Sumário
I - A acção de petição de herança prevista no art. 2075º do Cód. Civil, visa, por um lado, o reconhecimento judicial da qualidade sucessória de herdeiro do autor, e por outro, a restituição à herança de bens na posse do réu;
II – De acordo com o princípio geral do ónus da prova consagrado no art 342º do CCivil, impende sobre o autor a prova da sua qualidade de herdeiro e que os bens que discrimina e que estão na posse do réu, pertencem ao acervo de bens da herança;
III – Tendo-se provado apenas que em vida dos autores da sucessão foram feitas transferências de dinheiro de contas bancárias daqueles para uma conta em nome do réu, filho dos de cujus, e para a conta de uma sociedade de que é sócio com a mulher, nada se tendo apurado quanto aos motivos e circunstâncias em que ocorreram, não é possível concluir que o dinheiro transferido pertence à heranças e que a estas deve ser restituído.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA, residente na Praça ..., ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., “M..., Representações, Lda.” com sede na Rua ... 35-B, CC, residente na Rua ... 35, ... e DD residente na Rua ... 116, ..., formulando o seguinte pedido:
“a) Ser reconhecida à A. a qualidade de herdeira de EE e de FF;
b) Ser o 1.º R. condenado na restituição às Heranças de EE e de FF das frações autónomas designadas pelas letras “U” e “T” da Quinta das ..., na Rua ... 9, 9-A, 9-B e 9-C;
c) Ser a 2.ª R. condenada na restituição às Heranças de EE e de FF da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, com o n.º 35-C do prédio urbano sito na Rua ...s 35, 35-A, 35-B e 35-C, em ...;
d) Ser a 3.ª R. condenada na restituição às Heranças de EE e de FF da fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao terceiro andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ... 35, 35-A, 35-B e 35-C, em ...;
e) Ser a 4.ª R. condenada na restituição às Heranças de EE e de FF da fração autónoma designada pela letra “Q”, correspondente ao quinto andar esquerdo (incluindo a arrecadação sita no sótão e um lugar de estacionamento sito na segunda cave ou piso menos dois) do prédio urbano sito na Rua dos ...116, 116-A, 116-B e 116-C;
f) Ser o 1.º R. condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da injunção referida na alínea b) supra;
g) Ser a 2.ª R. condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da injunção referida na alínea c) supra;
h) Ser a 3.ª R. condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da injunção referida na alínea d) supra;
i) Ser a 4.ª R. condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da injunção referida na alínea e) supra;
j) Ser o 1.º R. ainda condenado a pagar às Heranças de EE e de FF uma indemnização por privação de uso, no montante de € 240,00 mensais (€ 120,00 por cada fração) desde a citação e até ao trânsito em julgado da Sentença;
k) Ser a 2.ª R. ainda condenada a pagar às Heranças de EE e de FF uma indemnização por privação de uso, no montante de € 1.578,07 mensais desde a citação e até ao trânsito em julgado da Sentença;
l) Ser a 3.ª R. ainda condenada a pagar às Heranças de EE e de FF uma indemnização por privação de uso, no montante de € 1.578,07 mensais desde a citação e até ao trânsito em julgado da Sentença; e
m) Ser a 4.ª R. ainda condenada a pagar à A. uma indemnização por privação de uso, no montante de € 1.683,11 mensais desde a citação e até ao trânsito em julgado da Sentença, n) Ser o 1.º R. finalmente condenado na entrega às Heranças de EE e de FF da quantia € 2.962.650,00 (dois milhões novecentos e sessenta e dois mil e seiscentos e cinquenta euros) de que indevidamente se apropriou; e
o) Ser a 2.ª R. finalmente condenada na entrega às Heranças de EE e de FF da quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) de que indevidamente se apropriou…”
Alegou para tanto e em síntese:
Os réus ocupam gratuitamente frações autónomas que pertencem à herança dos seus avós, gerando despesas que esta tem de suportar e perdendo as receitas que se aufeririam com o seu arrendamento. A autora é herdeira por direito de representação, face à pré-morte da sua mãe, filha dos de cujus. Acresce que diversas quantias depositadas em contas bancárias da titularidade dos de cujus foram creditadas em contas da titularidade dos 1º e 2º réus, que delas se apropriaram indevidamente, quantias que se integram na herança dos seus avós. Devem todos os bens – imóveis e dinheiro – ser restituídos à herança, e devem os réus indemnizar a herança pelos prejuízos causados pela ocupação dos imóveis, no valor do seu valor locativo durante a ocupação.
Por requerimento de 21.10.2020 veio a autora desistir da instância quanto à ré DD, a qual foi homologada por sentença.
O réu BB e a ré “M..., Representações, Lda” contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência.
Realizou-se audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, consequentemente:
a) Declaro que a autora, AA, é herdeira dos seus avós EE e FF.
b) Absolvo os réus dos restantes pedidos.
A Autora apelou da sentença.
Por acórdão da Relação de Lisboa de 13.02.2025 foi o recurso julgado parcialmente procedente, no seguintes termos:
“- (…)Revogam a sentença recorrida na parte em que absolveu os 1º e 2º réus dos pedidos formulados nas alíneas n) e o) do petitório formulado na p.i., e em substituição desse segmento revogado, condenam o 1º réu a entregar às heranças de EE e FF os valores transferidos para as contas do 1º réu, melhor descritos nos pontos 31, 33 e 44 da matéria provada, bem como condenam a 2ª Ré a entregar às heranças de EE e FF o valor de €1.000.000,00;
- No que respeita aos demais pedidos, mantêm a decisão recorrida.”
Do assim decidido, interpuseram recurso de revista os RR EE e M..., Representações, Lda.
O Recorrente EE remata a sua alegação com as seguintes conclusões:
I – A questão que se coloca nos presentes autos, como bem refere o Acórdão recorrido, “(…) é a de saber se os valores que nas datas dos óbitos de EE e FF (momentos da abertura das respectivas sucessões) já haviam saído das contas tituladas por aqueles e ingressado em contas tituladas pelo 1º réu ou em que este era contitular, ou pela 2º ré, deixaram de pertencer a EE e FF, ou se, pelo contrário, integram as heranças dos falecidos e devem ser restituídos às mesmas”
II – As quantias que estão em causa nos autos foram objecto de transferência ocorrida cerca de seis anos antes do óbito de EE e cerca de nove anos antes do óbito de FF.
III – O entendimento de que quantias transferidas anos antes do óbito de qualquer titular da conta bancária devem integrar o acervo hereditário constitui uma violação do disposto no Art. 2031.º do Código Civil.
IV - Não se pode considerar que a transferência de importâncias de uma conta bancária para outra constitua um crédito da massa da herança sobre o titular desta última, incumbindo a quem pretende a inclusão, na relação de bens, do valor em causa, a prova dos factos demonstrativos da ilicitude da movimentação mencionada.
V – A Autora aqui recorrida não alegou nem demonstrou qualquer facto do qual pudesse ser extraída a conclusão de que a transferência foi ilícita, tal como não alegou nem demonstrou que EE ou FF tenham manifestado surpresa, arrependimento ou oposição a tal transferência a favor do 1º Réu, aqui recorrente.
VI – Cabia à Autora alegar e demonstrar a ilicitude das transferências para que o respectivo valor devesse ser incluído no acervo hereditário. Neste sentido, decidiu esse Colendo Tribunal por Acórdãos de 12.03.2009, 01.10.2015, 16.11.2023 e 27.02.2025.
VII - A invocação da mera transferência para a conta dos réus de quantias pertencentes ao inventariado, efectuada por este antes de falecer, desligada da causa ou da relação jurídica que a determinou, não permite a conclusão de que as importâncias em apreço faziam parte do património do de cujus à data da sua morte.
VIII - A Autora, aqui recorrida, não alegou os factos dos quais fosse possível concluir que os movimentos a débito tinham ocorrido contra a vontade dos titulares das contas bancárias, não tendo alegadona petição inicial – nem em articulado posterior – que as movimentações tenham tido lugar sem consentimento ou contra a vontade dos de cujus, os quais faleceram vários ANOS depois das datas dos movimentos.
IX - Ao decidir no sentido de que cabia ao 1ª Réu, aqui recorrido, demonstrar que era proprietário dos fundos transferidos, o douto Acórdão recorrido violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto no Art. 342.º do Código Civil.
X - Incumbia a quem pretende a inclusão, na relação de bens, das verbas referidas em II a prova dos factos demonstrativos da ilicitude das movimentações aí mencionadas.
XI - Admitindo por hipótese de raciocínio que existia obrigação de restituir os valores movimentados, qual é o lapso de tempo a partir do qual deve ser entendido que já não existe obrigação de restituir?
XII - No caso concreto estamos perante movimentos ocorridos SEIS ANOS antes do falecimento de EE e NOVE ANOS antes do falecimento de FF. O entendimento resultante do Acórdão recorrido põe em causa a segurança e a certeza jurídica de movimentos bancários de pessoa viva e durante anos antes do óbito.
XIII – A Autora não refere, em parte alguma, que tenha havido subtração, ou seja, que as operações bancárias que são descritas tenham sido feitas por quem não tinha o direito de movimentar as contas bancárias, que tenham sido feitas em violação de qualquer regra de movimentação bancária ou contratada com os titulares das contas, ou que tenham sido feitas contra a vontade dos titulares ou cotitulares das contas bancárias de origem.
XIV - É absolutamente pacífico que, no nosso ordenamento jurídico, apenas integram a herança os bens que existiam no património do de cujus no momento em que se abre a sucessão, ou seja, do óbito – cfr. o Artigo 2031º do Código Civil.
XV - O douto Acórdão recorrido violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos Arts. 342.º, 2096.º e 2031.º, todos do Código Civil
XVI - Requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, dado que a especificidade da situação o justifica, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
As conclusões das alegações da Recorrente M..., Representações, Lda praticamente reproduzem as conclusões do Recorrente BB, pelo que seria de todo inútil reproduzi-las aqui.
Contra alegou a Recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não merece qualquer censura, inexistindo – na situação em concreto – incorreta interpretação e aplicação do Direito ao caso em apreço.
Com efeito,
B. Atenta a Matéria de Facto julgada provada é indubitável que:
(i) as contas bancárias eram da titularidade dos de cujus e que os fundos aí existentes pertenciam aos mesmos (factos n.ºs 26, 29, e 46);
(ii) foram efetuadas transferências bancárias das contas tituladas pelos de cujus para contas tituladas pelo 1.º R., ou co-tituladas por este com FF (e, neste último caso, posteriormente transferidos para a conta do 1.º R.), no valor total de €2.962.650,00 (dois milhões novecentos e sessenta e dois mil e seiscentos cinquenta euros) (factos n.ºs 31, 33, e 44);
(iii) tais transferências visaram a incorporação das quantias transferidas no património do 1.º R., que as fez suas (factos n.ºs 32, 34, e 45);
(iv) foi efetuada uma transferência bancária do depósito a prazo titulado pelos de cujus para conta da titularidade da 2.ª R., no valor total de € 1.000.000,00 (um milhão de euros); e
(v) os Recorrentes já reconheceram, na relação de bens da herança aberta por óbito de EE e FF, datada de 29.10.2018, o direito de crédito da herança sobre, pelo menos, € 2.120.000,00 (dois milhões e cento e vinte mil euros) (facto n.º 47) – cfr. a Sentença (Ref.ª CITIUS .......60, de 20.05.2024) e o Acórdão (Ref.ª CITIUS ......31, de 13.02.2025)
C. Atenta a Matéria de Facto julgada não provada é indubitável que, os Recorrentes não lograram provar que a apropriação das quantias em causa é legitima, confirmando a ausência de qualquer causa justificativa para tal apropriação – cfr. a Sentença (Ref.ªCITIUS .......60, de 20.05.2024) e o Acórdão (Ref.ª CITIUS ......31, de 13.02.2025);
em especial, não foi provado, consoante alegado pelos Recorrentes:
a. Que os valores mobilizados correspondam ao reembolso parcial de pagamentos de encargos do de cujus feitos com dinheiro do 1.º réu, respeitantes, designadamente, a pagamentos em prestações de dívidas de IRS ao fisco, juros e custas de execuções fiscais”;
b. “Que as quantias discriminadas respeitem a transações efetuadas no âmbito da colaboração do 1º réu na administração do património e negócios dos seus pais e ainda a remunerações que lhe foram atribuídas por essa colaboração;
c. “Que os movimentos identificados correspondam a disposições/doações da falecida FF a favor do 1º réu”; bem como que
d. “Que FF tenha querido tirar o seu dinheiro do Montepio Geral, devido à instabilidade nesta instituição financeira, investindo-o num negócio de exploração de caju na ...”.
D. Resultam ainda, salvo melhor opinião, provados por confissão judicial escrita, com força probatória plena, os seguintes factos:
(i) “o 1.º R. apropriou-se assim indevidamente da quantia global de € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros), correspondentes ao saldo total constante da conta bancária n.º ...........06-1”;
(ii) “montante que nunca foi devolvido às Heranças de EE e de FF”; e
(iii) “o 1.º R. assumiu a responsabilidade por creditar à herança 2.344.364,88 EUR” – cfr. a Contestação (Ref.ª CITIUS ......53, de 30.11.2020); o Requerimento (Ref.ª CITIUS ......48, de 29.11.2021); e a Ata da Audiência de 21.02.2024 (Ref.ª CITIUS .......75).
E. Na realidade, e salvo o devido respeito, o que se encontra em discussão nos autos não é (i) a apropriação indevida de quantias monetárias dos de cujus por parte dos Recorrentes, nem tão pouco, (ii) a obrigação da sua restituição, mas, apenas e só, o quantitativo da referida restituição, o qual nunca poderia ser inferior ao valor de € 2.344.364,88 (dois milhões trezentos e quarenta e quatro mil trezenos e sessenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) admitido pelos mesmos.
F. A referência “apropriou-se indevidamente”, constante dos factos vertidos nos artigos 127.º, 130.º, 131.º, 145.º e 147.º da Petição Inicial, resulta provada por necessária presunção judicial, uma vez que todas as causas justificativas alegadas pelos RR. para sustentar um putativo direito próprio sobre as quantias provenientes das contas bancárias dos de cujus foram julgadas não provadas, podendo e devendo retirar-se a consequente ilação de que existiu uma apropriação indevida das respetivas quantias por parte dos mesmos. Destarte,
G. A presente ação judicial é uma ação de petição de herança, cujo objeto vem descrito, nos termos do art. 2075.º, n.º 1, do Código Civil.
H. Os Recorrentes citam erroneamente jurisprudência, porquanto dois dos acórdãos citados (i) não possuem o mesmo objeto processual que os presentes autos, nem, tão pouco, versam sobre a mesma questão fundamental de direito (petição de herança); nos dois acórdãos remanescentes (ii) inexiste coincidência do quadro factual com a presente situação jurídica.
I. É cristalina a ausência de qualquer causa justificativa para as transferências bancárias sub judice porquanto (i) a transferência bancária consiste, em termos técnicos, num negócio abstrato, uma operação que não contém, em si mesma, qualquer justificação causal – cfr. GENTIL ANASTÁCIO; (ii) a realização de todas as transferências bancárias identificadas não faz presumir a existência de uma causa, porquanto não houve promessa de uma prestação, ou, reconhecimento de uma divida – cfr. o art. 458.º, n.º 1, do Código Civil, a contrario; sendo que (iii) competia aos RR. provar, enquanto facto impeditivo da pretensão reivindicatória da A., que a apropriação das quantias em questão é legitima, ou, que as mesmas foram restituídas, o que estes não lograram realizar – cfr. o art. 342.º, n.º 2, do Código Civil; e, na jurisprudência os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2012 (RELATOR: SALAZAR CASANOVA); de 29.10.2024 (RELATOR: FERREIRA LOPES); de 01.07.2010 (RELATOR: SERRA BAPTISTA); de 29.10.2024 (RELATOR: FERREIRA LOPES); e de 12.02.2009 (RELATOR: HELDER ROQUE).Na verdade,
J. Não havendo promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma divida não se pode (1) presumir a existência de uma causa, nem, tão pouco, (2) impor à Recorrida a prova de que a causa (…) inexistente … inexiste (!), sobretudo tendo presente (3) que a causa é um dos elementos estruturais do negócio jurídico no ordenamento jurídico português.
K. Todas as causas justificativas invocadas pelos RR. (doação, comodato, remuneração, participação em negócio), foram julgadas como não provadas, confirmando a ausência de qualquer causa justificativa para a apropriação de bens por parte dos Recorrentes.
L. As quantias monetárias indevidamente apropriadas pelos RR. das contas bancárias de que eram titulares os falecidos, devem ser restituídos à herança aberta por óbito de EE e de FF, porquanto (i) à A. competia, tão-somente, o ónus de provar a sua qualidade sucessória, bem como que os bens cuja restituição peticiona pertenciam aos de cujus, e, ainda, que são os Recorrentes que detêm na sua posse tais bens, sendo estes os factos constitutivos do direito alegado pela mesma, o que esta logrou realizar; (ii) a Recorrida alegou ausência de qualquer causa para os movimentos bancários objeto do presente litígio; não podendo, naturalmente, invocar algo que não existe; e (iii) os Recorrentes não lograram provar a existência de qualquer causa legitima que impeça a pretensão reivindicatória da Recorrida – cfr. os arts. 342.º, n.ºs 1 e 2, e 2075.º, n.º 1, do Código Civil; na doutrina, PIRES DE SOUSA; e PIRES DE LIMA /ANTUNES VARELA; e, na jurisprudência, o ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2022 (RELATOR: ANABELA DIAS DA SILVA), e o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.03.2004 (RELATOR: AZEVEDO RAMOS)
M. O facto de as quantias monetárias em causa terem sido transferidos da conta bancária dos de cujus antes do seu óbito não tem a virtualidade de, por si só, excluir esse bem do património hereditário, não podendo tal fundamento, sustentar a revogação do acórdão recorrido – cfr. o ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.07.2022 (RELATOR: JORGE TEIXEIRA) e o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2022 (RELATOR: HENRIQUE ANTUNES).
Subsidiariamente, e no âmbito de Recurso Subordinado da Matéria de Facto,
N. O Tribunal Relação de Lisboa omitiu da Matéria de Facto provada factos essenciais que foram confessados pelos (aí) RR. nas suas Contestações, o que pode ser objeto de apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça, por existir ofensa de uma disposição expressa de Lei que fixa a força de determinado meio de prova – cfr. os arts. 682.º, n.ºs 1 e 2, e 674.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do Código de Processo Civil, em articulação com o disposto nos arts. 46.º, 463.º, n.º 1, 465.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, bem como nos arts. 352.º, 355.º, n.ºs 1 e 2, 356.º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, do Código Civil.
O. O facto constante do artigo 119.º da Petição Inicial deve ser aditado à Matéria de Facto provada, substituindo o facto n.º 27 da Matéria de Facto, porquanto (i) foi o mesmo confessado no artigo 108.º da Contestação apresentada pelo Recorrido BB; e (ii) a referência a uma (suposta) movimentação a débito não resulta do alegado pelo Recorrido BB na sua Contestação.
P. Os factos constantes dos artigos 127.º e 128.º da Petição Inicial devem ser aditados à Matéria de Facto provada, substituindo o facto n.º 32 da Matéria de Facto, porquanto (i) foram os mesmos confessados no artigo 108.º da Contestação apresentada pelo Recorrente EE [cfr. a Contestação (Ref.ª CITIUS ......53, de 30.11.2020); (ii) o artigo 128.º foi ainda confessado em sede de depoimento de parte prestado pelo 1.º R. [a Ata da Audiência de 21.02.2024 (Ref.ª CITIUS .......75)].
Q. O facto constante do artigo 254.º da Contestação do 1.º R. deve ser aditado à Matéria de Facto provada, porquanto (i) a Recorrida aceitou a confissão contida nesse artigo, a saber, que o 1.º R. assumiu a responsabilidade de creditar à herança a quantia de € 2.344.364,88 (dois milhões trezentos e quarenta e quatro mil trezenos e sessenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), sendo tal confissão, a partir desse momento, irretratável [cfr. o Requerimento (Ref.ª CITIUS ......48, de 29.11.2021)]; (ii) foi produzida prova documental em sentido convergente com o alegado, em concreto, os docs. n.ºs 3, 4 e 16 juntos pelo (aí) 1.º R. com a sua Contestação, os quais não foram impugnados pela Recorrida [cfr. a Contestação (Ref.ª CITIUS ......53, de 30.11.2020)].
Sem prescindir, e por outra via,
R. O Supremo Tribunal de Justiça possui, também, competência para sindicar a inutilização de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação – cfr. nomeadamente, o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18.05.2017 (RELATOR: CHAMBEL MOURISCO), e o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2020 (RELATOR: ANA PAULA BOULAROT).
S. Os factos constantes dos artigos 127.º, 130.º, 131.º, 145.º e 147.º da Petição Inicial devem ser aditados à Matéria de Facto provada, porquanto a referência “apropriou-se indevidamente” resulta de necessária presunção judicial que, atenta a ausência de causa legitima para a apropriação das quantias pelos RR., deveria ter sido extraída pelo Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. os arts. 349.º e 351.º do Código Civil, bem como o art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil aplicável ao acórdão recorrido ex vi o disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
T. Subsidiariamente, ainda, entende-se, salvo melhor opinião, existir fundamento para, por aplicação do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, ser dispensado o remanescente da taxa de justiça, atenta a complexidade da causa e a conduta processual das partes – cfr. na doutrina, COELHO CARREIRA; e, na jurisprudência, o ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.06.2014 (RELATOR: ANTÓNIO SOBRINHO), o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2013 (RELATOR: LOPES DO REGO) e o ac. do Tribunal Constitucional n.º 349/01 de 15.07.2002 (RELATOR: SOUSA E BRITO
U. Os Recursos apresentados pelos Recorrentes carecem assim de qualquer fundamento, devendo ser confirmado o douto Acórdão recorrido com a fundamentação adoptada, ou, subsidiariamente, com a fundamentação alegada pela Recorrida, incluindo a alteração da matéria de facto que judicialmente se possa impor.
Fundamentação.
Matéria de facto provada:
1. Em ........2015 faleceu EE, o qual deixou testamento público lavrado a 11.03.1998, instituindo a sua mulher, FF, como herdeira da quota disponível dos seus bens.
2. Em 04.03.2016 foi lavrada escritura de Habilitação de Herdeiros, tendo sido declarados herdeiros do falecido FF, o 1.º réu, BB, a autora, AA e GG.
3. A 3.ª ré, CC e DD são filhas de BB e de HH,
4. FF, avó da autora, declarou-se cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, EE.
5. Ainda não foi feita a partilha da herança aberta por óbito de EE.
6. Na sequência do óbito, FF apresentou participação de imposto de selo dos bens de EE, na qual constam, nomeadamente, os seguintes bens:
(i) Verba n.º 11: fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, com o n.º 35-C do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ... 35, 35-A, 35-B e 35-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..14/19751114-A, da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..15, da Freguesia de ..., Município de ...;
(ii) Verba n.º 13: fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao terceiro andar esquerdo do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ... 35, 35-A, 35-B e 35-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..14/19751114-J, da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..15, da Freguesia de ..., Município de...;
(iii) Verba n.º 21: fração autónoma designada pela letra “U”, correspondente a garagem para estabelecimento comercial, na cave do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Quinta das ..., na Rua ..., n.ºs 9, 9-A, 9-B e 9-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .78/19890109-U, da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..69, da Freguesia de São ..., Município de ...;
(iv) Verba n.º 22: fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente a garagem para estabelecimento comercial, na cave do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Quinta das ..., na Rua ..., n.ºs 9, 9-A, 9-B e 9-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .78/19890109-T, da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..69, da Freguesia de ..., Município de ...;
(v) Verba n.º 37: fração autónoma designada pela letra “Q”, correspondente ao quinto andar esquerdo, uma arrecadação sita no sótão e um lugar de estacionamento sito na segunda cave ou piso menos dois do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua...s 116, 116-A, 116-B e 116-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .73/20060410-Q, da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..69, da Freguesia de ..., Município de ...;
(vi) Verba n.º 47: Saldo da conta bancária n.º ...........90-4 do Banco Montepio Geral, com o valor de € 6.906,45 (seis mil novecentos e seis euros e quarenta e cinco cêntimos);
(vii) Verba n.º 49: Saldo da conta bancária n.º ...........06-1 do Banco Montepio Geral, com o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
7. FF faleceu em ........2019.
8. FF deixou testamento público, lavrado a 11.03.1998, instituindo o seu pré-falecido marido, EE, como herdeiro da quota disponível dos seus bens.
9. Em 01.08.2019 foi lavrada escritura de Habilitação de Herdeiros, tendo sido declarados herdeiros da falecida: o 1.º réu, BB, a autora, AA, e GG.
Fracção A.
10. O prédio sito na Rua ... 35, 35-A, 35-B e 35-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..14 da freguesia de ..., foi adquirido por EE em 06.06.1970, na constância de casamento, sob o regime da comunhão geral de bens, com FF, tendo sido registada a constituição da propriedade horizontal em 14.11.1975, e criadas, entre outras, as frações “A” (rés-do-chão com o n.º 35-C, destinado a estabelecimento), “J” (terceiro andar esquerdo).
11. A 2.ª ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto social “o comércio, representação, distribuição, importação e exportação de veículos, peças e acessórios, produtos, artigos e equipamentos de informática e seus acessórios (hardware e software), minérios, pedras e metais preciosos, artigos de ourivesaria, joalharia e relojoaria. Compra e venda de propriedades e bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento, gestão e administração de imóveis”.
12. A 2.ª ré possui um capital social de 249.398,94€ (duzentos e quarenta e nove mil trezentos e noventa e oito euros e noventa e quatro cêntimos).
13. A quota do 1º réu na sociedade 2ª ré é no valor de 224.459,05€ (duzentos e vinte e quatro mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos).
14. A quota da mulher do 1.º réu, HH, é no valor de 24.939,89 (vinte e quatro nil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).
15. HH é a gerente da 2.ª ré.
16. O valor locativo da fração autónoma “A” é de, pelo menos, 1578,07€ (mil quinhentos e setenta e oito euros e sete cêntimos).
17. A fração autónoma “A gerou uma despesa para a Herança de EE de 286,96€ (duzentos e oitenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) no ano de 2015; de 751,86€ (setecentos e cinquenta e um euros e oitenta e seis cêntimos) no ano de 2016; e de 765,00€ (setecentos e sessenta e cinco euros) nos anos de 2017 e 2018.
FRAÇÃO J
18. A fração autónoma “J” do prédio sito na Rua ... 35, é habitada pela 3.ª ré, CC, desde 2011, a qual não procede ao pagamento mensal de qualquer renda à herança dos avós e usa a fração gratuitamente como se de bem seu se tratasse.
19) A fração autónoma “J” do prédio sito na Rua ..., n.º 35 não gerou qualquer receita para a herança nos anos de 2015 a 2018.
20. A fração autónoma “J” do prédio sito na Rua ... n.º 35 gerou uma despesa para a Herança de EE de 216,17€ (duzentos e dezasseis euros e dezassete cêntimos) no ano de 2015; de 1071,39€ (mil e setenta e um euros e trinta e nove cêntimos) nos anos de 2016, 2017 e 2018.
FRAÇÕES U e T
21. O prédio sito na Quinta das ..., na Rua ..., n.ºs 9, 9-A, 9-B e 9-C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .78 da freguesia de ..., foi adquirido por EE em 15.09.1989, na constância de casamento, sob o regime da comunhão geral de bens, com FF, tendo, em 20.10.1994 sido registada a constituição da propriedade horizontal, e criadas, entre outras, as frações “U” (cave – garagem n.º 1 – garagem para estacionamento comercial) e “T” cave – garagem n.º 1 – garagem para estacionamento comercial).
22. O 1º réu não paga qualquer renda à herança de EE ou à herança de FF respeitantes às frações “U” e “T”.
23. As frações “U” e “T” não geraram qualquer receita para a herança nos anos de 2015 a 2018.
24. A fração “U” gerou uma despesa para a Herança de 2,78€ (dois euros e setenta e oito cêntimos) no ano de 2015; 16,65€ (dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos) nos anos de 2016, 2017 e 2018.
25. A fração “T” gerou uma despesa para a Herança de 2,78€ (dois euros e setenta e oito cêntimos) no ano de 2015; e de 16,65€ (dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos) nos anos de 2016, 2017 e 2018.
CONTAS BANCÁRIAS
26. EE e FF eram titulares da conta bancária n.º ...........06-1 no Banco Montepio Geral, denominada “conta poupança super”, contratada em 19.02.2015, tendo sido depositado o montante de 185.000,00€ (cento e oitenta e cinco mil euros) pelo prazo de 3 anos (verba n.º 49).
27. Desta conta n.º ...........06-1 foram movimentadas a débito as seguintes quantias:
- 10.000,00€ (dez mil euros) em 14.04.2015;
- 38.000,00€ (trinta e oito mil euros) em 17.04.2015;
- 15.000,00€ (quinze mil euros) em 29.04.2015;
- 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) em 24.06.2015;
- 12.000,00€ (doze mil euros) em 30.06.2015;
- 30.000,00€ (trinta mil euros) em 21.07.2015;
- 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) em 30.09.2015
- 10.000,00€ (dez mil euros) em 29.10.2015.
28. Com este último movimento, em 29.10.2015, a conta bancária n. ........07. 1 ficou com saldo zero.
29. Todas as quantias identificadas em 27) foram transferidas e creditadas, nos mesmos dias, na conta bancária n.º ...........90-4 do Banco Montepio Geral, da qual eram titulares EE e FF.
30. A conta bancária n.º ...........90-4 do Banco Montepio Geral foi contratada por EE e FF em 19.07.2003 e podia ser movimentada por qualquer um dos seus titulares.
31) Foram transferidas da conta bancária n.º ...........90-4 para uma outra conta, da titularidade do 1.º réu, as seguintes quantias:
- 10.000,00€ (dez mil euros), em 14.04.2015;
- 38.000,00€ (trinta e oito mil euros), em 17.04.2015;
- 15.000,00€ (quinze mil euros), em 29.04.2015;
- 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), em 24.06.2015;
- 12.000,00€ (doze mil euros), em 30.06.2015;
- 30.000,00€ (trinta mil euros), em 21.07.2015;
- 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), em 30.09.2015; e
- 10.000,00€ (dez mil euros), em 29.10.2015.
32. Estas transferências, identificadas em 31) visaram a incorporação das quantias transferidas no património do 1º réu, que as fez suas.
33) Foram também transferidas para uma conta bancária da titularidade do 1.º réu outras quantias pecuniárias da conta bancária n.º ...........90-4 do Banco Montepio Geral:
- 150,00 (cento e cinquenta euros) em 06.05.2009;
- 117.000,00 (cento e dezassete mil euros) em 08.04.2011; -
500,00 (quinhentos euros) em 30.12.2011;
- 3000,00 (três mil euros) em 06.01.2012;
- 3000,00 (três mil euros) em 11.04.2012;
- 3000,00 (três mil euros) em 31.05.2013;
- 50.000,00 (cinquenta mil euros) em27.11.2013;
- 50.000,00 (cinquenta mil euros) em 28.11.2013;
- 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em 17.02.2014;
- 10.000,00 (dez mil euros) em 21.04.2014;
- 3000,00 (três mil euros) em 11.07.2014;
- 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) em 24.07.2014;
- 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) em 11.09.2014;
- 4000,00 (quatro mil euros) em 07.10.2014;
- 8000,00 (oito mil euros) em 21.11.2014;
- 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) em 23.01.2015;
- 1500,00 (mil e quinhentos euros) em 06.02.2015;
- 5000,00 (cinco mil euros) em 19.02.2015; e de
- 2000,00 (dois mil euros) em 10.04.2015.
34. Estas transferências identificadas em 33 visaram a incorporação das quantias transferidas no património do 1º réu, que as fez suas.
35. Em 29.10.2015, foram transferidas para a conta n.º ...........90-4 as quantias seguintes:
- 500.000,00€ (quinhentos mil euros) mobilizados da conta n.º ...........02-0 1 da titularidade de EE;
- 500.000,00€ (quinhentos mil euros) mobilizados da conta n.º ...........03-8 1 da titularidade de EE;
- 450.000,00€ (quatrocentos e cinquenta mil euros) mobilizados da conta n.º ...........04-6 1 da titularidade de EE e de FF;
- 500.000,00€ (quinhentos mil euros) mobilizados da conta n.º ...........09-5 1 da titularidade de EE.
36. Nessa mesma data – 29.10.2015 -, foi aberta a conta bancária n.º ..........79-1, tendo como titulares FF e o 1.º réu, apesar de este último não ter contribuído com capital para a mesma.
37. Esta conta bancária n.º ..........79-1 podia ser movimentada por qualquer um dos seus titulares.
38. Ato contínuo, foram transferidos 2.120.000,00€ (dois milhões cento e vinte mil euros) da conta bancária n.º ...........90-4 para a conta bancária n.º ..........79-1.
39. Em 15.12.2016 foram transferidos 30.000,00€ (trinta mil euros) da referida conta bancária para a conta bancária n.º ...........06-3.
40. Nessa data -15.12.2016 - foi creditada na conta bancária n.º ..........79-1 a quantia de 38.000,00€ (trinta e oito mil euros) mobilizada do depósito a prazo n.º ...........09-4 (depósito montepio a prazo).
41. Em 16.12.2016, foi debitado o montante de 8000,00 (oito mil euros) da conta bancária n.º ..........79-1, através do cheque n.º ........81.
42. Em 17.03.2017 foi creditada na conta bancária n.º ..........79-1 a quantia de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros) mobilizada do depósito a prazo n.º ...........49-4 (superdepósito).
43. Na mesma data -17.03.2017- foi igualmente creditada a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros) mobilizada do depósito a prazo n.º ...........63-5 (aforro 18 meses).
44. Em 21.03.2017, o 1.º réu ordenou a transferência da quantia de 2.485.000,00€ (dois milhões quatrocentos e oitenta e cinco mil euros) da referida conta bancária n.º ..........79-1 para a conta bancária n.º ..................01.89, da sua titularidade.
45. Esta transferência, referida em 44), visou a incorporação da quantia transferida no património do 1º réu, que as fez suas.
46. Em 15.11.2010 foi efetuada uma transferência da quantia de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), proveniente do depósito a prazo ...........49-3 da titularidade de EE e FF junto do Banco Montepio Geral para uma conta da titularidade da sociedade 2ª ré.
47. Foram efetuadas as comunicações que constam das missivas juntas como documentos números 38, 39, 41 e 42 da p.i., e 16 a 19 da contestação do 1º réu, as quais foram recebidas pelos seus destinatários.
48. Os falecidos EE e FF autorizaram a ocupação e utilização gratuita da fração autónoma “J” acima referida, primeiramente ao réu EE que aí manteve a sua residência durante período de tempo não concretamente apurado e, a partir de determinada altura, à sua neta, a 3ª ré CC.
E foi julgado não provado:
a) Que a 2ª ré esteja a ocupar a fração “A” do prédio sito na Rua ... 35, 35-A, 35-B e 35-C desde 1986.
b) Que a 2.ª ré tenha colocado na fração “A” um letreiro com a designação de “M...inf...”.
c) Que a 2.ª ré tenha colocado na fração material informático para venda ao público, desenvolvendo toda a sua atividade empresarial na fração “A”.
d) Que a fração “A” não tenha gerado qualquer receita para a herança nos anos de 2015 a 2018.
e) Que não exista qualquer comunicação ao Serviço de Finanças relativa à celebração de contrato de arrendamento da fração “A”.
f) Que a 2.ª ré use e frua gratuitamente da fração “A” como se de bem seu se tratasse, sem pagar qualquer renda.
g) Que a fração autónoma “B” do mesmo prédio esteja arrendada, pagando à Herança de EE uma renda mensal no montante de 1578,07€ (mil quinhentos e setenta e oito euros e sete cêntimos).
h) Que o valor locativo da fração autónoma “J” do prédio sito na Rua ... 35, seja de 1578,07€ (mil quinhentos e setenta e oito euros e sete cêntimos).
i) Que as despesas da fração “J” do prédio sito na Rua ... n.º 35, resultem da sua ocupação pela terceira ré.
j) Que as frações “U” e “T” do prédio sito na Rua ... sejam ocupada pelo 1.º réu desde 1998 e este as use e frua gratuitamente.
k) Que o valor médio de arrendamento de garagens na zona onde se situam as frações “U” e “T” seja de 120,00€ (cento e vinte euros).
l) Que as despesas das frações “U” e “T” do prédio sito na Rua ... resultem da sua ocupação pelo réu.
m) Que EE e FF, pais do 1º réu, tenham oferecido a fração autónoma “J” para igualar uma idêntica liberalidade feita à irmã, não tendo chegado a formalizar essa doação.
n) Que uma das frações “U” e “T” esteja presentemente ocupada com a viatura da marca “Mercedes” e matrícula ..-..-TE, viatura que pertence à sociedade “M.. &..., Lda”.
o) Que o condomínio do prédio em que inserem as frações “U” e “T” dificulte o arrendamento a terceiros das garagens do prédio, por razões de segurança.
p) Que os valores mobilizados entre abril e outubro de 2015 para uma conta da titularidade do de cujus e, posteriormente, desta para uma conta da titularidade do 1º réu, correspondam ao reembolso parcial de pagamentos de encargos do de cujus feitos com dinheiro do 1º réu, respeitantes, designadamente, a pagamentos em prestações de dívidas de IRS ao fisco, juros e custas de execuções fiscais.
q) Que as quantias discriminadas na alínea 33) respeitem a transações efetuadas no âmbito da colaboração do 1º réu na administração do património e negócios dos seus pais e ainda a remunerações que lhe foram atribuídas por essa colaboração.
r) Que os movimentos identificados nas alíneas 35) a 45) correspondam a disposições/doações da falecida FF a favor do 1º réu.
s) Que FF tenha querido tirar o seu dinheiro do Montepio Geral, devido à instabilidade nesta instituição financeira, investindo-o num negócio de exploração de cajú na ....
t) Que a transferência bancária referida em 46) tenha sido ordenada pelo 1º réu, tenha visado a incorporação da quantia transferida no património da 2º ré, e que esta a tenha feito sua.
Fundamentação de direito.
Importa saber se o acórdão recorrido ajuizou bem ao condenar o 1º Réu “a entregar” às heranças de EE e FF os valores transferidos para as contas daquele, descritos nos pontos 31, 33 e 44 da matéria provada, e a 2ª Ré a entregar às mesmas heranças a quantia de €1.000.000,00, assim julgando parcialmente procedente a acção proposta pela Autora, herdeira, tal como o 1ª Réu, dos referidos EE e FF.
A acção havia improcedido in totum na 1ª instância, mas a Relação reverteu em parte a decisão e condenou os RR nos termos supra referidos, decisão que justificou nos termos seguintes:
“Quanto aos valores transferidos para contas do 1º Réu no ano do óbito de EE (mas antes desse óbito) e nos seis anos anteriores, descritos nos pontos 31 e 33, e já em 2017, depois do óbito de EE e ainda em vida de FF, descrito no ponto 44, também nos parece que a respetiva propriedade pertence às heranças de EE e FF, nos termos que a seguir se descrevem.
Tal como acima se referiu, não foi sequer posto em causa nos autos que os fundos que existiam na conta identificada nos pontos 29 e30 (de onde inequivocamente saíram os montantes aludidos em 31, 33 e 38), titulada por EE e FF, pertencessem a estes. Fundos transferidos nos últimos anos de vida de EE, e de avultado valor, uns diretamente para conta do 1º réu (pontos 31 e 33) e outros, para conta titulada pelo 1º réu e por FF ( ponto 38) - para a qual o 1º réu não contribuiu com capital - , realçando-se que neste último caso tal ocorreu poucos dias antes do óbito de EE, tendo sido transferidos €2.120.000,00.
Ora, reportando-se as transferências descritas em 31, 33 e 38 a valores - repete-se, avultados- que integravam o património de EE e FF, e inexistindo qualquer negócio ou ato jurídico que demonstre ou justifique a alteração da propriedade de tamanhos valores, teremos que concluir que a mera movimentação bancária de tais quantias para contas do 1º réu ou em que o 1º réu era contitular não alterou a sua propriedade, e consequentemente não as subtraiu ao património de EE e FF.
Veja-se que posteriormente ao óbito de EE, e ainda em vida de FF, o 1º réu transferiu dessa conta aberta em 29.10.2015 em seu nome e de FF - e para a qual não contribuiu com capital - para conta sua, o montante de €2.485.000,00 (ponto 44). Já vimos que €2.120.000,00 pertenciam a EE, e depois do seu óbito, à sua herança, e a FF; quanto ao remanescente (a diferença entre os €2.485.000,00 e €2120.000,00), estando tal remanescente em conta titulada por FF e pelo 1º réu sem que este tenha para tal contribuído com capital, sendo certo que também não demonstrou que esse remanescente proviesse de rendimentos seus, consideramos suficientemente demonstrado que o montante correspondente a tal remanescente pertence a FF, ou melhor, à sua herança.
E assim sendo deverá o 1º réu restituir às heranças de EE e FF os valores transferidos para contas dele, melhor descritos nos pontos 31, 33 e 44 da matéria provada.”
Dissentindo do assim decidido, sustenta o Recorrente que a interpretação seguida no acórdão constitui violação do disposto no art. 2031º do CCivil, e que cabia à Autora a prova, que não fez, da ilicitude das transferências de dinheiro para que os valores em causa devam integrar o acervo hereditário.
Que dizer?
O acórdão recorrido qualificou, e bem, a presente acção como de petição de herança a que se refere o art. 2075º do CCivil, uma acção que pode ser proposta por um só herdeiro – art. 2078º - sem que o demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe pertencem por inteiro.
Seguindo de perto o Acórdão deste STJ de 29.10.2009, CJ, ano XVII, t. 3, pag. 115 e ss:
“Essencial na petição de herança é o duplo fim que visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título, o estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.
A acção de petição de herança tem como pedido principal, o reconhecimento judicial da qualidade sucessória do herdeiro; diversamente, a acção de reivindicação que tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade, pede-se a restituição de uma coisa.
(…)
Nas acções de petição herança, a causa de pedir consiste na sucessão mortis causa e na subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, VI, p. 131; Capelo de Sousa, “Lições de Direito das Sucessões, II, p. 41, nota 598).”
Dispõe o nº1 do art. 2075º que “o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.”
Foi o que a Autora fez: pediu judicialmente o reconhecimento da sua qualidade de herdeira dos seus avós EE e FF, e a consequente restituição de bens à herança.
Na revista estão em causa apenas os montantes pecuniários que foram transferidos para as contas bancárias em nome dos Réus.
Começando pelos valores referidos nos pontos 31 e 33 da matéria de facto, relevam os factos que constam dos nºs 29, 30, 31, 32 e 33, dos quais resulta o seguinte:
- Os falecidos EE e FF, eram titulares da conta n.º ...........90-4 do Banco Montepio Geral, aberta em 19.07.2003, “podendo qualquer dos seus titulares movimentá-la”;
- Entre 10/04/2015 e 29/10/2015, foram transferidos desta conta para uma outra, da titularidade do 1º Réu, através de oito movimentos, um total de €185.000,00 (facto 31);
- Da mesma conta nº...........90-4, entre 06/05/2009 e 10/04/2015, foram transferidos para uma outra conta, da titularidade do 1º Réu, através de dezanove movimentos, um total de €175.67,00 (facto 33);
- Estas transferências visaram a incorporação das quantias transferidas no património do 1º réu, que as fez suas. (Facto 34);
- EE e FF, titulares da conta nº ...........90-4, faleceram, respectivamente, em 02/11/2015 e 23/06/2019.
Na petição inicial, a Autora havia alegado:
125. “….foram transferidas da conta bancária nº ...........90-4, para a conta da titularidade do 1º Réu, as quantias de:
a) €10.000,00 (dez mil euros), transferidos em 14.04.2015;
(…)
h) €10.000,00 (dez mil euros), transferidos em 29.10.2015.
126. Ou seja, os montantes pecuniários foram transferidos para a conta da titularidade do 1º Réu por intermédio da conta bancária nº 088.10.001090-4, no mesmo dia em que foram mobilizados da conta bancária nº ...........06-1.
127. O 1º Réu apropriou-se assim indevidamente da quantia global de €185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros), correspondentes ao saldo total constante da conta bancária nº ...........06-1.
128. Montante que nunca foi devolvido às heranças de EE e de FF.
Da matéria de facto provada, que retrata o alegado pela Autora na p.i., resulta apenas que em vida dos titulares da conta nº ...........90-4, foram feitas várias transferência para uma outra conta em nome do 1º Réu, sem que conheça a causa ou causas das mesmas e as circunstâncias em que ocorreram. Destes factos, sem mais, ressalvado o respeito devido por diferente opinião, não é possível concluir pela ilicitude da movimentação daquela conta (v.g., por não ter sido consentida pelos proprietários das importâncias depositadas, por o acto de transmissão estar legalmente inquinado), e consequentemente pela obrigatoriedade de restituir à herança os montantes transferidos.
Nesta parte afigura-se-nos que a 1ª instância decidiu bem, e correcta a forma como analisou a questão:
“Entendemos por isso que é inexorável a conclusão de que incumbia à autora a alegação e prova de que tais dinheiros, apesar de movimentados das contas pelos seus titulares para contas dos réus, por causa que é totalmente desconhecida e não foi alegada pela autora, ainda pertenciam ao património dos de cujus no momento da sua morte – cfr. os artigos 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 1 do Código Civil. E a autora não fez qualquer prova disso. Não existe qualquer presunção legal de que o dinheiro que sai de uma conta bancária para a conta de outra pessoa continua a pertencer à primeira; pelo contrário, uma tal movimentação indicia que tal quantia deixou de pertencer ao primeiro e passou a pertencer ao segundo, por qualquer causa que a mera movimentação bancária geralmente não esclarece, sendo por vezes objeto de referências sintéticas dos ordenantes tendentes a identificar o tipo de negócio jurídico subjacente.”
Neste particular a revista merece provimento, pelo que não pode manter-se o decidido o acórdão da Relação.
Quanto à condenação do Réu a restituir à herança os valores referidos no ponto 44.
Deu-se ali como provado:
Em 21.03.2017, o 1.º réu ordenou a transferência da quantia de 2.485.000,00€ (dois milhões quatrocentos e oitenta e cinco mil euros) da referida conta bancária n.º ..........79-1 para a conta bancária n.º ..................01.89, da sua titularidade.
A referida conta n.º ..........79-1, que foi aberta em 29/10/2015, tinha como titulares FF e o 1.º réu, ambos com autorização para a movimentarem. Todo o dinheiro creditado naquela conta provinha de outras contas tituladas pelo falecido EE, ou tituladas por ele e esposa FF.
Foi daquela conta – que estava autorizado a movimentar – que o Réu transferiu em 21/03/2017, a quantia de €2.485.000,00 para a sua conta nº ..................01.89.
A doutrina e a jurisprudência, sem discrepância, vêm chamando a atenção para o facto de que a titularidade de uma conta bancária pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela depositadas. Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 12.07.2022, P. 447/09, “a faculdade de qualquer dos titulares tem de dispor, por acto unilateral, no todo ou em parte, dos fundos ou valores depositados, não envolve, inelutavelmente, a sua titularidade sobre esses fundos ou valores; esse poder de disposição assenta, em exclusivo, no contrato celebrado com o banqueiro, com inteira abstracção da propriedade das disponibilidades financeiras depositadas; estas podem pertencer a todos ou a alguns doa titulares, com quotas iguais ou não, ou só a um deles, e mesmo a nenhum deles - mas a terceiro.
A posição dos titulares dos depósitos solidários resolve-se numa simples legitimação dispositiva face ao banqueiro – mas não atribui qualquer direito sobre os fundos ou valores depositados.
Em boa verdade, uma coisa é a titularidade do depósito bancário, outra, bem diversa, é a propriedade das quantias nela depositadas.”
No mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 24.05.2022, P. 4482/20, relatado pelo 2º Adjunto no presente acórdão, em cujo sumário se pode ler:
“Quando estamos perante quantias e valores depositados e associados a contas bancárias, a questão da propriedade de tais valores não se confunde ou reconduz à questão de saber quem são os titulares das contas bancárias em que tais disponibilidades e valores se encontram depositadas, sendo hoje pacífica a distinção entre a titularidade e a propriedade dos fundos depositados.”
No caso, provou-se que o dinheiro depositado na conta nº ..........79-1 - titulada pela falecida FF e pelo 1º Réu - pertencia àquela e ao marido EE, e depois à herança deste que faleceu três dias após a abertura da conta. Como assim, não pode deixar de concluir-se que o 1ª Réu, ao transferir em 21/03/2017 as quantias nela depositadas para uma conta própria, apropriou-se de valores que não lhe pertenciam pelo que a sua condenação a restituir às heranças a quantia de €2.485.000,00 merece a nossa total concordância, o que conduz à improcedência da revista nesta parte.
Recurso da Recorrente “M..., Representações, Lda”
Provou-se que em 15/11/2010 foi efetuada uma transferência da quantia de €1.000.000,00, proveniente do depósito a prazo ...........49-3 da titularidade de EE e FF junto do Banco Montepio Geral para uma conta da titularidade da sociedade 2ª ré, cujos únicos sócios são o 1º Réu e esposa (factos 46, e 11 a 15). Nada mais se provou a respeito deste movimento.
Vale aqui o que dissemos atrás a propósito das transferências referidas nos pontos 31 e 33: a transferência em causa foi efectuada em vida dos titulares da conta, por razões e em circunstâncias que de todo se desconhecem. O que significa que a Autora não provou, como lhe competia (art. 342º, nº1, do CC), que aquela importância pertence às heranças, e que a estas deve ser restituída, pelo que a revista nesta parte procede.
///
A Autora interpôs recurso subordinado da matéria de facto, em que pretende no essencial:
- O aditamento à matéria de facto provado do facto constante do art. 119º da p.i., “em substituição do facto nº 27 da matéria de facto”, por ter sido confessado pelo Réu BB no art. 108º da contestação;
- O aditamento à matéria de facto dos factos constantes dos arts. 127º e 128º da p.i., substituindo o facto nº32 da matéria de facto, porquanto os mesmos foram confessados no art. 108º da contestação do R. BB, e confessado em depoimento de parte daquele Réu em audiência;
- O aditamento à matéria de facto do facto constante do art. 254º da contestação, “em que o 1º Réu assumiu a responsabilidade de creditar à herança a quantia de € 2.344.364,88” , confissão que foi aceite pela Autora, além de “ter sido produzida prova documental convergente com o alegado”;
- O STJ, no uso dos seus poderes de sindicar a “inutilização de presunções pela Relação, deve aditar à matéria de facto os factos constantes dos artigos 127.º, 130.º, 131.º, 145.º e 147.º da Petição Inicial, porquanto a referência “apropriou-se indevidamente” resulta de necessária presunção judicial que, atenta a ausência de causa legitima para a apropriação das quantias pelos RR., deveria ter sido extraída pelo Tribunal da Relação de Lisboa” (sic).
O art. 640º, nº3, do CPC, prevê a possibilidade de o recorrido impugnar a matéria de facto, sendo aplicável as disposições dos nº1 e 2, no caso de pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do art. 636º.
Estatui o nº2 do art. 636º que “Pode ainda o recorrido na respectiva alegação e a título subsidiário, (…) impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.”
Dito isto.
Todos os factos que agora a Autora pretender aditar à matéria de facto foram objecto do recurso da matéria de facto da sentença, que a Relação julgou improcedente na totalidade.
Não se evidenciando que a Relação na reapreciação da matéria de facto deu como provado um facto sem a produção de prova que, por força da lei, é indispensável para demonstrar a sua existência, ou que fixe a força de determinado meio de prova, não pode o STJ sindicar a decisão sobre a matéria de facto fixada pela Relação (nº3 do art. 674º do CPC).
A isto acresce, a evidente falta de razão da Recorrente.
O ponto nº27 da matéria de facto reproduz o art. 119 da petição inicial, com uma única diferença, aliás, irrelevante. No art. 119 da p.i., alegou a A. “Desta conta foram mobilizadas as seguintes quantias monetárias (…)”, e ponto 27 consta: “Desta conta n.º ...........06-1 foram movimentadas a débito as seguintes quantias: (…).
Nos artigos 127 e 128 da p.i., alegou a Autora:
“O 1º Réu apropriou-se assim indevidamente da quantia global de €185.000,00, correspondentes ao saldo total da conta bancária nº............06-1”; (art. 127)
“Montante esse que nunca foi devolvido às Heranças de EE e de FF.” (art. 128).
Como bem explicou a Relação, o teor do art. 127º é conclusivo, pois que se constitui objecto da acção saber se ocorreu uma indevida, ilegal, apropriação pelo Réu de dinheiro das heranças, não pode levar-se à matéria de facto uma afirmação que encerra, ela própria, a solução de direito da questão decidenda.
Quanto ao alegado mau uso das presunções judiciais – que são as conclusões ou ilações logicas retiradas da matéria de facto (art. 349º do CC), de uso exclusivo das instâncias – tem-se admitido que o STJ pode sindicar o uso de presunções pela Relação, mas apenas se este uso ofender qualquer norma legal, ou padecer de evidente ilogicidade, (cf. Acórdão do STJ de 14/07/2016, P. 377/09.
Como se trata de ilações de facto, nada há a censurar à Relação por não ter dado como provado, por presunção judicial, que o Réu se “apropriou indevidamente” do dinheiro, justamente por não ser um facto, mas um juízo sobre o comportamento do Réu.
///
O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado por ambas as partes.
Estatui o art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais, que “Nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta das partes, dispensar o pagamento.”
A questão decidenda não oferecia especial dificuldade e nada há a censurar ao comportamento processual das partes.
Atendendo a que o valor da acção era o único referente para que fosse devida a taxa de justiça remanescente, a circunstância de a análise concreta da acção revelar que a mesma em termos de complexidade e da conduta processual das partes não justifica o pagamento dessa taxa remanescente, dispensa-se as partes do pagamento.
Decisão.
Pelo exposto, decide-se:
- Julgar improcedente o recurso subordinado da Autora;
- Julgar em parte procedente a revista interposta pelo Réu BB, alterar o acórdão recorrido, e condenar o Réu a entregar às heranças de EE e FF, a quantia de 2.485.000,00€ (dois milhões quatrocentos e oitenta e cinco mil euros);
- Julgar procedente a revista da Ré “M..., Representações, Lda”, revogando o acórdão na parte em que a condenou, para ficar a subsistir, nesta parte, a sentença de 1ª instância;
Custas por Recorrente e Recorrido na medida do decaimento.
Lisboa, 03/06/2025
Ferreira Lopes (relator)
Arlindo Oliveira
A. Barateiro Martins