Sumário
I - As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, e como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
II - Devem corresponder à identificação, clara e rigorosa, dos fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.
III - A forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, permite ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilita a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça.
IV - Tal formulação deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que não é de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou não haja qualquer síntese, não se conseguindo assim vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo desse modo a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso.
Decisão Texto Integral
Revista 2861/22.3T8BBR.L1.S1.
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
1. AA veio interpor contra COMILHO – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA., cujo Presidente do Conselho de Administração é BB, providência cautelar de suspensão de deliberação social com inversão do contencioso, pedindo que seja decretada a suspensão da deliberação social de 5.9.2022, relativa ao aumento de capital da Requerida constante da falsa “Ata 41”, e ainda a providência cautelar não especificada que impeça, na pendência da suspensão da deliberação social e/ou da ação principal, até que a Requerente possa exercer o seu direito de preferência, a venda do imóvel da Requerida, sendo decretado o averbamento da decisão junto da Conservatória do Registo Predial, para antecipar e assegurar o seu direito que se mostra de forma clara ameaçado.
1.1. Alega para tanto que é acionista fundadora da Requerida, sendo conturbadas as relações societárias, pois o titular dos restantes títulos, correspondentes a 50% do capital social, é também o Administrador, utilizando o seu estatuto para gerir a Sociedade como entende, recusando informação à Requerente.
Tomou conhecimento da Convocatória de 4.07.2022, tendo-se deslocado, na primeira data indicada, 9.08.2022, à morada indicada para a realização, não tendo comparecido ninguém. Na segunda convocatória 5.09.2022, embora com alguns incidentes, ocorreu a Assembleia Geral, porque havia quórum constitutivo e deliberativo, foi deliberado o não aumento do capital social, por inexistir fundamento para tanto.
No dia 8.11.2022, teve conhecimento que se encontrava registado um aumento de capital social através de novas entradas em numerário, no valor de 100.000,00€, não obtendo qualquer resposta, apesar de solicitada junto do Presidente do Concelho de Administração. Obteve depois a “ata 41” da qual constava que na data da convocatória acima aludida e no mesmo local, estiveram presentes o Presidente do Conselho de Administração e acionistas, a qual, para além do mais aprovava o aumento de capital e os termos em que seria feito.
A Requerida detém no seu património um único imóvel, pretendendo o Presidente do Conselho de Administração vendê-lo, desde 2017, sendo o preço referido por aquele inferior ao respetivo valor real, não procedendo à distribuição de dividendos que são devidos à Requerente.
A deliberação em causa além de contraria à lei, produz elevados danos patrimoniais para a Requerente, sendo que no caso de não ser decretada a providência pretende exercer o direito a participar ao aumento de capital, que lhe foi cerceado, justificando-se que tal decretamento seja realizado, pois a deliberação foi tomada de forma falsa.
1.2. Foi deduzida oposição, invocando a caducidade da providência, a inutilidade da suspensão da deliberação de aumento de capital, impugnado o factualismo aduzido pela Requerente, considerado não estarem reunidos os requisitos para o decretamento da providência, e ainda a indevida cumulação com o pedido da providência que impedisse a venda do imóvel.
1.3. Conforme despacho proferido, foi a Requerente notificada para responder às exceções, o que veio fazer.
2. Foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente, absolvendo a Requerida do peticionado.
3. Inconformada, veio a Requerente interpor recurso de apelação, apresentando as suas alegações e formulando conclusões.
3.1. A Senhora Desembargadora Relatora convidou a Recorrente a dar cumprimento ao requisito previsto pelo art.º 639, n.º1, do CPC, através da devida sintetização das alegações do recurso que deduziu, sob pena de não conhecer do mesmo.
3.2. A Recorrente veio apresentar novas conclusões, indicando ter efetuado a respetiva sintetização.
3.3. Em Decisão Sumária considerando que a Recorrente substancialmente não tinha correspondido ao convite da aperfeiçoamento/sintetização das conclusões, continuando a corresponder a reprodução do corpo das alegações, pelo que conforme a cominação notificada, rejeitou o recurso.
3.4. A Requerente veio apresentar reclamação nos termos do art.º 643, do CPC, convolada para a reclamação prevista pelo art.º 652, n.º 3, do mesmo diploma legal.
3.5. Em conferência, foi prolatado Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu julgar improcedente a reclamação para a conferência, com a manutenção da decisão da rejeição do recurso.
4. Inconformada veio a Requerente recorrer de revista, apresentando nas suas alegações, as seguintes conclusões:
A) O acórdão sob recurso ao reiterar ipis verbis a decisão singular proferida pelo Venerando Juiz Relator que considerou ser de não conhecer o recurso apresentado pela aqui Recorrente da decisão proferida pelo tribunal de1ª instância acima identificado, procedeu a uma errada interpretação das normas contidas no art.º 639.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, dando prevalência a uma exegese formalista em detrimento da substância.
B) O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de recurso nos presentes autos, já se pronunciou noutros casos, por diversas e repetidas vezes, inclusive em acórdãos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, sobre a necessidade de dar prevalência, no que concerne à interpretação do art.º 639.º do CPC, à substância sob a forma, sublinhando noutros acórdãos, com particular clareza, que se as conclusões se encontram redigidas de modo compreensível, habilitando o tribunal a conhecer e a compreender os fundamentos dos recorrentes, não se deve usar “ o extremo expediente de indeferimento”.
C) Note-se que, no caso sob recurso o que estava em causa não era omissão de conclusões, ou conclusões obscuras, mas aquilo que o tribunal a quo considerou, à semelhança e nos exatos termos (literais mesmo) que a decisão singular do Venerando Juiz Relator, serem conclusões extensas e no entender do tribunal a quo mal sintetizadas.
D) Na sequência da decisão do Venerando Juiz Relator do tribunal a quo, a Recorrente sintetizou, na medida do possível, as suas conclusões, o que não fez foi medir essa síntese “à página”( ou seja a metro ), como o fez quer o Venerando Juiz Relator quer o acórdão sob recurso que reproduziu ipsis verbis os “fundamentos” usados pelo primeiro, sem cuidar de verificar, em termos substanciais, que efetivamente a matéria sob recurso era extremamente ampla e complexa. Basta pensar que não se tratava apenas do recurso de indeferimento de uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, mas também de apreciar do pedido de inversão do contencioso, situação relativamente à qual o Juiz de 1ª Instância omitiu pronúncia, sem qualquer fundamento.
E) À complexidade da situação supra, acrescia a falta de apreciação de prova documental produzida, a falta de, sem qualquer fundamentação, não ordenar a produção de prova em poder da parte contrária e em poder de terceiros requerida no requerimento inicial, tudo para decidir uma providência cautelar sem recurso a qualquer inquirição de testemunhas ou apreciação de prova requerida e outra produzida.
F) Foi a desconsideração do princípio da prevalência da substância sob a forma que determinou que a decisão contida no acórdão de que ora se recorre levasse à violação dos princípios sistematicamente afirmados por esse Tribunal Supremo que conduziu, em termos materiais e substanciais à denegação de justiça.
G) Não se pode medir a sintetização de conclusões pelo número de pontos, letras e/ou páginas. Tivesse o Tribunal recorrido lido verdadeiramente as conclusões que a Recorrente cuidado de remeter para as alegações, indicando o respetivo número e teria entendido o sentido das mesmas. Porém, limitou-se, ao invés do tantas vezes afirmado por esse Supremo Tribunal a furtar-se a aplicar o princípio da substância sob a forma. Admitimos que tal seja mais fácil, porém, essa atitude lesta (para dizer o menos) não é o que se espera de um tribunal, nem é sobretudo conforme, nem com a jurisprudência desse Supremo Tribunal nem a interpretação exigida dos preceitos legais já invocados.
5. Cumpre apreciar e decidir.
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II – ENQUADRAMENTO FACTO-JURIDICO
1. Dos factos.
O factualismo atendível resulta do anterior relatório.
2. Do Direito
2.1. Previamente, em termos de admissibilidade do recurso, considerando que o Acórdão recorrido pôs fim ao processo ao entender não dever conhecer do seu objeto, por ter concluído que a Recorrente não cumpriu o ónus estabelecido no art.º 639, n.º 3, do CPC1, após convite para o efeito, cai-se assim no âmbito de uma decisão enquadrável no disposto no art.º 671, n.º1, por equiparável à absolvição da instância2.
Contudo, e mais relevante, não se pode esquecer que os presentes autos consubstanciam-se num procedimento cautelar, sujeito às restrições recursórias constantes do n.º 2 do art.º 370, no entanto como avulta do constantes do requerimento recursório, a Recorrente suscitou a existência de julgados contraditórios, que nos termos do art.º 629, n.º 2, d), permite o conhecimento do recurso interposto, por verificados os demais requisitos de admissibilidade, constantes do n.º1, da última disposição legal.
2.2. A questão a decidir nos presentes autos prende-se em saber se a Recorrente, depois de convidada a aperfeiçoar as conclusões das alegações, nos termos do aludido art.º 639, n. º 3, deu cumprimento, ainda que em alguma medida, ao ónus que sobre a mesma impendia, ou se nas novas conclusões não foram superadas as imperfeições, essencialmente em termos de sintetização que motivaram aquele convite, justificando-se, por isso, o não conhecimento do objeto do recurso.
2.2.1. Como se sabe, e em traços breves, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, veja-se o disposto nos n.º 3 e 4, do art.º 635, n.º 3, e como tal nos termos do n.º1, do art.º 639, n.º1, sobre a Recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
Assim, deverão corresponder à identificação, clara e rigorosa, de tais fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que como se depreende, não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.
Saliente-se que tem vindo a ser entendido por este Tribunal, que a reprodução nas conclusões do recurso da respetiva motivação não se configura como uma falta de alegações, prevista no art.º 641, n.º 2, al. b), pois embora em termos formais, foi efetuada uma diferenciação entre a motivação do recurso e as conclusões e desse modo, uma diferenciação entre ambas, ainda que não assumindo a forma sintética a que reporta o legalmente estabelecido, e na medida em que não se mostre comprometida a perceção da essência do recurso, não dá lugar à sua rejeição, mas à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões3, conforme o n.º 3, do art.º 639 com a posterior apreciação face ao acolhimento (ou não), bem como à inerente concretização.
2.2.2. Voltando à forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, reafirmando a clareza e precisão quanto às razões e fundamentos do recurso, permitindo ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilitando a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça, deve tal formulação ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que é manifesto e objetivo o desrespeito pelas conclusões sintéticas, pelo que “(…) o não conhecimento do recurso deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo” 4.
2.2.3. Feito o convite ao aperfeiçoamento, importa aferir se o recorrente que respondeu ao mesmo, apresentando novas conclusões, deu cumprimento ao ónus, para o que interessa, de sintetizar as anteriores conclusões.
Para tanto, casuisticamente, terá que ser avaliado se o novo teor padece do anterior vício, de modo necessário, se as deficiências que possam vir a ser apresentadas, obstam de forma relevante ao trabalho de apreensão do objeto do recurso pelo julgador, num juízo de adequação, não com base num critério meramente quantitativo, dependendo sim da maior ou menor complexidade do caso concreto5.
Desse modo, tem-se como bom o entendimento acolhido por este Tribunal6 , no sentido de não tendo sido rigoroso, tecnicamente, o cumprimento do dever de apresentar conclusões sintéticas, não deverá tal ser apreciado de forma rígida, mas feito um juízo de proporcionalidade entre as possíveis falhas e os correspondentes efeitos, não dando prevalência a aspetos formais sobre o conhecimento das questões de mérito, pois e repetindo, o não conhecimento do recurso, usado com moderação e parcimónia, deve ser reservado quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do Tribunal superior, ou quando não haja qualquer síntese, em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo assim a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso7.
2. Reportando-nos aos autos, face às alegações apresentadas pela Recorrente foi proferido despacho pela Senhora Desembargadora Relatora, no qual se consignou que as conclusões apresentadas pela Recorrente não cumpriam em qualquer grau o ónus de sintetização, pois para além das citações doutrinárias e jurisprudenciais, sob os pontos 6 a 8, e 50 a 53, do corpo das alegações, e que se reconduziam parcialmente às conclusões CC), DD) e FF), verificava-se a reprodução da narrativa contida nas motivação de facto e de direito, bem como a irrazoável conclusão P, que correspondendo ao ponto 33, se estendia por 4 páginas, pelo que convidou a Recorrente a dar cumprimento ao requisito previsto no art.º 639, n.º1, sintetizando as conclusões do recurso, sob pena de não se conhecer do mesmo.
A Recorrente respondeu ao convite, apresentando novas conclusões.
Foi então proferida Decisão Sumária, na qual se consignou “(…) Em resposta a recorrente limitou-se a substituir as extensas conclusões de A) a NN) por conclusões igualmente extensas de A) a MM) que, em relação às primeiras, de forma evidente apenas têm a virtualidade de não reproduzirem o ponto 33 da motivação do recurso por quatro longas páginas - mas cujo teor, ainda assim, consta parcialmente transposto para as atuais conclusões O), P) e Q) -, e de eliminar o teor das als. H), Y) e HH) que, por referência à função que fundamenta a imposição legal de formulação de conclusões – enunciação e identificação das questões objeto do recurso – continham, respetivamente, irrelevantes referências a auto de GNR, consideração geral de Direito, e repetição de considerações já contidas em anteriores conclusões.
No demais, sob uma aparente capa de ‘alteração/mudança’ a recorrente manteve a extensão e o teor das conclusões inicialmente apresentadas, reproduzindo, aglomerando ou espartilhando o texto de cada uma delas em outras alíneas, como é o caso da primitiva al. A), que agora consta das als. A) e B); da al. B) que, com mera redução de texto, consta agora sob a al. C); da al. C) que, despojada agora e apenas (do cúmulo) da transcrição dos pedidos da providência cautelar, consta agora sob a al. D); das als. D) e E) que, com a mera eliminação da referência à imposição legal da conversão das ações ao portador em nominativas, constam agora da al. E); das als. F) e G) que constam sob as mesmas alíneas F) e G) com apenas mera redução de texto, já em si irrelevante; da al. I), que agora consta na al. H) novamente modificada apenas pela redução de texto; da al. K), que consta agora sob as als. I) e J), e das als. L), M), N), O), Q), R), S), T), U), V), W), X), Z), AA), BB), CC), DD), EE), FF), GG), II), JJ), KK), LL) MM), que agora constam respetivamente reproduzidas nas als. K), L) (agora com eliminação apenas da reprodução da ata 41 que antes constava da al. M)), M), N), R), S), T) (para, numa visualização mais superficial, criar a aparência de ‘alteração’, a recorrente distribuiu o primitivo texto da al. S) na atual conclusão T) e outra), U), V) (esta apenas com redução de texto em relação ao teor da primitiva al. U) por eliminação de considerações de caráter genérico), W), X), Y), Z), AA), BB), CC) (nesta mantém a citação de acórdãos que consta da primitiva al. CC)), DD), EE), FF), GG) (o texto não é total mas é essencialmente coincidente com a primitiva al. GG)), HH), II) e JJ) (estas duas ultimas correspondem ao teor da primitiva al. JJ), alterado apenas pela eliminação de considerações já contidas em anteriores conclusões), KK), LL) (novamente, apenas com redução de texto), e MM).
Do exposto resulta que formalmente a recorrente respondeu mas, para o que releva, substancialmente não correspondeu ao convite de aperfeiçoamento/sintetização das conclusões que, no essencial, continuam a corresponder a reprodução do corpo ou motivação do recurso o que, conforme cominação de que foi notificada, impõe o não conhecimento e rejeição do recurso (…)”.
No requerimento apresentado pela Recorrente, a mesma invocou que deu cumprimento ao determinado, e assim ao legalmente previsto, até porque impugna não só a matéria de direito mas também a matéria de facto, suscita a omissão de pronúncia e erro de julgamento, sendo que o objeto do recurso se resume ao constante da conclusões, em matérias complexas, pelo que a seleção a priori das questões e fundamentos essenciais em detrimento de outros e a necessidade de sintetização causa um evidente receio à parte e em particular ao seu mandatário.
Invocando a séria dificuldade no trabalho realizado de sintetização, devia o Tribunal fazer a ponderação no que concerne à exigência formal, dando prevalência à decisão de mérito, até porque em momento algum foi referido pelo Tribunal a quo que o recurso era ininteligível, impedindo a delimitação do exercício do poder de cognição pelo Tribunal de recurso, mas sim à extensão e ao número de páginas.
No Acórdão recorrido, proferido em conferência, no sentido da concordância com a Decisão, para cujos termos se remeteu, mais se fez constar “(…) “Ao aí exposto acresce considerar que, invocando dificuldade na tarefa e complexidade da matéria, nos argumentos que aduziu a recorrente reconhece que não sintetizou as alegações do recurso nas conclusões que apresentou (…)” e quanto à referência à ininteligibilidade das conclusões “(…) No caso, resulta evidente que a recorrente não esboçou sequer tentativa de enunciar as concretas questões que pretendia submeter à apreciação do tribunal através da formulação de “preposições sintéticas” - nem com a apresentação inicial das alegações, nem depois de alertada da deficiente prestação processual que as mesmas consubstanciam -, limitando-se uma e outra vez a reproduzir o anteriormente alegado na motivação, praticamente ponto por ponto, agravada pela tentativa de, baralhando, aglomerando e espartilhando o conteúdo das alegações e conclusões iniciais, lhe conferir uma falsa aparência de efetiva e essencial alteração. Esta realidade, que se manteve na resposta ao convite ao aperfeiçoamento, constitui, por si, causa legal de rejeição do recurso (…). mais se acrescenta que as alegações se apresentam numa amálgama confusa de imputação de erros de julgamento que em epígrafe a recorrente qualifica de vícios da decisão, do que é exemplo a repetida referência a factos que reiteradamente alega ter demonstrado em suporte dos pedidos que deduziu, quando é certo que o tribunal a quo proferiu decisão de mérito dispensando expressamente a produção de prova para demonstração dos fundamentos de facto alegados pela reclamante, para além dos que assentou com fundamento em prova documental. Neste contexto, a falta de enunciação dos fundamentos específicos do pedido de recurso em sede de conclusões dificulta a identificação das concretas questões que a recorrente pretende submeter à apreciação da 2ª instância, para cuja dilucidação também não contribui o dispositivo final das alegações já que por ele se limitou a pedir a revogação da sentença com as legais consequências, nas quais inclui o regime legal da inversão do contencioso previsto pelos arts. 369º, nº3, 370º e 382º do CPC.(…)”
Menciona-se ainda no mesmo Aresto na convocação do sumário de um Acórdão deste Tribunal, no concerne à imputada conduta processual da Recorrente “(…) A cominação gravosa do art. 639º, 3, será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem como inevitável decretar um juízo de especial censura à parte inadimplente à luz dos princípios processuais mais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a proteção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da autorresponsabilidade das partes). Nessa hipótese de atuação intolerável em face da expressão desses princípios, individual ou coligadamente analisados em concreto, poderemos estar nas referidas situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso. (…).”
Na discordância com o decidido salienta a Recorrente que não está em causa a omissão de conclusões ou obscuras, mas extensas e mal sintetizadas, no entendimento do Tribunal a quo, apelando à complexidade da situação, e à invocação de prova desconsiderada, tendo sido dada prevalência à forma em detrimento da substancia, não se podendo medir a sintetização de conclusões pelo número de pontos, letras ou páginas.
3.1. O explanado, propositadamente longo, permite-nos desde logo afastar um forte juízo de censura da conduta processual da Recorrente, que procurou levar a cabo o cumprimento do ordenado no convite feito, claro está, dentro da respetiva ótica da relevância do alegado com vista a obter a satisfação da sua pretensão recursiva, e como tal afastada fica uma situação extrema, que só por si, permitia o não conhecimento do recurso.
Debruçando-nos sobre as conclusões aperfeiçoadas apresentadas, necessariamente fora do âmbito da bondade ou não do articulado em função da apreciação pretendida, verifica-se como percetível, a invocação de erro de julgamento, na indicação do factualismo tido como provado, e o que assim devia ter sido face à documentação junta aos autos e não devidamente valorada, para a subsunção no disposto nos artigos 380 e 381, no vislumbre dos vícios inerentes à mencionada deliberação constante da ata 41, que deveria ser declarada falsa, quanto ao aumento de capital social, e apontamento dos fundamentos para o deferimento do pedido de suspensão de deliberação formulado e não determinado, assim como a prolação de decisão cautelar impeditiva de venda do imóvel da sociedade Recorrida.
Não se estando perante umas conclusões que permitam afirmar que houve um rigoroso cumprimento, em termos técnicos, do dever de formulação conclusões sintéticas, como aliás a Recorrente não enjeita pese embora aluda ao esforço para tanto, como antes enunciado, não se configura que tal deva ser apreciado de forma rígida, numa prevalência da forma que não deve ser o caminho a seguir, mas sim realizado um juízo de proporcionalidade entre as falhas ainda denotadas de falta de síntese, com os decorrentes efeitos, que não importam numa ininteligibilidade dos fundamentos e pretensão recursivos, relativamente aos quais não houve convite ao aperfeiçoamento, por obscuros, referenciados, aliás, de forma genérica e sem a correspondente preponderância, agora no Acórdão recorrido.
3. Deste modo, com a moderação e parcimónia já aludidas que devem pautar o não conhecimento do recurso por deficiências/falhas nas conclusões, não se configura que no caso sob análise, as ainda possíveis quanto à sintetização, sejam de tal forma relevantes que lhe retirem o seu conteúdo útil, impedindo o conhecimento do recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, decide-se conceder a revista, revogando o Acórdão recorrido, devendo a Relação conhecer o recurso de apelação.
Sem custas.
Lisboa, 30 de novembro de 2023
Ana Resende (Relatora)
Maria Olinda Garcia
Luís Espírito Santo
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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.
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1. Diploma a que se fará referência se nada mais for dito.↩︎
2. Cf. Acórdão do STJ, de 07.03.2019, processo n.º 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, de 07.10.2020, processo n.º 1075/16.6T8PRT.P1.S1. e 30.03.2023, processo n.º 351/16.2T8CTB.C1.S1, todos in www.dgsi.pt.↩︎
3. Cf. Ac. STJ de 24.09.2020, processo n.º 4899/16.0T8PRT.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt, reportando ser entendimento mais coerente com o direito de acesso aos Tribunais, consagrado no art.º 20, n.º4 da Constituição da República Portuguesa, e ao próprio papel do Juiz enquanto gestor do processo, art.º 6, bem como uma ampla referência jurisprudencial. Mais se alude no Ac. do STJ de 13.4.2021 processo n.º 6086/19.7T8STB.E1.S1, acessível in www.dgsi.pt que “(…) no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte, o que, na especie equivale a dizer que se deveria ter optado por um convite à sintetização e/ou esclarecimento das conclusões, ao invés da rejeição do recurso”.↩︎
4. Cf. Ac. do STJ de 18.02.2021, processo n.º 18625/18.6T8PRT.P1.S1., acessível in www.dgsi.pt,↩︎
5. Cf. Ac. do STJ de 30.03.2023, processo n.º 351/16.2T8CTB.C1.S1., acessível in www.dgsi.pt. mencionando: “Não estabelecendo a lei um número máximo de páginas ou de carateres para as conclusões das alegações, não se pode adotar um critério essencialmente quantitativo na apreciação da sua adequação (…)”.↩︎
6. Cf. Ac. do STJ de 6.02.2020, processo n.º 1898/17.9T8SNT.L1.S1., acessível in www.dgsi.pt.↩︎
7. Cf. Ac. do STJ de 9.5.2023, processo n.º 228/22.2T8GMR-A.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt., com mais referências jurisprudenciais.↩︎