Sumário
I - O art. 18.º, n.º 1, da LAV atribui ao tribunal arbitral o poder de decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a aplicabilidade da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insere, podendo tal pronúncia ter lugar em decisão interlocutória ou na sentença sobre o fundo da causa.
Quando a decisão tomada seja interlocutória pode a parte discordante impugná-la perante o tribunal estadual competente no prazo de trinta dias após a sua notificação às partes (art. 18.º n.º 9, da LAV), sem embargo de o processo arbitral poder prosseguir seus termos até final nos termos do art. 18.º, n.º 10, da LAV.
II - Tendo o tribunal arbitral decidido, em despacho interlocutório, ser indispensável à apreciação do litígio gerado por incumprimento do contrato de consórcio, a ponderação dos prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato de empreitada cuja adjudicação esteve na base da celebração do contrato de consórcio entre as partes, podia a parte discordante impugnar, no prazo de trinta dias sobre a notificação, a decisão do tribunal arbitral sobre a abrangência da sua competência assim estabelecida.
III - O decurso do prazo previsto no art. 18.º, n.º 9, da LAV faz precludir o direito à anulação da sentença arbitral com fundamento na violação da convenção de arbitragem nos termos decididos na anterior decisão interlocutória.
IV - O dever de fundamentação da sentença arbitral, quando não seja aplicável nenhuma das excepções previstas no art. 42.º, n.º 3, da LAV, é de intensidade semelhante ao dever de fundamentação das sentenças dos tribunais judiciais, tendo um conteúdo mínimo variável em função do esclarecimento efectivo dos respectivos destinatários e do público em geral acerca do percurso racional do julgador e das razões que o conduziram à concreta decisão, sendo, contudo, imprescindível que a decisão assente em argumentação que a torne compreensível e que seja tão desenvolvida quanto o caso o justifique.
V - Quando o tribunal estadual português competente verificar, ainda que oficiosamente, que do conteúdo da sentença arbitral resulta ofensa de princípios de ordem pública (interna ou internacional) do Estado Português, deve anular a sentença arbitral.
VI - Não ofende quaisquer princípios de ordem pública do Estado Português a sentença arbitral que, reconhecendo a existência de prejuízos materiais da demandante, condene a demandada a indemnizá-la, ainda que não se registe unanimidade dos árbitros sobre a forma de calcular o montante da indemnização fixada.
Decisão Texto Integral
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
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RELATÓRIO
Parte I – Introdução
1) A..., S.A., com sede em ..., notificada da Sentença Arbitral proferida no âmbito do processo arbitral ad hoc em que foi demandada por Veolia Water Treatment Solutions Portugal, S.A., (anteriormente designada SUEZ Treatment Solutions, S.A.) com sede em …, propôs no Tribunal da Relação do Porto a acção de anulação da sentença arbitral oportunamente proferida.
Alegou para tanto a incompetência do Tribunal Arbitral por este ter extravasado manifestamente os limites definidos pela convenção de arbitragem, uma vez que se pronunciou, para além da matéria que respeitava ao contrato de consórcio que contém a convenção de arbitragem, sobre um outro litígio relativo a um contrato de empreitada celebrado entre as partes e um terceiro.
Mais alegou padecer a sentença de falta de fundamentação, sendo ela contraditória no que se reporta à definição da competência do Tribunal e omissa sobre os pressupostos de existência de responsabilidade das partes no âmbito da relação material objecto do litígio.
Subsidiariamente a autora pediu a anulação da sentença arbitral na parte em que a condenou a pagar uma indemnização à demandante e procedeu à compensação de créditos desta com o pagamento devido à demandada, igualmente por falta de fundamentação e/ou por violação dos princípios da ordem pública internacional, pelo facto de a condenação não assentar em danos comprovadamente reais mas em critérios aleatórios e desproporcionados, permitindo um locupletamento injustificado e conducente a um resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.
2) A Ré contestou a acção invocando a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de impugnação de decisão interlocutória sobre a competência do tribunal arbitral e de caducidade do prazo de instauração da acção no Tribunal Estadual competente, impugnando ainda os fundamentos do pedido de anulação da sentença arbitral.
3) Com observância do formalismo das acções que correm termos em primeira instância no Tribunal da Relação viria a ser proferido acórdão que julgou improcedente a acção de anulação da sentença arbitral e absolveu a ré dos pedidos formulados.
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Parte II – A Revista
4) Inconformada a autora interpôs recurso de revista do acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, formulando, a rematar as suas alegações, as CONCLUSÕES que se transcrevem:
“A. A presente ação de anulação foi proposta em reação a três vícios da Sentença Arbitral que determinam a sua anulação: o excesso de competência, a falta de fundamentação e a contrariedade à ordem pública internacional (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalíneas iii) e vi), e alínea b), subalínea ii), e n.º 3 do artigo 42.º da LAV).
B. A Sentença Arbitral excedeu os limites impostos pela convenção de arbitragem porque se pronunciou principalmente sobre um litígio alheio ao Contrato de Consórcio que é o objeto daquela convenção: o relativo ao Contrato de Empreitada sujeito a um pacto de jurisdição autónomo.
C. A Sentença Arbitral não cumpriu o dever de fundamentação porque o Árbitro Presidente, por um lado, se decidiu incompetente para apreciar um litígio que, logo de seguida, apreciou a título principal e, por outro, omitiu a fundamentação relativa à questão decidenda fundamental – a dos pressupostos da responsabilidade das Partes no âmbito do Contrato de Consórcio.
D. A Sentença Arbitral ofendeu os princípios da ordem pública internacional do Estado português ao ter condenado a ACA no pagamento, à Veolia, de uma indemnização a título de “custos de estrutura” sem ter dado como provado qualquer dano que permitisse a atribuição dessa indemnização, tratando-se, como tal, de uma indemnização sem dano,aleatória, desproporcionada e punitiva.
E. Ao manter a Sentença Arbitral, o Acórdão recorrido incorreu em manifestos erros de Direito quanto aos três referidos fundamentos de anulação.
F. Quanto à incompetência, o Tribunal a quo entendeu que o Tribunal Arbitral havia, no guião da prova, proferido uma decisão interlocutória que, não tendo sido imediatamente impugnada, precludia o direito de arguição, a final, da incompetência pela ACA.
G. Contrariamente ao sustentado no Acórdão recorrido, a impugnação imediata da decisão interlocutória, prevista no n.º 9 do artigo 18.º da LAV, é facultativa e não tem qualquer efeito preclusivo sobre a impugnação a final dessa decisão ou da sentença arbitral.
H. Os elementos literal, sistemático, histórico e teleológico da interpretação da referida norma, a que se somam razões de política legislativa, depõem no sentido de que as partes podem impugnar imediatamente – não devem nem têm de o fazer.
I. Esse entendimento deve imperar ainda por mais num caso, como o presente, em que a suposta decisão interlocutória foi tudo menos clara, tendo o Tribunal Arbitral criado fundadas dúvidas sobre se estava a relegar a apreciação da sua (in)competência para final.
J. O próprio Acórdão recorrido reconheceu essa falta de clareza, nas várias páginas e iterações que dedicou à questão da qualificação do guião da prova.
K.. A norma prevista do n.º 9 do artigo 18.º da LAV deve ser interpretada no sentido de que (pelo menos) decisões interlocutórias ambíguas ou obscuras não precludem o direito da sua impugnação a final à luz, designadamente, do direito de acesso ao Direito e da garantia de decisões claras e fundamentadas (cf. artigos 20.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição).
L. O Tribunal a quo errou ao sustentar a interpretação oposta e não apreciou inteiramente, por isso, a questão fundamental: em que termos é que a Sentença Arbitral ultrapassou os limites da convenção de arbitragem.
M. Ultrapassou porque, apesar de inicialmente ressalvar que não se iria pronunciar sobre a matéria da resolução e do incumprimento do Contrato de Empreitada (objeto, como referido, de um pacto de jurisdição autónomo), acabou por fazê-lo a título principal.
N. Quanto à falta de fundamentação, o Tribunal a quo começou por errar na determinação da norma aplicável ao entender que a fundamentação contraditória não gera a nulidade de sentenças estaduais: a norma relevante é a prevista, não na alínea b), mas sim na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
O. No entender do Tribunal a quo, a fundamentação exigida para uma decisão arbitral é a necessária apenas à sua inteligibilidade: isso mesmo explica, ao contrário do sustentado no Acórdão recorrido, que a fundamentação contraditória, tornando uma decisão ininteligível, gera também a anulabilidade da sentença arbitral.
P. De resto, o entendimento de que a exigência de fundamentação é menor nas decisões arbitrais, nos termos aparentemente sustentados pelo Tribunal a quo, é contrária à norma constante do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição.
Q. Ponto fundamental é que, na Sentença Arbitral, não se identificaram as obrigações contratuais supostamente incumpridas pela ACA, que é o pressuposto da decisão do Árbitro Presidente de uma indemnização pelo incumprimento do Contrato de Consórcio.
R. O Tribunal a quo limitou-se a constatar que a Sentença Arbitral estava fundamentada porque o Árbitro Presidente referiu, simplesmente, que “a ACA faltou ao cumprimento de obrigações contratuais”.
S. Ora, essa é a conclusão; a fundamentação refere-se ao iter lógico-jurídico que leva a essa conclusão, e esse iter está ausente da Sentença Arbitral, o que leva à invalidade desta por falta de fundamentação.
T. Sobre a ordem pública internacional do Estado português, o Tribunal a quo começou por entender, e bem, que aquela integra os princípios de proibição do enriquecimento sem causa, de proporcionalidade e de proibição da atribuição de indemnização sem dano e de condenações desproporcionadas ou arbitrárias.
U. Contudo, no caso concreto, o Acórdão recorrido limitou-se a transcrever um trecho da fundamentação da Sentença Arbitral para concluir que, tendo o Árbitro Presidente procurado fundamentar a sua decisão, esta não ofenderia tal ordem pública internacional.
V. Trata-se de dois planos distintos: de um lado, a fundamentação que, nesta específica matéria, não se contesta; de outro, a contrariedade do conteúdo da Sentença Arbitral à ordem pública internacional do Estado português, para aferição da qual se impunha determinar se a indemnização atribuída assentou ou não em danos reais e provados – exercício que o Tribunal Arbitral não fez (nem o Tribunal a quo sindicou).
W. Aferindo-se o conteúdo da Sentença Arbitral, pode constatar-se que a ACA foi condenada no pagamento à Veolia de “custos de estrutura” que esta não alegou, não provou, nem alocou ao projeto em causa, dado que este não se realizou.
Portanto, não existiram nem foram dados como provados quaisquer danos que pudessem justificar a indemnização atribuída na Sentença Arbitral, tendo esta sido calculada com base em percentagens puramente tabelares e aleatórias.
A indemnização assim fixada traduz-se numa condenação sem dano, punitiva, desproporcionada, arbitrária e que conduz a um enriquecimento injustificado da parte contrária.
E que é, como tal, contrária à ordem pública internacional do Estado português, devendo a Sentença Arbitral, também por isso, ser anulada.
Nestes termos, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que anule a Sentença Arbitral.”
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5) A ré, ora recorrida, apresentou articulado de resposta às alegações apresentadas e ampliando o objecto do recurso.
São do seguinte teor as respectivas CONCLUSÕES:
“CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR DECISÃO INTERLOCUTÓRIA SOBRE COMPETÊNCIA (ARTIGO 18º/9 DA LAV) [TÍTULO C)]
I. FUNDAMENTOS
1) De acordo com o nº 9 do artigo 18º da LAV, “A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do nº 3 do artigo 46º, e da alínea f) do nº 1 do artigo 59º”.
2) O nº 2 do artigo 298º (Prescrição, caducidade e não uso do direito) do Código Civil estipula o seguinte: “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
3) Para impugnar a decisão sobre a competência do Tribunal Arbitral quanto à sua própria competência para apreciar e decidir o litígio que lhe foi submetido a ACA deveria ter observado o prazo estabelecido no artigo 18º/9 da LAV, que é preclusivo.
4) Não o tendo feito, caducou o direito de ação.
II. CONTESTAÇÃO DOS ARGUMENTOS DA ACA
1. A impugnação imediata de uma decisão interlocutória corresponde a um ónus, cuja inobservância gera a caducidade do direito
5) A ACA, na sua Alegação de Recurso, invoca argumentos para sustentar a tese de que o direito de impugnação previsto no artigo 18º/9 da LAV corresponde a uma faculdade não contemplando um ónus processual.
6) Para o efeito, invoca o argumento literal (por se referir “pode”).
7) Tal como sublinhado por .. na sua análise sobre este tema, reproduzida nestas Contra-Alegações, essa perspetiva é totalmente errada, por três ordens de razões: (i) não existe a obrigatoriedade de impugnar nos prazos legais no sentido de que a ninguém é imputado um dever de impugnar; (ii) no entanto, quem quiser impugnar deve fazê-lo nos prazos legais, que configuram ónus processuais, sob pena de perda desse direito; (iii) o termo “pode” é usado em várias normas processuais, com o mesmo sentido.
8) Vários Autores de referência em matéria de Arbitragem (Robin de Andrade, Armindo Ribeiro Mendes, António Sampaio Caramelo, Pedro Siza Vieira/Nuno Ferreira Lusa/António Júdice Moreira), cuja doutrina é invocada no corpo destas Contra-Alegações, sustentam que o prazo de impugnação de decisão interlocutória sobre competência, consagrado no artigo 18º/9 da LAV, é um prazo de caducidade cuja inobservância comporta um efeito preclusivo desse direito.
2. A decisão tomada pelo Tribunal Arbitral sobre a sua competência é clara e evidente
2.1. A Sentença Arbitral
9) Tendo por referência o texto do “Guião de Prova” produzido pelo Tribunal Arbitral, e reproduzido nestas Contra-Alegações, é de concluir que: (i) O Tribunal Arbitral considerou-se competente para julgar o litígio com as necessárias e imprescindíveis interseções e ligações com o Contrato de Empreitada; (ii) não existe um único indício de dúvida ou hesitação quanto à sua competência para dirimir litígio; (iii) não existe qualquer indicação que a decisão sobre a competência tivesse sido relegada para a Sentença.
2.2. O Acórdão Recorrido
10) A questão de saber se o Tribunal Arbitral tomou decisão sobre a sua competência no Guião de prova foi devidamente analisada e decidida pelo Tribunal da Relação do Porto no Douto Acórdão Recorrido, tendo concluído, com base em excertos do “Guião de Prova” que reproduziu, que o Tribunal Arbitral decidiu de modo claro e inequívoco sobre a sua competência.
2.3. Os argumentos da ACA
11) Na sua Alegação a ACA apresenta argumentos no sentido de tentar demonstrar que a decisão do Tribunal Arbitral sobre a sua competência foi obscura, e que essa seria uma razão que justifica que a ACA não estivesse vinculada ao ónus de impugnar essa decisão no prazo do artigo 18º/9 da LAV.
12) No entanto, no guião de prova foi proferida uma inequívoca e evidente decisão do Tribunal Arbitral sobre a sua competência para apreciar e decidir o litígio, que suscitou a aplicação da norma do artigo 18º/9 da LAV, que estabelece o ónus processual de impugnação em 30 dias.
13) Não tendo a ACA impugnado tal decisão interlocutória no prazo legal, esse direito caducou.
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL [TÍTULO D)]
14) A Recorrente enuncia na sua Alegação de Recurso um fundamento de Impugnação da Sentença Arbitral que, no essencial, radica nas seguintes ideias: (i) o Tribunal Arbitral decidiu sobre matéria relativa à relação jurídica de Empreitada; (ii) Do Contrato de Empreitada consta pacto de jurisdição estadual autónomo; logo (iii) o Tribunal Arbitral extravasou a competência que lhe foi atribuída pela Convenção de Arbitragem constante do Contrato de Consórcio.
I. O ACÓRDÃO RECORRIDO
15) Antes de mais, cumpre registar que o Douto Acórdão Recorrido analisa e decide esta questão, pelo que não é verdade que não a tenha apreciado (como alega a ACA).
16) Dos excertos do Douto Acórdão Recorrido reproduzidos nestas Contra-Alegações são extraídas três linhas fundamentais: (i) Em primeiro lugar, é reconhecido que a ponderação de deveres consorciais e da sua possível violação conduz neste caso, necessariamente, à avaliação da conformidade com obrigações emergentes da relação de empreitada; (i) Em segundo lugar, é entendido que a decisão interlocutória constante do Guião de Prova promove uma “extensão de competência” do Tribunal Arbitral; (iii) Em terceiro lugar, é reconhecido que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral não invade a esfera de competência da Jurisdição Administrativa.
17) As asserções assumidas pelo Tribunal a quo neste âmbito são corretas, embora a extensão de competência tenha ocorrido antes de o Tribunal Arbitral ter lavrado o Guião de Prova, por efeito das declarações das Partes, e não apenas aquando da emissão do Guião de Prova, como se demonstra de seguida.
II. O OBJETO DO LITÍGIO SUBMETIDO À ARBITRAGEM INCLUIU FACTOS RELATIVOS À EMPREITADA – POSIÇÕES EXPRESSAS PELA ACA NESSE SENTIDO
18) A Cláusula 12ª do Contrato de Consórcio consagra uma Convenção de Arbitragem.
19) No dia 28 de Janeiro de 2021 a SUEZ dirigiu à ACA Notificação de Arbitragem, na qual delimitou o objeto do litígio que pretendia submeter ao Tribunal Arbitral a constituir, com referências expressas aos prejuízos decorrentes da não execução da Empreitada.
20) A ACA respondeu à Notificação de Arbitragem em 26 de Fevereiro de 2021, referindo, quanto ao objeto do litígio, que aceitava o indicado pela SUEZ, e indicando expressamente que da sua parte também iria peticionar prejuízos verificados no quadro da execução do Contrato de Empreitada.
21) Coerentemente com essa posição de princípio, na sua Contestação a ACA peticionou o ressarcimento de um conjunto de prejuízos alegadamente emergentes das vicissitudes da relação de Empreitada, que imputava à SUEZ, e formulou pedidos reconvencionais, em textos reproduzidos nestas Contra-Alegações.
22) Em suma, na Notificação de Arbitragem (SUEZ) e na Resposta (ACA) as Partes convergiram, de forma livre e voluntária, quanto ao objeto do litígio, que incluía a apreciação de factos relacionados com a (não) execução da Empreitada.
23) Verifica-se, assim, que as Partes acordaram no sentido de atribuir ao Tribunal Arbitral competência para julgar factos relativos à execução (ou não execução) da Empreitada, na medida em que fossem relevantes para aferir responsabilidades no seio do Consórcio.
III. FACTOS PROVADOS, ENQUADRAMENTO E DECISÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
24) Os excertos da Sentença Arbitral reproduzidos nestas Contra-Alegações, dedicados à “Responsabilidade da ACA”, resumem os factos provados e o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal Arbitral para condenar a ACA no ressarcimento de determinados prejuízos sofridos pela SUEZ.
25) A Sentença Arbitral é clara no sentido da condenação da ACA ao pagamento de indemnização à (então) SUEZ em resultado do incumprimento, por aquela, de obrigações emergentes do Contrato de Consórcio.
IV. VIOLAÇÕES DE OBRIGAÇÕES CONSORCIAIS; CONEXÃO COM A RELAÇÃO DE EMPREITADA
1. Vinculações decorrentes dos Contratos de Consórcio e de Empreitada
26) Nestas Contra-Alegações são reproduzidos vários factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral que correspondem a violações de obrigações consorciais assumidas pela ACA e a (então) SUEZ com a finalidade de executar a Empreitada.
27) A SUEZ propôs a Ação Arbitral com o objetivo de obter ressarcimento dos prejuízos decorrentes da não execução da Obra por factos imputáveis à ACA (a resolução ilícita do Contrato de Consórcio e a consequente resolução unilateral, por carta enviada ao Dono da Obra, do Contrato de Empreitada).
2. Resolução do Contrato de Consórcio e do Contrato de Empreitada
28) Nestas Contra-Alegações são reproduzidos factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral relativos à resolução do Contrato de Consórcio e do Contrato de Empreitada.
29) Os atos da ACA que deram causa à resolução do Contrato de Empreitada pelo Dono da Obra configuraram violações graves de deveres consorciais, atendendo a que: (i) a ACA não tinha o direito de resolver unilateralmente os Contratos de Consórcio e de Empreitada, já que era para o efeito exigível uma decisão unânime das Empresas; (ii) a ACA pretendia uma resolução do Contrato de Empreitada por intermédio de comunicação escrita, quando o CCP exige, nesse âmbito, uma decisão judicial; (iii) a ACA emitiu declaração de desvinculação das obrigações inerentes à execução ao objeto da Empreitada (abandonando-a), tendo, desse modo, incumprido o Contrato de Consórcio.
3. A decisão no seio do Consórcio
3.1. A noção do contrato de consórcio; as obrigações assumidas pelas consorciadas: violações imputáveis à ACA
30) Tendo por referência a noção de Consórcio consagrada artigo 1º do DL nº 231/81, de 28 de Julho, e as características do caso vertente, é particularmente importante sublinhar a vinculação à forma concertada de realização de certa atividade (a realização de Empreitadas de Obras Públicas).
31) Utilizando as palavras e a qualificação de RAUL VENTURA transcritas nestas Contra-Alegações, a ACA violou a obrigação nascida do Contrato de Consórcio por não realizar, de todo, a sua atividade.
32) Com isso dando origem à resolução do Contrato de Empreitada pela AdCL, de que resultaram prejuízos significativos para a SUEZ.
3.2. A desvinculação da Empreitada dependia de deliberação unânime
33) Nestas Contra-Alegações são reproduzidos factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral relativos à inexistência de deliberação unânime, no seio do Consórcio, que fosse destinada à resolução do Contrato de Empreitada.
34) Face às regras constantes do artigo 6º do Decreto-Lei nº 831/81, de 28 de Julho, e às estipulações contidas nas Cláusulas 2ª e 5ª do Contrato de Consórcio, invocadas nestas Contra-Alegações, mesmo que existissem fundamentos de resolução do Contrato de Empreitada, a ACA não poderia agir livremente nesse sentido, uma vez que estava vinculada à execução do objeto do Consórcio (e, por isso, à execução da Empreitada), o que foi reconhecido expressamente pela própria ACA em declaração aposta no Auto de Consignação de 19 de Maio de 2020 e reproduzida nestas Contra-Alegações.
35) A ausência de deliberação unânime do COF para resolução do Contrato de Empreitada basta para demonstrar que a conduta da ACA (de abandono da Empreitada) consubstancia violação do Contrato de Consórcio, que deu origem à não execução da Empreitada, tendo o Tribunal Arbitral, com tais factos, decidido que a ACA deveria ressarcir a SUEZ.
4. O regime do CCP – vinculação até à decisão judicial relativa à resolução do Contrato de Empreitada
36) Nestas Contra-Alegações são reproduzidos factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral relativos à invocação pela ACA do artigo 406º/a) do Código dos Contratos Públicos, que foi invocado pela ACA para resolver o Contrato de Empreitada.
37) O Contrato de Empreitada é regido pelo Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2018, de 29 de Janeiro, e alterado por legislação subsequente.
38) Por força do Contrato de Consórcio, ambas as Empresas estavam vinculadas, não só perante o Dono da Obra, mas também uma perante a outra, ao cumprimento do regime de resolução de Contratos Públicos por parte do Co-Contratante constante do CCP, para que dessa forma fosse viável executar a Empreitada.
39) De acordo com o artigo 330º/c) do CCP, uma das causas de extinção dos Contratos Administrativos é a resolução pelo Co-contratante, por via de decisão judicial ou arbitral, e nos termos do artigo 332º/3 do CCP, “O direito de resolução é exercido por via judicial ou mediante recurso à arbitragem”.
40) Como é evidente, a norma legal em causa impõe ao Empreiteiro que prossiga a execução do Contrato de Empreitada enquanto não for emitida decisão judicial relativa à resolução pretendida com trânsito em julgado.
41) A carta da ACA de 5 de Junho de 2020 era em absoluto inapta para produzir os efeitos pretendidos (resolução válida do Contrato de Empreitada), por manifesta ilegalidade.
42) Pelo que tal comunicação correspondeu a uma declaração definitiva de incumprimento (ou “abandono”) da ACA relativamente à execução da Obra, em violação do estipulado no Contrato de Consórcio.
V. O PROCESSO JUDICIAL ADMINISTRATIVO EMERGENTE DA EMPREITADA
43) Na sua Alegação a ACA defende que os litígios entre a ACA e a SUEZ, por dizerem respeito ao Contrato de Empreitada, deveriam ser dirimidos após decisão a tomar em instância judicial administrativa, por ser esta a competente, de acordo com o estabelecido no Contrato de Empreitada.
44) Esse raciocínio incorre em dois vícios: (i) O Tribunal Arbitral proferiu decisão sobre litígios existente entre as Consorciadas, e não entre estas e o Dono da Obra; (ii) Por outro lado, para decidir para apreciar e decidir os litígios em causa o Tribunal Arbitral considerou factos relacionados com a execução da Empreitada que entendeu serem relevantes no âmbito do Consórcio, ao abrigo da competência que lhe foi expressamente atribuída pelas Partes para o efeito, como demonstrado supra.
45) Nestas Contra-Alegações é feito o resumo do Processo Judicial proposto pela ACA contra o Dono da Obra no Tribunal Administrativo e Fiscal de ….
46) Em 21 de Novembro de 2023 a ACA apresentou requerimento de desistência dos pedidos formulados contra o Dono da Obra no âmbito da acção judicial administrativa.
47) Independentemente do Processo Judicial Administrativo e das suas vicissitudes, o Tribunal Administrativo não era o competente para dirimir litígios entre os contraentes privados (a ACA e a SUEZ), como é evidente.
48) Sendo certo que no quadro dessa relação privada havia que apurar a responsabilidade da ACA perante a SUEZ, resultante da não execução da Obra por factos imputáveis àquela Empresa, o que era da jurisdição do Tribunal Arbitral.
VI. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
49) A única hipótese de a responsabilidade da ACA pelo incumprimento dos seus deveres consorciais ser avaliada em toda a sua extensão e consequências (incluindo, naturalmente, as associadas à não execução do Contrato de Empreitada) traduzia-se no apuramento dessa responsabilidade pelo Tribunal Arbitral, constituído para, de acordo com Convenção Arbitral (decorrente não só da Cláusula Compromissória constante do Contrato de Consórcio, como também da Notificação de Arbitragem e correspondente Resposta, nos termos supra alegados), dirimir litígios emergentes da execução da relação consorcial.
50) Caso a tese da ACA relativa à incompetência do Tribunal Arbitral obtivesse vencimento, estava encontrada a fórmula para que nunca fosse responsabilizada pelos seus atos perante a SUEZ.
51) Repare-se que: (i) se o Tribunal Arbitral se declarasse incompetente para conhecer dos prejuízos causados pela ACA à SUEZ que decorrem da não execução da Empreitada; (ii) não sendo o Tribunal Judicial competente para julgar a situação (devido à Cláusula Compromissória constante do Contrato de Consórcio); (iii) e não sendo, obviamente, os Tribunais Administrativos os competentes para julgar a situação, a responsabilidade da ACA cairia, nessa hipótese de “demissão” do Tribunal Arbitral, em “terra de ninguém”, e nunca poderia ser acionada ou materializada.
52) Para evidenciar a delimitação de competências entre jurisdições, sublinha-se ainda que mesmo que a ACA obtivesse vencimento de causa ante a AdCL na ação administrativa (de que, entretanto, desistiu), em termos que reconhecessem fundamentação de resolução do Contrato de Empreitada por parte do Empreiteiro, tal não significa que as pretensões deduzidas pela SUEZ na Ação Arbitral decaíssem, e que nesse cenário ocorresse a inutilidade superveniente da lide, como alegou a ACA na sua Contestação apresentada no Processo Arbitral.
53) É que, como alegado nestas Contra-Alegações, do facto de existir fundamento para os Empreiteiros resolverem o Contrato de Empreitada não decorre que ambos estivessem vinculados a promover a rutura desse Contrato (era necessária deliberação unânime do COF nesse sentido).
VII. CONTESTAÇÃO DE ARGUMENTOS DA ACA
54) Um dos aspetos decisivos ponderados no Processo Arbitral foi saber se a ACA se desvinculou do Consórcio com justa causa.
55) O Tribunal Arbitral fez essa avaliação e concluiu no sentido negativo - [Da factualidade descrita resulta que a ACA faltou ao cumprimento de obrigações contratuais que assumira perante a SUEZ (artigo 798º do CC), presumindo-se culpada desse incumprimento (artigo 799º, nº 1 do CC].
56) O que aconteceu, na realidade dos factos (dados como provados pelo Tribunal Arbitral), foi o seguinte: (i) causa – a ACA violou o Contrato de Consórcio; (ii) consequência – não foi executado o Contrato de Empreitada.
57) Na sua Alegação a ACA tece considerações com o intuito de tentar demonstrar que o Tribunal Arbitral proferiu decisão que cabia ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, competente para dirimir litígios emergentes do Contrato de Empreitada.
58) Não faz sentido; porque é evidente que o ato da AdCL (de resolução do Contrato de Empreitada) não foi objeto de impugnação na Ação Arbitral.
DEVER DA FUNDAMENTAÇÃO [TÍTULO E)]
I. A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL NÃO É CONTRADITÓRIA
59) A respeito deste tema a ACA remete, em bloco, para os argumentos expendidos na Petição Inicial da Ação de Anulação em que defendeu que o Tribunal Arbitral declarou não ser competente para decidir quanto à relação de Empreitada, para depois decidir sobre ela, incorrendo por isso, nas palavras da ACA, em contradição.
60) Quanto a esta matéria, o Tribunal da Relação do Porto decidiu expressamente no sentido de não existir qualquer contradição na fundamentação que suportou a Sentença Arbitral.
61) No entanto, na sua Alegação a ACA transmite as seguintes ideias: (i) o Tribunal a quo considerou a Sentença Arbitral contraditória; (ii) no entanto, aplicou a alínea b) [em vez da alínea c)] do artigo 615º do CPC, referente à falta de fundamentação; (iii) apesar de considerar a Sentença Arbitral contraditória, o Tribunal da Relação do Porto não a cominou com o efeito de nulidade, que é a consequência prevista no artigo 615º/1/c) do CPC.
62) Esta tentativa de perverter o sentido do Douto Acórdão Recorrido é, a todos os títulos, inacreditável e inaceitável, especialmente à luz de princípios de boa-fé processual.
II. A FUNDAMENTAÇÃO CONSTANTE DA SENTENÇA ARBITRAL É CLARA E SUFICIENTE
63) Na Petição Inicial da Ação de Anulação (para que a Alegação de recurso remete) a ACA desmultiplica-se em esforços na tentativa de demonstrar que foi violado o Dever de Fundamentação, isto porque a Sentença Arbitral não contém a fundamentação na forma e com estruturação que a ACA entende que deveria ter.
64) O Tribunal Arbitral procedeu a uma análise concreta, face à prova produzida, dos diferentes momentos críticos da materialização do Contrato de Consórcio, sempre em conexão, como é evidente, com o Contrato de Empreitada, na medida em que o Contrato de Consórcio existe, precisamente, para estabelecer uma associação entre as Consorciadas com a finalidade de executar a Obra objeto da Empreitada.
1. Factos Relevantes Provados
65) Nestas Contra-Alegações são reproduzidos factos relevantes dados como provados pelo Tribunal Arbitral, que fundaram a decisão tomada, tendo por referência três momentos críticos: (i) Divisão de responsabilidades: SUEZ – Equipamentos; ACA– Construção civil; (ii) Execução do Contrato; (iii) Resolução do Contrato de Consórcio e Resolução do Contrato de Empreitada.
66) A prova produzida relativamente aos factos indicados destinou-se, precisamente, a avaliar se a ACA cumpriu as suas obrigações inerentes à qualidade de Consorciada.
67) Pelo que são completamente improcedentes as alegações da ACA no sentido de que o Tribunal Arbitral não identificou os deveres consorciais violados pela ACA.
2. Enquadramento Jurídico e Decisão
68) Tendo em consideração os factos provados, o Tribunal Arbitral apreciou e decidiu sobre a “Responsabilidade da ACA” nas páginas 54 a 56 da Sentença Arbitral.
69) Não se verifica, de todo, o vício de falta de fundamentação, tendo sido essa a conclusão a que chegou o Acórdão Recorrido.
3. Caracterização do Dever de Fundamentação
70) Nestas Contra-Alegações é invocada jurisprudência relativa à caracterização do dever de fundamentação em Sentenças Arbitrais.
71) As linhas de orientação jurisprudencial contemplam critérios cuja aplicabilidade ao caso vertente leva a concluir que o dever de fundamentação foi devidamente observado pelo Tribunal Arbitral.
PRINCÍPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL [TÍTULO F)]
72) Na sua Alegação a ACA vem, clara e categoricamente, atacar o mérito da decisão arbitral, sob as vestes de pretensa violação de princípios de ordem pública internacional, designadamente os princípios da proporcionalidade – como proibição de excesso das prestações e das indemnizações –, da boa-fé, da proibição do enriquecimento sem causa, e da proporcionalidade.
73) No Douto Acórdão Recorrido o Tribunal da Relação do Porto identifica a pretensão processual da ACA e os seus argumentos, tece considerações acerca dos Princípios da Ordem Pública Internacional e sobre a proibição de revisão do mérito das decisões arbitrais em ações de anulação, analisa detalhadamente os fundamentos e a decisão do Tribunal Arbitral neste âmbito, que a Sentença Arbitral não ofende, de todo, Princípios da Ordem Pública Internacional do Estado Português.
I. CONTEÚDO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
74) Sendo pacífico que os princípios alegados pela ACA integram a chamada “ordem pública internacional”, é manifesto, no caso em apreço, e conforme se evidencia nestas Contra-Alegações, que não ocorreu violação de qualquer desses princípios na decisão ora em crise, ao contrário do que se esforça por demonstrar a Requerente.
75) Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 01.10.2019, Processo nº 1254/17.9YRLSB.S1, in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 6ª Edição, revista e atualizada, Maiode2023, Almedina, páginas 444 e 445, do Tribunal da Relação de Guimarães, 28.05.2020, Processo nº 117/19.8YRGMR, in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 6ª Edição, revista e atualizada, Maio de 2023, Almedina, páginas 449 e 450 e 10.04.2014, Processo nº 107/13.4YRGMR, in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 6ª Edição, revista e atualizada, Maio de 2023,Almedina, página 450.
II. FACTOS PROVADOS E DECISÃO ARBITRAL
76) A ACA, na sua Alegação, traça um cenário de vazio total quanto à alegação e prova dos prejuízos relativos a encargos de estrutura, e de arbitrariedade total no Aresto Proferido pelo Tribunal Arbitral.
77) Não ocorre nem uma coisa, nem outra, como foi já demonstrado nestas Contra-Alegações.
78) A resolução do Contrato de Empreitada acarretou prejuízos importantes para a SUEZ, entre outros, os resultantes do facto de não terem sido faturados, e pagos pelo Dono da Obra, valores importantes destinados ao pagamento de encargos da Estrutura Central da Empresa.
79) Os encargos associados aos serviços centrais, à sede, e à obtenção de financiamentos são usualmente designados, na linguagem própria do universo da construção, por “encargos de Estrutura Central”, “Encargos de Sede”, ou “Encargos de Administração”.
80) Sendo necessário ter uma “Estrutura Central”, mas não gerando esta proveitos de modo direto, é imperativo que as obras proporcionem as receitas necessárias para fazer face às despesas inerentes à Estrutura Central.
81) A partir do momento em que é contratada a execução de uma obra, e que esta passa a integrar a sua designada “carteira” de obras, o empreiteiro conta com uma percentagem das receitas geradas por essa obra para pagar os encargos de “Estrutura Central” da empresa – e tem, por força do contrato celebrado, direito a essas receitas.
82) As empresas de construção dimensionam as suas Estruturas Centrais anualmente, tendo em vista o ano civil seguinte, principalmente com base nos compromissos firmes já assumidos (adjudicações e Contratos de Empreitada celebrados).
83) Se, afinal, não são executados os Contratos previstos (ou parte deles), as empresas têm de pagar os custos assumidos no pressuposto de que iriam obter receitas, mas, afinal, estas não se concretizam (total ou parcialmente).
84) Faz-se notar que a própria ACA invocou prejuízos inerentes à estrutura central perante o Dono da Obra, nos termos reproduzidos nestas Contra-Alegações, ainda que não tivesse executado qualquer trabalho de edificação da Obra.
85) Na sua Petição Inicial a SUEZ alegou que os custos de Estrutura Central incluídos no preço proposto corresponderam a 9,21% dos restantes custos, tendo produzido prova documental e testemunhal relativamente a essa percentagem.
86) Por outro lado, no depoimento do Sr. Engº AA, testemunha arrolada pela ACA, é reconhecido que em casos de não execução da Obra há lugar à indemnização relativa à “Estrutura” (embora na sua perspetiva em 6%, e não 9,21%), e que neste caso tal indemnização não podia ser peticionada ao Dono da Obra porque o Empreiteiro “saiu voluntariamente”.
87) No entanto, neste caso, quem “saiu voluntariamente” da Empreitada (e contra a vontade da SUEZ) foi a ACA.
88) E, portanto, neste caso, o lesante (ACA) deve indemnizar o lesado (SUEZ) pelos encargos de estrutura que o Senhor Engº AA admitiu existirem, numa percentagem de 6%.
89) Após ponderar a prova produzida, o Tribunal Arbitral reconheceu que a SUEZ sofreu prejuízos relacionados com a Estrutura Central: “na situação em apreço, da prova produzida, conclui-se que a Demandante terá tido danos desta natureza”.
90) Porém, tendo por base a apreciação da prova produzida, o Tribunal Arbitral considerou apenas uma percentagem de 6%, e não de 9,21% (alegada pela SUEZ).
91) A tudo acresce que, conforme constante da Decisão Arbitral, o n.º 3 do art.º 566º do Código Civil permite a condenação em montante a determinar equitativamente, dentro dos limites que o Tribunal tiver por provados.
92) E foi precisamente isso que o Tribunal Arbitral decidiu: condenar a Requerente ao pagamento de indemnização à Recorrida, pelos montantes que esta deixou de receber (e aos quais teria direito nos termos do Contrato de Empreitada celebrado) como consequência da atuação da ACA.
93) Constatando-se que o valor da condenação foi definido, pelo Tribunal Arbitral, dentro dos limites do que considerou provado, no caso, no montante correspondente 6% do preço proposto pela Recorrida.
94) Pelo que não se verifica, de todo, e contrariamente ao que a Requerente pretende a todo o custo fazer crer (como forma de pôr em causa a Sentença Arbitral), qualquer violação de princípios da ordem pública internacional.
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AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO (CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO PARA ANULAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL) [TÍTULO G)]
95) O Tribunal da Relação do Porto entendeu que o prazo estabelecido no artigo 46º/6 da LAV é de natureza processual, pelo que considerou aplicáveis as regras do artigo 139º do CPC.
96) Com base nesse enquadramento o Tribunal a quo decidiu que a Ação de Anulação foi proposta tempestivamente no Tribunal da Relação do Porto.
97) Dita o nº 1 do artigo 636º do CPC que “o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva [contra-]alegação”.
98) Assim, requer a Recorrida que seja ampliado o objeto do presente recurso, ao abrigo do alegado no artigo 636º nº1 do CPC, suscitando, para esse efeito, a apreciação da natureza do prazo estabelecido no artigo 46º nº 6 da LAV, nos termos que se expõem de seguida.
I. FUNDAMENTOS
99) De acordo com o nº 6 do artigo 46º da LAV, “O pedido de anulação SÓ PODE ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte pretenda essa anulação receber a notificação da sentença (…)”.
100) Considerando a letra desse artigo, o facto de a Sentença Arbitral pôr fim a um processo sem recurso, e a absoluta separação entre dois processos que correm termos em jurisdições distintas (Arbitral x Estadual), é absolutamente insustentável a tese de que o prazo do artigo 46º/6 é de natureza processual.
101) Nestas Contra-Alegações é invocada a doutrina de Mariana França Gouveia, Manuel Pereira Barrocas e António Sampaio Caramelo que suporta a posição de que o prazo de ação fixado no artigo 46º/6 da LAV configura um prazo de caducidade do exercício do direito de ação, não sendo por isso aplicáveis as regras do artigo 139º/5 do CPC, que regem prazos processuais.
II. DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO; ERRO DE INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
102) No essencial, o Tribunal a quo entendeu que o prazo do artigo 46º/6 é processual, com base em argumentos expostos nas páginas 54 e 55 do Acórdão Recorrido.
103) Entender que o decurso do prazo tem “mero efeito de natureza processual” e que se trata aqui de um “prazo processual”, é referir diretamente uma conclusão sem qualquer demonstração prévia.
104) Como bem refere o Acórdão Recorrido, os prazos de propositura de ações são “habitualmente qualificados como prazos substantivos de caducidade”.
105) Prevendo a norma em causa um prazo de propositura de ação, não existe qualquer razão de fundo para o qualificar de modo distinto relativamente a outras normas que também preveem prazos idênticos.
106) Esta situação não contém qualquer especialidade que habilite os seus destinatários a ter um regime mais favorável (através de um prazo acrescido de 3 dias para propositura da ação, que é inerente ao regime dos prazos processuais), relativamente à generalidade dos outros casos.
107) Face ao exposto, o Supremo Tribunal de Justiça deverá julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação devido à extemporânea propositura da mesma.
Nestes termos, (…), deverá:
a) Ser negado provimento ao Recurso interposto pela Autora, mantendo-se a decisão recorrida;
Caso assim não se entenda,
b) Deverá ser o Acórdão Recorrido revogado e substituído por outro que, ao abrigo do artigo 46º/6 da LAV, julgue procedente a excepção de caducidade do direito de acção devido à extemporaneidade da propositura da acção de anulação da Sentença Arbitral”.
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6) A recorrente apresentou articulado de resposta à matéria da ampliação da revista, defendendo a improcedência da invocada caducidade do direito à interposição da acção de anulação da sentença arbitral e a natureza processual do prazo previsto no artigo 46.º n.º 6 da Lei de Arbitragem Voluntária.
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7) Colhidos os vistos legais dos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o presente acórdão, importa decidir sobre o mérito da revista interposta pela autora.
Tendo em conta o teor das conclusões das alegações apresentadas que delimitam, em princípio e sem embargo do conhecimento oficioso de qualquer questão ou da desnecessidade de apreciação de questões que se mostrem prejudicadas, o objecto da revista centra-se nas seguintes questões:
- Nulidade do acórdão do Tribunal Arbitral por emitir pronúncia sobre um litígio não abrangido na convenção de arbitragem ou ultrapassando o seu âmbito (artigo 46.º n.º 3 a) iii) da Lei 63/2011 de 14 de dezembro - Lei de Arbitragem Voluntária);
- Nulidade do acórdão do Tribunal Arbitral por falta de fundamentação (artigo 46.º n.º 3 a) vi) e 42.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária);
- Nulidade da sentença por ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português (artigo 46.º n.º 3 b) ii) da Lei de Arbitragem Voluntária).
Não ficando prejudicada a sua apreciação o tribunal conhecerá da questão colocada na ampliação do recurso pela recorrida – a caducidade da acção de anulação interposta e a natureza processual do prazo previsto no artigo 46.º n.º 6 da Lei de Arbitragem Voluntária.
Vejamos, em primeiro lugar, o elenco dos factos apurados.
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FUNDAMENTAÇÃO
Parte I – Os Factos
No acórdão do Tribunal da Relação ora recorrido foram considerados os seguintes factos:
“1– Foi proferida decisão arbitral, com data de 12 de maio de 2023, com o seguinte dispositivo:
“Termos em que se condena a Demandada (ACA) a pagar à Demandante (SUEZ) o valor final, operada a compensação de créditos, de € 554.010,66.
Esta quantia (€ 554.010,66) vence juros legais a partir da data desta sentença.
Absolve-se a ACA dos demais pedidos formulados pela Demandante na petição inicial.
Absolve-se a SUEZ dos demais pedidos formulados pela Demandada na reconvenção.
Os encargos da arbitragem são repartidos entre as Partes, na proporção de 1/3 por conta da Demandante e 2/3 a cargo da Demandada.”
2- (…)
3- Relativamente a litígios, prescreve o n.º 1 da cláusula 12. do Contrato de Consórcio, ajustado pelas partes a 10 de abril de 2019, que: «As divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução do presente contrato que não sejam amigavelmente resolvidas pelas partes, serão obrigatoriamente objeto de tentativa de conciliação a realizar pelas administrações das consorciadas».
E para a eventualidade de se frustrar a conciliação, dispõe a cláusula 12.a, n.º 2, do Contrato de Consórcio, que: «Se ainda assim o diferendo não for resolvido, será dirimido definitivamente por um Tribunal Arbitral, cuja constituição e regras de funcionamento obedecerão à lei portuguesa».
Ao abrigo desta última disposição foi desencadeada a presente arbitragem e constituído o Tribunal arbitral.”
4- E quanto ao objeto do litígio, ficou consignado o seguinte na sentença arbitral:
“4. Objeto do litígio
O objeto do litígio foi fixado pelas Partes, mormente nos seus articulados, podendo resumir-se do seguinte modo, nos parágrafos subsequentes.
Tendo em vista o concurso para realização da obra da ETAR ..., que lhes foi adjudicada a 12 de março de 2019 (com base em proposta de 10 de maio de 2018), as Partes celebraram um Contrato de Consórcio, a 10 de abril de 2019.
Em razão de vicissitudes várias, apesar de adjudicada a obra às Consorciadas (12/3/2019), de ter sido celebrado o Contrato de empreitada, a 11 de julho de 2019, com a Á…, SA, e de ter sido consignada a obra a 14 de maio de 2020, com uma reserva por parte da ACA, esta consorciada desvinculou-se do Contrato de empreitada, por carta de 5 de junho de 2020; não se tendo, assim, iniciado os trabalhos de execução da ETAR ....
A Demandante imputa à Demandada a responsabilidade pela inexecução da empreitada, reclamando os correspondentes danos; a Demandada contesta, imputando à Demandante a responsabilidade pela situação criada no iter negocial, desde a apresentação da proposta (10/5/2018) até à consignação da obra (14/5/2020), reclamando os consequentes danos.”
5- Naquela sentença, quanto ao Saneador e Guião de prova, escreveu-se:
“Na contestação, a Demandada apresentou defesa por exceção, invocando a incompetência do Tribunal arbitral, que este Tribunal ponderou e respondeu, transcrevendo-se a deliberação.
Na medida em que a Demandante funda o seu pedido tanto no incumprimento do contrato de consórcio - ajustado entre SUEZ e ACA - como no contrato de empreitada, em que era Dono da obra Á…, SA, e esta última relação jurídica vai ser apreciada pelo competente Tribunal administrativo, a Demandada entende que o Tribunal arbitral não se pode pronunciar relativamente ao valor peticionado pela SUEZ no que respeita aos prejuízos incorridos pelo incumprimento do contrato de empreitada, de que considera a ACA responsável; ou seja, o Tribunal arbitral seria materialmente incompetente para se pronunciar sobre a designada segunda causa de pedir (resolução do contrato de empreitada e correspondentes danos).
Sem prejuízo de a apreciação a fazer pelo Tribunal administrativo, no que respeita à responsabilidade e consequências do não cumprimento do contrato de empreitada, poder não coincidir com a que vier a ser feita pelo Tribunal arbitral, não há litispendência, por faltar a coincidência entre as partes, a causa de pedir e o objeto dos pedidos. Por outro lado, se o Tribunal arbitral decidisse suspender o processo arbitral aguardando pela decisão, com trânsito em julgado, do Tribunal administrativo, ficaria precludida uma das finalidades da arbitragem, a celeridade, obstando inclusive ao acordo das partes, transposto para a ata de instalação, de o processo arbitral terminar no prazo de um ano.
Neste contexto, a Demandada, quanto à apreciação da extinção do contrato de empreitada, a decidir pelo Tribunal administrativo, considera tratar-se de uma questão prejudicial quanto à apreciação de parte do pedido da Demandante. Contudo, a situação indicada não consubstancia uma questão prejudicial, pois, independentemente da decisão que vier a ser tomada no Tribunal administrativo, a ponderação a fazer em sede arbitral quanto ao prejuízo e aos fundamentos invocados pela SUEZ assenta em parâmetros diversos.
Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.
Tendo em vista facilitar a audiência preliminar, prevista no ponto 7) da ata de instalação, o Tribunal arbitral apresentou antecipadamente um projeto de Guião de prova, nos termos do disposto no ponto 8) da ata de instalação. O referido Guião de prova, discutido com as partes encontra-se dividido em factos assentes e factos controvertidos, constando do ponto II (Matéria de facto) o rol de factos assentes, assim como as respostas aos factos controvertidos. Atendendo às sugestões das Partes, o referido Guião de prova foi reformulado, ficando consolidado a 26 de abril de 2022.”
6- Na sentença arbitral foi julgada provada a seguinte factualidade:
1. Factos assentes
I. A SUEZ (Demandante) e a ACA (Demandada) acordaram colaborar tendo em vista a adjudicação e subsequente execução da empreitada de conceção e construção da ETAR ... (doravante contrato de empreitada ou empreitada);
II. O valor base do concurso era de € 12.500.000,00;
III. Do acordo preliminar, celebrado em 5 de janeiro de 2018, prévio ao contrato de consórcio, decorria que as consorciadas realizariam as tarefas em função das suas especialidades, cabendo primordialmente à Suez o fornecimento e montagem de equipamentos e à ACA a execução dos trabalhos de construção civil, tendo em conta um mapa de repartição de trabalhos que constituía um anexo ao referido acordo preliminar;
IV. Nos termos da referida repartição de trabalhos, o valor da obra a realizar pela Suez orçava em € 7.450.000,00, ficando a cargo da ACA trabalhos no valor de €4.900.000,00;
V. A proposta das Empresas foi apresentada a concurso na empreitada em questão no dia 10 de maio de 2018;
VI. A empreitada veio a ser adjudicada às consorciadas, no dia 12 de março de 2019, com base na mencionada proposta;
VII. No dia 27 de março de 2019, a ACA comunicou à Suez o seu desconforto em assinar o contrato de empreitada tendo em conta o aumento significativo do custo da mão-de-obra, que implicava um desvio de orçamentação dos preços por si calculados no montante de € 500.000,00;
VIII. O contrato de consórcio foi celebrado em 10 de abril de 2019;
IX. No dia 28 de junho de 2019, a ACA invocou um prejuízo de 1,6 Milhões de Euros relativo aos trabalhos de construção civil;
X. A 9 de julho de 2019, face à aproximação da data de assinatura do contrato, a ACA solicitou à Á…, SA um adiamento de 30 dias, e não sendo possível, que a assinatura do contrato pressuporia, mutuamente, a disponibilidade para encontrar as soluções que permitiriam repor o equilíbrio, ou, nessa impossibilidade, uma alternativa de cessão ou resolução convencional;
XI. O contrato de empreitada foi celebrado a (?) de julho de 2019, sendo dono da obra a Á…, SA e empreiteiro o consórcio Suez / ACA;
XII. O Consórcio manifestou a sua intenção de reequilibrar o valor da sua proposta por via da otimização do projeto e de algumas poupanças;
XIII. A pretendida otimização do projeto e a introdução de algumas poupanças não foram aceites pelo dono da obra;
XIV. Para alcançar os objetivos de executar a empreitada e minimizar os prejuízos da ACA houve abundante troca de correspondência e tiveram lugar várias reuniões entre as consorciadas, assim como com o dono da obra;
XV. No dia 2 de dezembro de 2019, as consorciadas entregaram ao dono da obra a revisão do projeto base, incluindo alterações ao projeto, nos termos do memorando técnico apresentado a 4 de novembro de 2019;
XVI. As Consorciadas consideraram que a Revisão do Projeto Base tinha sido tacitamente aprovada, e começaram a trabalhar no desenvolvimento do Projeto de Execução, tendo aquela Revisão ao Projeto Base como referência, conforme determinava a alínea c) da cláusula 55.1.1. do Caderno de Encargos;
XVII. O dono da obra rejeitou a referida revisão do projeto base, por comunicação de 17 de janeiro de 2020;
XVIII. No dia 20 de janeiro de 2020, o Consórcio invocou a aprovação tácita do projeto revisto perante a Á…, S A;
XIX. As consorciadas elaboraram e entregaram ao dono da obra, a 20 de janeiro de 2020, o projeto de execução da empreitada, que refletia as alterações propostas a 2 de dezembro de 2019;
XX. O dono da obra respondeu, a 23 de janeiro de 2020, mencionando que o projeto de execução, tal como elaborado, violava a proposta adjudicada e o caderno de encargos;
XXI. O dono da obra aceitou depois o pagamento de prejuízos do consórcio, assim como de sobrecustos da obra, que se viessem a demonstrar;
XXIL. A 3 de fevereiro de 2020, a ACA comunicou que não podia executar o contrato de empreitada de acordo com o projeto patenteado a concurso, em razão dos prejuízos já identificados;
XXIII. Neste contexto, a ACA pretendia desvincular-se do contrato de empreitada ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 406.° do CCP;
XXIV. Houve discussão no seio do Consórcio relativamente a esta matéria, acabando a Suez, após insistência da ACA, por apresentar proposta para a resolução do contrato em determinadas condições, que não foram aceites pela ACA;
XXV. Essa proposta, formulada por carta em 13 de maio de 2020, foi a seguinte:
a) A ACA assumiria todos os eventuais prejuízos para a SUEZ decorrentes do contingencial insucesso da ação judicial de resolução do contrato;
b) A eventual indemnização a pagar pelo dono da obra seria integralmente atribuída à SUEZ, que poderia negociar e dispor da mesma conforme entendesse;
c) A ação judicial teria de dar entrada durante o dia 13 de maio de 2020, sendo muito importante que fosse tomada uma decisão no mais curto prazo possível;
d) O Consórcio deveria, ainda no dia 13 de maio de 2020, informar o dono da obra por escrito da decisão tomada quanto à resolução do contrato.
Sem prejuízo, o Consórcio teria de comparecer no ato de consignação registando no respetivo auto a decisão tomada e a entrada da ação judicial;
XXVI. Mas, no consórcio, não havia unanimidade quanto à desvinculação do contrato de empreitada;
XXVII. A14 de maio de 2020 foi assinado o auto de consignação da obra, tendo a ACA emitido uma reserva;
XXVIII. Nesse dia (14/5/2020), a ACA manifestou a posição de que o consórcio deveria promover a resolução unilateral do contrato de empreitada;
XXIX. A 18 de maio de 2020, a Suez manifestou ao dono da obra que não tinha intenção de resolver o contrato de empreitada;
XXX. O dono da obra, a 25 de maio de 2020, comunicou que considerava ilícita a reserva aposta pela ACA no auto de consignação e que o comportamento desta consorciada criou a convicção, por parte das Á…, SA., de que a ACA não pretendia realizar a obra;
XXXI. A 5 de junho de 2020, a ACA enviou carta à Suez tendo em vista a extinção do contrato de consórcio e enviou carta ao dono da obra invocando a resolução do contrato de empreitada;
XXXII. A ACA invocou a resolução do contrato de empreitada alegando o incumprimento do decurso do prazo de seis meses para a consignação da obra, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 406.° do CCP e ainda outros fundamentos constantes da carta em que invocou tal direito;
XXXIII. Por comunicação de 26 de junho de 2020, o dono da obra opôs-se à resolução invocada pela ACA;
XXXIV. Tendo seguidamente a ACA intentado uma ação contra o dono da obra no Tribunal Administrativo e Fiscal de …;
XXXV. Na sequência da comunicação de 5 de junho de 2020, a Suez tentou encontrar outra empresa que assumisse as obrigações da ACA no contrato de empreitada;
XXXVI. Tendo o dono da obra concedido prazo até 7 de agosto de 2020 para a Suez encontrar meio para viabilizar a realização da empreitada;
XXXVII. Mas as tentativas da Suez manifestaram-se infrutíferas;
XXXVIII. O dono da obra, por comunicação de 1 de setembro de 2020, manifestou a ambas as consorciadas a intenção de proceder à resolução sancionatória do contrato de empreitada;
XXXIX. A Suez não se opôs à resolução sancionatória do contrato de empreitada invocada pelo dono da obra, e admitiu pagar diretamente o valor da caução de boa execução;
XL. O contrato de empreitada veio a ser resolvido pelo dono da obra (Á…, SA.) por carta de 21 de outubro de 2020, invocando incumprimento definitivo imputável ao consórcio empreiteiro, de acordo com os fundamentos constantes das cartas de 1 de setembro de 2020;
XLI. A ACA impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de … a resolução sancionatória do contrato de empreitada;
XLIL O dono da obra integra o grupo empresarial Águas de Portugal, que é um dos principais clientes da Suez;
XLIII. A Suez tinha muito interesse na execução do contrato de empreitada.
XLIV. Em 2 de Agosto de 2020, a SUEZ informou o dono da obra que as propostas de preço por si obtidas para a realização dos trabalhos de construção civil excediam significativamente o preço contratual, no caso da Empresa O… em cerca de € 3.100.000,00, tendo esse valor sido invocado pela ACA na sua Contestação;
XLV. A Suez invocou perante a Á…, SA. que essa situação poderia comprometer a sua própria solvência, a sustentabilidade da Empresa e garantias dos postos de trabalho dos seus trabalhadores.
2. Resposta dada aos factos controversos:1
1) No consórcio resultava que ambas as empresas iriam apresentar uma proposta comum para realização da obra, cabendo, basicamente, à Suez a conceção e fornecimento de equipamentos e à ACA os trabalhos de construção civil? Provado.
2) À ACA cabia a responsabilidade inerente à conceção e ao projeto dos trabalhos de construção civil integrados no objeto da Empreitada? Provado (…).
3) A Demandada acedeu numa redução do valor da componente de construção civil na ordem de € 190.000,00? Provado (…) .
4) A redução mencionada foi solicitada pela Demandante? Não provado.
5) O dono da obra introduziu alterações às soluções do projeto base, que implicaram prejuízos na componente de construção civil? Não Provado.
6) Que acordos foram estabelecidos entre as consorciadas para minimizar os prejuízos da ACA na empreitada que lhes tinha sido adjudicada?
Provado que foram estabelecidos dois acordos entre as Consorciadas para minimizar os prejuízos da ACA. que se passam a reproduzir:
1º Acordo - após a adjudicação da empreitada, conforme decorre da troca de emails de 27 e 28 de março de 2019 que constitui o documento n.° 16 junto com a petição inicial através do qual a ACA solicitou à SUEZ o seguinte:
1) Apresentamos ontem já uma solução de pintura dos tanques na qual pouparíamos 190 000€. Nada como é obvio ficou assumido pelo nosso interlocutor para alem da promessa de o tentar viabilizar mas esse risco ficaria connosco.
2) Ficou combinado dia 8 ou 10 voltarmos a ter uma reunião com quem o DO entenda necessário na qual apresentaríamos outras alternativas de projeto com poupanças. Dessas outras poupanças os primeiros 300 000€ reverteriam a nosso favor. O risco destas poupanças seria da Suez, ou seja, no caso de nada se conseguir a Suez compensaria a ACA com 300 000€. Como exemplo se se conseguisse 200 000€ a Suez compensava-nos com 100 000€ ou se alcançados os 300 000€ nenhuma compensação entre empresas existiria.
3) As verbas necessárias para os custos de energia seriam obtidas a partir dos valores alcançados de poupança a partir destes valores de 1) e 2). Ou seja, a ACA não assume nenhum custo com energia, a não ser de verbas que se alcancem a partir dos 300 000€. Tudo portanto que eventualmente possa ser necessário gastar com energia virá daí ou a Suez assumirá.
4) A Suez compromete-se desenvolver todos os esforços no sentido de vir a subempreitar 2 Milhões de euros de trabalhos à Amb... com preços que permeiem com uma margem razoável o seu trabalho como um subempreiteiro diferenciado. Da avaliação feita pela Amb... consideramos razoável propor os seus preços serem 90% dos preços de venda da Suez. Por sua vez a Amb... compromete-se a participar no estudo do projeto no sentido de se tentar conseguir o maior número de otimizações possíveis.
A SUEZ aceitou a proposta da ACA, mas, quanto ao ponto 4, referiu o seguinte:
"Não podemos nesta fase fixar os preços das subempreitadas em 90% dos nossos preços de venda, dado que, tal como já expliquei, estes preços não foram calculados uniformemente e incluem outros custos indiretos gerais da empreitada. Só após uma análise mais fina das subempreitadas que podem ser realizadas poderemos definir e negociar este valor, que poderá inclusive ser superior ao valor de 2 M€ propostos se for benéfico para ambas as partes.”
2.° Acordo - antes de o contrato de empreitada ter sido assinado, consoante resulta da troca de emails de 28 de junho e 5 de julho de 2019, que constitui o documento n.° 16 junto com a petição inicial e que se traduzia no seguinte:
"a. A Suez assume e mantém o valor de 300.000,00 € de ajuda assumido anteriormente e que agora, por maioria de razões, se agravou substancialmente e se torna crucial para a ACA poder avançar para a obra. Nesse caso, a ACA assume que, caso consiga abater o valor de 1.300.000,00 € dos 1.600.000,00 € determinados, a partir desse valor todo o ganho será a descontar do valor dos 300.000,00 € assumido pela Suez até zero, se se atingir os 1.600.000,00 €.
b. Em tudo o restante mantínhamos o acordo de 27 de Março."
7) Em que medida e por que meios a Suez pressionou a ACA para esta se vincular à realização da empreitada?
Provado apenas que a SUEZ, atentas as relações que tinha com as Águas de Portugal, visto ser, desde há muitos anos, um dos seus principais clientes, a pedido da ACA e antes da assinatura do contrato de empreitada, em 11 de julho de 2019, contactou os responsáveis das Á…, SA., tendo em vista a flexibilização do Dono da obra em relação às soluções propostas pela ACA para minimizar os custos da parte relativa à construção civil e também criar instrumentos que permitissem compensar o agravamento dos custos de mão de obra. A questão 7) respeita à fase que precedeu a assinatura do contrato de empreitada (11 de julho de 2019).
Resultou provado que, concretamente após a adjudicação da proposta, em 12 de março de 2019, a ACA manifestou de forma clara em diversas ocasiões, quer perante a SUEZ quer perante as Á..., SA, a sua preocupação fundamental com a reposição do equilíbrio económico-financeiro da empreitada, "fruto da subida inopinada dos custos da mão-de-obra" (cf., por exemplo, nas vésperas da assinatura do contrato de empreitada, Doe. n.° 17 junto com a petição inicial, de 9 de julho de 2019).
Quanto à SUEZ, assumiu desde o início o seu interesse em se apresentar a concurso e em obter a adjudicação, quer tendo em conta a relevância do concreto projeto submetido a concurso, quer atendendo à importância que o Grupo Águas de Portugal, que integra às Á..., SA, tinha no quadro das atividades prosseguidas por essa empresa em Portugal.
Nesse sentido, a ideia inicial do consórcio partiu da SUEZ. Em coerência, e tendo o Consórcio apresentado uma proposta no concurso no dia 10 de maio de 2018 e tendo a proposta sido adjudicada, a SUEZ, perante a relutância da ACA em assinar o contrato, exprimiu inequivocamente perante a ACA que a empreitada devia ser executada e que a não celebração do contrato de empreitada causaria "elevadíssimos prejuízos à SUEZ, patrimoniais (associados aos encargos com a elaboração da proposta e com lucros cessantes) e não patrimoniais (relacionados com a imagem da empresa e futuras dificuldades de relacionamento com o seu principal Cliente - as empresas do grupo Águas de Portugal)" (cf. Doc. n.° 18 junto com a petição inicial, de 10 de Julho de 2019).
Provado ainda que, conforme reconheceu o administrador da SUEZ, BB, foram criadas expectativas quer à SUEZ, quer à ACA, que tudo se iria resolver a contento de todas as partes e que seria até possível reunir, com o Dono da obra e com a tutela, para alcançar esse desiderato.
8) As soluções alvo do memorando técnico apresentado em 31 de outubro de 2019 e enviado por email em 4 de novembro de 2019 eram tecnicamente suportáveis?
Provado apenas que as soluções eram tecnicamente suportáveis, ainda que não estivessem de acordo com o caderno de encargos e com os esclarecimentos posteriores, dados pelo Dono da obra, uma vez que este pretendia: - que o tanque (órgão de construção civil) suportasse cheias com uma cota até 17,80 metros e a solução de fundações em betão apresentada pelo consórcio apenas permitia que o órgão resistisse a cheias até 15,20 metros, dado que a soleira estava implantada a esta profundidade;
- que o revestimento interior dos órgãos de construção civil fosse em chapa termoplástica em todos os locais recomendados no caderno de encargos e o consórcio privilegiava a solução do revestimento ser feito através de uma pintura epoxy do tipo Poxitar N da Sika, ou equivalente, ainda que propusesse a aplicação de chapa termoplástica noutras zonas não previstas no caderno de encargos.
Todavia, e independentemente da questão de saber se o entendimento do Dono da obra era ou não correto, as Á..., SA acabaram por recusar as soluções alternativas propostas pelo Consórcio, com as respetivas justificações técnicas, por considerarem que elas violavam os parâmetros vinculativos do caderno de encargos e os termos da proposta adjudicada
9) A ACA não colaborou com a Suez, nomeadamente não respondendo a propostas para minimizar os prejuízos daquela?
Tendo em conta, por um lado, a configuração processual estabelecida pelas Partes nos seus articulados, nomeadamente no plano do cumprimento dos deveres de lealdade e solidariedade a que se vincularam por força do Acordo Preliminar celebrado em 05 de janeiro de 2018 e do Contrato de Consórcio celebrado em 10 de abril de 2019, e considerando, por outro, os Temas da Prova definidos por este Tribunal, a formulação da questão subjacente ao facto controverso 9) deve ser corrigida e revista, adotando-se a seguinte redação:
"A SUEZ não colaborou com a ACA, nomeadamente não respondendo a propostas para minimizar os prejuízos daquela?
Assim, e em resposta à questão reformulada, deve ter-se presente que a mesma respeita à fase que precedeu à declaração da ACA de que era sua intenção que o Consórcio resolvesse o Contrato de Empreitada, datada de dia 14 de maio de 2020, através da aposição de reserva ao Auto de Consignação.
Provado unicamente que a SUEZ e a ACA tentaram, em conjunto, encontrar soluções que permitissem minimizar os prejuízos da segunda e não ser o Consórcio excluído do concurso, soluções que o Dono da obra não aceitou, apesar de ter criado expectativas de que o iria fazer (conforme resposta à questão 7)). A SUEZ colaborou com a ACA, até ao dia 14 de maio de 2020, procurando viabilizar a celebração e consequente execução do Contrato de empreitada, sem comprometer a viabilidade do projeto para a ACA, procurando encontrar, para esse efeito, soluções que contribuíssem para minimizar os prejuízos que a ACA estimava incorrer com a execução da obra.
Para esse efeito, e tal como resulta da resposta ao facto controverso 6 (com relevância para o presente facto controverso), a SUEZ aceitou celebrar dois acordos com a ACA para (tentar) minimizar os prejuízos da ACA.
Ficou também provado que, até ao dia 14 de maio de 2020, a SUEZ diligenciou junto da ACA para que esta formulasse reclamações fundamentadas, especificando e demonstrando junto da AdCL, os prejuízos que estimava vir a incorrer. Ainda quanto aos prejuízos alegados pela ACA, não ficou provado que a ACA tenha concretizado, valorizado ou demonstrado, de modo específico e sustentado, os prejuízos que estimava vir a incorrer com a execução do Contrato de empreitada, tendo-se limitado, perante a SUEZ e perante a AdCL, a apresentar a ordem de grandeza de valores, que inicialmente era de € 500.000 (quinhentos mil euros) e que no final se estimava corresponder a cerca de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros).
Quanto à apresentação de uma reclamação junto do Dono da obra, em maio de 2020, a SUEZ não impediu que a ACA apresentasse a sobredita reclamação, tendo ficado provado, que:
(i) Em resposta à carta das Á..., SA de 3 de abril, na qual se recusaram as pretensões da ACA, e passados 33 dias, a ACA preparou uma carta, com 14 páginas, para enviar ao Dono da Obra que partilhou com a SUEZ em 6 de maio de 2020, quarta-feira (cf. Doe. n.° 12 junto com a Contestação);
(ii) Nessa data foi realizada uma reunião entre as Consorciadas onde essa carta foi discutida;
(iii) Passados 5 dias, na segunda-feira dia 11 de maio de 2020, data em que o Dono da obra enviou a convocatória para a consignação agendada para dia 14 de maio de 2020, o Eng. AA enviou um e-mail à SUEZ solicitando "ponto de situação da análise" à minuta da carta que a ACA pretendia enviar ao Dono da obra (cf. Doe. n.° 1 junto com a Réplica);
(iv) No dia seguinte, 12 de maio de 2020, a SUEZ respondeu referindo que precisava de tempo para analisar a minuta da carta (cfr. Doe. n.° 14 junto com a Contestação), resposta essa que mereceu a insistência da ACA pois não podia "deixar de registar, no imediato, a nossa posição junto do Dono da Obra " (cf. Doe. n.° 15 junto com a Contestação);
(v) No mesmo dia, terça-feira - dois dias antes da consignação -, a SUEZ foi confrontada com o pedido da ACA para se informar o Dono da obra da resolução do Contrato de Empreitada pelo Consórcio Empreiteiro e com a informação de que não se realizaria o ato de consignação (cf. Doe. n.° 46 junto com a petição inicial);
(vi) Em 15 de maio de 2020, a SUEZ enviou à ACA a minuta da ata da reunião de 6 de maio de 2020, com a qual a ACA não concordou (cf. Docs. 44 junto com a petição inicial e 17 junto com a Contestação);
(vii) Em 22 de Maio de 2020, a SUEZ enviou um email à ACA a perguntar se ainda tinha interesse no envio da carta ao Dono da Obra (cf. Doc. n.° 1 junto com a Réplica).
10) A ACA, depois de se comprometer a executar a empreitada com as eventuais minimizações de prejuízos, acabou por não se disponibilizar a realizar as tarefas que lhe incumbiam? Provado tão-só que a ACA acabou por não se disponibilizar a realizar as tarefas que lhe incumbiam, porquanto o Dono da obra não aceitou as soluções que permitiriam minimizar os prejuízos que iria sofrer. Ficou ainda provado que, tendo a Proposta sido apresentada em 10 de maio de 2018 (cf. facto assente V), as Partes apenas estavam obrigadas a manter a Proposta até ao dia 10 de agosto de 2018.
Em coerência, quando a 27 de março de 2019, a ACA solicitou a comparticipação da SUEZ nos seus prejuízos (até € 300.000), e uma vez que, nessa data, o Contrato de empreitada ainda não tinha sido assinado (só o tendo sido em 11 de julho de 2019 [cf. facto assente XI]), a ACA poderia retirar a sua Proposta, por já ter decorrido o prazo de manutenção obrigatória da proposta.
Ainda assim, e tal como resulta da resposta ao facto controverso n.° 6, ficou provado que as Partes acordaram, expressamente e por escrito, as condições para que a ACA mantivesse a sua Proposta, assumindo o compromisso de executar o contrato, através da celebração de dois acordos. De ambos os acordos, resulta claro o compromisso da ACA em executar o contrato, mediante a comparticipação da SUEZ nos seus prejuízos, até ao montante global de € 300.000 (trezentos mil euros).
Ficou provado, e as partes não o disputam, que ao longo de toda a execução do contrato, e até à data em que propôs a sua resolução, a ACA foi agindo e praticando atos relativos à execução do contrato, tais como a elaboração da sua parte da revisão do Projeto Base, entrega da primeira versão do Projeto de Execução e do Plano de Segurança e Saúde, elaboração das respostas ao Parecer da análise do Projeto de Execução, entrega da segunda versão do Projeto de Execução, participação em reuniões, elaboração de diversa correspondência, etc.
No entanto, tudo muda partir do dia 14 de maio de 2020. Com efeito, ficou também provado que a ACA acabou por não se disponibilizar para realizar as tarefas que lhe incumbiam ao abrigo do Contrato de empreitada, não executando os trabalhos de construção civil nem qualquer outra prestação contratual a partir do dia 14 de maio de 2020, data da consignação, com a declaração da ACA da sua intenção de resolução do Contrato de empreitada, culminando com o envio à AdCL e à SUEZ, nos dias 2 e 5 de junho de 2020, de cartas de desvinculação: por um lado, comunicando a sua exoneração do Consórcio e, por outro, reiterando o seu entendimento a respeito da resolução do Contrato de empreitada.
11) A ACA só se dispôs a celebrar o contrato de empreitada no pressuposto de que seria encontrada uma forma de repor o equilíbrio financeiro?
Provado apenas o que consta da alínea X dos factos assentes e ainda as expectativas que tinham sido criadas a ambos os Consorciados, nos precisos termos que constam da resposta ao facto controverso n.° 7.
Ficou ainda provado que, concretamente após a adjudicação da proposta em 12 de março de 2019, a ACA manifestou de forma clara em diversas ocasiões, quer perante a SUEZ quer perante as Á..., SA, a sua preocupação fundamental com a reposição do equilíbrio económico-financeiro da empreitada, tendo deixado claro dois dias antes da assinatura do contrato de empreitada (9 de julho de 2019) que, não sendo prorrogado o prazo para assinatura do contrato como pretendia, no seu entendimento "a assinatura pressupõe, mutuamente, a disponibilidade para encontrar as soluções que permitam repor o equilíbrio, ou, na impossibilidade, uma alternativa de cessão ou resolução convencional".
Contudo, como resulta da resposta ao facto controverso 5), o Dono da obra não se comprometeu a encontrar soluções que permitissem reduzir os custos da empreitada, através da otimização do projeto e poupanças, sem prejuízo de estar empenhado nessa via para viabilizar a realização da obra, no cumprimento do regime legal.
12) Os preços dos trabalhos de construção civil foram calculados exclusivamente pela ACA? Provado.
13) Da proposta constavam erros de orçamentação da ACA? Provado.
14) A 23 de março de 2020, o Consórcio reclamou junto do Dono da obra a reposição do equilíbrio financeiro do contrato?
Provado unicamente que a ACA enviou às Á..., SA, no dia 23 de março de 2020, em papel timbrado da ACA mas em nome do Consórcio, uma carta na qual se invoca que, "após a apresentação proposta no concurso se verificou uma alteração anormal das circunstâncias, motivada pela subida anormal dos custos de mão-de-obra, ocorrida no período que mediou entre a apresentação da proposta e a adjudicação", mas onde também se assume que não era ainda "possível conhecer a rigorosa extensão dos prejuízos sofridos.
15) Tendo o Dono da obra, por comunicação de 3 de abril de 2020, rejeitado a pretensão do Consórcio de reequilíbrio financeiro? Provado.
16) O Projeto de Execução desenvolvido pela Demandante apresentava trabalhos novos de Construção Civil que não se encontravam previstos no Projeto entregue a Concurso, também da autoria da Demandante?
Provado apenas que o Projeto desenvolvido pelas Consorciadas era mais detalhado do que o Projeto entregue a concurso. Como resulta da resposta aos factos controversos 1), 2) e 12), na fase de preparação da proposta, a SUEZ foi responsável pela conceção do processo de tratamento e o fornecimento de equipamentos, bem como da correspondente orçamentação e a ACA foi responsável pelos trabalhos de conceção, de execução da parte da construção civil e respetiva orçamentação.
"Numa primeira fase, a SUEZ concebeu o sistema global e escolheu os equipamentos com determinados volumes e formas" cabendo à "ACA os cálculos e os dimensionamentos dos trabalhos de construção civil para construção do sistema ", tendo a ACA contratado uma empresa para elaborar o seu projeto para os trabalhos de construção civil (PPSEC).
Face a esta divisão de tarefas, e atentas as características deste contrato de empreitada - nomeadamente, atento o facto de se tratar de uma empreita de conceção-construção - ficou provado que a ACA e a SUEZ estavam ambas cientes de que as soluções que contemplassem no projeto base, relativamente à sua especialidade, teriam de ser revistas e desenvolvidas na fase de execução do Contrato, aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução.
Também foi provado que o Projeto de Execução desenvolvido em conjunto pela ACA e pela SUEZ era mais detalhado do que o projeto base e que, com o desenvolvimento dos projetos das especialidades aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução, podia surgir a necessidade de se realizarem trabalhos acrescidos, na esfera da outra especialidade, sem que se pudesse obter a correspondente remuneração do Dono da Obra, por se tratar de uma empreitada conceção-construção Execução.
O Projeto de Execução não foi desenvolvido exclusivamente pela Demandante (mas em colaboração entre Consorciadas), nem apresentava "trabalhos novos de Construção Civil" que não se encontravam previstos no Projeto entregue a concurso. Ficou, contudo, provado que, aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução, e no âmbito da coordenação e negociação conjunta das Partes, se verificaram, em relação ao projeto base, alterações de quantidades com impacto no volume de trabalhos (designadamente, de escavação, de betão armado, de áreas de revestimentos), tendo também sido discutida a realização de trabalhos não previstos no MQT da Construção Civil, de trabalhos de apoio de Construção Civil, assim como tendo sido debatido pelas Consorciadas, quanto aos Circuitos Hidráulicos, as quantidades previstas de tubagens enterradas e "as respetivas cx representadas no Projeto da fase de Concurso e quanto às Coberturas, nomeadamente quanto à cobertura do espessador de lamas e do tanque de lamas digeridas, tendo sido discutida a sua quantificação e orçamentação. Sem prejuízo dos valores mencionados na resposta ao facto 6), não foram quantificados nem demonstrados nos autos, quaisquer prejuízos que a ACA pudesse vir a sofrer em função do desenvolvimento do Projeto base e da sua conversão em Projeto de Execução por parte da SUEZ, em face da eventual necessidade de se realizarem trabalhos acrescidos da especialidade de Construção Civil.
17) O orçamento apresentado pela Demandada em fase de concurso não incorporava estes novos trabalhos, que o encareciam, o que, tratando-se de uma empreitada de conceção construção, representaria um novo prejuízo a acrescer aos demais alegados pela Demandada? Provado nos termos da resposta à questão anterior.
18) A ACA não previu trabalhos de construção civil (que eram necessários à execução da obra) porque não desenvolveu o Projeto Base posto a concurso com suficiente detalhe e rigor (na fase de elaboração da proposta)? Não ficou provado mais nada quanto a este aspeto para além daquilo que já resulta da resposta aos factos controversos 1), 2), 16) e 17).
19) Foram introduzidas alterações pelo Dono da obra que implicaram uma reformulação do projeto, resultante da introdução de fundações indiretas, não previstas no Projeto Base, com um agravamento dos prejuízos para a ACA no montante de € 500.000,00?
Não provado com os esclarecimentos subsequentes. A propósito desta questão houve depoimentos contraditórios por parte das testemunhas indicadas por cada uma das partes e, por isso, na resposta a este facto controverso, atende-se sobretudo a outros elementos probatórios que constam do processo arbitral. Há, ainda assim, alguns pontos que ficaram relativamente claros:
a) As Á..., SA, nas peças submetidas a concurso desta empreitada de conceção-construção, não tomaram posição quanto à necessidade de fundações diretas ou indiretas, pelo que a opção por fundações diretas era admissível, desde que respeitasse os parâmetros vinculativos do caderno de encargos. Isso mesmo resulta de forma inequívoca do Relatório Final de Apreciação das Propostas de março de 2019;
b) A opção da ACA por fundações diretas foi, em larga medida, adotada por razões económicas, pois, à primeira vista, é uma solução mais económica.
Da mesma forma, não é controverso que, para efeitos de dimensionamento das fundações, em esclarecimentos prestados pelo Dono da obra, a cota máxima de cheia estabelecida foi de 17.8. Isso mesmo resulta expressamente da resposta ao esclarecimento n.° 23 solicitado por outro concorrente na fase anterior à apresentação das propostas. Para este efeito, não releva o facto de ser uma cota muito exigente, muito superior à prevista no PDM de …, não atingida há muito (uma "cota milenar"), pois o Dono da obra é livre de estabelecer, nas peças do procedimento, parâmetros particularmente exigentes.
Questão diversa é a de saber se, para este efeito, o empreiteiro teria de projetar uma solução capaz de resistir a uma situação em que o tanque estivesse vazio. Seguramente, esse foi o entendimento acolhido mais tarde pelos Revisores do Projeto de Execução da Empreitada de Remodelação da ETAR ..., quando escrevem que, "sendo uma ação acidental entende-se que pode ocorrer em qualquer situação, ou seja com os órgãos em funcionamento normal ou em manutenção, sendo que não se pode prever a sua ocorrência em Manual de Manutenção. Solicita-se que o projetista apresente o dimensionamento para o estado limite de nível máximo de cheia (cota 17.80, conforme confirmado em sede de resposta a Erros e Omissões) e órgãos vazios". Mas, mesmo na fase de apresentação do projeto, deve entender-se que esse era o entendimento correto. Por um lado, não sendo antecipável em que momento ocorrerá a cheia, e podendo a ETAR estar em manutenção, não pode ser excluído que, num worst cenário, a cheia ocorra num momento em que os órgãos estejam vazios. Por outro lado, numa situação em que os órgãos estejam vazios, há um risco agravado, de acordo com o Princípio de Arquimedes, de a força de impulsão resultante das águas das cheias arraste os órgãos da ETAR. Controvertida, por último, foi a questão de saber como se deve interpretar a resposta ao esclarecimento 24 prestada ainda em fase prévia à apresentação das propostas.
a) Recorde-se, antes de mais, o que foi escrito: Pergunta: "Caso a cota máxima de cheia seja efetivamente 17.8, está omisso o que deve ser considerado em termos de projeto para esta situação, nomeadamente: a ETAR terá de garantir o normal funcionamento? a ETAR não tem que estar em normal funcionamento mas os motores e QE devem estar implantados a uma cota que garanta a sua proteção nesta situação de cota máxima? a ETAR estará em by-pass total e a descarga será feita obrigatoriamente com recurso à EE de emergência? Á..., SA: Omissão ACEITE. Assim: Em caso de observância de cota máxima cheia, a ETAR não necessitará de garantir o normal funcionamento; A referida cota não condicionará as cotas de implantação de motores, quadros elétricos ou quaisquer outros equipamentos ou órgãos; A resposta à primeira questão responde igualmente à terceira".
b) A questão fundamental que importa esclarecer é a de saber se, quando se diz que a cota 17.8 "não condicionará as cotas de implantação de motores, quadros elétricos ou quaisquer outros equipamentos ou órgãos se está a incluir, com a referência a órgãos o próprio órgão em betão armado com 30m de diâmetro. Dúvida, que não permite uma resposta concludente por parte deste Tribunal. Em conformidade com esta dúvida, na resposta ao facto controverso 19), não se pode concluir que, no dia 11 de maio de 2020, o Dono da obra comunicou uma alteração que implicasse uma reformulação do projeto. Sem prejuízo de a exigência da cota nos 17,80 metros, em vez de 15,20 metros, implicar um aumento de custos das fundações, não ficou claro que esse esclarecimento correspondesse a uma alteração do Projeto.
20) Tais alterações foram comunicadas ao Consórcio em 11 de maio de 2020, com a notificação para a Consignação da obra? Provado o que consta da resposta à questão anterior.
21) Em reunião realizada em 28 de Maio de 2020, a ACA transmitiu à Suez que nessa altura estimava prejuízos na realização de trabalhos de construção civil de cerca de 2 Milhões de Euros?
Provado apenas que, antes da assinatura do Contrato de empreitada, na correspondência para as Á..., SA, a ACA alertava para a necessidade de repor o equilíbrio económico da empreitada de construção civil em cerca de 2 milhões de euros. Na relação com a SUEZ, o valor referido pela ACA era de 500 mil euros no dia 27 de março de 2019, de 1,6 milhões de euros no dia 28 de junho de 2019 e, finalmente, de 2 milhões de euros a partir de 9 de julho de 2019.
22) Os prejuízos alegados pela ACA resultavam de erros de orçamentação, da variação de custos de produção, ou da modificação do objeto contratado?
Provado o que consta da resposta ao facto controverso n.° 13) e ainda que a ACA sustenta que a causa dos prejuízos resultava do aumento do custo da mão-de-obra, associado às soluções construtivas impostas pelo Dono da obra, quer quanto à profundidade a que teriam de chegar as fundações diretas, como à imposição de os revestimentos serem em chapa termoplástica.
Atenta a prova coligida nos autos, ficou provado que:
a) O preço estipulado no Contrato de empreitada (para as duas especialidades) foi de € 12.350.000,00;
b) A percentagem da ACA no Consórcio era de 39,68%;
c) A parcela do preço da empreitada referente aos trabalhos de construção civil era de cerca de cinco milhões de euros (€ 4.888.130,00), correspondente a 39,68% de € 12.350.000,00;
d) Os custos de mão-de-obra representavam 40% do preço dos trabalhos de construção civil, uma vez que:
(i) 40% é a percentagem correspondente aos custos de mão-de-obra assumida na fórmula de revisão de preços dos trabalhos de construção civil constante do Caderno de Encargos;
(ii) A ACA e a SUEZ confirmaram, na sua proposta conjunta, que a mão-de-obra representava 40% do preço dos trabalhos de construção civil;
(iii) O Eng.° CC confirmou a percentagem desta ordem de grandeza no seu depoimento (cf. pág. 759 das transcrições).
e) O valor da mão-de-obra considerado na proposta da ACA de maio de 2018 foi cerca de 2 milhões de euros, correspondente a 40% (peso da mão-de-obra) de cinco milhões de euros (preço dos trabalhos de construção civil). Também ficou provado que a ACA invocou os seguintes valores emergentes do aumento exponencial e inesperado dos custos da mão-de-obra:
a) Em 27 de março de 2019-500 mil euros;
b) Em 28 de junho de 2019 - 1,6 milhões de euros;
c) Em 9 de julho de 2019 - 2 milhões de euros. Apesar de os depoimentos prestados por CC, AA e DD, convergirem no sentido de se ter verificado um aumento muito significativo do custo da mão-de-obra entre a data da apresentação da proposta e a data da celebração do contrato, o documento junto pela ACA com vista a demonstrar o "aumento exponencial dos custos de construção civil" (artigo 103° da Contestação) - o Relatório designado por "O Setor da Construção em Portugal -2019", emitido pelo IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção - não indicia a mesma realidade. Com efeito, deste Relatório deduz-se que o aumento médio da mão-de-obra no período em questão terá rondado os 0,8%, podendo ser superior no caso de trabalhadores especializados.
Deste modo, pode dar-se como provado que, desde a data da apresentação da proposta (em 10 de maio de 2018 [cf. facto assente V]) até à data da celebração do contrato (em 11 de julho de 2019 [cfr. facto assente XI]), parcialmente, os prejuízos invocados pela ACA devem-se a um aumento e inesperado dos custos da mão-de-obra. Ainda que, como referido, o aumento em questão não tenha sido significativo.
Não ficou provado que os prejuízos alegados pela ACA resultavam da modificação do objeto contratado, por não se ter provado que o Dono da obra tivesse introduzido modificações na obra, conforme resposta aos factos 5) e 19).
23) Em que medida cada um dos fatores referidos determinou os prejuízos invocados pela ACA? Provado o que consta da resposta à questão anterior.
24) As duas consorciadas, pese embora as rejeitadas pretensões de reequilíbrio financeiro da ACA, continuavam a negociar tendo em vista a realização da empreitada, nomeadamente realizando reuniões de produção de obra? Provado por acordo. Ficou provado que as duas Consorciadas continuaram a negociar tendo em vista a realização da empreitada até, pelo menos, ao indeferimento pelo Dono da obra, no dia 3 de abril de 2020, da pretensão de reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de empreitada.
Resulta também que, depois dessa data:
a) em 13 de abril, teve lugar uma reunião de produção;
b) em 24 de abril, as Consorciadas entregaram o Plano de Segurança e Saúde;
c) em 27 de abril, o Consórcio apresentou o pedido de aprovação de equipamentos, bem como o novo Projeto de Execução, tendo ainda respondido ao parecer de Análise do Projeto de Execução;
d) em 6 de maio de 2020 houve uma nova reunião de produção.
Como reconheceu a Demandada, as partes continuaram a negociar "até ao momento em que a ACA percebeu que a Suez não iria apoiá-la na reclamação dos sobrecustos, designadamente através da inviabilização do envio da carta de resposta à comunicação de 03/04/2020, que negava a pretensão do reequilíbrio financeiro, tal como já evidenciado na resposta ao FC15), e depois ao não acompanhá-la na reserva ao auto de consignação face à alteração introduzida na comunicação por aquele ".
25) O auto de consignação da empreitada tinha um teor diferente do da minuta que acompanhou a convocatória do ato? Qual a relevância dessa diferença?
Provado que a minuta do auto que acompanhou a convocatória do ato tinha uma redação diferente da que tinha sido enviada por email de 11 de maio de 2020 e bem ainda que a minuta que foi assinada tinha um teor igual a esta última. Provado ainda que tal diferença não teve qualquer relevância. No artigo 357.° da Contestação, a ACA reconheceu que "Face à não aceitação de tal minuta por parte do Consórcio, a, AdCL retirou esse documento.”
26) A Suez tentou impedir que a ACA se desvinculasse do compromisso de realizar a empreitada e, concomitantemente, honrasse o acordo assumido no âmbito do consórcio?
Provado apenas que a Suez tentou impedir que a ACA se desvinculasse do compromisso de realizar a empreitada. Mas importa esclarecer que: Quanto ao período anterior ao indeferimento pelo Dono da obra, no dia 3 de abril de 2020, da pretensão da ACA à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de empreitada, remete-se para as respostas aos factos controversos 6) e 7); Depois de 3 de abril de 2020, as duas Consorciadas continuaram a negociar tendo em vista a realização da empreitada, como resulta da resposta ao facto controverso 24);
Depois de 14 de maio de 2020, através da aposição de reserva ao Auto de Consignação, à questão foi dada na resposta ao facto controverso 9).
27) A ACA pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada sem pagamento de qualquer compensação ao Dono da obra e à outra Consorciada?
Provado. A ACA pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada sem pagamento de qualquer compensação ao Dono da obra e à SUEZ, como resulta da carta da ACA à SUEZ de 29 de maio de 2020, em que a ACA admitia sair do Consórcio "sem pagar qualquer quantia à SUEZ", pretendendo exonerar-se "sem qualquer pagamento", sob pena de ser ver forçada "a resolver o Contrato de Consórcio (...) com justa causa - tudo sem prejuízo da indemnização que oportunamente" será exigida à SUEZ.
Importa esclarecer que a ACA pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada mediante uma de três propostas (reposição do equilíbrio financeiro, cessão da posição contratual ou constituição de um ACE), conforme resposta ao facto controverso n.° 30.
28) O dono da obra admitiu a possibilidade de resolução amigável do contrato de empreitada? Provado. Numa reunião realizada no dia 3 de fevereiro de 2020, entre representantes das Á..., SA (Dr. EE, FF e Dr.a GG, Eng. HH e Eng. II), representantes da ACA (Eng. CC e Eng. DD) e representantes da SUEZ (Eng. BB e Dr. JJ), a advogada das Á..., SA colocou a hipótese de resolução amigável do Contrato de empreitada.
Sem que o Dono da obra tenha equacionado uma resolução do Contrato de empreitada isenta do pagamento de quaisquer contrapartidas pelo Consórcio. Na referida reunião de 3 de fevereiro, os representantes das Á..., SA alertaram para o facto de o projeto beneficiar de financiamento comunitário e também para os custos com a execução incorridos pelo Dono da obra. Ficou ainda provado que, nessa mesma reunião de 3 de fevereiro, como esclareceu o Professor EE - à data, ... das Á..., SA foi realçada a importância para o Dono da obra de se manter o Contrato de empreitada, por forma a se realizar a obra de requalificação da ETAR....
Nessa mesma reunião do dia 3 de fevereiro de 2020, foram igualmente ponderadas, a par da resolução amigável do Contrato de Empreitada, as seguintes opções: (/) a execução da obra pelo Consórcio tal como configurada inicialmente pelo Dono da obra; (ií) a cessão da posição contratual da ACA para outro empreiteiro que assumisse os trabalhos de construção civil.
A SUEZ manifestou imediatamente oposição, na reunião de 3 de fevereiro, quanto à hipótese de resolução amigável do Contrato de empreitada, pois a SUEZ não queria perder todos os investimentos que já fizera no projeto e na obra, bem como os valores destinados ao pagamento da estrutura e os lucros esperados.
Na sequência dessa reunião, a SUEZ transmitiu à ACA, através de e-mail enviado em 7 de fevereiro de 2020, a sua intenção de estabelecer contactos com outras empresas que pudessem estar interessadas em substituir a ACA nas atividades da sua especialidade, solicitando para esse efeito a autorização da ACA.
Por sua vez, a ACA transmitiu, através de e-mail dirigido à SUEZ, em 11 de fevereiro de 2020, que, caso fosse reposto o equilíbrio económico-financeiro do contrato pela AdCL, "a ACA [estava] na disposição de executar a empreitada fazendo alusão a uma anterior proposta sua de se constituir um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE SUEZ/ACA), para a execução da obra, apenas admitindo, subsidiariamente, a possibilidade de se proceder à resolução do Contrato de Empreitada - e, ainda assim, só se fosse compensada pelos custos de projeto já despendidos - se não fosse resposto o equilíbrio económico-financeiro do contrato pela AdCL ou se não fosse possível constituir o ACE com a SUEZ.
Posteriormente, a SUEZ transmitiu à ACA, no dia 19 de fevereiro de 2020, que não estava disponível para constituir um ACE nem para executar a empreitada em termos e condições diferentes daquelas que já haviam sido previamente assumidas pelas Partes. Na ausência de resposta da ACA, a SUEZ enviou-lhe nova comunicação no dia 28 de fevereiro de 2020, através da qual registou que entendia o silêncio da ACA como revelando a sua intenção de manter e executar o contrato de empreitada, nos termos celebrados e em conformidade com os compromissos assumidos. Nesse mesmo dia 28 de fevereiro de 2020, a ACA respondeu por carta, através da qual manifestou, entre outros aspetos e considerações tecidas a respeito dos factos ocorridos, a sua intenção de cumprir o prazo contratual para a entrega do novo Projeto de Execução, corrigido conforme instruções do Dono da Obra, e de reclamar todos os prejuízos decorrentes dessa situação.
A SUEZ respondeu no dia 5 de março de 2020, registando, entre outros aspetos, que admitia que o Contrato de empreitada fosse resolvido, desde que a sua posição fosse salvaguardada no plano indemnizatório, tendo sublinhado que a ACA ainda não havia formulado qualquer proposta nesse sentido, e manifestando também a sua satisfação da intenção transmitida pela ACA de cumprir os compromissos assumidos com a SUEZ e de honrar as obrigações que resultavam do Contrato de empreitada. Daí em diante, as Partes foram trocando vária correspondência, entre si e também com as Á..., SA, sobre os prejuízos alegados pela ACA e a propósito da pretensão desta em obter a reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato, até ao dia 11 de maio de 2020, data em que a AdCL remeteu à SUEZ e à ACA um e-mail contendo vários anexos, entre os quais constava a carta com a referência CE_538/2020, através da qual o Dono da obra convocou as Consorciadas para o ato de Consignação da empreitada, a realizar no dia 14 de maio de 2020, que a ACA assinou com reserva.
29) Por que vias a Suez transmitiu à AC A o seu especial interesse em executar o contrato de empreitada? Provado, como resulta das respostas aos factos controversos 6), 7) e 26), que a SUEZ sempre revelou perante a ACA, desde os primeiros contactos com esta empresa, a importância estratégica da empreitada e a importância de a executar. A SUEZ transmitiu à ACA o seu especial interesse em executar o contrato de empreitada através das seguintes comunicações:
Carta de 10 de julho de 2019 que constitui o documento n.° 18 junto com a petição inicial;
Carta de 19 de fevereiro de 2020 que constitui o documento n.° 34 junto com a petição inicial;
Carta de 5 de março de 2020 que constitui o documento n.° 37 junto com a petição inicial;
Carta de 13 de maio de 2020 que constitui o documento n.° 48 junto com a petição inicial;
Carta de 13 de março de 2020 que constitui o documento n.° 50 junto com a petição inicial
30) Que propostas foram apresentadas pela ACA à Suez, tendo em vista a execução do contrato? Provado que a AC A fez à SUEZ, com vista à execução do contrato, as seguintes propostas: Reposição do equilíbrio do contrato; Cessão da posição contratual; Constituição de um ACE.
31) Na comunicação do Dono da obra de 1 de setembro de 2020, em que manifestou a ambas as Consorciadas a intenção de proceder à resolução sancionatória do contrato de empreitada, foi referido que essa intenção era fundada em factos da responsabilidade da ACA, que face ao regime de responsabilidade solidária se traduziu em incumprimento definitivo imputável ao consórcio empreiteiro?
Provado. Da comunicação do Dono da obra, de 1 de setembro de 2020 consta: "o caráter abusivo da reserva exarada pela ACA" no auto de consignação e que, "não obstante a vontade de prossecução contratual expressa pela SUEZ na sua comunicação de 18/05/2020, a conduta da ACA consubstancia um grave incumprimento contratual que se reflete no consórcio, pois os direitos e as obrigações contratuais radicam em ambas as Consorciadas, exigindo a intervenção e a prestação concertada das duas, e traduzindo- se assim a recusa em cumprir por parte da ACA numa impossibilidade de execução contratual, logo, num grave incumprimento global do contrato de empreitada.
32) A Suez admitiu pagar diretamente o valor da caução de boa execução para evitar os danos de imagem e as repercussões no mercado que o seu acionamento pelo Dono da obra causaria?
Provado. Da carta de 16 de setembro de 2020, dirigida pela SUEZ às Á..., SA, depois de afirmar que, "no que respeita à execução das cauções prestadas em garantia da boa execução contratual, a SUEZ reitera o entendimento de que apenas a garantia bancária prestada pela ACA deverá ser acionada, face à evidente responsabilidade dessa Empresa pelos factos ocorridos, que determinaram a intenção de resolução sancionatória do contrato", consta que, "na eventualidade de (Á..., SA) manterem o entendimento de que as garantias bancárias devem ser executadas na proporção de 50% dos prejuízos apurados relativamente a cada uma das garantias, a SUEZ, exclusivamente para evitar os encargos acrescidos associados ao acionamento da garantia bancária, a correspondente comunicação ao Banco de Portugal, e os danos de imagem e as repercussões no mercado que decorrem desse acionamento, e sem que desse ato se possa inferir qualquer assunção de responsabilidade, desde já se manifesta disponível para efetuar o pagamento espontâneo da quantia de 95.000 €.
33) Quais os prejuízos suportados pela Demandante (Suez) em consequência da resolução do contrato de empreitada invocada pelo dono da obra?
A questão de saber se os custos e despesas incorridas e invocadas pela SUEZ constituem prejuízos ou danos indemnizáveis, imputáveis (ou não) à conduta da ACA, consubstancia uma questão de Direito, que será devidamente apreciada e decidida infra. Não obstante, foi produzida nos autos prova, a que importa atender, quanto à tipologia desses custos e despesas e quanto à sua expressão económica.
A SUEZ suportou o custo de € 7.449,54, correspondente à parcela que lhe incumbia suportar (de 60,32%) do encargo de € 12.350,00, inerente ao visto do Tribunal de Contas. A SUEZ prestou uma garantia bancária on first demand à AdCL, para caucionar a boa execução das obrigações emergentes do Contrato de Empreitada, no valor de € 372.500,00 e que a SUEZ suportou encargos com a emissão e manutenção dessa garantia bancária, que, até à data de entrada da Petição inicial, correspondiam a € 5.062,27. A AdCL comunicou às Consorciadas, através de carta datada de 21 de outubro de 2020, que "se enviou carta ao Banco BIC Português, S.A. solicitando a execução da garantia bancária prestada pela ACA, pelo montante de 95.000,00 €, mantendo-se a mesma em vigor pelo valor remanescente incorrendo, pois, as Partes em encargos com a manutenção dessa garantia bancária, até à sua integral liberação pela AdCL.
Consta do item DOl da Lista de Preços Unitários - Fornecimentos Diversos proposta pelo Consórcio que o preço unitário e global devido ao Consórcio pela "Revisão da Solução Base e elaboração do Projeto de Execução" era de € 325.000,00 e, por outro, que o Consórcio efetuou a revisão do Projeto Base, nos termos previstos na Cláusula 55.1.1., alínea a) do Caderno de Encargos.
A ACA propôs o valor de € 90.000,00 para a realização da "Revisão da Solução Base e elaboração do Projeto Base" e que caberia à SUEZ despender o montante de € 235.000,00 pela realização dessa prestação. Resulta ainda dos autos, que:
(i) Com a elaboração da revisão do Projeto Base e elaboração do Projeto de Execução (até 20 de janeiro de 2020), foram consumidos pela SUEZ 266 dias de trabalho, tendo sido imputados pelos seus trabalhadores 153 dias de trabalho de engenharia e 113 dias de trabalho de desenhos;
(ii) Devido à rejeição dos projetos pela AdCL, a SUEZ teve de reformular o Projeto de Execução, tendo despendido (entre 20 de janeiro de 2020 e 17 de março de 2020) 79 dias de trabalho;
(iii) O tempo de trabalho despendido com a reformulação do Projeto de Execução correspondeu a cerca de 30% (79 dias/266 dias) do tempo despendido com a revisão do Projeto Base e elaboração do primeiro Projeto de Execução;
(iv) A SUEZ considerou apenas uma afetação correspondente a 20% do trabalho despendido com a revisão do Projeto Base e com a elaboração do primeiro Projeto de Execução;
(v) A SUEZ suportou encargos acrescidos com a elaboração do Projeto de Execução, após a AdCL ter exigido a respetiva reformulação, no valor de € 47.000,00, correspondente a 20% do preço contratual - isto é, 20% do preço unitário (€ 235.000,00) previsto pela revisão do Projeto Base e pela elaboração do primeiro Projeto de Execução.
O Consórcio Empreiteiro elaborou e apresentou o Plano de Segurança e Saúde, nos termos previstos na cláusula 53.1.3 alínea a) e 55.1.1, alínea e) das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos e que, devido à resolução do Contrato de Empreitada por parte da AdCL, as Consorciadas não puderam faturar e receber o preço correspondente à elaboração do Plano de Segurança e Saúde, no valor total de € 12.500,00, correspondente ao item D05 da Lista de Preços Unitários - Fornecimentos Diversos. A ACA tinha proposto à SUEZ o valor de € 7.500,00 pela realização das prestações inerentes ao item D05 da Lista de Preços Unitários proposta pelo Consórcio - elaboração do Plano de Segurança e Saúde e Plano de Gestão Ambiental em Obra. Assim, o valor que cabia à SUEZ neste âmbito, pela realização dessa prestação contratual, resultava da diferença entre o preço unitário constante da proposta do Consórcio (€ 12.500,00) e o valor proposto pela ACA (€ 7.500,00), o que correspondia a € 5000,00. A SUEZ pagou à AdCL o montante de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), em consequência da resolução do Contrato de empreitada pelo Dono da obra, para evitar o acionamento da Garantia Bancária.
A SUEZ diluiu, no preço proposto para os trabalhos da sua responsabilidade (€ 7.450.000,00), um valor equivalente a uma percentagem de 9,21% dos seus custos com a estrutura, e, portanto, diluiu o montante de € 663.320,00.
A margem de lucro considerada pela SUEZ para esta empreitada de conceção-construção foi de 5%, sendo que a Margem Industrial Bruta (conjugação dos encargos de estrutura com os lucros cessantes ou margem) incorporada no preço proposto para os trabalhos de responsabilidade da SUEZ foi de 14,2% (9,2% de estrutura e 5% de lucros cessantes).
Encargo inerente ao visto do Tribunal de Contas | 7.449,54 6 |
Custos financeiros associados às garantias bancárias | 5.062,27 € |
Remuneração da revisão do projeto base e elaboração do projeto de execução (parcela que cabe à SUEZ) | 235.000,00 € |
Revisão do projeto de execução devido à aprovação tácita da Revisão do Projeto Base | 47.000,00 € |
Remuneração do Plano de Segurança e Saúde e do Plano de Gestão Ambiental da Obra (parcela que cabe à SUEZ) | 5.000,00€ |
Indemnização paga à AdCL em consequência da resolução do Contrato de Empreitada | 95.000,00 € |
Custos de Estrutura (correspondente a 9,2% dos custos apurados) | 663.320,00 € |
Lucros Cessantes (correspondente a 5% dos custos Apurados) | 360.500,00 € |
TOTAL | 1.418.331,81€ |
34) Que valores a Suez pagou ao Dono da obra em consequência da resolução do contrato de empreitada?
Provado que a SUEZ pagou ao Dono da obra a quantia de € 95.000 em virtude do acionamento da garantia bancária subsequentemente à resolução do contrato.
35) Quais os prejuízos suportados pela Demandada (ACA) em consequência das negociações para a execução da empreitada e da extinção do contrato de empreitada?
A questão de saber se os custos e despesas incorridas e invocadas pela ACA constituem prejuízos ou danos indemnizáveis, imputáveis (ou não) à conduta da SUEZ, consubstancia uma questão de Direito, que será devidamente apreciada e decidida infra. Não obstante, foi produzida nos autos prova, a que importa atender, quanto à tipologia dos custos e despesas incorridos pela ACA e quanto à sua expressão económica.
A ACA estimou ter tido um custo de € 33.000,00 com o desenvolvimento do projeto base, "em formato de risco e a ser pago em caso de sucesso" e de € 14.549,24 com os vencimentos dos técnicos de orçamentação, de apoio administrativo, de coordenação e de apoio comercial, considerando uma afetação de 75%, 5%, 10% e 25%, respetivamente. A ACA incorreu em custos com a emissão e manutenção da garantia bancária. No entanto, atento, por um lado, o valor pedido feito pela ACA, inserto na tabela inscrita no artigo 741da Contestação (€ 5.542,22) e, por outro, o valor global inscrito na página 1 do Doe. n.° 27 junto com a contestação (€ 7.940,41) e os valores desagregados referentes à garantia bancária prestada, não foi possível esclarecer a concreta expressão dos custos incorridos pela ACA com a emissão e manutenção da garantia bancária. A ACA incorreu no custo de € 95.000,00 com a execução da garantia bancária n.° 101/2019-P pela AdCL, em 21.10.2020.
Como consequência do acionamento da garantia bancária por parte da AdCL, a ACA invoca que sofreu danos reputacionais e de imagem, que afetaram a credibilidade e a imagem da empresa, junto da Banca e do Setor Financeiro, e junto da AdCL e do Grupo Águas de Portugal, que estima no montante de € 100.000,00. Em relação à quantia reclamada a título de danos não patrimoniais, nenhuma prova foi feita. A ACA poderá ter incorrido em custos com a revisão e reformulação do Projeto Base, pela afetação dos seus técnicos à obra e pelo apoio jurídico, que estima no montante de € 175.500,00, segundo quadro:
CUSTO | |||
ACA | meses | valor mensal | custo |
Director de Obra | 7 | 6 500,00 € | 45 500,00 € |
Tec. Segurança | 1 | 4 000,00 € | 4 000,00 € |
Prepa rador | 2 | 3 000,00 € | 6 000,00 € |
Tec. Qualidade | 1 | 4 000,00 € | 4 000,00 € |
Total ACA | 59 500,00 € | ||
PPSEC - Desenvolvimento de Projetos | 96 000,00 € | ||
Apoio Jurídico | 20 000,00 € | ||
TOTAL | 175 500,00 € |
A ACA suportou o custo com os serviços prestados pela empresa "P.P...Lda, relativos à elaboração do projeto de construção civil, no valor de € 27.300,00 quadro, como despesas tidas com apoio jurídico (€ 20.000,00) e as faturas juntas sob Doe. n.° 30 com a contestação, que perfazem o montante total de € 24.421,88.
A ACA suportou o custo com os serviços prestados pela empresa "P.P...Lda, relativos à elaboração do projeto de construção civil, no valor de € 27.300,00.
36) Qual o montante do prejuízo em que incorreria a ACA se viesse a executar a empreitada, nos termos do projeto?
Provado que a ACA invocou que os prejuízos na eventualidade de vir a executar a obra poderiam rondar os € 2.000.000.
Tal como referido em resposta ao facto controverso n.° 22), a ACA invocou os seguintes prejuízos:
a) Em 27 de março de 2019 - 500 mil euros;
b) Em 28 de junho de 2019 - 1,6 milhões de euros;
c) Em 9 de julho de 2019 - 2 milhões de euros;
d) Em 2 de agosto de 2020 - € 3,1 milhões de euros (cf. Facto assente XLIV).
Como já se antecipou nas respostas aos factos controversos n.os 13) e 22), não ficou provado que se tenha verificado um aumento exponencial do custo da mão-de-obra, durante o período que mediou entre a apresentação da proposta e celebração do contrato. De igual forma, também não ficou provado que os prejuízos alegados pela ACA resultaram da modificação do objeto contratado, uma vez que não ficou provado que o Dono da obra tivesse introduzido tais modificações. Desde logo, porque, como indicado em resposta aos factos controversos n.os 5) e 22), não ficou provado que as Á..., SA tenham formalmente introduzido alterações às soluções do projeto base, que tenham implicado prejuízos na componente de construção civil. Com efeito, quanto à exigência relativa à quota de cheia e aos seus efeitos nos custos da execução do projeto pela necessidade de adoção de fundações indiretas - que, segundo a ACA, representariam um custo (rectius: um prejuízo) entre € 500.000,00 a € 1.000.000,00 já se concluiu, na resposta aos factos controversos n.os 19) e 22), que o Dono da obra não comunicou verdadeiramente uma alteração, tendo feito unicamente um esclarecimento com um potencial impacto na obra.
E, por último, como decorre da resposta ao facto controverso n.° 8), as Á..., SA acabaram por recusar as soluções de projeto alternativas propostas pelo Consórcio, com as respetivas justificações técnicas, por considerarem que elas violavam os parâmetros vinculativos do caderno de encargos e os termos da proposta adjudicada. Ainda assim, admite-se que a ACA pudesse incorrer em custos acrescidos resultantes das três situações mencionadas, razão pela qual a SUEZ, por um lado, não conseguiu encontrar uma empresa de construção civil que substituísse a ACA, pelos preços da proposta, tal como resulta do facto provado XLIV e, por outro, prontificou-se a suportar prejuízos da ACA até € 300.000.
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Parte II – O Direito
1) Na presente acção declarativa é pedida a anulação do acórdão arbitral que decidiu o diferendo entre a autora, ora recorrente, e a ré, ora recorrida, acerca da responsabilidade civil decorrente de um Contrato de Consórcio constituído para a execução de um contrato de empreitada de construção de uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) sita ... e em que o dono da obra era a “Á..., SA, SA”.
Está em causa no presente recurso o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou a acção de anulação de sentença arbitral interposta pela demandada ACA improcedente, não reconhecendo as nulidades da sentença arbitral invocadas pela autora.
2) Sobre a impugnação da sentença arbitral rege, no essencial, o artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária, segundo o qual a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, salvo se – o que não vem ao caso – as partes subscritoras da convenção de arbitragem tiverem expressamente acordado a possibilidade de recurso sobre o “fundo da causa” e desde que a decisão não se funde na equidade ou em acordo amigável, ao abrigo do artigo 39.º n.º 4 da Lei de Arbitragem Voluntária.
Por sua vez o n.º 3 do mencionado artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária estabelece de forma aparentemente taxativa 2 as causas de anulação da sentença arbitral, relevando para o caso presente o disposto no n.º 3) a) iii) – pronunciar-se a sentença arbitral sobre litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou que ultrapasse o seu âmbito – e vi) (este em conjugação com o artigo 42.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária) – carecer a sentença arbitral de fundamentação – e o n.º 3 b) ii) – ofender o conteúdo da sentença princípios de ordem pública internacional – todos da Lei de Arbitragem Voluntária.
Vejamos com algum detalhe se ocorrem os fundamentos de anulação da sentença invocados pela autora ora recorrente (os do artigo 46.º n.º 3 a) da Lei de Arbitragem Voluntária) e se o acórdão arbitral ofende princípios de ordem pública internacional do Estado Português (artigo 46.º n.º 3 b) ii) da Lei de Arbitragem Voluntária).
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A) Da anulação do acórdão arbitral por pronúncia sobre litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou excedendo o seu âmbito
3) A autora, ora recorrente, defende na acção e nas alegações de recurso, que a convenção de arbitragem abrangia apenas os litígios decorrentes da execução do contrato de consórcio celebrado entre as partes, não podendo ser interpretada no sentido de nela se abranger a sua eventual responsabilidade perante a ora recorrida derivada da não execução do contrato de empreitada celebrado com terceiro pelo consórcio constituído pelas partes.
Assim, tendo o acórdão do Tribunal Arbitral decidido condenar a ora recorrente no pagamento de indemnização decorrente do incumprimento do contrato de empreitada celebrado pelo consórcio com terceiro, deve a decisão proferida ser anulada pelo Tribunal estadual nos termos do artigo 46.º n.º 3 iii) da Lei de Arbitragem Voluntária.
4) A apreciação deste fundamento da anulação do acórdão arbitral está, de alguma forma relacionada com a questão suscitada no articulado de resposta da recorrida às alegações de recurso, traduzida na “caducidade do direito” a impugnar a decisão interlocutória do tribunal arbitral sobre a sua própria competência, após o decurso do prazo de trinta dias sobre a sua notificação às partes.
O preceito em que se funda a colocação de tal questão é o artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária, segundo o qual “a decisão interlocutória pela qual o Tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º (…)”.
5) Consta do “Despacho Saneador e Guião de prova” elaborado pelo Tribunal arbitral sobre a questão da respectiva – e questionada – competência o seguinte:
“Na contestação, a Demandada apresentou defesa por exceção, invocando a incompetência do Tribunal arbitral, que este Tribunal ponderou e respondeu, transcrevendo-se a deliberação.
Na medida em que a Demandante funda o seu pedido tanto no incumprimento do contrato de consórcio – ajustado entre SUEZ e ACA – como no contrato de empreitada, em que era Dono da obra Á..., SA, SA, e esta última relação jurídica vai ser apreciada pelo competente Tribunal administrativo, a Demandada entende que o Tribunal arbitral não se pode pronunciar relativamente ao valor peticionado pela SUEZ no que respeita aos prejuízos incorridos pelo incumprimento do contrato de empreitada, de que considera a ACA responsável; ou seja, o Tribunal arbitral seria materialmente incompetente para se pronunciar sobre a designada segunda causa de pedir (resolução do contrato de empreitada e correspondentes danos).
Sem prejuízo de a apreciação a fazer pelo Tribunal administrativo, no que respeita à responsabilidade e consequências do não cumprimento do contrato de empreitada, poder não coincidir com a que vier a ser feita pelo Tribunal arbitral, não há litispendência, por faltar a coincidência entre as partes, a causa de pedir e o objeto dos pedidos. Por outro lado, se o Tribunal arbitral decidisse suspender o processo arbitral aguardando pela decisão, com trânsito em julgado, do Tribunal administrativo, ficaria precludida uma das finalidades da arbitragem, a celeridade, obstando inclusive ao acordo das partes, transposto para a ata de instalação, de o processo arbitral terminar no prazo de um ano.
Neste contexto, a Demandada, quanto à apreciação da extinção do contrato de empreitada, a decidir pelo Tribunal administrativo, considera tratar-se de uma questão prejudicial quanto à apreciação de parte do pedido da Demandante. Contudo, a situação indicada não consubstancia uma questão prejudicial, pois, independentemente da decisão que vier a ser tomada no Tribunal administrativo, a ponderação a fazer em sede arbitral quanto ao prejuízo e aos fundamentos invocados pela SUEZ assenta em parâmetros diversos.
Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.”
6) O artigo 18.º n.º 1 da Lei de Arbitragem Voluntária atribui ao Tribunal Arbitral o poder de decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a aplicabilidade da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insere, podendo tal pronúncia ter lugar em decisão interlocutória ou na sentença sobre o fundo da causa.
Quando a decisão tomada seja interlocutória pode a parte discordante impugná-la perante o tribunal estadual competente no prazo de trinta dias após a sua notificação às partes (artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária), sem embargo de o processo arbitral poder prosseguir seus termos até final nos termos do artigo 18.º n.º 10 da Lei de Arbitragem Voluntária.
7) O Tribunal Arbitral foi claro ao esclarecer as partes que a apreciação do litígio sobre o eventual incumprimento do contrato de consórcio implicava a análise de matéria de facto conexa com o incumprimento do contrato de empreitada.
Tendo as partes sido notificadas da decisão interlocutória do Tribunal arbitral de considerar indispensável à apreciação do litígio surgido entre os membros do consórcio subscritores da convenção de arbitragem a ponderação da responsabilidade civil contratual decorrente do não cumprimento do contrato de empreitada celebrado pelo consócio com terceiro, nenhuma delas impugnou a decisão no que toca à abrangência assim definida da competência do Tribunal arbitral que era permitida pelo citado artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária, prosseguindo o processo arbitral a sua tramitação até final.
8) Não tem tido resposta unânime na doutrina a dúvida sobre o efeito preclusivo do não exercício do direito à impugnação da decisão interlocutória em que o Tribunal arbitral se pronuncie sobre a sua própria competência.
Contra o entendimento diversas vezes defendido por António Sampaio Caramelo de modo veemente, António Menezes Cordeiro 3 – e outros processualistas – defende que a impugnação interlocutória é facultativa e que quando não seja utilizada se mantém intacta a possibilidade de o fazer no fim do processo através de um pedido de anulação da decisão arbitral.
Porém, não são apresentadas pelos defensores de tal entendimento – que conduz ao completo esvaziamento da norma em causa – razões suficientemente convincentes.
Justificar-se-ia tal entendimento, no essencial, pela gravidade que representa a preclusão do direito que a lei não afirma expressamente e de o não reconhecimento interlocutório da incompetência poder ser corrigido até à prolação da sentença sobre o fundo da causa, podendo os fundamentos da incompetência ficar mais claros ao longo do processo que prosseguirá os seus termos.
9) A questão do controlo imediato pelo tribunal estadual competente da competência declarada pelo Tribunal arbitral em decisão interlocutória foi equacionada durante os trabalhos preparatórios da Lei de Arbitragem Voluntária, vindo o artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária a consagrar a possibilidade da sua imediata sujeição à impugnação perante o tribunal estadual, ainda que o processo arbitral possa prosseguir até final, salvo se os árbitros entenderem conveniente a sua suspensão.
Esta solução permite conciliar a vantagem da celeridade na definição / aferição da competência do tribunal arbitral com a ponderação dos custos do seu prosseguimento, sem comprometer minimamente o exercício pelas partes do direito ao recurso com fundamento na violação da convenção de arbitragem (artigo 46.º n.º 3 a) iii) da Lei de Arbitragem Voluntária).
10) O campo de aplicação do artigo 46.º n.º 3 a) iii) e do artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária não é coincidente.
Se for proferida decisão interlocutória que tenha por objecto a definição da competência do tribunal arbitral suscitada por uma das partes nos termos do artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária, essa decisão é imediatamente impugnável perante o tribunal estadual competente, no prazo de trinta dias sobre a notificação das partes.
Se os fundamentos de anulação da sentença arbitral previstos no artigo 46.º n.º 3 a) i) e iii) da Lei de Arbitragem Voluntária não tiverem sido objecto de decisão interlocutória ou só se evidenciarem com a sentença sobre o fundo da causa podem as partes pedir ao tribunal estadual competente a anulação da sentença.
11) Não se vê, por outro lado, que a natureza voluntária da arbitragem justifique a não produção de quaisquer efeitos da decisão interlocutória do tribunal arbitral sobre a sua competência, tornando inócua a não impugnação da decisão arbitral interlocutória no prazo para tanto concedido.
O que parece exceder os limites de uma conduta processual pautada pela lisura da conduta processual e pela boa-fé é permitir que, apesar de a lei estabelecer um prazo para impugnação da decisão interlocutória sobre a declarada competência do Tribunal arbitral a parte aguarde que o tribunal – que considera incompetente para o julgamento – profira a decisão para, em função do que for decidido, optar – ou não – por pedir a anulação da sentença arbitral.
12) Apesar do debate doutrinal sobre o momento em que a parte interessada pode impugnar perante o Tribunal estadual a decisão interlocutória em que o Tribunal Arbitral afirma a sua competência para conhecer do litígio, somos a entender que o prazo fixado no artigo 18.º n.º 9 da Lei de Arbitragem Voluntária é preclusivo do direito de a impugnar decorrido que seja o prazo ali previsto, impendendo desde logo sobre a parte discordante um ónus de impugnação da decisão no prazo de 30 dias.
Decorrido que seja tal prazo sem ser impugnada, a decisão interlocutória proferida tem força de caso julgado dentro e fora do processo, inibindo a impugnação da decisão interlocutória com o mesmo fundamento em função do resultado expresso na sentença sobre o fundo da causa.
13) O acórdão recorrido, reconhecendo a evidência da justificação apresentada e a não oposição das partes à assinalada abrangência da convenção, concluiu – e bem – que as partes tinham aceite a competência do tribunal arbitral tal como expressa na decisão interlocutória.
Mas o acórdão recorrido – e com igual rigor e acerto – assinalou que o acórdão do Tribunal arbitral se tinha contido dentro dos limites da convenção de arbitragem que tinha como objecto os litígios surgidos no âmbito do contrato de consórcio, uma vez que se limitou a apreciar o incumprimento do contrato de consórcio.
São elucidativos de uma tal constatação os excertos do acórdão arbitral que se transcrevem a propósito da responsabilidade civil da ora recorrente:
“Tendo por base a petição inicial e o objecto do litígio, importa analisar a invocada responsabilidade da ACA no incumprimento dos compromissos assumidos no contrato de consórcio – com a SUEZ – e de execução da obra de construção da ETAR ... em relação às Á..., SA. Ainda que, quanto a esta última relação jurídica, não se teçam considerações de responsabilidade pelo incumprimento, por não constituir objecto desta arbitragem”.
E, a concluir: “Termos em que se considera a ACA responsável pelo incumprimento do Contrato de consórcio estabelecido com a SUEZ, responsabilidade esta partilhada, ainda que em percentagem diminuta, por haver concurso de culpa da Demandante, com as consequências indemnizatórias prescritas no artigo 570.º do Código Civil.”
14) Em conclusão, o acórdão arbitral, apesar de ter atendido a factos relativos à não execução do contrato de empreitada que justificou o contrato de consórcio, não se pronunciou sobre litígio não abrangido pela convenção de arbitragem – cujo alargamento da abrangência foi comunicado às partes e por elas aceite – nem contêm decisões que ultrapassem ilegalmente o seu âmbito, pelo que carece de fundamento o pedido de anulação do acórdão arbitral com essa causa.
O acórdão recorrido não merece nesta parte qualquer censura.
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B) Da anulação do acórdão arbitral por ausência de fundamentação
15) Defende a autora, ora recorrente, que ocorre o fundamento de anulação do acórdão arbitral previsto no artigo 46. n.º 3 a) vi) da Lei de Arbitragem Voluntária por omissão do dever de fundamentação, na medida em que “o Árbitro Presidente, por um lado, se decidiu incompetente para apreciar um litígio que, logo de seguida, apreciou a título principal e, por outro, omitiu a fundamentação relativa à questão decidenda fundamental – a dos pressupostos da responsabilidade das Partes no âmbito do Contrato de Consórcio”.
Vejamos.
É inquestionável que a sentença arbitral deve ser fundamentada não sendo ao caso aplicável qualquer das excepções previstas no artigo 42.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária.
Quando exigível o dever de fundamentação incide sobre a decisão da matéria de facto e de direito, abrangendo todas as questões controvertidas – mas não todos os argumentos aduzidos pelas partes – e tem um conteúdo mínimo variável fixado em função da necessidade de esclarecimento efectivo dos respectivos destinatários e do público em geral acerca do percurso racional do julgador e das razões que o conduziram à concreta decisão.
Tomando posição sobre questão que também tem dividido a jurisprudência e a doutrina, dir-se-á ainda que não se descortina razão atendível para aceitar que esse dever de fundamentação seja menos intenso do que o correspondente dever de fundamentação das decisões dos tribunais judiciais, sendo sempre imprescindível que a decisão assente em argumentação que a torne compreensível e que seja tão desenvolvida quanto no caso o justifique a solução das questões controvertidas.
16) No caso presente não existe qualquer contradição que torne incompreensível a decisão interlocutória sobre a competência do tribunal arbitral, como atrás já se aflorou.
O tribunal arbitral reconheceu como indispensável a apreciação do efeito do incumprimento do contrato de empreitada no contrato de consórcio, esclarecendo as razões pelas quais se tornava necessário alargar à apreciação do litígio abrangido pela arbitragem a essa matéria, o que fez nos termos comunicados às partes.
E como decorre da leitura do acórdão arbitral, não foi omitida a apreciação das questões inerentes ao litígio no âmbito do contrato de consórcio, isto é, das relações entre as partes consorciadas e dos prejuízos sofridos pela SUEZ com a desvinculação da ACA do cumprimento do contrato de empreitada.
A ora recorrente poderá não concordar com o teor da fundamentação da decisão interlocutória, com o seu resultado prático ou com o teor do acórdão arbitral.
Tal não significa que a fundamentação das decisões não exista ou seja contraditória.
Em consequência do que se dirá que improcede, também nesta parte, o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que não reconheceu haver fundamento para anulação do acórdão arbitral por ausência de fundamentação.
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C) Da anulação da sentença arbitral por ofensa de princípios de ordem pública internacional do Estado Português
17) Vejamos agora se o acórdão arbitral deve ser anulado por ofensa de princípios de ordem pública internacional do Estado Português, como, por último, vem sustentado pela recorrente.
É bem sabido que, em princípio, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual não comporta, salvo convenção em contrário, a atribuição a este da competência para se pronunciar sobre o mérito da decisão arbitral – mesmo nos casos em que a análise do teor da sentença arbitral se mostra indispensável à decisão do pedido de anulação 4.
Tal solução, aceite na grande maioria das leis nacionais reguladoras da arbitragem voluntária, assenta na presunção de que as partes, optando pela arbitragem, quiseram que a decisão final do litígio coubesse ao tribunal que escolheram e não aos tribunais estaduais 5.
Assim se compreende que a anulação da sentença arbitral por um tribunal estadual que seja requerida por uma das partes da convenção de arbitragem só possa ocorrer se a parte alegar e demonstrar os fundamentos elencados no artigo 46.º n.º 3 alínea a) da Lei de Arbitragem Voluntária e que descrevem situações conexas com a constituição do tribunal arbitral, seu funcionamento e limites do conteúdo da decisão arbitral inconciliáveis com a efectividade da vinculação formal das partes ao processo de arbitragem.
A Lei de Arbitragem Voluntária não deixou, porém, de salvaguardar a possibilidade de, mesmo oficiosamente, o tribunal estadual anular a sentença arbitral para salvaguarda de princípios ou valores fundamentais e estruturantes do ordenamento jurídico.
É esse o alcance das hipóteses de anulação da sentença arbitral elencadas no artigo 46.º n.º 3 b) da Lei de Arbitragem Voluntária:
No caso da subalínea i) precavendo a violação do princípio de que a vontade das partes na opção pela arbitragem não pode operar nos casos excepcionais em que esse meio de resolução de litígios não é consentida pelo direito interno português;
No caso da subalínea ii) impedindo que do conteúdo da sentença arbitral resulte ofensa dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português, estando esta norma em linha com a inaplicabilidade de preceitos de lei estrangeira prevista no artigo 22.º n.º 1 do Código Civil.
18) Mas, o que deve entender-se por princípios de ordem pública internacional do Estado Português cuja violação justifica a anulação da decisão arbitral?
Trata-se de um conceito relativamente indeterminado a preencher pelo intérprete e que, partindo da noção de ordem pública enquanto conjunto de normas estruturantes do ordenamento jurídico português e da ordem económica e social insusceptíveis de ser afastadas pela vontade individual, se materializam em normas ou princípios que impedem o reconhecimento da validade do direito contido em ordenamento jurídico estrangeiro.
No dizer de Menezes Cordeiro 6, a ordem pública internacional a que o preceito alude “exprime um conjunto de princípios nacionais que vedam a aceitação interna de decisões estrangeiras, por contrariedade a valores muito significativos”.
19) O que o artigo 46.º n.º 3 b) ii) da Lei de Arbitragem Voluntária sanciona é, à semelhança do que prevê o artigo 980.º f) do Código de Processo Civil para a revisão de sentenças estrangeiras, a decisão arbitral que, aplicando ao litígio sujeito à arbitragem normas de um ordenamento jurídico estrangeiro, acabe por definir o direito do caso de forma incompatível com princípios de ordem pública do Estado Português.
Daí que, em presença de uma arbitragem nacional em que foi tido em consideração apenas o direito interno, careça de sentido a invocação da ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
20) No acórdão recorrido a improcedência do pedido de anulação do acórdão arbitral com o fundamento ora em apreciação assentou na perspectiva da violação de princípios de ordem pública interna do Estado Português, nomeadamente dos de ordem material e substancial que correctamente identificou.
Tendo como certo que o tribunal podia conhecer oficiosamente da questão, vejamos se existe fundamento para anulação da sentença arbitral por ofensa de princípios de ordem pública interna do Estado Português.
21) Como se salientou no acórdão recorrido, não se trata agora de apreciar o “litígio primário” julgado pelo tribunal arbitral mas antes, e tão só, de verificar se a decisão preenche as necessárias condições de regularidade e de validade no que toca a saber se a condenação da ora recorrente no pagamento de indemnização por “custos estruturais” ofende princípios da ordem pública do Estado Português, designadamente, “os princípios da boa-fé, da proibição do enriquecimento sem causa e da proporcionalidade, bem como os corolários, que deles derivam, da proibição da atribuição de indemnização sem dano e de condenações desproporcionadas ou arbitrárias.”
22) Ressalta claramente do acórdão arbitral, na parte relativa ao apuramento da matéria de facto, que o tribunal teve por certa a ocorrência de prejuízos para a SUEZ decorrentes da recusa da ACA á execução do contrato de empreitada que tinha sido adjudicada ao consórcio, divergindo os árbitros apenas nos parâmetros do respectivo cálculo.
O acórdão arbitral preocupou-se em justificar a fixação do valor da indemnização, nomeadamente na parte relativa aos referidos custos de estrutura (ponto 33 da resposta aos factos controversos), como se salienta no acórdão recorrido, na “tentativa de obter um valor reputado de adequado à situação em apreço, analisando as várias variantes a ter em consideração na sua fixação, precisamente para evitar, usando as palavras da sentença arbitral, uma quantificação dos custos “na base de uma percentagem assenta num critério aleatório, pode conduzir à indemnização de danos que podem não ser reais” e que, além do mais, essa forma de cálculo permite proveitos perfeitamente especulativos em matéria de encargos gerais e pode conduzir a resultados que sejam muito inferiores aos encargos reais (…)”.
23) Não cabendo ao tribunal estadual apreciar nesta sede a correcção substancial do cálculo efectuado há que concluir, com o acórdão recorrido, que a condenação da agora recorrente em indemnização com base nos “custos de estrutura” não conduz a um resultado violador de qualquer princípio de ordem pública interna, nomeadamente à atribuição de uma “indemnização” sem o correspondente dano, fazendo-a corresponder a uma condenação puramente punitiva, desproporcionada e arbitrária conducente a um enriquecimento absolutamente injustificado da ora recorrida à custa da recorrente.
A condenação da ora recorrente assenta em pressupostos de responsabilidade civil reconhecidos na lei portuguesa, não podendo relevar em sede de anulação da sentença arbitral pelo competente tribunal estadual a sua discordância sobre o cálculo da indemnização fixada.
Também nesta parte soçobra a pretensão recursiva da recorrente.
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24) Resta decidir sobre a necessidade de apreciação do objecto da ampliação do recurso de revista feito pela recorrida, ou seja, sobre a natureza do prazo estabelecido no artigo 46.º n.º 6 da Lei de Arbitragem Voluntária.
A ampliação do objecto do recurso pela parte vencedora tem como finalidade única prevenir a hipótese de o tribunal de recurso acolher os fundamentos invocados em sede de recurso pela parte vencida e alterar a decisão recorrida – é esse o sentido útil do artigo 636.º n.º 1 do Código de Processo Civil - sendo certo que, enquanto parte vencedora a recorrida não tem, por definição, o estatuto de recorrente que lhe permita submeter ao tribunal a apreciação de questões de modo autónomo
Nesse contexto, confirmando o tribunal de recurso a decisão impugnada fica prejudicada, por absolutamente desnecessária, a apreciação da questão colocada pela parte vencedora (em primeira instância judicial) e ora recorrida e cuja solução não teria para ela qualquer alcance prático ou utilidade.
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25) Em conclusão, não corre qualquer dos fundamentos invocados para pedir a anulação do acórdão arbitral, não verificando este Supremo Tribunal de Justiça a ofensa pela decisão arbitral de princípios de ordem pública adoptados pelo Estado Português que tornem a decisão intolerável pela ordem jurídica portuguesa.
O recurso interposto pela ACA não merece provimento, confirmando-se o acórdão recorrido que julgou improcedente a acção de anulação da sentença arbitral.
A recorrente é responsável, nos termos gerais, pelo pagamento das custas da revista que interpôs e em que ficou vencida.
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DECISÃO
Termos em que acordam em julgar improcedente a revista interposta pela autora ACA e confirmar o acórdão recorrido.
Condenam a autora, ora recorrente, no pagamento das custas do recurso de revista por si interposta.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12 de novembro de 2024
Manuel José Aguiar Pereira (Relator)
Jorge Manuel Arcanjo Rodrigues
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro
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1. Respostas dadas pelo colégio arbitral, omitindo-se pontualmente, por desnecessidade, a transcrição da fundamentação da resposta dada a cada um dos factos.↩︎
2. Sobre a não taxatividade das causas de anulação da sentença previstas no artigo 46.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária e a possibilidade de anulação da sentença arbitral com base na ofensa de princípios da ordem pública interna do Estado Português ver o estudo “Fundamentos de anulação da sentença arbitral”, da autoria do ora relator, publicado na Revista do Centro de Estudos Judiciários ano 2013 tomo 2 a páginas 51 e seguintes.↩︎
3. “Tratado de Arbitragem” - Comentário à Lei 63/2011 de 14 de dezembro – Almedina 2015 a página 211.↩︎
4. Explica-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2024 na revista 1195/22.8YRLSB.S1, citando doutrina especializada: “Quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não raciocina sobre o “litígio primário” (…) [“litígio submetido ao tribunal inferior”] e não exprime a sua opinião sobre o modo como que esse litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral”;
“em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao “litigio primário”, como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verifica se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por litígio secundário e que é o exclusivo objeto da análise do tribunal estadual de controlo”.↩︎
5. Assim António Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral – Coimbra Editora 2014↩︎
6. Tratado da Arbitragem a página 445.↩︎