 de Julho de 2014, em que tinha sido inicialmente estabelecido um spread de 4,5%, esse valor viria a ser reduzido por decisão do NB para 3,75%.
k) A diferença entre o montante que se cobrou a título de juros e o montante que, segundo o Contrato n.º FEC .08/08 celebrado a 30 de Janeiro de 2008, deveria ter sido cobrado, acresce o montante de € 124.604,15.
l) A diferença entre o montante que se deveria ter pago pela incidência do imposto e o montante que a Autora efectivamente pagou acresce € 4.995,46.
m) Houve um acréscimo de € 23.758,88 que já teria sido amortizado a título de capital resultante da diferença entre o valor das amortizações efectivamente realizadas e o valor das amortizações que deveriam ter sido realizadas.
n) O Réu conhecia a verdadeira situação financeira da Autora e sabia que esta não tinha maneira de aceder a um empréstimo junto de outro banco em tão reduzido período de tempo.
o) A Autora viu-se obrigada a pagar mais de juros do que foi inicialmente convencionado, tendo sofrido um prejuízo de € 153.358,49.
p) A Autora, através dos seus representantes, negociou o contrato com o BES.
q) O BES, através dos funcionários que, ao tempo, acompanhavam a Cliente, esclareceu todos os aspectos mais relevantes das Condições Gerais, em particular os relacionados com a cláusula 9.ª.
r) Para além do custo inerente ao empréstimo, os bancos tinham de suportar o custo da garantia do Estado, o qual, no caso do BES, nos 3 primeiros anos, foi da ordem dos 1,5%.
s) Em 31 de Janeiro de 2019, tivesse o spread mantido desde o início do contrato (o valor de 2%) e levando em conta o imposto de selo, a Autora teria pago de capital, spread e imposto de selo, o montante total de € 1.324.082,46.
O DIREITO
Sobre a questão em causa no presente recurso o Tribunal recorrido teceu as seguintes considerações:
“Temos por seguro que a orientação a seguir na resolução do presente litígio nos é dada pelo citado Acórdão do STJ, proferido no apenso B da presente ação, o qual, a nosso ver, e tal como refere a Recorrente, não foi corretamente interpretado pelo Tribunal a quo.
Entendemos ser útil reproduzir aqui o seu teor.
Escreveu-se nesse Acórdão:
“(…)
Nesta ação, a Autora fundamenta um pedido de restituição do valor dos juros que, na sua perspetiva, lhe foram cobrados em excesso, invocando, por um lado, a nulidade da cláusula contratual que prevê o modo de cálculo desses juros e, por outro lado (numa relação implicitamente subsidiária), o incumprimento do disposto nessa mesma cláusula.
O Banco de Portugal, por deliberação de 3.08.2014, aplicou ao BES uma medida de resolução de transferência da generalidade da sua atividade para um banco de transição – o Novo Banco – criado especialmente para o efeito, tendo, nesse mesmo dia, aprovado a transferência para o Réu dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, nos termos constantes do Anexo 2 dessa deliberação, o qual foi retificado por deliberação do Banco de Portugal, de 11 de Agosto de 2014, passando a constar da subalínea (v) da alínea (b) do número 1 desse anexo que não se transferiam para o Novo Banco quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais
No dia 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal adotou nova deliberação (deliberação contingências), utilizando o denominado poder de retransmissão dos ativos e passivos entre o BES e o Novo Banco que havia ficado expressamente previsto no número 2, do Anexo 2, da deliberação de 3 de Agosto.
Na alínea A dessa deliberação, o Banco de Portugal clarificou que, nos termos da alínea b), do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, não foram transferidas para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, tendo na alínea B da mesma deliberação, em particular, clarificado não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os passivos do BES que respeitassem a indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos assinados e celebrados antes das 20 horas do dia 3 de agosto de 2014 (iii) e todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o BES era mutuante (v).
Nessa deliberação adiantaram-se as razões que justificam que as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES não se devam considerar transferidas para o Novo Banco:
(...)
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
(...)
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
(...)
12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
(...)
Após esta clarificação, não restaram dúvidas de que, tendo em atenção o tipo de resolução do BES e o modo de constituição da nova entidade bancária de transição, o Banco de Portugal determinou que não se transfeririam para o Novo Banco quaisquer passivos que, às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos, sendo as hipóteses descritas na alínea B desta deliberação meramente exemplificativas.
Ora, a invocada responsabilidade pela restituição do excesso de juros cobrados já existente à data da resolução do BES, independentemente dos diferentes fundamentos invocados pela Autora para justificar esse dever de restituição, pelo menos, era contingente, uma vez que não se encontrava reconhecida, pelo que, tal responsabilidade encontrava-se abrangida pela referida cláusula genérica de exclusão de transferência de responsabilidades para o Novo Banco, encarada esta na sua literalidade, além de se encontrar prevista nas subalíneas específicas exemplificativas (iii) e (v).
Contudo, como tem sido objeto de chamadas de atenção, no mesmo artigo 145.º-O do RGICSF, que no seu n.º 1 permite que que o Banco de Portugal possa determinar “a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação, no n.º 6 desse mesmo artigo limita o alcance desse poder, dispondo que a eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para a instituição de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.
Atento o disposto neste último preceito, o Banco de Portugal, ao abrigo da referida competência, não poderá determinar uma transferência parcial de direitos e obrigações para a entidade de transição que impeça uma cessão integral das posições contratuais da entidade bancária objeto da medida de resolução, nomeadamente nas situações enumeradas na parte final do referido n.º 6, artigo 145.º-O, e que se encontram mais pormenorizadamente descritas nos artigos 145.º-AC, 145.º-AD e 145.º-AE do RGICSF.
Esta limitação não se aplica, no entanto, apenas a estas situações expressamente, mas exemplificativamente previstas, mas a todas aquelas em que uma transmissão parcial dos direitos e obrigações ponha em causa o sinalagma da relação contratual objeto de transmissão, gerando um desequilíbrio superveniente entre as prestações das partes.
Daí que a referida cláusula genérica de exclusão de transmissão de responsabilidades contingentes e desconhecidas para o Novo Banco constante do anexo 2 da deliberação de 03.08.2014, retificada pela deliberação de 11.08.2014 e clarificada pela deliberação de 29 de dezembro de 2015 (contingência), do Banco de Portugal, deva ser interpretada à luz desta limitação às transmissões parciais, considerando-se que a mesma não abrange a exclusão de transmissão das responsabilidades inseridas num contrato ou em complexos contratuais em que a posição nele assumida pelo BES transitou para o Novo Banco.
Numa interpretação restritiva do referido item daquelas deliberações, em coerência com a amplitude da competência do Banco de Portugal nesta matéria, não se deve considerar excluída a transmissão das responsabilidades do BES na execução de contratos em que o Novo Banco passou a ocupar a posição daquela entidade bancária, sempre que essa exclusão afete o sinalagma contratual, devendo, nessas situações, considerarem-se igualmente transmitidas as responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos.
Na presente ação é invocado pela Autora, como causa de pedir, a transmissão do BES para o Novo Banco da posição contratual daquele num contrato celebrado em 30.01.2008, intitulado de financiamento, através do qual o BES disponibilizou de imediato à Autora 1.350.000,00 €, mediante o pagamento de juros remuneratórios, tendo-se clausulado o reembolso da quantia adiantada em 26 amortizações semestrais, com início 30 meses após a data de celebração do contrato (período de carência de reembolso de capital).
Estamos perante um contrato de mútuo bancário, tendo o Novo Banco passado a ocupar nesse contrato a posição de mutuante em 3 de agosto de 2014. Nessa altura, na versão da Autora, o BES já havia efetuado integralmente a prestação que recaía sobre o mutuante – a entrega do capital mutuado à mutuária – não tendo o Novo Banco qualquer obrigação a cumprir, enquanto as prestações devidas pela mutuária (restituição do capital mutuado e pagamento de juros remuneratórios), por se encontrarem fracionadas no tempo, apenas tinham sido parcialmente cumpridas perante o BES, uma vez que ainda não haviam decorrido os prazos para as realizar integralmente. Com a transmissão para o Novo Banco da posição contratual do BES neste contrato, as prestações relativas ao reembolso do capital e ao pagamento de juros passaram por isso a ser feitas ao Novo Banco que as têm vindo a receber.
A exclusão de uma contingente responsabilidade do Novo Banco pela restituição de quantias alegadamente pagas em excesso ao BES, a título de juros remuneratórios, mesmo antes da resolução desta instituição bancária, é suscetível de colocar em causa a cessão integral da posição contratual do BES naquele contrato, uma vez que essa eventual responsabilidade continuaria a incidir sobre esta entidade, apartando-se da relação contratual que atualmente tem como partes a Autora e o Novo Banco, o que pode afetar o sinalagma inerente a tal relação, vedando à Autora a utilização de mecanismos como a exceção de não cumprimento e a compensação, perante o Novo Banco, mediante a invocação do direito de crédito correspondente à alegada responsabilidade.
Na presente ação, a defesa por exceção deduzida pelo Réu quando alegou a sua ilegitimidade substantiva para ser responsabilizado pela restituição do valor dos juros alegadamente pagos em excesso, foi apreciada no despacho saneador, tendo o Réu desde logo sido absolvido do pedido na parte respeitante à restituição do valor dos juros de mora pagos em excesso antes da data de resolução do BES, apesar de inexistir qualquer matéria de facto apurada, uma vez que o Réu impugnou a quase totalidade dos factos constantes da petição inicial.
Face à possibilidade, acima detetada, da transmissão para o Novo Banco da responsabilidade por essa restituição não estar abrangida pela exclusão determinada pelo Banco de Portugal no anexo 2 da deliberação de 03.08.2014, retificada pela deliberação de 11.08.2014 e clarificada pela deliberação de 29 de dezembro de 2015 (contingência), é necessário apurar os factos alegados na presente ação, para depois, então, aplicar o direito, não sendo possível, como fez a primeira instância, com a aprovação da Relação, decidir nessa parte já a ação.
A decisão da exceção perentória da ilegitimidade substantiva foi, pois, extemporaneamente proferida, devendo o processo prosseguir para permitir a produção de prova sobre a factualidade pertinentemente alegada, quer pela Autora, quer pela Ré, e que se mostra controvertida, e será em função do que se apurar nesse julgamento que se poderá ponderar sobre a eventual existência de uma ilegitimidade substantiva do Novo Banco, relativamente aos pedidos formulados pela Autora.
(…).” – sublinhado nosso.
Ora, produzida a prova e em face da mesma, o Tribunal a quo concluiu o seguinte:
- A Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento FCE .08/08, constituindo uma cláusula contratual geral, é nula por violação do artigo 5.º, n.º 2 e do artigo 6.º, n.º 1 da LCCG, devendo considerar-se excluída dos termos desse contrato, por efeito do artigo 8.º, alíneas a) e b) do mesmo diploma legal;
- Essa nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 289.º do Código Civil, acarreta a obrigação de restituição das quantias pagas por imposição contratual baseada em tal cláusula contratual geral e, bem assim, dos juros que sobre tais quantias se venceram e vencerem;
- Com base nessa cláusula contratual geral considerada nula e excluída do contrato, foram aplicadas ao Contrato de Financiamento FCE .08/08, sem o acordo da Autora e por iniciativa unilateral do BES, as seguintes alterações de spread:
a) alteração do spread para 2,25%, no período que vigorou de 31 de Julho de 2008 a 30 de Janeiro de 2009 (facto provado em 5), quando o spread deveria ser de 2% (spread acordado no contrato celebrado em 30 de Janeiro de 2008 – facto provado em 1);
b) alteração do spread para 3,25%, no período que vigorou de 31 de Janeiro de 2009 a 30 de Julho de 2009 (facto provado em 8), quando o spread deveria ser de 2% (spread acordado no contrato celebrado em 30 de Janeiro de 2008 – facto provado em 1);
c) alteração do spread para 3%, no período de 31 de Janeiro de 2011 a 30 de Julho de 2011 (facto provado em 16), quando o spread deveria ser de 2% (spread acordado no contrato celebrado em 30 de Janeiro de 2008 – facto provado em 1);
d) alteração do spread para 4,5%, a 30 de Janeiro de 2013 (facto provado em 19) sendo que foi comunicado ao Réu, a 29 de Julho de 2013, a aprovação da redução do spread de 4,5% para 4% (facto provado em 21), spread que se manteve até 29 de Julho de 2014, quando o spread deveria ser de 3% (spread acordado na alteração ao contrato de financiamento em causa nos autos ocorrida em Maio de 2011 - facto provado em 18).
Sabe-se que foi aprovada a redução de spread com data retroativa, tendo o BES procedido ao estorno de juros e imposto de selo, no valor de 12.433,27 € (facto provado em 28);
e) alteração do spread para 3,75% (facto provado em 25), spread que vigorou a partir de 30 de Julho de 2014 até 29 de Janeiro de 2016, quando o spread deveria ser de 3% (spread acordado na alteração ao contrato de financiamento em causa nos autos ocorrida em Maio de 2011 - facto provado em 18).
- Quanto aos períodos referidos nas alíneas a) a e), a Autora tem direito à restituição das quantias pagas por imposição contratual baseada na dita Cláusula 9.ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento FCE .08/08, considerada nula e excluída desse contrato, e, bem assim, dos juros que sobre tais quantias se venceram e vencerem.
Aqui chegados, importa referir que relativamente a tudo quanto acabou de se expor não foi a sentença proferida nos autos objeto de recurso, motivo pelo qual se tem como assente.
Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no apenso B da presente ação, cujo teor subscrevemos na íntegra, “(…) não se deve considerar excluída a transmissão das responsabilidades do BES na execução de contratos em que o Novo Banco passou a ocupar a posição daquela entidade bancária, sempre que essa exclusão afete o sinalagma contratual, devendo, nessas situações, considerarem-se igualmente transmitidas as responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos.”
Ora, dúvidas não temos de que na presente situação, face à factualidade apurada e ao enquadramento que na sentença lhe foi dado e que acima ficou exposto, não se poderá considerar excluída a transmissão da responsabilidade do BES para o Réu no que toca à obrigação de restituição dos montantes indevidamente cobrados e recebidos pelo BES e efetivamente pagos pela Autora, porquanto essa exclusão afeta o sinalagma contratual, na medida em que veda à Autora a possibilidade de repor o equilíbrio contratual, invocando o direito de crédito que lhe assiste e que emerge diretamente dessa obrigação de restituição. Note-se que em causa está o recebimento pelo BES de montantes cobrados com base numa cláusula contratual que foi considerada nula e excluída do contrato celebrado com a Autora. Excluir a transmissão para o Réu da obrigação de restituição à Autora de montantes cobrados e efetivamente pagos com base numa cláusula que foi excluída do contrato resultaria num inegável desequilíbrio entre as prestações a que cada uma das partes contratualmente se vinculou.
Como refere a Recorrente, o Réu assumiu a posição jurídica do BES enquanto credor do capital e dos juros devidos ao abrigo do Contrato de Financiamento FEC .08/08, o que significa que a Autora continuou adstrita à necessidade de efetuar a prestação contratualmente prevista. De igual modo, o Réu tem de assumir a obrigação de restituição dos montantes indevidamente cobrados à Autora no âmbito desse mesmo contrato, independentemente de esses montantes lhe terem sido pagos a si ou ao BES, cuja posição jurídica assumiu. A relação jurídica emergente desse contrato transferiu-se na sua totalidade para o Réu, com todos os direitos e obrigações dele emergentes. O direito de crédito reconhecido à Autora na presente ação decorre de uma relação contratual que não terminou com a resolução bancária do BES nem começou com a sucessão do Réu na posição jurídica do BES. Não reconhecer essa realidade equivaleria a negar à Autora a possibilidade de repor o equilíbrio contratual.
Ora, conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no apenso B, o Banco de Portugal não pode determinar uma transferência parcial de direitos e obrigações para a entidade de transição, o aqui Réu, que impeça uma cessão integral das posições contratuais da entidade bancária objeto da medida de resolução, sempre que tal resulte num desequilíbrio superveniente entre as prestações das partes.
E tal solução não resulta prejudicada pelo facto de, eventualmente, o contrato se encontrar findo, pois esse facto não encerra em si a virtualidade de sanar o apontado desequilíbrio decorrente, sublinhe-se, da cobrança de montantes, pelo mutuante, sem cobertura contratual.
Quanto à alusão, no Acórdão do STJ proferido no apenso B, à possibilidade de invocação pela Autora da exceção de não cumprimento ou da compensação de créditos com base no direito de crédito de que se arroga e que emerge da responsabilidade pela restituição dos montantes indevidamente recebidos, a mesma apenas visou ilustrar que não pode haver exclusão de responsabilidades contingentes se com tal exclusão uma das partes, no caso a Autora, ficar despojada de quaisquer meios de defesa oponíveis ao Réu.
Não tendo a Autora lançado mão desses mecanismos, nada a inibe de exigir do Réu o pagamento do seu crédito.
Assim sendo, na procedência, quanto a esta matéria, do presente recurso, conclui-se que terá o Réu de ser condenando a restituir à Autora todas as quantias pagas por imposição contratual baseada na Cláusula 9ª das Condições Gerais do Contrato de Financiamento FCE .08/08, uma vez que a mesma foi excluída do contrato, acrescidas dos juros que sobre tais quantias se venceram e vencerem, estando em causa, conforme se decidiu na sentença recorrida em sede de “Enquadramento Jurídico”, as quantias pagas nos períodos de 31.07.2008 a 30.07.2009, 31.01.2011 a 30.07.2011 e 30.01.2013 a 29.01.2016.
Tal como se refere na sentença recorrida, uma vez que da matéria de facto provada não resultam os valores que foram indevidamente pagos pela Autora nesses períodos, os mesmos deverão ser apurados em posterior incidente de liquidação.
Esses valores corresponderão à diferença entre os montantes efetivamente pagos pela Autora nesses períodos (que incluem capital amortizado, juros remuneratórios, comissões e imposto de selo) e os valores devidos por aplicação da taxa Euribor a 6 meses, acrescida, nos períodos de 31.07.2008 a 30.07.2009 e de 31.01.2011 a 30.07.2011, do spread de 2%, e no período de 30.01.2013 a 29.01.2016, do spread de 3%”.
O réu / ora recorrente sustenta que esta decisão padece de erro na interpretação da lei. Contrapõe ele, em suma, que “considerando justificada a transmissão desse passivo do BES para o NB, coarctando a liberdade do BdP, na sua qualidade de autoridade nacional de resolução, de delimitar o perímetro de activos e passivos transmitidos a este, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente, tanto a norma prevista no n.º 1, como a prevista no n.º 6, ambos daquele artigo 145.º-O, do RGICSF” (cfr. conclusão N).
Mas, pelas razões que se expõem de seguida, não poderá dar-se-lhe razão.
Não é demais salientar que o caso dos autos se desenrola no contexto, muito especial, da resolução bancária1, em que se torna necessário dispensar tutela aos interesses gerais ou públicos, associados à estabilidade financeira e à continuidade de funcionamento dos sistemas de pagamento2, mas sem desconsiderar os outros interesses, designadamente privados, simultaneamente presentes.
O Tribunal recorrido chegou à sua decisão fazendo apelo, como se viu, ao Acórdão proferido em 31.03.2022 por este Supremo Tribunal no Apenso B, em que se tenta compreender o que resulta da leitura conjugada das disposições do artigo 145.º-O do RGICSF, respeitante à transferência de direitos e obrigações da entidade objecto de resolução para a entidade que lhe sucede.
Como diz Adelaide Menezes Leitão, “[e]ntre as medidas de resolução prevê-se no art. 145.º-O/1 do RGICSF que o Banco de Portugal pode determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação. A instituição de transição é uma pessoa coletiva autorizada a exercer as atividades relacionadas com os direitos e obrigações transferidos (n.º 3 do artigo 145.º-O). A instituição de transição é constituída por decisão do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, não sendo aplicável o disposto no capítulo II do título II. (art. 145.º-P/1). O Banco de Portugal seleciona os direitos, obrigações, ações e outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução a transferir para a instituição de transição no momento da sua constituição (art. 145.º-Q/1)”3.
Dispõe-se, em especial, nos n.ºs 1 e 6 do artigo 145.º-O do RGICSF:
“1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação.
(…)
6 - A eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para a instituição de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação”.
Não há dúvida que, na primeira disposição, se concede um poder muito importante ao Banco de Portugal – o poder de “definir o perímetro” de direitos e responsabilidades que são transferidos do banco objecto de resolução para o banco de transição4 (i.e., o poder de determinar o que fica e o que vai).
Explica a este respeito Mafalda Miranda Barbosa que “a decisão do Banco de Portugal de transferir total ou parcialmente os direitos e obrigações de uma instituição de crédito para outra constituída para o efeito produz, ex lege, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações da primeira” 5.
Assim, consoante aquilo que decida o Banco de Portugal, a transferência pode ser total, abrangendo todos os direitos e obrigações da entidade original, ou parcial, com a exclusão de alguns direitos e / ou algumas obrigações.
A segunda disposição impõe, porém, uma limitação a este poder do Banco de Portugal, dispondo-se que a eventual transferência parcial não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objecto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do activo transferidos.
Por outras palavras (mais simples): devem ser englobados na transferência todos os direitos do particular que estejam em relação de indissociabilidade ou interdependência com as obrigações que o particular assumiu perante o banco.
O enunciado legal de situações abrangidas nesta previsão é exemplificativo (se não veja-se o uso do advérbio “nomeadamente”), pelo que nada obsta a que se equacione o enquadramento nele da situação dos autos6.
E, voltando, justamente, à situação dos autos, é verdade que, como diz o recorrente, “[n]o caso concreto, dúvidas não restam de que o sinalagma relevante apenas se verifica(ou) entre (i) a obrigação de disponibilização do capital por parte do BES, que foi cumprida na data de celebração do contrato, e (ii) a obrigação de pagamento de prestações de reembolso e remuneração por parte da Recorrida” (cfr. conclusão C).
Mas, na perspectiva do “sinalagma” a que se refere o recorrente7, é visível que a obrigação do BES de disponibilização de capital à autora e a (correspectiva) obrigação da autora de reembolso e de remuneração não são as únicas que integram a relação obrigacional complexa emergente do contrato de financiamento.
Veja-se, desde logo, que a obrigação de restituição de quantias pagas em excesso é consequência da execução, pela autora, daquela obrigação de reembolso e de remuneração – de uma execução que se reputou inexacta por excessiva, em resultado da aplicação de certos spreads por iniciativa unilateral do BES e sem acordo da autora.
Integra, por isso, o feixe unitário de elementos que compõem a relação obrigacional complexa emergente do contrato de financiamento, indispensáveis ao desempenho da função / da realização do fim contratual.
Explica Carlos Alberto da Mota Pinto que o fim do contrato não é “uma mera contiguidade do interesse em receber uma prestação e da necessidade de efectivar uma outra, mas algo qualitativamente diferente, Constituem, destarte, aqueles vínculos uma estrutura, um quadro, um sistema (a que também já se chamou, para assinalar a sua funcionalidade, um ‘processo’), uma unidade que, na originária denominação da doutrina germânica, se designa por relação contratual ou relação obrigacional em sentido amplo (Vertragsverhältnis, Shuldverhältnis im weiteren Sinn)”8.
Diz, adiante, o autor que “ao realizarem um qualquer negócio jurídico (nominado ou inominado), têm as partes interesse na realização de determinado escopo. Ora, é este escopo ou fim contratual que conforma o conteúdo da relação contratual emergente do negócio (…). Havemos de partir do negócio concreto e ater-nos a ele, considerado na sua veste de acto individual. Não será, porém, qualquer móbil ou objectivo individual que adquirirá relevância, mas apenas o fim prosseguido pelas partes (…). Mais concretamente, trata-se do fim susceptível de ser considerado , segundo a impressão do destinatário ou outro tipo de sentido negocial (…). Fim que, acentue-se, também, nos contratos sinalagmáticos, s enão identifica, apenas, com a necessidade a satisfazer, com o bem recebido, nem sequer com a mera consideração contabilística da prestação a receber e do sacrifício a suportar, mas supõe uma ligação de causalidade-finalidade entre a necessidade económica correspondente à prestação que se efectiva e a utilidade que se visa colher da prestação a receber. Há, evidentemente, uma diversidade, sob o ponto de vista funcional, entre um acto pelo qual se recebe um bem X, mediante uma contraprestação Y e um fenómeno de dinâmica patrimonial diverso, conducente ao mesmo resultado contabilístico, como, p. ex., a obtenção como donatário, do objecto X e a atribuição, como doador, do objecto Y. Diversidade funcional, manifestada, logo, na eficácia geradora de direito potestativos conexionados, no primeiro caso, com a nota de correspectividade inserida no fim contratual (p. ex., resolução por inadimplemento), e, no segundo, com as finalidades específicas dos actos respectivos (p. ex., direito de revogação por ingratidão. Este último fim, comum aos vários elementos parciais da relação contratual, opera, pois, a sua síntese numa ‘unidade superior’ e é o elemento fautor da autonomia daquela relação, na medida em que lhe imprime as características de unidade, por oposição a um mero feixe de faculdades e deveres contíguos, e de funcionalidade” 9.
Aqui chegados, é possível encarar o n.º 6 do artigo 145.º-O do RGICSF como uma “chamada de atenção” para a necessidade de se considerar o fim do contrato e a complexidade e a unidade da relação obrigacional que dele emerge. Apela-se aí, na prática, à ideia de que a transferência deve compreender todos os elementos integrantes do núcleo funcional do contrato ou que sejam indispensáveis para a realização do seu fim.
O que significa, in casu, que as responsabilidades a transferir para o réu Novo Banco não podem deixar de abranger a obrigação de restituição de todas as quantias indevidamente pagas pela autora.
Decidiu, pois, acertadamente o Tribunal recorrido ao condenar o réu na obrigação de restituir as quantias indevidamente pagas sem olhar a quem efectivamente as recebeu (o BES ou o recorrente), mais precisamente, ao condenar o réu na obrigação de restituir os valores pagos pela autora em excesso no âmbito do contrato de financiamento n.º FCE .08/08 em datas anteriores a 3.08.2014.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
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Custas pelo réu / recorrente.
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Lisboa, 27 de Fevereiro de 2025
Catarina Serra (relatora)
Emídio Santos
Ana Paula Lobo
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1. A medida de resolução suscita problemas muito particulares, que mereceram a atenção de alguma doutrina portuguesa e são relevantes para a compreensão do contexto em que se põe a questão do presente recurso. Entre os estudos específicos (i.e., além das obras gerais em tema de Direito bancário) cfr., designadamente, Armindo Ribeiro Mendes, “A resolução e os outros mecanismos de intervenção em instituições de crédito à luz da Constituição”, in: Catarina Serra, III Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 23 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “A propósito do caso BES: algumas notas acerca da medida de resolução”, Boletim de Ciências Económicas, 2015, LVIII, pp. 187 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “Os limites da medida de resolução”, Boletim de Ciências Económicas – Working Papers Série 15, 2016, pp. 7 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “Tutela dos credores e medida de resolução”, in: AA.VV., Encontros de Direito Civil – A tutela dos credores, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2020, pp. 221 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “O novo quadro da resolução bancária”, Revista de Direito Comercial, 2021, pp. 1283 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “As medidas de resolução: conformação, limites e tutela dos credores”, Revista do Tribunal de Contas, 2021, 1, pp. 9 e s., Mafalda Miranda Barbosa, “Resolução bancária e união de contratos”, Revista de Direito Comercial, 2023, pp. 1479 e s., André Figueiredo / Manuel Sequeira, “Medidas de resolução bancária – bail-in e governance da instituição de crédito sujeita a resolução”, Revista de Direito das Sociedades, 2016, 3, pp. 515 e s., Eduardo Paz Ferreira / Ana Perestrelo de Oliveira (“Fundamentos da resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, Revista de Direito das Sociedades, 2017, 2, pp. 257 e s., José Gonçalves Machado, “A Medida de Resolução do “BES” e a confiança dos depositantes: um caso de hoje, uma lição para o futuro”, Revista de Direito das Sociedades, 2017, 2, pp. 429 e s., Adelaide Menezes Leitão, “Crise Bancária e Responsabilidade Civil: Análise da jurisprudência portuguesa recente”, Revista de Direito da Responsabilidade, 2019, pp. 1524 e s., Adelaide Menezes Leitão, “A responsabilidade civil do Banco de Portugal por danos causados aos investidores na resolução bancária”, Revista de Direito da Responsabilidade, 2022, pp. 214 e s., Adelaide Menezes Leitão, Insolvência Bancária e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2021, e Alexandre de Soveral Martins, “A resolução bancária”, Revista do Tribunal de Contas, 2021, 1, pp. 55 e s.
2. Cfr., neste sentido, Eduardo Paz Ferreira / Ana Perestrelo de Oliveira, “Fundamentos da resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, cit., p. 260.↩︎
3. Cfr. Adelaide Menezes Leitão, “Crise Bancária e Responsabilidade Civil: Análise da jurisprudência portuguesa recente”, cit., p. 1535.
4. Adapta-se aqui a expressão usada por Eduardo Paz Ferreira e Ana Perestrelo de Oliveira (“Fundamentos da resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, cit., p. 260)
5. Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, “As medidas de resolução: conformação, limites e tutela dos credores”, cit., p. 19.
6. Indo mais longe, Mafalda Miranda Barbosa (“Resolução bancária e união de contratos”, cit., p. 1540) defende a aplicação, não obstante com prudência, da solução limitadora da liberdade de conformação da medida de resolução consagrada no n.º 6 do art. 145.º-O do RGICSF a todas as situações em que se verifique uma hipótese de complexidade negocial. Sustenta o mesmo entendimento José Gonçalves Machado (“A Medida de Resolução do “BES” e a confiança dos depositantes: um caso de hoje, uma lição para o futuro”, cit., p. 442), explicando que “só o respeito pelo complexo das posições ativas e passivas de determinados negócios jurídicos, incluindo as eventuais garantias associadas, é suscetível de garantir uma equivalência entre os prejuízos e os riscos que se assumiram na celebração dos mesmos. Na verdade, uma eventual cisão das relações contratuais e das respetivas garantias provocaria um duplo desequilíbrio. Não só originaria uma perda ao nível da relação privada concreta, como também contribuiria para uma repartição desequilibrada de riscos entre os vários credores da instituição, em que as garantias de uns seriam deslocadas para salvaguardar outro”.
7. Também Mafalda Miranda Barbosa recorre, por diversas vezes, à noção de “sinalagma” a propósito do artigo 145.º-O, n.º 6, do RGICSF. Sublinha a autora que “[a] exigência de salvaguarda do sinalagma e da acessoriedade é percetível, já que, de outra forma, os credores poderiam ser chamados a suportar os prejuízos não segundo o risco que foi assumido, mas de forma mais gravosa. Nessa medida, ele deve continuar a ser entendido não de forma unívoca, mas de forma complexa (integrando também complexos contratuais e contratos complexos), dado que vem permitir resolver muitas questões problemáticas” (cfr. “O novo quadro da resolução bancária”, cit., p. 1315). Ainda segundo a autora, “impõe-se o respeito pelo sinalagma e pela acessoriedade, sob pena de o aquele credor ser chamado a responder duplamente” (cfr. “Resolução bancária e união de contratos”, cit., p. 1529). Por fim, cabe assinalar que a autora se refere à “inseparabilidade entre posições ativas e passivas: o respeito pelo sinalagma e pela acessoriedade” (cfr. “Os limites da medida de resolução”, cit., p. 30, e “Resolução bancária e união de contratos”, cit., p. 1529).
8. Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Coimbra, Almedina, 1982, p. 287.
9. Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da posição contratual, cit., pp. 315-317.