Sumário
Sumário:
É de considerar verificada a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil quando;
• Os pais se limitam a visitar irregularmente o filho, acolhido numa instituição, e revelam: i) um comportamento de desprendimento afetivo em relação ao filho e demonstram pouco comprometimento e responsabilidade com os momentos de convívio que lhes são proporcionados; ii) desconhecer a fase de desenvolvimento em que se encontra o menor, bem como as brincadeiras e necessidades adequadas a cada etapa da vida do seu filho;
• O menor não reconhece os pais.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Em 25 de Janeiro de 2023, o Juízo de Família e Menores de ..., do Tribunal Judicial da comarca do Porto Este, determinou, ao abrigo do n.º 1 do artigo 91.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), que AA, nascido em ... de ... de 2023, filho de BB e de CC, fosse acolhido em lar de infância e juventude em execução de medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, ficando no entanto, internada no estabelecimento hospitalar em que se encontrava na altura até que fosse identificada instituição que o acolhesse.
O processo de promoção e protecção prosseguiu os seus termos.
Em 28-03-2023, foi obtido acordo, homologado por sentença, no sentido de ser prorrogada por 6 meses a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial.
Em 28-11-2023, foi obtido novo acordo, também homologado por sentença, no sentido de ser prorrogada, por 3 meses, a medida de a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial.
Em 12-04-2024 a Segurança Social propôs a aplicação ao menor da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, o que reafirmou na conferência realizada em 23 de Maio de 2024 para acordo de medida de promoção e protecção.
Na conferência, os pais da criança declararam que não davam o seu acordo à aplicação da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial com vista a futura adopção.
Considerando que os pais não deram o seu consentimento para aplicação da mencionada medida, o processo prosseguiu os seus termos, com notificação do Ministério e dos pais para alegarem, querendo, e apresentarem prova (artigo 114.º, n.º 2, da LPCJP).
CC e BB, pais da criança, alegaram no sentido de ser aplicada medida de promoção e protecção no meio natural de vida do menor.
Após debate judicial, foi proferido, em 7 de Novembro de 2024, acórdão que decidiu:
1. Declarar cessada a medida de acolhimento residencial;
2. Em substituição dessa medida, aplicar, em benefício da criança AA, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Renascer de ..., com vista à adopção;
3. Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores;
4. Decretar a cessação dos convívios da família biológica com a criança;
5. Nomear o(a) Exmo.(a) Sr.(a) Diretor(a) da instituição Renascer de..., sita em ..., como curador(a) provisório(a) da criança.
Apelação
Os pais da criança, CC e BB, não se conformaram com o acórdão e interpuseram recurso de apelação, pedindo se decidisse em conformidade com o que alegavam.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 20-03-2025, confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância.
Revista
Os pais da criança, CC e BB, não se conformaram com o acórdão e interpuseram recurso de revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, pedindo se revogasse o acórdão recorrido e se decidisse em conformidade com o que alegavam.
A Ex.ma Desembargadora relatora não admitiu a revista interposta por BB com o fundamento de que a mesma (revista) foi apresentada no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo para praticar o acto, sem que tenha sido paga a multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, alínea c), do CPC e sem que o recorrente, notificado para o efeito (cfr. despacho de 23/04/2025), tenha procedido ao pagamento da multa devida com a penalização prevista no nº 6 da mesma norma.
A revista excepcional foi admitida por acórdão da formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, por se entender ter ocorrido violação ou erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso, constantes dos artigos 1978.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Código Civil e art.º 4.º, 34.º, 35º e 38.º - A da LPCJP, atenta a relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social;
2. Ao aplicar a medida de promoção e proteção de “confiança à instituição Renascer de ..., com vista à adoção”, violou-se o princípio do Superior Interesse da Criança e as normas que o consagram e não se respeitaram os princípios da proporcionalidade e da atualidade e da prevalência da família;
3. A defesa do interesse superior da criança tanto pode ser prosseguida pelo recurso à adoção, como pelo regresso à família biológica, dependendo das circunstâncias concretas, designadamente da qualidade (ou falta dela) dos vínculos afetivos que ligam crianças aos pais biológicos;
4. A intervenção para a promoção dos direitos da criança e do jovem em perigo, ao lado do princípio do superior interesse da criança e do jovem, consagra, entre outros, o princípio da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade e o da prevalência da família, que compreende também a família biológica da criança.
5. Não foi respeitada a Convenção Sobre os Direitos da Criança quando dispõe: “Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança.
6. Não foi respeitado o Princípio Superior Interesse da Criança, tal como previsto no artigo 36º nº 6 da CRP: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante autorização judicial”.
7. Na base do decretamento da medida de confiança com vista à adoção está a qualidade dos vínculos afetivos próprios da filiação ou na ausência ou no sério comprometimento desses vínculos.
8. As cinco situações que justificam a confiança judicial, pressupõem que não existam ou se mostrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
9. Desde que existam ou não se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos e tal garanta o superior interesse da criança, o ideal é dar-se prevalência à família.
10. Durante os 22 meses de vida do AA, o menor não tem estado privado do contato com os progenitores, que, periodicamente, o visitam.
11. A partir de Maio de 2024, as visitas ocorreram de forma regular.
12. O Tribunal Recorrido, com fundamento no desinteresse dos progenitores - irregularidade das visitas que os mesmos concretizaram – formou a convicção de que tais visitas não foram suficientes para criar um vínculo afetivo próprio da filiação.
13. O Tribunal apenas relevou o fato de os convívios dos progenitores com o menor não terem tido a constância adequada à criação dos desejados laços de afetividade, por um lado, e de os avós maternos, só tardiamente se disporem a constituir-se como retaguarda ou assumirem para si a guarda e cuidados do neto, por outro lado.
14. O Tribunal não podia concluir, como concluiu, que não existem quaisquer vínculos entre os progenitores e o filho, ou que se frustraram todas as tentativas de criação desses vínculos ou que os pais tenham revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação.
15. O Tribunal não deu prevalência à inserção do menor AA no seu meio natural de vida - na família nuclear e alargada – e optou por encaminhá-lo para uma futura adoção.
16. O Tribunal não averiguou das efetivas possibilidades da integração do menor na família natural antes de avançar, como se avançou, para a adoção.
17. O Tribunal Recorrido não efetuou a necessária ponderação entre afastar o AA em definitivo da família, pais e avós maternos - que manifestam vontade e disponibilidade para assegurar os seus interesses - e enfrentar um longo e estigmatizante processo de adoção.
18. O Tribunal Recorrido afastou a hipótese da institucionalização visar o regresso do menor à família biológica/natural, logo que fosse possível garantir a normalidade familiar, com a retaguarda da família alargada materna, designadamente dos avós maternos, que podem servir de suporte nos cuidados a prestar ao menino em meio natural de vida.
19. Ainda que inconstantes, as visitas dos progenitores ao filho ocorreram.
20. Do relatório de perícia médico-legal realizada à progenitora resultou destacado que “o investimento afetivo que a examinada parece demonstrar relativamente aos filhos, o que poderá ser um fator importante de motivação da examinada em resolver algumas das suas dificuldades estruturais. Para além disso, os filhos parecem desempenhar um papel importante no seu projeto de vida”.
21. Não se pode excluir a possibilidade de melhorar as competências e estreitar o relacionamento do AA com os pais, se sujeitos a uma orientação, implementando o tribunal as medidas necessárias ao cumprimento de tais linhas de orientação.
22. Existe retaguarda da família alargada materna, designadamente dos avós, que pode servir de suporte nos cuidados a prestar ao menino em meio natural de vida, enquanto os progenitores reorganizam a sua vida e adquirem ferramentas pessoais (não materiais) que lhes permitam o exercício de uma parentalidade segura e estável.
23. O AA pode ficar próximo dos progenitores e crescer em convivência com eles, por forma a reforçar os vínculos familiares e afetivos.
24. Em Maio de 2024, os avós maternos manifestaram vontade e disponibilidade para fazer parte do projeto de vida do neto.
25. No quadro atual da vida dos avós, trata-se de uma família que reúne todas as condições para que o menor lhes seja confiado.
26. Cabe ao Tribunal, em cumprimento do princípio da “Prevalência da família”, esgotar todas as possibilidades de integração do menor na família biológica, nuclear e alargada.
27. O projeto de vida do AA passa pela sua integração no agregado familiar dos pais, com retaguarda dos avós maternos ou na sua integração na família alargada, mais concretamente no agregado dos avós maternos.
28. Os pais e os avós maternos reúnem as necessárias competências para acolher o menor.
O Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Alegou em síntese:
1. No caso dos autos, nenhum dos progenitores e família dispõem de competências pessoais que lhe permitam assumir de forma eficaz e adequada as responsabilidades parentais relativamente ao menor.
2. Os direitos e interesses dos pais devem ser tidos em conta, mas não se pode ignorar que os direitos e interesses das crianças têm primazia.
3. Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido fez uma adequada e correta aplicação do Direito ao caso concreto
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Questões suscitadas pelo recurso:
1. Saber se o acórdão recorrido, ao confirmar a decisão proferida em 1.ª instância de aplicar, em benefício de AA, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Renascer de ..., com vista à adopção, com inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores e com a cessação dos convívios da família biológica com a criança, violou o disposto no artigo 1978.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Civil, e os artigos 4.º, 34.º, 35.º e 38.º-A da LPCJP.
2. Em caso afirmativo, saber se a decisão é de revogar e substituir por outra que aplique à criança medidas no meio natural de vida.
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Factos considerados provados pelo acórdão recorrido:
1. AA, nascido a ... de ... de 2023, é filho de BB, nascido a .../.../2005, e de CC, nascida a .../.../2000.
2. No dia ... de ... de 2023, foi efetuada sinalização pelo serviço social do Centro Hospitalar ..., relatando que a situação foi sinalizada pelo serviço de enfermagem por se tratar de uma mãe em situação de desemprego e o presumível pai da criança menor de idade; o progenitor negava a paternidade; foi apurada retaguarda familiar vulnerável.
3. Por decisão de 25 de Janeiro de 2023, veio a ser aplicada provisoriamente a medida de acolhimento residencial do AA, que veio a ser integrado na casa de acolhimento Renascer de ..., a 3 de Fevereiro de 2023.
4. Do relatório de perícia médico-legal realizada na pessoa da progenitora, resultou que a mesma não sofre de doença mental, no entanto “a examinada evidencia um funcionamento psicológico caracterizado pela dificuldade de gestão e modulação dos afetos. Para além disso, a examinada parece revelar uma personalidade caracterizada pelo egocentrismo e por uma postura desconfiada no plano interpessoal. Este tipo de funcionamento psicológico poderá contribuir para dificuldades de relacionamento interpessoal, e também na gestão de problemas relacionados com a parentalidade. No entanto, é de destacar investimento afectivo que a examinada parece demonstrar relativamente aos filhos, o que poderá ser um fator importante de motivação da examinada em resolver algumas das suas dificuldades estruturais. Para além disso, os filhos parecem desempenhar um papel importante no seu projecto de vida”.
5. O pai de AA, à data do seu nascimento, era menor de idade, e tinha a decorrer a seu favor processo de promoção e proteção na CPCJ de ..., processo que se prendeu com o facto do progenitor, que na altura se encontrava a residir com a mãe do primeiro filho, se mostrar agressivo com ela e após o termino da relação ameaçava que se suicidava (o que acabou por tentar posteriormente).
6. A progenitora é também mãe de DD, nascido a ... de ... de 2017, que se encontra aos cuidados do seu progenitor, uma vez que se considerou que a progenitora não apresentava dinâmicas salutares ao bom desenvolvimento de uma criança – saídas de madrugada com a criança, na companhia de outros jovens que depois permaneciam na sua habitação, ao que acrescia que, em visita domiciliária sem aviso prévio, a 21 de Outubro de 2021, no inicio da tarde, a EMAT encontrou o DD na cama, vestido e calçado, a cama onde o menino se encontrava tinha os lençóis sujos e a habitação apresentava-se pouco asseada, desorganizada, insalubre), acrescendo que o menino não se encontrava integrado em infantário, o que aliado às saídas noturnas com a sua progenitora, não permitia que o DD beneficiasse de rotinas e cuidados adequados à idade.
7. O progenitor, à data o nascimento do AA, ainda menor de idade, foi entregue aos cuidados da sua tia paterna, EE, por ser vítima de maus-tratos por parte do seu padrasto, sendo que a sua mãe não se pode aproximar dele, situação que terá sido determinada em sentença do processo-crime, uma vez que a sua progenitora era conivente com os maus-tratos infligidos.
8. O progenitor tem mais um filho, nascido a ... de ... de 2022.
9. O progenitor tentou suicídio (ingestão medicamentosa) quando a mãe do primeiro filho terminou a relação, sendo que o jovem tinha grande afeto pela ex-namorada e foi a progenitora do AA a interferir no relacionamento de ambos
10. Em ... de 2023, o progenitor do AA era acompanhado em consulta hospitalar de pedopsiquiatria, estando medicado para impulsividade e tinha acompanhamento de psicologia em gabinete da autarquia dirigido a jovens vítimas de violência.
11. No relatório da EMAT datado de 24 de Março de 2023, dava-se conta que quanto à família alargada, a progenitora referiu que os seus pais poderiam ser alternativa ao acolhimento de AA, até porque era seu objetivo ir residir com eles nos primeiros meses de vida do filho, uma vez que o progenitor tinha intenção de emigrar para ..., o que não veio a acontecer face ao acolhimento de AA, mas referiram que os avós maternos não permitem a entrada do progenitor de AA em sua casa.
12. Na mesma altura, em abordagem aos avós maternos em contexto de visita domiciliária, os mesmos referiram não ter vida, nem idade para ter um bebé aos seus cuidados, até porque já têm uma neta de 8 anos à sua guarda e têm aos seus cuidados quatro idosos; o avô materno referiu estar disposto a ajudar a filha financeiramente, como tem feito até à data (ajudar na renda, montou-lhe um café no passado) e disse ainda não perceber o motivo de ambos os netos terem sido retirados e ter advogada a tratar disso; questionados quanto à possibilidade da filha e neto irem residir para sua casa, referem que tal é possível, sendo que têm espaço, no sótão, para isso, mas ao sótão acede-se por umas escadas ingremes, que deixaram dúvidas quanto à segurança das mesmas, sendo que o espaço não se encontrava preparado para ninguém residir, estando a ser usado como arrumos.
13. Contactada a tia-avó paterna do AA, a mesma referiu que não tem espaço habitacional para acolher mais um elemento, ter ainda muitas dúvidas quanto à paternidade de AA, porque o próprio sobrinho sempre negou, até ao nascimento de AA, que o filho fosse dele e disse ainda que não se sentia com disponibilidade emocional para ter um bebé aos seus cuidados.
14. Segundo o mesmo relatório da EMAT, a Casa de Acolhimento comunicou que o primeiro momento de visita dos progenitores com o AA foi a 6 de Fevereiro de 2023, “Neste dia os progenitores conheceram a Assistente Social da CA, bem como foram agendados os contactos com o bebé e esclarecidas as normas da CA relativamente aos contactos. Foi também apresentada a CA aos progenitores; ficaram agendadas visitas presenciais na CA às terças e quintas-feiras e sábados, entre as 11h00 e as 12h00”, sendo que ao sábado, o irmão uterino do AA iria também às visitas.
15. Na primeira visita realizada, a Casa de Acolhimento refere que “Não se percecionou grande envolvimento afetivo, já que o AA permaneceu um grande período de tempo na alcofa, esperando-se que os pais procurassem mantê-lo no colo o máximo de tempo possível”.
16. No que toca ao número de visitas, entre o dia 6 de Fevereiro de 2023 (dia da primeira visita) e o dia 18 de Março de 2023 (dia de receção do email com informação da Casa de Acolhimento), estavam previstas 18 (dezoito) visitas presenciais, só ocorrendo 9 (nove) visitas, sendo que, relativamente às ausências, a progenitora contactava (telefonicamente ou via sms) a Casa de Acolhimento para justificar a sua ausência, nomeadamente: (…) o filho DD teria vomitado na deslocação e teria de voltar para casa. A progenitora pediu e foi permitida a realização da visita no dia seguinte. (…) a informar que se encontrava constipada e não estaria presente na visita do dia seguinte; (…) informar que ainda se encontrava doente e não iria comparecer na visita do dia seguinte; (…) informar ter tido um acidente no carro e não dispor de viatura para a visita do dia seguinte; (…) a informar que a progenitora se encontrava indisposta e não estava com capacidade para conduzir; (…) a informar que estaria no aeroporto para ir buscar um tio e o voo estava atrasado, pelo que não poderia comparecer à visita.”, porém, sempre que solicitado, foi permitida a alteração do dia/horário de visita, mas nos contactos telefónicos realizados pela progenitora esta só perguntou como se encontrava o AA num deles.
17. Da mesma informação consta que a casa de Acolhimento informou que nas “9 visitas realizadas, os progenitores chegaram sempre depois da hora prevista, por vezes com atrasos superiores a 30 minutos; no que concerne à interação, o progenitor permanece no espaço de visita apenas a sorrir e a conversar com a mãe. A mãe pega no AA ao colo em alguns momentos, acabando por voltar a colocar na alcofa ou espreguiçadeira. Ocorreu também recentemente uma visita na qual a progenitora pediu à equipa o término da mesma pois “ele está a dormir e também não estamos aqui a fazer a nada. Se estivesse acordado, ficávamos mais um bocadinho, mas assim, vamos andando” (sic), faltando cerca de 15 minutos para o horário previsto de final. Os progenitores do AA revelam um comportamento de algum desprendimento afetivo por relação ao filho e demonstram pouco comprometimento e responsabilidade com os momentos de convívio que lhes são proporcionados”.
18. Na diligência realizada no dia 28 de Março de 2023, foi, por acordo, aplicada a medida de acolhimento residencial.
19. Por requerimento de 19 de Maio de 2023, a progenitora informou que se encontrava em ... desde meados de abril juntamente com o progenitor BB, informando ainda que se deslocaram a ... por altura da Páscoa, com o intuito de providenciarem pela obtenção de trabalho e residência, uma vez que contam com o apoio de familiares, emigrados nesse país há vários anos, acrescentando que embora estivesse inicialmente previsto regressarem logo a Portugal para realizarem os exames médicos determinados, acabaram por prolongar a sua estadia a fim de poderem assegurar a obtenção de trabalho e residência, bem como acompanhar todo o inerente processo burocrático e uma vez que o progenitor atingiu, entretanto, a maioridade, a celebração dos contratos de trabalho já se encontra agendada para a semana seguinte.
20. No relatório da EMAT datado de 6 de Junho de 2023, foi referido que, quanto aos avós maternos, em visita domiciliária a 13 de Março de 2023, os mesmos referiram que a filha lhes tinha dito que não poderiam visitar o neto sem autorização do Tribunal, tendo-lhes sido comunicado que, querendo fazer parte da vida do neto, seria importante visitar o neto de forma a estabelecer relação com o mesmo, pelo que poderiam contactar a Casa de Acolhimento para agendar estes momentos, no entanto informaram ser difícil visitar o neto pois tinham aos seus cuidados vários idosos, pelo que lhes foi sugerido que contactassem a Casa de Acolhimento para saber do AA, o que até à data não fizeram.
21. Por despacho de 13 de Junho de 2023, foram autorizadas as visitas dos avós maternos ao AA na casa de acolhimento.
22. Em requerimento datado de 14 de Julho de 2023, a progenitora informou o Tribunal que haviam regressado a Portugal no final do mês de Junho, encontrando-se ambos a trabalhar em Portugal, informando ainda que os contactos com o bebé AA têm sido maioritariamente via WhatsApp, devido às constantes avarias do carro.
23. Em informação remetida pela EMAT a 21 de Julho de 2023, consta que “Os progenitores, aquando na Audiência Judicial de 28/03/2023 informaram que iriam para ..., por um período aproximado de 2 semanas de forma a perceber se se existiam condições habitacionais e profissionais para se estabelecer naquele país. Os progenitores informaram a Casa de Acolhimento que estariam fora de Portugal entre 4 a 18 de abril de 2023; - Após regresso a Portugal, visitaram o AA a 22/04/2023; - Os progenitores regressaram a ..., não tendo informado a Casa de Acolhimento desta viagem, tendo só sido percetível pois a progenitora realizava videochamadas para ver o AA. No dia 05/05/2023, não compreendendo o que estava a acontecer, a técnica da CAR contactou telefonicamente a progenitora para esclarecer a ausência às visitas presenciais e substituição por videochamadas, tendo a progenitora informado que estava a residir em ..., com trabalho fixo bem como o seu companheiro e pai do AA e que iriam fazer chegar documentação comprovativa da sua situação socioprofissional, no entanto só temos conhecimento de documento apresentado pela advogada da progenitora datado de 17/04/2023 que dava conta de autorização de ocupação de habitação; importa referir que os horários das videochamadas ao AA foram reajustados aos horários laborais dos seus progenitores; - Ainda segundo o mesmo requerimento, os progenitores estariam a ser acompanhados “por técnicos da segurança social francesa que estão a providenciar para que os progenitores conseguiam reunir todas as condições necessárias ao acolhimento do seu filho AA.” (cit); - Acontece que sem nada o fizesse prever, em contacto da progenitora com a Casa de Acolhimento a 20/06/2023, a mesma solicitou uma visita presencial com o AA para o dia 25/06/2023, o que foi autorizado (mas não ocorreu como será esclarecido mais abaixo). - A técnica da CAR contactou telefonicamente a progenitora a 26/06/2023 procurando compreender se estaria novamente em Portugal ao que a mesma informou já se encontrar em Portugal desde o dia 23/06/2023, de forma definitiva - ainda segundo informações que a mesma prestou à Casa de acolhimento, o regresso a Portugal, prendeu-se com o facto de terem percebido “que aqui ganhamos o mesmo que lá e não vale a pena estar lá (…) já temos trabalho os dois” (sic); - desde que se teve conhecimento do regresso dos progenitores a Portugal, foram agendadas 4 visitas nas datas 25/06/2023, 02/07/2023, 09/07/2023 e 16/07/2023, sendo que até à data apenas realizaram visita no dia 02/07/2023; - Segundo justificações dadas pela progenitora para a não realização de visitas destacam-se: ter ficado sem embraiagem no carro, tendo informado no próprio dia 25/06/2023; ter ardido o carro por relação à visita de 09/07/2023 e ainda não ter o carro arranjado por relação à visita de 16/07/2023; - Em todos os momentos foram sugeridas algumas alternativas pela técnica da CAR, nomeadamente os avós maternos acompanharem os progenitores, conforme já referido várias vezes; - A progenitora apresentou várias justificações para a impossibilidade dos seus pais a acompanharem às visitas, no entanto, relativamente ao dia 16/07/2023, a progenitora referiu que o seu pai viria consigo. Facto é que no próprio dia informou que o pai estava doente e não podia vir para junto do AA estando doente; - De acordo com a informação da técnica da CAR, o AA não reconhece nenhum dos progenitores, dada a sua tenra idade, mas essencialmente devido aos longos períodos de ausência dos progenitores; - Nas videochamadas, tratando-se de um bebé de 6 meses de idade, o AA não interage e não usufruiu do colo e contacto físico imprescindíveis para as crianças, sobretudo nos primeiros meses de vida; - Neste momento o AA reconhece nos seus cuidadores habituais (funcionários da Casa de Acolhimento) a referência e conforto que todas as crianças necessitam e não reconhecendo os seus progenitores, face à ausência dos mesmos e à idade do AA como pessoas de referência”.
24. Remetido novo relatório por parte da EMAT, datado de 12 de outubro de 2023, do mesmo consta que “O AA recebe visitas por parte dos seus progenitores, sendo que os progenitores nem sempre se revelam regulares a estes momentos. Como referido no relatório da Casa de Acolhimento, desde o dia da integração até à presente data, os progenitores realizaram 22 visitas. (…) Os progenitores regressaram a Portugal no final de junho de 2023, tendo sido programada visita ao filho a 25/06/2023 – à qual não compareceram por problemas no carro. Em julho de 2023 foram agendadas 4 visitas, faltaram a 3 das visitas programadas, realizaram 1 visita programada e 1 visita em dia que não estava programado, onde esteve presente o avô materno do AA. Em agosto de 2023 os progenitores não realizaram nenhuma das visitas programadas. Em setembro de 2023 realizarem 3 visitas das 4 programadas – sendo que 2 visitas não foram realizadas nos dias programados, tendo a progenitora solicitado alteração dos dias para dias em que ia acompanhar a irmã e a sobrinha a consultas na cidade da .... No mês de Outubro de 2023 realizaram 3 visitas ao AA, estando programada ainda visitas nos dias 15 e FF. Para alem das visitas ao AA, os progenitores realizam videochamadas ao filho, no entanto face à idade da criança, estes momentos não são por ele valorizados. “A D. CC e o Sr. BB permanecem várias semanas sem contatarem com o AA (nem presencialmente nem em videochamada), e em consequência sem estabelecerem laços de vinculação com o filho. Acresce que, mesmo que efetuassem as videochamadas de forma regular e até diária (o que não seria possível na organização da CA), tal como já foi mencionado nesta informação e esclarecido aos progenitores, essa modalidade de contacto com uma criança de 9 meses não permite o estabelecimento de nenhum tipo de vínculo.” (cit) Nas visitas “O Sr. BB assume uma postura mais passiva na interação com a equipa da CA e também com o bebé. A D. CC é sempre o elemento de contacto com a CA, é também, nas poucas visitas presenciais, mais ativa nas interações, mas revela desconhecer a fase de desenvolvimento em que se encontra o AA, bem como as brincadeiras e necessidades adequadas a cada etapa da vida do seu filho.” (cit) O avô materno acompanhou a progenitora na visita de dia 27/07/2023, a não ser este momento e não obstante os avós maternos terem autorização para realizar visitas ao AA, nunca requereram visitas à Casa de Acolhimento nem nunca contactaram para saber do menino. No que toca às condições socioeconómicas dos progenitores, os mesmos informaram terem alterado a sua residência, há cerca de 1 semana, para a Rua de ..., no entanto a progenitora ainda não atualizou a morada no cartão de cidadão. A progenitora informou que vai trabalhar com a sua mãe a tomar conta de idosos e irá ganhar 20€ por meio dia de trabalho, referindo que a mãe também lhe vai pagar a renda da nova habitação (110€) e a conta da eletricidade. O progenitor informou ter iniciado e assinado contrato de trabalho na presente semana na área da construção civil, referindo não saber quanto irá ganhar ao certo, mas conta receber mensalmente cerca de 1200€/1300€ limpos. Segundo a progenitora, deixou a fabrica de calçado pois a mesma fechou para férias e como sabia que ia mudar de casa e a mesma ficará longe do local de trabalho, deixou este emprego (da consulta do SISS, estão registados 8 dias de trabalho no mês de junho de 2023 para a empresa I..., Lda e o término do contrato está registado como “Denúncia contrato no período experimental por iniciativa do empregador”). O progenitor por sua vez refere que também deixou de trabalhar no seu emprego anterior pois devido à distância da nova habitação, o patrão não o poderia ir buscar a casa, referiu ainda ter trabalhado anteriormente com contrato de trabalho, foi-lhe dito que da consulta do SISS, estavam registados 3 contratos de trabalho relativos a 3 empresas diferentes e que o termino dos contratos estavam registados como “Abandono do trabalho” e existirem poucos descontos (24 dias em 2022 e 13 dias 2023), o progenitor refere nunca ter abandonado trabalho e se tem mantido a trabalhar e que o anterior patrão lhe disse que lhe estava a realizar os descontos. De referir ainda que a progenitora é beneficiária da prestação de RSI no valor mensal de 209,11€. Quanto aos motivos de terem regressado de ..., os progenitores referiam à Casa de Acolhimento que as coisas não tinham corrido bem, à EMAT referiram que decidiam regressar pois não conseguiam contactar com os filhos mais velhos. Relembrados da informação que prestaram primeiramente à Casa de Acolhimento, informam que o irmão do progenitor teve problemas com o sogro e que tiveram todos que voltar a Portugal. A progenitora acredita que o AA lhe vai ser entregue após audiência de 17/10/2023. Referiu que só verbalizará os seus planos para o filho em sede de audiência. Acaba por dizer que pretende que o filho fique aos cuidados da sua mãe durante o dia e à noite ficaria aos cuidados dos progenitores. Tendo-lhe sido referido que esta proposta foi já feita na audiência judicial, a mesma verbaliza que ela e o companheiro são vítimas de falsas declarações de várias técnicas (CPCJ, EMAT, Casa de Acolhimento), motivo pelo que não tem nenhum dos filhos está aos seus cuidados. O progenitor por sua vez, referiu que não irá atualizar a sua morada no cartão de cidadão e que não pretende realizar as perícias solicitadas pelo Tribunal, afirmando que tem os seus motivos. Pedido para que explicasse os mesmos, respondeu “porque não” (sic). Quanto a família alargada que se possam consubstanciar como alternativa ao acolhimento residencial do AA, nenhum dos progenitores indicou familiares capazes ou com disponibilidade para o fazer. A progenitora referiu não manter boa relação com as suas irmãs e que o seu irmão, residente para o sul, tem uma vida muito ocupada e não falam muito amiúde”.
25. No dia 15 de novembro de 2023, a EMAT teve conhecimento que no dia anterior, 14 de Novembro de 2023, a progenitora tinha sido acolhida em Casa Abrigo a pedido de GNR de ..., após a mesma ter relatado agressões físicas e ameaças de morte com recurso a arma branca por parte do companheiro (progenitor do AA).
26. A 18 de Novembro de 2023 os progenitores realizaram visita ao AA na Casa de Acolhimento, sendo que a técnica da equipa de RSI confirmou junto da Casa Abrigo que a progenitora tinha abandonado aquela estrutura no dia 17 de Novembro de 2023.
27. No dia 28 de Novembro de 2023, foi realizada diligência no âmbito da qual os progenitores concordaram com a prorrogação da medida de acolhimento residencial e foi ouvida a avó materna GG, tendo esta referido que “Está a tomar conta de quatro idosos e não vai visitar o neto, uma vez que não tem ninguém que fique a olhar pelos idosos, sendo que para estar aqui hoje teve que ficar o seu marido em casa. Não se responsabiliza pelo AA, uma vez que está a tomar conta de outro neto e não tem idade para se responsabilizar por mais um”.
28. No relatório da EMAT, datado de 11 de Abril de 2024, vem referido não existirem preocupações ao nível da saúde e desenvolvimento do AA.
29. No mesmo relatório é dado conta que “Ao nível dos convívios dos progenitores com o AA e como tem vindo a ser referido e que se encontra descrito, de forma detalhada, no relatório da Casa de Acolhimento, os progenitores nem sempre se mostram consistentes nestes momentos, ora apresentando desculpas/justificações para não comparecer, pedindo alteração dos dias de visitas, sem que nem sempre compareçam nos dias ou horários que solicitaram. De referir que os progenitores, do dia 22/04/2023 a 02/07/2023, não visitaram o AA pois estavam emigrados em .... Ainda assim após o seu regresso definitivo a Portugal no final de junho de 2023, de referir que nenhum dos progenitores visitou o AA durante o mês de agosto de 2023. De facto, os progenitores alteram de forma consistente o dia das visitas ao filho que obriga a uma reorganização das dinâmicas da Casa de Acolhimento. Muitas vezes e como também já referido em informações anteriores, muitas vezes os progenitores solicitam realizar videochamadas de forma a compensar a ausência de momentos de visitas – foi já diversas vezes referido aos progenitores, que se perceber a importância de verem o filho, no entanto este tipo de contactos não faz sentido para um bebé da idade do AA, que não os valoriza, não os percebe, por força da sua idade, e nem permite estabelecer qualquer relação AA/progenitores. No que toca à interação dos progenitores com o filho, é avaliado pela equipa técnica da Casa de Acolhimento que “(…) os progenitores do AA não têm com a criança uma relação própria de filiação, bem como revelam distanciamento afetivo e parental do bebé. O Sr. BB assume uma postura mais passiva na interação com a equipa da CA e também com o bebé. A D. CC é sempre o elemento de contacto com a CA, é também, nas visitas presenciais, mais ativa nas interações, mas revela desconhecer a fase de desenvolvimento em que se encontra o AA, bem como as brincadeiras e necessidades adequadas a cada etapa da vida do seu filho.” (cit) O avô materno da criança compareceu com a progenitora a duas visitas (27/07/2023 e 27/11/2023), sendo referido que “O Avô materno manteve uma interação escassa com o bebé.” (cit) A avó materna compareceu num momento de visitas com os progenitores e é referido que “A interação da avó materna com o bebé foi escassa.” (cit) Os avós maternos nunca contactaram a Casa de Acolhimento para agendar visita ao neto ou para saber dele. Não há registo de outro familiar materno que tenha contactado a Casa de Acolhimento ou a EMAT a solicitar visitas ou a tentar saber do AA. Por parte da família paterna nenhum elemento que abordou a Casa de Acolhimento ou a EMAT no sentido de se configurar alternativa ao acolhimento residencial ou saber do menino. Os progenitores mantem a residência que consta no último relatório remetido aos autos. Da situação económica, não existem alterações significativas. Não apresentam situação profissional estável, estando a beneficiar da prestação de RSI no valor de 237,25€ (informação do acompanhamento da medida de RSI no tópico Perspetiva da rede social de apoio formal e informal). Nenhum dos progenitores apresenta descontos de trabalho no SISS. O progenitor apresenta descontos de trabalho em abril de 2022 (por 24 dias de trabalho) e em agosto de 2023 (por 13 dias de trabalho). A progenitora apresenta, de Outubro de 2021 a Junho de 2023, descontos de trabalho correspondentes a um total de 38 dias de trabalho. No que toca à habitação dos progenitores, foi realizada visita domiciliária não programada com a Dr.ª HH (gestora do processo de DD, irmão uterino de AA). A habitação no momento da visita encontrava-se com divisões desorganizadas e pouco asseadas - sala de estar e cozinha. De referir que no que toca à sala, e por ser na divisão onde se encontrava fechado um gato (com os recipientes da comida e da areia) apresentava um cheiro intenso. A habitação possui 2 quartos, sendo que no quarto do casal se encontra um berço (destinado ao AA), sendo que o mesmo dá passagem ao segundo quarto, destinado ao DD. (…) No âmbito do acompanhamento de AA, recebemos as seguintes informações por mail, que se reproduzem: Mail de 19/02/2024: “Efetuei visita domiciliária na semana passada, dia 16, mas não se encontrava ninguém em casa. Em contacto telefónico a CC informou que está a trabalhar à experiência numa confeção localizada em ...(...). Dentro de uma semana saberá se fica. O companheiro começou também a trabalhar à experiência numa empresa de construção civil, com sede na ... (...). Considerando que não há rendimentos fixos, iremos proceder à assinatura do contrato de inserção com a CC. Logo que seja possível faremos a atualização dos rendimentos para regularizar o processo do AA.” (cit) Mail de 11/03/2024 “O SAAS/RSI ..., polo A..., está a acompanhar CC há cerca de um mês, designadamente, desde o dia 05.02.2024, altura em que a beneficiária procedeu à atualização da morada para a freguesia de .... Embora o agregado familiar seja constituído pela própria e pelo companheiro, BB, o acompanhamento atual, efetuado no âmbito do rendimento social de inserção, contempla, em termos oficiais, apenas a titular CC dado que o companheiro não está integrado no agregado familiar para efeitos do RSI por não ter a morada atualizada. Note-se que, apesar de não haver disponibilidade por parte de BB para alterar a morada, considerando que o casal vive em economia comum há mais de 2 anos, iremos, logo que possível, atualizar e regularizar a informação relativa aos elementos e respetivos rendimentos. O contrato de inserção, celebrado no dia 16.02.2024, foi negociado e assinado com CC e contempla 2 ações, designadamente: apoio familiar a nível de relações e dinâmicas e integração no mercado de trabalho. No âmbito do acompanhamento desenvolvido até à data, considera-se, em termos gerais, que CC tem apresentado uma atitude participativa e disponível para colaborar com a técnica do SAAS/RSI revelando, no entanto, alguma imaturidade e pouca capacidade para definir, de forma sustentada e coerente, um projeto de vida. CC reconhece algumas das fragilidades relativas à situação socioeconómica do agregado familiar bem como a necessidade de mudanças no que diz respeito, por exemplo, à esfera profissional do casal, no entanto, revela muitas dificuldades em concretizar essa mudança. Efetivamente, desde o início do acompanhamento CC apresenta como principal aspiração a integração no mercado formal de emprego e, considerando o seu discurso, estará a fazer esforços nesse sentido. Ainda assim, mesmo estando constantemente a realizar entrevistas de emprego e períodos de experiência em diferentes empresas, não conseguiu, até à data, uma efetiva integração no mercado de trabalho não tendo sido, ainda, possível avaliar se isto ocorre por falta de competências e pouco investimento por parte da beneficiária ou se realmente acontece por condicionalismos associados ao processo de recrutamento. Pretende, também, inscrever-se num Centro Qualifica para obter o 12.º ano. Relativamente ao companheiro, o percurso profissional é, também, instável, com grande flutuação entre períodos de emprego (informal, sem realização de descontos para a segurança social) e desemprego e sucessivos planos de mudança de entidade patronal. No último contacto efetuado com CC, a 06.03.2024, o companheiro tinha deixado o trabalho que realizava numa empresa de construção civil e iniciaria, no dia 11.03.2024, atividade numa empresa de iluminações onde já trabalhou durante muitos anos. Não foi, ainda, possível estabelecer qualquer contacto com BB, nem conhecer as condições habitacionais, na medida em que quando foi efetuada visita domiciliária, não se encontrava ninguém em casa. Para além da instabilidade profissional e, consequentemente, das fontes de rendimento, ainda não foi possível aprofundar o conhecimento de outras dimensões da situação sociofamiliar, por exemplo, no que diz respeito à relação entre o casal, retaguarda da família alargada ou situação de saúde de BB.” (cit) Mail de 03/04/2024 “(..)à data de 25.03. Mantém-se situação de desemprego dos dois elementos. O companheiro de CC ainda não iniciou atividade na empresa de iluminações e vai realizando alguns biscates.” (cit) Como definido na última diligência judicial, a EMAT encaminhou o progenitor para acompanhamento no CRI/ET de .... O pedido foi formalizado a 05/12/2023, tendo sido agendado primeira marcação para dia 02/02/2024. Em resposta a pedido de informação, a ET de ... na pessoa da Dr.ª II, informa a 11/03/2024 que “Em resposta a pedido efetuado sobre BB informa-se que este encontra-se em acompanhamento na E.T de ..., do CRI ... desde 2-2-2024, tendo tido até agora apenas 2 consultas marcadas, as quais compareceu, o que não nos fornecesse grande informação sobre o utente e a sua capacidade sobre o cumprimento do tratamento para o seu consumo de Cannabis. Foi-lhe prescrita medicação e apresenta uma atitude colaborante.” (cit) No âmbito da queixa de violência doméstica que a progenitora apresentou contra o progenitor a 14/11/2023, tendo a mesmo recorrido a Casa Abrigo onde esteve poucos dias, foi a progenitora encaminhada para Estrutura de Atendimentos a Vítimas de ... “...”. No atendimento que teve naquele serviço a 21/11/2023 “(…) onde lhe foi explicada a natureza da intervenção da N/ Estrutura e os serviços disponibilizados, ao qual a Vítima declarou não pretender iniciar quaisquer dos apoios disponibilizados (apoio jurídico, psicológico e/ou social). Mais se informa que, a vítima declarou não pretender dar continuidade ao processo crime de Violência Doméstica, assente em alguns motivos, nomeadamente, segundo a mesma, já tinha articulado a sua vontade com a sua representante legal e, pretendia que fosse realizado junto do alegado agressor, um acordo para que este efetuasse um tratamento ao consumo de estupefacientes. Ainda, este acordo seria devido ao facto de terem uma criança de 11 meses que, precisava dos pais juntos, pelo que queria dar uma nova oportunidade ao companheiro, não obstante desta não ter sido a primeira vez que terá sido agredida pelo mesmo, referindo que, terá existido uma agressão durante a gestação do filho em comum.” (cit mail da Dr.ª JJ do Serviço de Ação Social da Camara Municipal de ...). De facto as sms que a progenitora apresentou no momento da queixa na GNR referem várias agressões do progenitor contra a progenitora no passado “espancaste quando eu tava gravida, entraste na minha casa com uma faca as 5 e tal da manh, roubaste o carro enumeras vezes, foste bruto cmg muitas mais vezes andava com manchas ate murros nas costas davas, mordiscaste-me, e ainda partiste o vidro la de casa com raiva so pk te acordei cedo isso n eh maltratar ent eh o que , fora o psicológico, eu n valo nd, que eu n sirvo para nd…” tendo como resposta sms do progenitor “eu entrei em tua casa? Não sabia que eu saiba eu morava lá tu é que foste para a noite, beber e apanhar a borracheira e eu ainda tive que andar a chuva (…)”(cit- sms apresentadas pela progenitora na queixa a 14/11/2024). No âmbito do processo do irmão uterino de AA, o DD, este mantem-se aos cuidados do seu progenitor. Segundo relatório de 25/03/2024 da EMAT, DD tem as suas necessidades asseguradas junto do progenitor, que se mostra diligente perante as orientações e sugestões dadas pelos serviços. De referir que DD deixou de realizar pernoitas e convívios em casa da progenitora, tendo sido solicitado PEF no CAFAP de ... para que a progenitora visitasse o DD. O pedido de visitas supervisionadas prendeu-se com o facto de o DD ter referido que um amigo da mãe e do companheiro (pai do AA) terem comportamentos/discurso desadequados com a criança, que a progenitora referiu serem mentira, no entanto a mesma faz referência a estes acontecimentos nas sms trocadas com o progenitor de AA, que apresentou quando apresentou queixa a GNR “N fazes mal, que eu saiba sempre te disse oara o deixares e tu fazias msm aquilo qyue eu dizia para n fazeres, o de queimar a pilinha tu n queimaste mas tavas sempre a atisalo, o menino com a tablet r tu tiras, de manha ele n pode fazer barulho, se ia para fora brincar la vinhas tu resmongar” (cit- sms apresentadas pela progenitora na queixa a 14/11/2024). No que toca às visitas ao filho DD, a progenitora mostra-se irregular, justificando as ausências por motivos profissionais ou por avaria do carro. No que toca ao outro filho do progenitor, KK, o mesmo mantem-se aos cuidados da progenitora e respetiva família materna, tendo o processo da criança e da mãe sido arquivado na CPCJ de ... a 02/08/2023. Por sugestão da CPCJ, o progenitor não realizava visitas sozinho ao filho, sendo estes momentos supervisionados por familiares (ou pela avó materna da criança ou por uma tia avó paterna). Tivemos informação que decorreu processo Tutelar Cível (processo 967/22.8.8... – Juiz ...) a favor da criança, sendo que progenitor informou na última diligência judicial que iria ter audiência no Tribunal relativo a este filho no dia 19/12/2023, no entanto não temos conhecimento do desfecho da mesma”.
30. A 10 de Maio de 2024, a EMAT prestou novas informações, constando do respetivo relatório o seguinte: “No que toca ao acompanhamento do progenitor por parte da Equipa de Tratamento de ..., a mesma remeteu informação à EMAT via mail “O BB pediu para adiar as consultas de 15-3-2024. Compareceu às consultas de Psicologia, Medicina Geral e Familiar e de Serviço Social no dia 5-4-2024. Na consulta recusou efetuar o Controlo Urinário pontual às drogas ilícitas, justificando que já tinha feito uma vez na primeira consulta e que está sem consumos. Não aderiu à terapêutica farmacológica.” (cit mail de 12/04/2024) Foi solicitada informação atualizada, que enviada por mail no dia de hoje “O BB faltou hoje às consultas marcadas. Não existe, portanto, mais nenhuma informação a acrescentar às Informações Clínicas anteriores.” (cit mail de 10/05/2024). No que toca à situação socioeconómica dos progenitores, a A... remeteu à EMAT a seguinte informação “No seguimento dos contactos anteriores, partilho as informações prestadas por CC: - Está a trabalhar numa ... desde 08.04.2024, em ..., ...; - Vai assinar contrato e fazer descontos a partir do mês de maio. - O companheiro está a trabalhar na empresa de iluminações onde já trabalhou, ainda sem efetuar descontos para a segurança social; Face ao exposto, iremos proceder à atualização dos rendimentos para efeitos de recalculo do RSI. Aguardo confirmação se o processo será suspenso ou cessado para avaliar a necessidade de transitar o acompanhamento para a ação social, caso o AF esteja disponível. (cit mail de 07/05/2024). A progenitora informou ainda estar a trabalhar na ... .... Da consulta do SISS, foi possível apurar a existência de registo de contrato de trabalho no dia 10/05/2024 com a empresa P..., Lda. O progenitor não apresenta registo de qualquer contrato de trabalho. No dia 09/05/2024 a Dr.ª LL contactou a EMAT a informar que tinha sido contactada pelos avós maternos, uma vez que estes tinham tido conhecimento da proposta de adoção feita pela EMAT e pretendiam ser retaguarda para o neto, referindo ter um quarto para ele, sendo que não percebiam o motivo de o neto não estar com a progenitora uma vez que esta tinha casa. Não obstante o súbito interesse dos avós maternos em se configurar como alternativa para o neto, parece-nos que este interesse é movido pelo conhecimento da medida proposta e não por uma preocupação genuína pelo neto, sendo que nos quase 16 meses de vida do AA, o casal não demonstrou qualquer interesse pelo seu descendente, como já elencado em informações anteriores - não obstante terem autorização para visitar o neto, só o fizeram, a título excecional, quando foram acompanhar os progenitores e apresentaram uma interação escassa com a criança. Não contactam a Casa de Acolhimento para saber do neto e quando foram abordados não revelaram interesse em se responsabilizarem pelo AA”.
31. O progenitor faltou sucessivamente às marcações para realização da perícia médico-legal solicitada, o que inviabilizou a concretização da mesma.
32. A progenitora fez registo na SS a 3 de Outubro na empresa S..., com início a 7 de outubro de 2024.
33. O progenitor formalizou contrato de trabalho em Agosto de 2024.
34. O avô materno apenas visitou o AA duas vezes na CA e a avó materna apenas o fez uma vez e nunca contactaram telefonicamente a CA para saber do neto.
35. Os avós maternos cuidam, atualmente, em sua casa de três idosos, sendo responsáveis pelos seus cuidados no dia-a-dia e contando com a ajuda de uma funcionária, nos últimos meses.»
36. Os progenitores visitaram o filho AA na casa de acolhimento nas datas discriminadas no documento constante do histórico do citius em 10/10/2024, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo a mãe efectuado 75 visitas de 134 marcadas e o pai 71 de 133 marcadas, entre 09/02/2023 e 04/10/2024, das quais efectuaram todas as 7 marcadas em Maio de 2024, em Junho de 2024 a mãe efectuou 7 visitas de 10 marcadas e o pai 6 de 9 marcadas, efectuaram todas as 4 marcadas em Julho de 2024, em Agosto a mãe efectuou 4 visitas e o pai 2 visitas de 6 marcadas, em Setembro a mãe efectuou todas as 5 visitas marcadas e o pai efectuou 4 delas.
37. É muito comum nas visitas a progenitora fazer videochamada com os avós maternos.
38. Por vezes a progenitora faz-se acompanhar nas visitas pela sobrinha MM e já se fez acompanhar, embora não recentemente, pelo filho mais velho DD.
39. A progenitora acompanhou o AA à consulta de pediatria do mês de Maio de 2024 e, tendo tomado conhecimento junto da Casa de Acolhimento que a próxima consulta seria em Novembro do mesmo ano, combinou com a responsável, Dra. NN, que, mais próximo da consulta, voltaria a abordá-la para acertarem a data e a hora do acompanhamento.
*
Descritos os factos provados, passemos à resolução das questões acima enunciadas.
Primeira questão: saber se o acórdão recorrido, ao confirmar a decisão proferida em 1.ª instância de aplicar, em benefício de AA, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Renascer de ..., com vista à adopção, com inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores e com a cessação dos convívios da família biológica com a criança, violou o disposto no artigo 1978.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Civil, e os artigos 4.º, 34.º, 35.º e 38.º-A da LPCJP.
A resposta é negativa. O acórdão é de confirmar, embora não pela exactas razões jurídicas dele constantes.
Previamente importa dizer o seguinte sobre a alegada violação pelo acórdão recorrido do artigo 34.º da LPCJP.
Este preceito dispõe sobre as finalidades das medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo. Poderia pensar-se que, ao imputar à decisão a violação deste preceito, a recorrente entendia que não havia fundamento para aplicar ao seu filho qualquer medida de promoção e protecção. Não é esta, no entanto, a sua posição processual. Ao alegar sob a conclusão 27.ª que o projecto de vida do AA passa pela sua integração no agregado familiar dos pais, com retaguarda dos avós maternos, ou na sua integração na família alargada, mais concretamente no agregado dos avós maternos, a recorrente reconhece a necessidade de o tribunal instituir em benefício da criança medidas de promoção e protecção. Assim, ao alegar que o projecto de vida da criança passa pela sua integração no agregado familiar dos pais, com retaguarda dos avós maternos, está a requerer a aplicação da medida de apoio junto dos pais, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP. Por sua vez, ao alegar, em alternativa, a integração do menor no agregado dos avós maternos, está a requerer a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 35.º do citado diploma.
É, assim, de concluir que a recorrente reconhece inequivocamente que o menor, seu filho, carece de medidas de promoção e protecção. Com o que ela não concorda é com a confiança dele a uma instituição com vista a futura adopção, medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e no artigo 38.º-A, ambos da LPCJP.
A sua discordância assenta, no essencial, na seguinte linha argumentativa:
Em primeiro lugar, invoca o disposto no artigo 1978.º do CC, dizendo que as cinco situações que justificam a confiança judicial pressupõem que não existam ou se mostrem seriamente comprometido os vínculos próprios da filiação entre os pais da criança e a criança e que, no caso, esses vínculos existem ou não se encontram seriamente comprometidos. Vê a prova da manutenção desses vínculos na circunstância de, durante os seus 22 meses de vida, o AA não ter estado privado do contacto com os progenitores. Em tal período, ela e o pai da criança visitaram-na periodicamente, sendo que a partir de Maio 2024, as visitas ocorreram de forma regular;
A segunda linha argumentativa é constituída pela alegação de que o tribunal recorrido confiou a criança com vista a futura adopção sem averiguar das possibilidades de integração do menor na família natural, não tendo esgotado todas as possibilidades de integração do menor na família biológica, nuclear alargada.
É com base nestes dois argumentos que a recorrente sustenta que o acórdão violou:
• Os seguintes princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo enunciados no artigo 4.º da LPCJP: princípio do interesse superior da criança (alínea a)); o principio da proporcionalidade e da actualidade (alínea e)), o princípio da prevalência da família (alínea h)];
• A Convenção sobre os direitos da Criança na parte em que dispõe: “Os Estados Partes Garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança”
• O princípio do superior interesse da criança tal como previsto no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante autorização judicial”.
Como se escreveu acima, a decisão de confiar a criança a instituição com vista a futura adopção é de confirmar, embora não pelas exactas razões jurídicas dele constantes. Vejamos.
Segundo o artigo 38.º-A da LPCJP, a medida de confiança com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil.
O acórdão sob recurso entendeu que o caso se ajustava à situação prevista na alínea d) do n.º 1 do mencionado preceito, ou seja, se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devido a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, e educação ou o desenvolvimento da criança.
Como resulta da transcrição que se acaba de fazer, a verificação da situação em causa pressupõe que a segurança, a saúde, a formação e educação ou o desenvolvimento da criança tenham sido postos em grave perigo e que a causa desse perigo tenha sido a acção ou a inacção dos pais.
Pese embora o respeito que nos merece o acórdão recorrido, a segurança e a saúde da criança nunca estiveram em perigo. É que, logo após o nascimento, com a criança ainda no hospital, o perigo para a segurança e a saúde da criança que adviria da sua entrega aos pais foi prevenido com o decretamento da medida de acolhimento residencial do AA e com a colocação dela na Casa de acolhimento .... E aí tem permanecido, primeiro no âmbito da medida de acolhimento residencial e, de seguida, no âmbito da medida de confiança com vista a futura a adopção.
Esta instituição tem dispensado à criança cuidados de saúde e segurança e tem-lhe propiciado condições de desenvolvimento da sua personalidade, como o atesta o relatório da EMAT de 11 de Abril de 2024 (relatório onde a segurança social propõe a confiança da criança a instituição com vista a futura adopção) onde se afirma que “não existiam preocupações ao nível da saúde e desenvolvimento do AA” (ponto n.º 28 dos factos provados).
No entender deste tribunal, a situação prevista no artigo 1978.º do Código Civil que se ajusta ao caso dos autos e que justifica a aplicação à criança da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é a da alínea e) do n.º 1. A hipótese nela prevista é a seguinte: “Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por uma família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos (leia-se vínculos afetivos próprios da filiação) durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”.
Desta descrição decorre que a situação em análise reveste as seguintes notas características:
• Em relação à criança: trata-se de uma criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento;
• Em relação aos pais: pais que revelaram manifesto desinteresse pelo filho durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança com vista a futura adoção;
• No que diz respeito à relação entre os pais e a criança: comprometimento sério da qualidade e da continuidade dos vínculos afectvos próprios da filiação.
É incontroverso que o AA é uma criança que cai na previsão da alínea e), pois foi acolhido por uma instituição.
A recorrente não concorda, o entanto, que ela e o pai da criança revelaram um manifesto desinteresse por ela, criança, comprometendo seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação. Contrapõe que, durante os 22 meses de vida do AA, o menor não tem estado privado do contacto com os progenitores que periodicamente o visitam e que, a partir de Maio, as visitas ocorreram de forma regular. Na sua lógica argumentativa, as visitas periódicas ao menor seriam um sinal do interesse dos pais pelo filho e de que os vínculos próprios da filiação entre eles e o AA não estariam seriam comprometidos.
Esta alegação não colhe, apesar de ser exacto que o menor te sido visitado pelos pais (ponto n.º 36 dos factos provados).
Sucede que, na interpretação que é feita da alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º pela jurisprudência e pela doutrina – e com a qual se concorda – o manifesto desinteresse pelo filho não implica necessariamente a inexistência de visitas ao filho. Como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 30-11-2004, na revista n.º 043795, publicado em www.dgsi.pt. “... no conceito de "manifesto desinteresse pelo filho" está essencialmente em causa a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação” e que “o interesse ou desinteresse dos pais pelos filhos a que se refere o art. 1978, nº1, al. e) do C.P.C., não pode aferir-se apenas por um critério meramente cronológico, traduzido apenas pela existência ou inexistência de uma visita dos primeiros aos segundos em cada três meses. A família é um lugar de afecto, dependendo a qualidade do afecto da potencialidade afectiva da pessoa que cuida da criança no dia a dia, que acompanha os seus sonhos e vive as suas alegrias”. Esta foi também a interpretação do acórdão do STJ proferido em 19 de Setembro de 2024, no processo n.º 315/23.0T8PTM.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt.
Na doutrina, Clara Sottomayor escreve a propósito do conceito de desinteresse para efeitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º: “a lei não exige que o manifesto desinteresse revelado pelos pais se traduza numa ausência completa de visitas à criança acolhida por uma instituição. Tratando-se de uma criança de tenra idade, e tendo em conta o estado de desenvolvimento desta, o julgador pode entender que as visitas esporádicas ou espaçadas, durante os três últimos meses, comprometeram seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação” (Código Civil, Livro IV – Direito da família, 2022, 2.ª Edição, Almedina, página 1018).
Também autores como Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira afirmam, a propósito da alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, que “... são irrelevantes puras manifestações de intenção, desacompanhadas de actos em que as intenções se revelem, ou manifestações isoladas ou esporádicas (uma carta, uma pequena lembrança, uma visita esporádica à instituição em que o menor está internado) – Curso de Direito da Família, Volume II, Tomo I, Coimbra Editora, 206, página 279.
A interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil com o sentido indicado está em conformidade com a razão de ser e a finalidade da medida de confiança com vista a futura adopção expostas nos seguintes termos no preâmbulo do Decreto-lei n.º 185/93, de 22 de Maio (diploma que aprovou um novo regime de adopção e que alterou o artigo 1978.º do Código Civil):
“A confiança do menor com vista a futura adopção, cujas situações se mostram tipificadas no artigo 1978.º, radica na consciência de que aquele necessita, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, contacto que deve decorrer sem descontinuidades importantes durante a menoridade, embora com as alterações na relação que as várias fases das crianças e dos jovens naturalmente aconselham.
“A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se prolonguem situações em que este sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade e em que os seus pais ou não existem ou, não se mostrando dispostos a dar o consentimento para uma adopção, mantêm de facto uma ausência, um desinteresse e uma distância que não permitem prever a viabilidade de proporcionarem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente”.
Deste preâmbulo destacamos o seguinte, com relevo para a interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil:
• Que a criança necessita desde o nascimento e especialmente na primeira infância (considerado um período essencial para o crescimento e desenvolvimento da criança) de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, contacto que deve decorrer sem descontinuidades importantes durante a menoridade;
• Que a confiança judicial do menor tem como primeira finalidade a defesa do menor, evitando que se prolonguem situações em que este sofre as carências derivadas da ausência de uma relação de familiar com um mínimo de qualidade e que não permitem prever a viabilidade de proporcionarem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente,
A matéria de facto apurada mostra com suficiente clareza que a recorrente bem como o pai da criança não mantêm com ela uma relação contínua, minimamente equilibrada e com um mínimo de qualidade que permita prever que irão proporcionar, em tempo útil, uma relação que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente.
Que a recorrente e o pai da criança não mantêm com ela uma relação contínua e minimamente equilibrada resulta da circunstância de a relação deles com a criança se resumir a visitas irregulares, em número inferior ao programado e algumas vezes com duração inferior à estabelecida pela instituição de acolhimento, e videochamadas com a instituição, estas últimos absolutamente inapropriados como meio de se relacionarem com a criança, dada a idade desta. Além das visitas, não encontramos na matéria de facto a prova de mais nenhuma acção dos pais capaz de criar laços próprios da filiação com a criança.
Que os contactos dos pais com a criança não tiveram aquele mínimo de qualidade capaz de criar entre eles e a criança vínculos afetivos próprios da filiação é atestado pelos seguintes passos da matéria de facto:
• Na primeira visita realizada, a Casa de Acolhimento refere que “Não se percecionou grande envolvimento afetivo, já que o AA permaneceu um grande período de tempo na alcofa, esperando-se que os pais procurassem mantê-lo no colo o máximo de tempo possível”.
• Nas visitas realizadas entre 6 de Fevereiro de 2023 de o dia 18 de março de 2023 (9 quando estavam previstas 19) a casa de acolhimento assinalou que “o progenitor permanece no espaço de visita apenas a sorrir e conversar com a mãe. A mãe pega no AA ao colo em alguns momentos, acabando por voltar a colocar na alcofa ou espreguiçadeira. Ocorreu também recentemente uma visita na qual a progenitora pediu à equipa o término da mesma pois “ele está a dormir e também não estamos aqui a fazer a nada. Se estivesse acordado, ficávamos mais um bocadinho, mas assim, vamos andando” (sic), faltando cerca de 15 minutos para o horário previsto de final. Os progenitores do AA revelam um comportamento de algum desprendimento afetivo por relação ao filho e demonstram pouco comprometimento e responsabilidade com os momentos de convívio que lhes são proporcionados”;
• De acordo com a informação técnica do CAR, em Julho de 2023, “o AA não reconhece nenhum dos progenitores, dada a sua tenra idade, mas essencialmente devido aos longos períodos de ausência dos progenitores”;
• Em Outubro de 2023, o relatório da EMAT refere que o pai assume uma postura mais passiva na interação com a equipa da CA e também com o bebé e que a mãe é sempre o elemento de contacto com a CA, é também, nas poucas visitas presenciais, mais ativa nas interações, mas revela desconhecer a fase de desenvolvimento em que se encontra o AA, bem como as brincadeiras e necessidades adequadas a cada etapa da vida do seu filho.
• No relatório da EMAT com data de 11 de Abril de 2024, é referida a avaliação da equipa técnica da Casa de acolhimento, segundo a qual os progenitores do AA não têm com a criança uma relação própria de filiação, bem como revelam distanciamento afetivo e parental do bebé. O pai assume uma postura mais passiva na interação com a equipa da CA e também com o bebé. A mãe é sempre o elemento de contacto com a CA, é também, nas visitas presenciais, mais ativa nas interações, mas revela desconhecer a fase de desenvolvimento em que se encontra o AA, bem como as brincadeiras e necessidades adequadas a cada etapa da vida do seu filho.”
Que não é previsível que os pais proporcionem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente resulta da circunstância de, decorridos mais de 2 anos sobre o nascimento da criança e a entrega dela ao cuidado de uma instituição, os pais continuarem a revelar a mesma incapacidade para tomar conta da criança que revelavam aquando do nascimento dela. Nestes dois anos, foram incapazes de organizar a sua vida de forma a poderem acolher o seu filho e garantir-lhe segurança, saúde, educação e o seu desenvolvimento da personalidade.
Pelo exposto é de concluir pela verificação da situação prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil.
Não se ignora que, na interpretação deste preceito, autores como Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira entendem que a confiança com vista a futura adopção tem uma causa de pedir complexa constituída pela inexistência ou comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação e pela verificação objectiva de qualquer das situações previstas nas mencionadas alíneas (obra supracitada página 278). Ainda que se interprete o preceito com este sentido, ele está em condições de ser aplicado no caso visto que o comprometimento sério dos vínculos próprios da filiação é requisito da verificação da situação prevista na alínea e) e tal comprometimento está demonstrado.
Por todo o exposto, improcede a primeira linha argumentativa da recorrente.
O mesmo se diga da segunda. Com efeito, não é exacta a alegação de que o tribunal recorrido não averiguou das efetivas possibilidades da integração do menor na família natural antes de avançar, como se avançou, para a adoção. A falta de exactidão é atestada pelas seguintes passagens da decisão recorrida:
“Quanto à família paterna, da matéria de facto resulta claro que não existe qualquer opção viável para a integração do AA.
E quanto à família materna, apenas poderia colocar-se a hipótese do agregado dos avós maternos. Sucede que, objectivamente, e ao contrário do que pretendem os recorrentes, essa também não é uma solução que se afigure proteger o interesse do menor. Na verdade, não pondo em causa que os mesmos gostem do AA, por ser seu neto, os mesmos só se disponibilizaram a recebê-lo depois de confrontados com a proposta de encaminhamento do mesmo para adopção. Antes disso, e durante mais de um ano e meio da vida do neto, nunca os interesses deste foram por si colocados em primeiro lugar: o avô visitou o neto apenas duas vezes e a avó apenas uma vez, escudando-se no seu trabalho de cuidadores de idosos, actualmente em número de três, e nunca procuraram directamente saber do neto junto da casa de acolhimento, apenas participando em videochamadas efectuadas pela sua filha aquando das visitas desta. E não obstante terem agora manifestado a pretensão de ser retaguarda para o neto, referindo ter um quarto para ele, certo é que a sua situação objectiva não sofreu qualquer mudança e, perante aquela, em Março de 2023, os avós afirmavam “não ter vida, nem idade para ter um bebé aos seus cuidados, até porque já têm uma neta de 8 anos à sua guarda e têm aos seus cuidados quatro idosos”, disponibilizando-se o avô apenas a ajudar a filha financeiramente, e, em Novembro de 2023, a avó materna, questionada para o efeito, afirmou que “não tem ninguém que fique a olhar pelos idosos” e que “não se responsabiliza pelo AA, uma vez que está a tomar conta de outro neto e não tem idade para se responsabilizar por mais um” (aliás, se algo mudou foi precisamente a idade dos avós, que agora estão mais velhos).
Ademais, afigura-se ainda que os avós não têm uma clara percepção da situação de risco do neto, nunca tendo intervindo junto da sua filha, no sentido de a sensibilizar para alterar o seu estilo de vida, não tendo provavelmente sequer conhecimento das condições existentes na casa desta, posto que não permitiam a entrada do pai do neto em sua casa, apenas se disponibilizavam a ajuda financeira e manifestavam “não perceber o motivo de ambos os netos terem sido retirados” e, mesmo quando, em Maio de 2024, manifestaram a pretensão de apoiar o neto, sempre referiram que “não percebiam o motivo de o neto não estar com a progenitora uma vez que esta tinha casa”! Sendo de acrescentar também que as condições habitacionais que os avós podem disponibilizar ao neto não serão as mais adequadas, pois que têm espaço no sótão para um quarto, “mas ao sótão acede-se por umas escadas ingremes, que deixaram dúvidas quanto à segurança das mesmas”.
Estes trechos mostram que o acórdão sob recurso ponderou a colocação da criança no meio natural de vida, mas concluiu que nem os pais, nem os avós maternos reuniam as condições para cuidar dela. Esta conclusão tem amparo na matéria de facto e no n.º 2 do artigo 1978.º do Código Civil, segundo o qual na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente as direitos e interesses da criança, e no primeiro princípio orientador da intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança, o princípio do interesse superior da criança (alínea a) do artigo 4.º da LPCJP).
Na verdade, no que diz respeito aos avós maternos, resulta da matéria de facto provada, com relevância para esta questão, o seguinte:
• Em Março de 2023, a EMAT contactou os avós maternos do menor e pelos mesmos foi dito que não tinham idade para ter um bebé aos seus cuidados, porque já tinham uma neta de 8 anos á sua guarda e tinham ao seu cuidado 4 idosos (ponto n.º 12);
• Em Novembro de 2023, a avó materna volta a declarar que não se responsabilizava pelo AA, uma vez que estava a tomar conta de outro neto e não tinha idade para se responsabilizar por mais um (ponto n.º 28).
Vê-se, assim, que os avós maternos declararam mais do que uma vez que não estavam em condições de cuidar do menor. É certo que, em Maio de 2004, chegou ao conhecimento da EMAT que os avós se declararam disponíveis para servir de retaguarda ao neto, referindo que tinham um quarto para ele. Porém, como é afirmado certeiramente pela EMAT, os avós só manifestaram interesse no destino do neto quando souberam que a EMAT propôs a confiança da criança com vista a adopção. Até então, os avós não só declararam que não estavam disponíveis para acolher o neto, pois anteriormente nunca demonstraram interesse na situação do neto, pois apesar de lhes ter sido dada autorização para o visitarem na instituição que o acolheu, nunca contactaram a casa de acolhimento para se inteirar da situação do neto e só visitaram o neto duas vezes e ainda assim na companhia dos progenitores e como se afirma na matéria assente “apresentaram uma escassa interacção com o menor”.
Não merece, assim, qualquer censura o acórdão quando afasta a aplicação de medidas no meio natural de vida, nomeadamente apoio junto de outro familiar. Ao fazê-lo não violou o princípio da prevalência da família ou a Convenção sobre os Direitos da Criança na parte em que dispõe: “Os Estados Partes Garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança” ou o princípio do superior interesse da criança tal como previsto no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa: os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Na verdade, não decorre de nenhum destes princípios que, quando, como sucedeu no caso, os pais se desinteressem dos filhos em termos de comprometerem seriamente os vínculos próprios da filiação, está vedado ao tribunal decretar a confiança da criança a instituição com vista a futura adopção.
*
Decisão:
Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.
Sem custas (alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais).
Lisboa, 17 de Junho de 2025
Relator: Emídio Santos
1.º Adjunto: Orlando dos Santos Nascimento
2.ª Adjunta: Isabel Salgado