Sumário
1. Nas obrigações de meios o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente atividade tendente à obtenção de um determinado fim, mas sem assegurar que o mesmo se produza, enquanto nas obrigações de resultado o devedor fica obrigado a conseguir um certo efeito útil, um determinado resultado.
2. A obrigação assumida pela ré, no sentido de regularizar as contribuições por si devidas à Segurança Social portuguesa, no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre as partes, é uma obrigação de meios, desde logo porque o fim a atingir não dependia só dela, mas também, determinantemente, da posição que sobre o assunto visse a ser assumida pela Segurança Social portuguesa.
3. Em face do art. 799.º, n.º 1, do C. Civil, no âmbito das obrigações desta natureza cabe ao credor provar a diligência que deveria ter sido usada e quais os atos que deveriam ter sido praticados pelo devedor, devendo este provar que praticou tais atos, ou que, não os tendo praticado, não lhe é imputável o incumprimento.
Decisão Texto Integral
Revista n.º 23376/17.6T8LSB.L3.S1
MBM/AP/JES
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. AA intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra Mercer Limited (Mercer UK), pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 357.592 €, ou, caso assim não se entenda, na importância de 133.292,84 €, a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora.
Para tanto, alegou, em síntese:
Trabalhou para a R. em Espanha e depois foi transferida para ..., onde foi inscrita na segurança social do Reino Unido.
Posteriormente foi destacada para ..., onde prestou serviços numa empresa do grupo, continuando os descontos na segurança social do Reino Unido, sem que tenha sido inscrita na segurança social portuguesa.
Quando o seu contrato de trabalho cessou, acordou com a R. o pagamento de uma compensação por não ter recebido subsídio de desemprego.
Os valores sobre os quais a R. e a empresa do grupo efetuaram descontos ficou aquém do valor devido, o que irá refletir-se na sua pensão de reforma, tendo a A. direito à respetiva diferença.
A R. locupletou-se à sua custa, em valor correspondente às contribuições não despedidas para a segurança social, quantias que subsidiariamente reclama.
2. Na 1ª Instância, a ação foi julgada improcedente.
3. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando o recurso parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora, nos termos subsidiariamente peticionados, a quantia de 102.332,52 €, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
4. A Autora interpôs recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, como revista excecional, tendo sido desta forma que o recurso foi admitido.
5. Com fundamento no art. 672º, nº 1, a), do CPC, a revista excecional foi admitida por acórdão da formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do art. 672.º, relativamente à questão da “natureza jurídica dos acordos dos autos quanto ao pagamento das contribuições para a Segurança Social portuguesa e seu reflexo na apreciação do pedido principal formulado pela Autora”.
6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em Parecer a que as partes responderam, em linha com as posições antes sustentadas nos autos.
Decidindo.
II.
7. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:1
1. A R. (Mercer UK) é uma empresa de serviços de consultoria nas áreas de capital humano, benefícios, pensões e investimentos, fazendo parte do grupo M... Inc;
2. Em Portugal, a Mercer e o referido grupo económico, exercem a sua actividade por intermédio das seguintes sociedades comerciais:
- Mercer (Portugal) – Recursos Humanos Lda, (…), com o seguinte objecto social: “prestação de serviços de consultadoria em recursos humanos a entidades singulares ou colectivas. Tais serviços incluirão, nomeadamente, consultadoria actuarial e de benefícios sociais, consultadoria de financiamento e fundos semelhantes, consultadoria de indemnizações e de gestão de recursos humanos e, ainda, desenvolvimento de programas de computorização e o fornecimento de meios administrativos para os serviços acima referidos”; e
- Mercer Employee Benefits - Mediação de Seguros Unipessoal Lda, (…), com o seguinte objecto social: “actividade de mediação de seguros e a consultoria na área de recursos humanos”;
3. A A. e a sociedade Mercer Employee Benefits Lda celebraram um contrato de trabalho com efeitos a partir de 1.7.2002;
4. A A. foi contratada para exercer “o cargo de ... com a função de ...” correspondente à categoria Level 8 B (…);
5. Em 1.10.2004 a A. foi transferida para Espanha, tendo aí celebrado um contrato de trabalho com a Mercer Human Source Consulting, S.L., que faz parte do mesmo grupo económico da R.;
6. A A. esteve inscrita na Segurança Social em Espanha desde 1.10.2004 até 31.8.2009;
7. Em junho de 2009, a A. aceitou ser transferida para ..., para aí exercer as funções de UK H&B ... Grade I, tendo celebrado um contrato de trabalho com a R., tendo este contrato iniciado os seus efeitos a partir de 1.9.2009;
8. Nesse contrato de trabalho foi salvaguardada a antiguidade da A. desde 1.7.2002;
9. A A. foi inscrita na HMRC do Reino Unido, tendo a R. iniciado os respetivos descontos a partir do mês de setembro de 2009;
10. Em 2.7.2010 a A. e a R. acordaram no destacamento da A. para ...;
11. O prazo do destacamento era de 3 anos, com início em 5.7.2010 e termo em 4.7.2013;
12. Foi acordado que durante o destacamento a A. desempenharia as funções de Sales Operation Manager nas instalações da Merecer Emplloyee Benefits – Mediação de Seguros Unipessoal, Lda, (…);
13. Nos termos do dito destacamento as partes acordaram que a autora receberia um salário base anual de € 166.568,00 e que os descontos efectuados seriam nos termos que constam da cláusula 3ª do dito documento (…);
14. Nem a ré nem a Mercer Emplyee Benefits inscreveram a autora na Segurança Social em Portugal;
15. Tendo a R. continuado a fazer os descontos para a Segurança Social do Reino Unido (HM Revenue & Customs – daqui em diante designada abreviadamente por HMRC;
16. O contrato de trabalho da A. cessou por acordo inserido em processo de redução de efetivos, com efeitos a partir 31.1.2013 (…);
(…)
19. No âmbito do dito acordo declararam ambas as partes na cláusula 10.2 que a ré se comprometia a efetuar o pagamento das contribuições para a Segurança Social devidas em Portugal a partir de 01.01.2010 até à data da cessação nos termos que constam da dita cláusula;
20. Autora e ré celebraram em ..., em 09.09.2013, outro acordo em que estabeleceram o pagamento pela ré à autora da quantia de € 36.472,30 com os fundamentos que constam de fls. 166 a 167 verso dos autos (…);
21. A ré não efetuou descontos por conta da autora na Segurança Social portuguesa;
22. No dia 01.04.2013 a ré inscreveu-se na Segurança social para efeitos de pagamento de contribuições devidas;
23. Por fax datado de 18.04.2013 a ré requereu junto do Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa a sua inscrição e da (…) autora, para os efeitos de regularizar todas as contribuições-quotizações em dívida e/ou em atraso com a maior brevidade possível, em termos e condições que constam de fls. 263 a 267 verso dos autos (…);
24. A Segurança Social Portuguesa respondeu à ré negando essa pretensão em 30.04.2013 e com os fundamentos que constam de fls. 271 verso (…);
25. A Mercer Employee Benefits pagou, em 08.05.2015, à Segurança Social Portuguesa as contribuições e quotizações devidas sobre o valor de € 417.958,83 referente ao trabalho desenvolvido pela autora em Portugal durante o destacamento;
26. Por carta datada de 26.01.2017, o HMRC comunicou à A. que lhe era devido o reembolso das quantias que lhe foram retidas pela R. a título de contribuições para a Segurança Social, no montante de £ 21.636,39;
27. Tendo-lhe devolvido essa quantia em 23.2.2017;
28. Tendo o HMRC reembolsado também nessa data a R. das quantias que pagou a título de contribuições da A. durante o período do destacamento em ..., no montante global de £ 77.321,45;
29. No âmbito do contrato de trabalho, a R. e a Mercer Employee Benefits - Mediação de Seguros Unipessoal Lda (…) pagaram à A. os seguintes rendimentos entre 1.1.2010 e 31.1.2013:
(…)
30. No período que decorreu entre 1.1.2010 e 31.1.2013, as taxas contributivas para a Segurança Social, aplicáveis às relações de trabalho subordinado, eram de 11% para o trabalhador e 23,75% para o empregador, no total de 34,75%;
31. O valor das contribuições e quotizações pagas, mencionadas no ponto 16. inclui o total de 34,75% referido no ponto 19.;
32. A autora nasceu no dia 01.08.1960;
33. Do extrato anual de remunerações da autora consta que o seu início de descontos se reporta a 1985 (…);
(…)
35. No dia 11/01/2011 a ré apresentou o requerimento junto da HMRC solicitando a emissão do certificado A1 que permitiria que esta continuasse a fazer descontos para a segurança Social daquele país;
36. A resposta a tal pretensão ocorreu em 06.07.2011 e consta de fls. 261 e 354 dos autos, tendo negado tal pretensão invocando que o pagamento das contribuições deve ser feito no país em que o trabalho é desenvolvido;
37. A autora não pagou à ré nem à Segurança Social o valor correspondente a 11% sobre os montantes entregues e referidos nos pontos 16., 19. e 20.;
(…)
39. A A. teria direito a receber a título de pensão de reforma por velhice, tendo por base a sua carreira contributiva e as retribuições por si auferidas entre 01.01.2010 e 31.01.2013, sobre as quais não incidiram descontos para a segurança social, partindo do pressuposto que as remunerações auferidas até 31.01.2013 estão incluídas no período referente aos melhores 10 anos dos últimos 15 anos antes da reforma, a quantia de €5.676,64;
40. A A. terá direito a receber a título de pensão de reforma por velhice tendo unicamente por base a carreira contributiva da A. e no pressuposto que as remunerações auferidas até 31.01.2013 estão incluídas no período referente aos melhores 10 anos dos últimos 15 anos à data da reforma o valor de €3.574,71.
III.
8. Centra-se o litígio em causa no enquadramento legal – como obrigação de resultado ou obrigação de meios – da obrigação assumida pela R., enquanto empregadora, no âmbito do acordo de cessação do contrato de trabalho e, posteriormente, num segundo acordo, no sentido de regularizar a omissão de pagamento das contribuições por si devidas à Segurança Social portuguesa, no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Como refere o acórdão da formação aludido em supra nº 5, “importa ter na devida consideração o contexto complexo em que tal questão é suscitada e que se traduz na circunstância do referido contrato de trabalho ter sido celebrado entre as partes no dia 1/9/2009, para a trabalhadora recorrente desempenhar funções profissionais em ..., tendo a recorrida passado a fazer os descontos para a Segurança Social do Reino Unido [HMRC] a partir do mês de Setembro de 2009, vindo, finalmente, em 2/7/2010, a Autora e a Ré a acordar no destacamento da primeira para ..., por um prazo de 3 anos, com início em 5/7/2010 e termo em 4/7/2013, que, contudo, veio a terminar, assim como a subjacente relação jurídico-profissional, antes, por acordo de extinção do posto de trabalho entre as partes, celebrado em 27/2/2013 mas com efeitos retroagidos a 31/1/2013”.
Consequentemente, como refere o mesmo aresto, “tendo em atenção a argumentação desenvolvida nas alegações da Autora, por referência ao pedido principal por ela deduzido e que foi julgado improcedente por ambas as instâncias, interessa atender à controvérsia gerada pelas mesmas quanto à desconsideração jurídica dos ditos acordos firmados entre as partes, por, na interpretação dos mesmos, estes traduzirem apenas obrigações de meios e não de resultado, tendo, segundo as duas decisões judiciais, ficado demonstrado nos autos que a Ré desenvolveu junto da Segurança Social nacional os procedimentos legalmente disponíveis e possíveis, sem, contudo, por motivos que lhe foram estranhos, lograr pagar à mesma as contribuições que estavam e se mantém ainda em débito, o que configura, nessa medida, o cumprimento dos compromissos assumidos pela recorrente nos ditos acordos”.
9. Sobre a problemática que, assim, constitui o objeto do presente recurso de revista – considerando que “nas obrigações de meios o devedor só se compromete a desenvolver prudente e diligentemente atividade tendente à obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza”, e que “nas obrigações de resultado, em contraponto, o devedor fica obrigado a conseguir um certo efeito útil, um determinado resultado” –, o acórdão recorrido desenvolveu, no essencial, o seguinte raciocínio:
“Será que deles [dos acordos celebrados entre as partes] resulta que a Ré apenas se comprometeu a desenvolver, prudente e diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se iria produzir ou será que se deve considerar que através dos supra citados acordos se vinculou a obter um certo efeito útil?
Ora conjugando as declarações feitas nos dois supra citados acordos afigura-se-nos que a Ré assumiu uma obrigação de meios até porque – como é óbvio – o resultado final não dependia só dela, mas também da posição assumida sobre o assunto pela Segurança Social portuguesa.
[…]
Coisa distinta consiste em saber se, tal como lhe incumbia, nesse caso na qualidade de devedora, a Ré provou que usou a diligência devida ou que foi impedida de cumprir a sua obrigação por algum facto que lhe não é imputável.
A nosso ver, a Ré – como devedora – provou que cumpriu as medidas necessárias para o efeito […]
É o que resulta da matéria apurada em 17 a 25 […]
Ora da matéria apurada em 23 e 24 resulta evidente que a Ré efetivamente tentou regularizar a situação da Autora no tocante ao período em causa.
Anote-se, aliás, que a Autora, na qualidade de credora, também não provou que diligência diversa da que usou a Ré devia ter usado em face da obrigação que assumiu.”
10. Importa ainda referir o Parecer proferido nos autos pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, que, lapidarmente, se pronuncia sobre a questão em apreço nos seguintes termos:
«[…]
Evitaremos repetir as referências doutrinais sobre a natureza do tipo de prestações das obrigações, enquanto obrigações de meios ou obrigações de resultado, uma vez que as mesmas já constam abundantemente do acórdão recorrido […].
Em bom rigor, não existirá justificação bastante no nosso direito para se proceder a essa distinção, pois, conforme escreve LUÍS MENEZES LEITÃO, in Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 4.ª ed., pp. 129 e 130: “em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é a uma conduta (a prestação), e o credor visa sempre um resultado, que corresponde ao seu interesse (art. 398.º, n.º 2). Por outro lado, ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação (art. 342.º, n.º 2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art. 799.º), sem o que será sujeito a responsabilidade.”.
O que é certo é que a maioria da doutrina, assim como da jurisprudência, vai fundamentando a diferenciação, pelo que importa apreciar no caso a que tipo de prestação se comprometeu a ré.
[…]
Retomando-se o caso, recorde-se as cláusulas constantes nos acordos sobre esta matéria:
– ponto 10.2 do acordo de cessação:
“A Companhia compromete-se a efectuar o pagamento das contribuições para a Segurança Social devidas em Portugal a partir de 1 de Janeiro de 2010 até à data da cessação, juntamente com quaisquer penalidades e juros associados.
A Empresa irá trabalhar com a PWC para calcular e informar o valor dessas responsabilidades às autoridades portuguesas, bem como para reclamar o reembolso das contribuições do Reino Unido para o mesmo período, e irá requerer a sua cooperação com qualquer tipo de informação adicional que possa ser solicitada pelas autoridades portuguesas ou do Reino Unido para resolver a questão em ambos os países.
Ao assinar este contrato você compromete-se a prestar tal garantia e a fornecer documentação conforme razoavelmente exigido pela empresa nas suas diligências junto das autoridades portuguesas ou do Reino Unido ao abrigo do ponto 10.2”.
– considerando F) do acordo de 09.09.2013:
“A 1ª contratante está a desenvolver todas as ações legais perante a segurança social portuguesa por forma a que esta entidade aceite as contribuições devidas por aquela”.
No âmbito da interpretação das cláusulas contratuais, importa considerar o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC, o qual, aproximando-se da teoria da impressão do destinatário, dispõe que “[a]declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”.
A interpretação deve ter em conta, e nomeadamente, o conjunto do negócio, o âmbito que foi celebrado e vai ser executado, os interesses envolvidos, e as negociações prévias.
Considerando o condicionalismo em que se desenvolveu o negócio, bem como o texto do clausulado, não parece poder-se concluir outra coisa senão que a ré assumiu o compromisso de efetuar o pagamento das contribuições em causa para a Segurança Social portuguesa, desde que, naturalmente, o mesmo fosse aceite por aquele organismo – veja-se que as partes não se informaram previamente junto da Segurança Social sobre a possibilidade de se proceder a esse pagamento.
[…]
Em termos conclusivos, pela natureza do compromisso assumido, a obrigação só pode ser de meios e não de resultado.
De resto, e contrariamente ao alegado pela recorrente, não se nos afigura relevante o facto de existir um incumprimento originário culposo da falta desses pagamentos pela ré, uma vez que, com o acordo de cessação do contrato de trabalho, e respetivo aditamento, surgiu uma novação das prestações que passaram a estar em dívida entre as partes – cf., e apenas a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 22-02-2006, proc. n.º 05S1701, e do TRG de 18-04-2024, proc. nº 387/23.7T8GMR-A.G1.
[…]
Por último, caso vingasse o entendimento que a obrigação era de resultado, parece, então, que o caso configuraria uma impossibilidade originária da prestação acordada naquelas cláusulas, o que sujeitaria a situação aos princípios gerais relativos à nulidade parcial do negócio, com aplicação do disposto nos arts. 280.º, n.º 1, e 292.º do CC […].
Aqui chegados importa avaliar se a ré incumpriu a obrigação a que se comprometeu nos acordos de cessação do contrato de trabalho, no que respeita ao aí acordado sobre o pagamento das contribuições para a Segurança Social em causa, devido a culpa que lhe seja imputável.
Para essa análise será de seguir a posição da jurisprudência, na esteira da doutrina preconizada por VAZ SERRA, in Culpa do Devedor ou do Agente, BMJ - Ano 68, p. 82, no sentido que no domínio das obrigações de meios continua a ter cabimento a presunção de culpa prevista no n.º 1, do art. 799.º do CC, sendo que, ao credor incumbe provar que diligência deveria ter sido usada, quais os atos que deveriam ter sido praticados pelo devedor, devendo este provar que praticou tais atos, ou que, não os tendo praticado, lhe não é imputável esse não cumprimento – cf. acórdão do TRL de 22-02-2011, proc. n.º 188805/08.8YIPRT.L1-7.
Ora, a recorrente apenas alega uma culpa presumida em relação a esse incumprimento, ao abrigo do disposto no art. 799.º, n.º 1, do CC, já que não indica quaisquer outras diligências que a ré pudesse ter realizado em relação ao compromisso assumido naqueles acordos.
Só que cotejando os pontos 23) e 24) da matéria de facto dada como provada é efetivamente de concluir que a ré cumpriu as diligências necessárias para proceder ao referido pagamento, o que apenas não se concretizou por não ter sido aceite por aquele organismo, não sendo equacionadas outras medidas a desenvolver para poder ser cumprida a obrigação.
Daí que se afigura que a referida presunção se encontra ilidida, pelo se concorda com o entendimento do acórdão recorrido.
[…]»
11. Inteiramente acompanhamos o entendimento acolhido pelo acórdão recorrido, bem como o sentido decisório atingido.
Com efeito:
A obrigação assumida pela ré, no sentido de regularizar as contribuições por si devidas à Segurança Social portuguesa, no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre as partes, é, sem dúvida, uma obrigação de meios, desde logo porque o fim a atingir não dependia só dela, mas também, determinantemente, da posição que sobre o assunto visse a ser assumida pela Segurança Social portuguesa.
Uma vez que no âmbito das obrigações desta natureza ao credor cabe provar a diligência que deveria ter sido usada e quais os atos que deveriam ter sido praticados pelo devedor, devendo este provar que praticou tais atos, ou que, não os tendo praticado, não lhe é imputável o incumprimento, não se vê que diligências complementares poderia a ré ter realizado tendo em vista atingir tal desiderato, sendo certo que a autora também nada indica quanto a isso.
IV.
12. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.
Custas da revista a cargo da autora.
Lisboa, 26.02.2025
Mário Belo Morgado (Relator)
Albertina Pereira
José Eduardo Sapateiro
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1. Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista↩︎