Sumário
I – Constituem realidades materiais, médico-legais e jurídicas distintas as que resultam da atribuição direta e imediata de uma IPA a um dado sinistrado que foi vítima de um acidente de trabalho com consequências gravíssimas ao nível da sua capacidade de trabalho e ganho e um caso como o apreciado nesta ação, em que o Autor, por força do sinistro laboral que sofre, fica com uma IPP de 71%, com IPATH, a que depois, por força da atribuição do fator de bonificação de 1.5 e que se radica na impossibilidade da sua reconversão profissional por referência ao concreto posto de trabalho do mesmo, acaba por culminar numa IPP superior a 100% [1,065%], que é depois reduzida naturalmente à unidade.
II - Os motivos para a atribuição dos Fatores de Bonificação constantes do n.º 5, alínea a) das Instruções Gerais da TNI tem de considerar-se externos ou extrínsecos ao acidente de trabalho e às lesões e às sequelas médico-legais sofridas pelos sinistrados.
III - O fundamento utilizado pela Junta Médica para aplicar o fator de bonificação de 1,5 à IATH, com IPP de 71% que, decorrentes das sequelas sofridas em virtude do acidente de trabalho, o trabalhador atualmente apresenta radica-se na impossibilidade de reconversão do seu posto de trabalho, que para o AUJ deste STJ, com o n.º 10/2014, se refere ao concreto posto de trabalho de «motoserrista» [vulgo, madeireiro] que o Autor possuía no seio da organização da sua entidade empregadora.
IV - Tendo o fator de bonificação de 1,5, que foi aplicado pela Junta Médica, se baseado na circunstância de, segundo o seu entendimento, não ser possível reconverter, face às incapacidades reconhecidas e atribuídas naquele exame plural, o concreto posto de trabalho do Autor existente na organização da sua empregadora por referência à atividade de «motoserrista», tal significa que nada obsta, ainda assim, que esse trabalhador não possa, com a sua capacidade restante de 21%, exercer distintas funções e atividades integrantes noutras categorias profissionais e ofícios.
V – O regime jurídico resultante da Instrução Geral n.º 5, alínea a), quando conjugado com o disposto no artigo 48.º da LAT reclama, em casos como o dos autos, uma interpretação restritiva que, por um lado, não equipare ou configure, de uma forma automática ou mecânica, sem atender previamente aos factos dados como provados e aos aspetos médico-legais pertinentes, uma IPATH, com IPP de 100% [ou até uma mera IPP de 100%] como uma IPA e, nessa medida e em consequência, não aplique a situações como a desta ação os regimes jurídicos da alínea a) do número 3 do artigo 48.º e número 2 do artigo 67.º da LAT/2009 mas antes o das alíneas b) ou c) daquele número e os números 3 e 4 do último dispositivo legal, consoante as desvalorizações da capacidade de ganho e trabalho concretamente presentes.
VI - Entendemos que as instâncias, ao tratarem a situação em recurso de forma semelhante ou equiparada à prevista na aludida alínea a) do número 1 do artigo 48.º da LAT/2009 e ao fazerem decorrer daí as prestações em que a COMPANHIA DE SEGUROS foi condenada e que são objeto deste recurso de Revista [pensão e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente], não decidiram corretamente o presente litígio emergente de acidende trabalho.
VII - Tendo em atenção que, de acordo com os artigos 665.º e 679.º do NCPC, não é aplicável ao STJ o princípio da substituição do tribunal recorrido pelo tribunal de recurso, quando, na sequência da procedência total ou parcial da revista, existem questões jurídicas dependentes da reanálise e nova decisão pela 2.ª instância, como será o caso do valor da pensão anual a fixar, assim como o do subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, impõe-se determinar ainda que os autos baixem ao Tribunal da 2.ª instância a fim de aí serem julgadas tais questões de natureza jurídica.
Decisão Texto Integral
RECURSO DE REVISTA N.º 301/21.4T8LRA.C1.S1 (4.ª Secção)
RECORRENTE: FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
RECORRIDO: AA
(Processo n.º 301/21.4T8LRA – Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 2)
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I – RELATÓRIO
1. AA, com os sinais constante dos autos, apresentou Petição Inicial no dia 2/2/2023, assim se abrindo a fase contenciosa desta ação declarativa emergente de acidente de trabalho com processo especial [que teve início, em termos da sua fase conciliatória, no dia no dia 21/01/2021, com a participação da Seguradora] contra a FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., também com os sinais constante dos autos, requerendo a final o seguinte:
“Termos em que deverá ser julgada procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, a Ré condenada a pagar:
a) Pensão anual e vitalícia de € 6.989,20 com início a 29/09/2021, considerada uma IPP de 64,00% bonificada por fator de 1,5, perfazendo assim 96,00%, e IPATH, paga com remissão parcial de € 36.508,77 e com pensão anual sobrante de € 4.868,20;
b) Subsídio de elevada incapacidade, de acordo com a alínea 3, do artigo 67.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no valor de €5.722,78;
c) Subsídio para readaptação da habitação, mediante apresentação das despesas por parte do Autor, no valor máximo previsto no Artigo 68.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, de € 5.792,29;
d) Subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, mediante apresentação das despesas por parte do autor, no valor máximo previsto no artigo 68.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro;
e) Subsídio para adaptação de veículo motorizado, tendo em conta as sequelas resultantes e o desejo expresso do Autor de adquirir licença de condução de veículos ligeiros;
f) Custo das ajudas técnicas e acompanhamento médico referidas na alínea (ii) do Artigo 45 da presente PI, sempre que necessário.”.
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2. O Autor alegou para o efeito e em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido em ..., no dia 16/01/2020, ao serviço da sua entidade empregadora, a qual transferiu a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Autor para a Ré, quando efetuava o corte de uma árvore que o atingiu, provocando-lhe lesões de que advieram sequelas, que determinam que o mesmo se encontre com uma incapacidade permanente para o trabalho com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, necessitando, além do mais, de ajudas técnicas e de acompanhamento médico, bem como de subsídios para readaptação da habitação, para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional e para adaptação de veículo motorizado.
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3. A Ré, que foi regularmente citada, contestou a presente ação, alegando, também em síntese que o Autor não aceita o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico singular que elaborou o relatório de exame médico legal. Referiu ainda que tendo sido efetuada uma avaliação com o objetivo de identificar as obras a efetuar no domicílio do Autor, a Ré já realizou a totalidade dos trabalhos (readaptação do wc, nomeadamente a substituição da banheira por base de duche). Referiu ainda que não é responsável pelo pagamento do subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional e, no que concerne ao subsídio para adaptação de veículo motorizado, a lei não prevê esse subsídio, acrescendo que à data do acidente o Autor não era titular de licença de condução.
A finalizar, pugna pela procedência parcial da ação, com as legais consequências.
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4. A Segurança Social foi igualmente citada para os termos desta ação, mas nada veio requerer dentro do prazo legal.
5. Foi proferido, com data de 13/06/2023, Despacho Saneador, onde foram organizados os factos assentes, identificado o objeto do litígio e efetuada a enunciação dos temas da prova.
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6. Foi determinado o desdobramento dos autos para fixação de incapacidade.
No apenso A foi proferida Sentença em 17.10.2023 com o seguinte teor:
“No presente apenso de fixação de incapacidade da ação respeitante a acidente de trabalho, em que é Autor AA e Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, atento o parecer unânime dos peritos que intervieram na junta médica realizada no âmbito destes autos, devidamente fundamentado, inexistindo, portanto, razões objetivas para se discordar do laudo em apreço, bem como o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais aplicável ao caso em apreço, decide-se, ao abrigo do disposto no art.º 140.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho que o Autor se encontra atualmente afetado com uma Incapacidade Permanente Parcial de 100%.” .
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7. Na sequência da fixação do coeficiente de incapacidade, por requerimento de 08.10.2023, o Autor requereu o seguinte:
“Pelo exposto, deve ser aceite o aditamento de novo pedido e em virtude de tal aceitação, ser julgada procedente por provada a ação e, consequentemente, a Ré condenada a pagar:
a) Pensão anual e vitalícia de € 9.090,00 com início a 29/09/2021, considerada uma IPP de 71,00% bonificada por fator de 1,5, dado estar associada a IPATH, perfazendo assim 100,00%, e considerada como IPA para efeitos de cálculo, paga com remissão parcial de € 36.303,036 e com pensão anual sobrante de € 6.969,00, de acordo com a al. a), do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva;
b) Subsídio de elevada incapacidade, de acordo com o n.º 2 do artigo 67.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no valor de € 5.792,292;
Sem prejuízo da manutenção dos demais pedidos exarados na P.I., que se mantêm e são:
“c) Subsídio para readaptação da habitação, mediante apresentação das despesas por parte do Autor, no valor máximo previsto no artigo 68.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, de € 5.792,29;
d) Subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, mediante apresentação das despesas por parte do autor, no valor máximo previsto no artigo 69.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro;
e) Subsídio para adaptação de veículo motorizado, tendo em conta as sequelas resultantes e o desejo expresso do Autor de adquirir licença de condução de veículos ligeiros;
f) Custo das ajudas técnicas e acompanhamento médico referidas na alínea (ii) do artigo 45.º da presente PI, sempre que necessário.”.
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8. A Ré apresentou articulado de resposta.
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9. Em 23/11/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Ref.ª 10164227: O Autor veio, na sequência da junta médica realizada no apenso de Fixação de Incapacidade e da decisão ali proferida, aditar um novo pedido, apresentando um articulado superveniente.
Decorre do art.º 78.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 que os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida nesta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.
Significa isto que não carece o Autor de alterar ou reformular pedidos que formulou tendo como fundamento o parecer emitido pela junta médica.
Por essa razão, não se impõe ao tribunal, nesta fase, pronunciar-se acerca do requerimento em apreço, uma vez que a decisão final de mérito, que terá subjacente toda a prova existente nos autos e a produzir, deverá ser proferida após julgamento a realizar nestes autos.»
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Carece também de fundamento a contestação deduzida pela Ré seguida de requerimento para junta médica uma vez que a junta médica já foi realizada no Apenso (da qual não houve reclamação) não havendo lugar a segunda junta médica a efetuar nestes autos.”.
10. Foi realizada a Audiência Final, com observância do legal formalismo.
11. Por sentença de 22/03/2024, proferida nos autos principais, foi decidido o seguinte:
“IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, e, em consequência:
a) Declara-se que o Autor, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 100%, desde 29/09/2021;
b) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA, uma pensão anual e vitalícia de € 9.090,00 (nove mil e noventa euros), devida desde 29/09/2021 que, por força das atualizações legais (Portarias n.ºs 6/2022, de 04/01, 24-A/2023, de 09/01 e 423/2023, de 11/12) se cifra atualmente (2024) em € 10.549,22, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e em Novembro;
c) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 144,40 (cento e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização ainda devida a título de incapacidades temporárias;
d) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 5.792,29 (cinco mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);
e) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA um subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do Autor, no montante máximo de € 5.792,29 (cinco mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);
f) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho de Leiria e ao Gabinete Médico-Legal, a quantia de € 45,00 (quarenta e cinco euros);
g) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
h) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA as despesas que o mesmo vier a efetuar com a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, sem prejuízo, caso se trate de ação ou curso organizado por entidade diversa do IEFP, do pagamento da quantia de € 482,69 (quatrocentos e oitenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos);
i) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor, AA as despesas que o mesmo vier a efetuar com a adaptação de veículo motorizado, caso o Autor venha a obter a licença de condução de veículos motorizados.
j) Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a prestar ao Autor, AA, tratamento médico regular pelas especialidades de ortopedia e urologia, com a periodicidade a definir pelo médico assistente, bem como a fornecer, mediante prévia avaliação, medicação analgésica, medicação para controlo/treino intestinal e medicação para a disfunção erétil, ortótese para o membro inferior direito (tala anti-equino ou outra que venha a mostrar-se necessária), com taxa de substituição que vier a revelar-se necessária, material para proceder a algaliação, decorrente da incontinência urinária, nomeadamente sondas tipo ACTREEN LITE NELATON B BRAUN CH 12 (lubrificadas), gel lubrificante, material de higiene perineal, solução desinfetante alcoólica, sacos coletores de urina, meias elásticas e canadianas.”.
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12. A Ré interpôs recurso de Apelação, que foi admitido e subiu ao tribunal da 2.ª instância, onde correu os seus normais termos.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/09/2024 foi decidido o seguinte:
“IV - Termos em que, se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se decide.
1. Absolver a Ré do pagamento das despesas que o sinistrado vier a efetuar com a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional [alínea h) da parte dispositiva da sentença].
2. Aditar à parte final da alínea e) da parte dispositiva da sentença o seguinte segmento “…ao qual serão abatidos os montantes das despesas já efetuadas pela Ré com a adaptação do wc e que comprovadamente haja já entregado ao sinistrado”.
3. No mais, manter o decidido na sentença impugnada.
Custas a cargo da apelante.”.
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13. A Ré interpôs recurso de revista excecional com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.C.
Foi determinada a subida do recurso por despacho de 06/11/2024.
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14. Tendo o recurso de revista excecional chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar, datado de 6/12/2024, onde se considerou que, por se mostrarem verificados os requisitos legais gerais e especiais de aceitação do mesmo, o mesmo deveria ser admitido e remetido à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC.
A formação prevista em tal disposição normativa decidiu por Acórdão prolatado no dia 29/01/2025, admitir tal recurso de revista excecional quanto às seguintes questões.
a) Se, tendo o sinistrado ficado afetado com uma IPP de 71% com IPATH, que atinge a totalidade de IPP (99,99%) por aplicação do fator de bonificação 1,5 [alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades], deve considerar-se que esta situação equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA).
b) Na afirmativa, conexamente, se a pensão e subsídio deve ser calculada nos termos dos arts. 48.°, n.º 3, a) (e não na alínea b), e 67.º, n.º 2 da LAT (Lei 98/2009), ou seja, como se o sinistrado estivesse afetado de uma IPA.
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15. A recorrente FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. resume nas suas conclusões as diversas facetas deste recurso de revista:
1. A questão a submeter à apreciação deste Respeitoso Tribunal concerne ao tratamento jurídico a dispensar à situação de um lesado em acidente de trabalho que, portador de uma elevada incapacidade permanente parcial, superior a 70%, atinge 100% de incapacidade com a aplicação do fator de bonificação de 1,5.
2. O fator de bonificação não é suscetível de alterar a natureza e quantum da incapacidade real, só atuando depois para efeitos de quantificação (aumento) da pensão.
3. Cotejando os acórdãos acima identificados, nenhum deles discute a problemática do presente recurso, já defendida pela recorrente junto do Tribunal recorrido, considerando-se que a questão, pelo seu relevo jurídico, tal como o próprio acórdão recorrido admite, é suscetível de apreciação com vista à melhor exegese jurídica.
4. Não só a questão assume relevo jurídico digno de excecionar o princípio da dupla conformidade de julgados, como acautela interesses de particular relevância social, desde logo pelo universo de trabalhadores que sofrem por infortúnio lesão de tal gravidade, estando subjacentes razões de ordem pública relativas ao direito da sinistralidade no trabalho, aspeto que convoca a aplicação da alínea b) do n.º 1 do art.º 672.º do Código de Processo Civil.
5. Deve, por isso, ser admitido o recurso de revista excecional ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 672.º do Código de Processo Civil.
6. A recorrente não se conforma com o acórdão recorrido que, sufragando a posição do Tribunal da 1.ª instância, a condenou a pagar ao recorrido as quantias elencadas nas alíneas b), d) e g) da parte dispositiva e ainda com a decisão proferida no âmbito da fixação da incapacidade para o trabalho de que o recorrido se encontra atualmente afetado com uma incapacidade permanente parcial de 100%.
7. A IPP de 100% fixada ao sinistrado não resulta de um juízo médico-legal, baseado na incapacidade vigente, mas de um plus à real incapacidade permanente parcial que, por cálculo matemático, traduz 100% de IPP.
8. Pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 317/2023 de 26 de Maio de 2023 – Proc.º 392/2022 – 1.ª Seção, “esta bonificação (referindo-se à aplicação do fator de 1,5 por a vitima não ser reconvertível no seu posto de trabalho) não altera a natureza da incapacidade nem é considerada na fixação do grau inicial de incapacidade permanente, só atuando depois do mesmo ser fixado em termos gerais... apenas acabando, e em função do facto de o sinistrado não ser reconvertível do seu posto de trabalho, por aumentar o grau de incapacidade permanente stricto sensu e, afinal, o valor da pensão anual e vitalícia e do subsídio por elevada incapacidade a pagar ao sinistrado”.
9. O entendimento vertido no acórdão recorrido, contraria, a nosso ver, conceitos da Tabela Nacional de Incapacidades criada pelo DL 352/2007 de 23 de dezembro, revelando-se desconforme à essência dos princípios que a estruturam.
10. O que distingue a IPATH da IPA é a capacidade restante do sinistrado, a sua capacidade de reconversão/reabilitação profissional, aspeto que escapa completamente à fundamentação do acórdão recorrido.
11. O artigo 21 da mencionada Tabela de Incapacidades estabelece que o grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, o que reforça o princípio de que a IPA só poderá verificar-se face à inexistência de capacidade restante do sinistrado, ou seja, quando 100% de incapacidade corresponder a uma alteração funcional absoluta com incapacidade para todo e qualquer trabalho, não se destinando a Tabela Nacional de Incapacidades a criar ficções jurídicas, como as que resultam, sem quebra do respeito devido, do acórdão recorrido ao equiparar o estado do recorrido como se ele fosse portador de IPA, quando tal não se verifica pois o mesmo possui capacidade restante, conforme decidido pela Junta Médica.
12.Constitui erro de julgamento a equiparação do recorrido a uma situação de IPA, quando este é portador de uma IPP de 71% com IPATH e, fixada esta incapacidade, lhe é aplicado o fator de bonificação de 1,5, do que resulta, segundo o acórdão em crise, uma IPP superior a 100%.
13. Donde, a quantificação da pensão e do subsídio de elevada incapacidade terá de ser efetuada com base nos art.º 48.º, n.º 3 alínea b), e não na alínea a), e no art.º 67, n.º 3 e não no n.º 2, da Lei 98/2009 de 4 de setembro.
14.Para que um sinistrado seja portador de uma incapacidade permanente de 100%, o mesmo terá de evidenciar disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
15. Se tal não se verificar, o grau de incapacidade não pode ser expresso pela unidade, mas no coeficiente anterior, fixando-se em 99,99%. A incapacidade de 100% tem de corresponder efetivamente ao máximo da incapacidade e ao estado absoluto de incapacidade permanente, não parcial.
16. O Tribunal “a quo” fixou a IPP de 100% ao recorrido. sem tomar em consideração este limite. Ao fundamentar a decisão no relatório da Junta Médica, que fixou ao Apelado a IPP de 71%, com IPATH, e aplicou de seguida o fator de bonificação, nunca poderia o tribunal “a quo” ter considerado o recorrido portador de 100% de incapacidade permanente parcial.
17. A recorrente impugna a decisão proferida no âmbito do apenso para fixação da incapacidade em virtude da mesma estar ferida de erro de julgamento, por violação do artigo 21.º, n.º 2 da Tabela Nacional de Incapacidades, devendo a mesma ser revogada e substituída pela fixação da IPP de 99,99%, correspondente à IPP de 71% com IPATH, aplicado o fator de bonificação de 1.5, com o limite previsto no art.º 21, n.º 2 da Tabela.
18. Decidindo como decidiu violou o Tribunal recorrido o comando da instrução 5 e do artigo 21 da Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de Trabalho e os artigos 48.º, n.º 3 alínea b) e 67.º, n.º 3, ambos da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, considerar-se o recorrido portador de uma IPP de 99,99%, correspondente a uma IPP de 71%, à qual deve ser aplicado o fator de bonificação de 1,5%, com IPATH, e não portador de IPA, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA»
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16. O Autor não veio apresentar contra-alegações, dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito.
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17. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
«Pelo exposto, concordamos com a decisão do acórdão recorrido, pelo que somos de parecer que o presente recurso de revista excecional deverá ser considerado improcedente, mantendo-se o mesmo.»
Este Parecer do Ministério Público foi objeto de resposta por parte da Seguradora, onde manifestou a sua discordância com o teor daquele.
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18. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto do Acórdão aos restantes Juízes-conselheiros do coletivo e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS.
II. FACTOS
19. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra [TRC] de 13/9/2024 [sendo certo que não houve Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto por nenhuma das partes]:
- FACTOS DADO COMO PROVADOS
1) O Autor, no dia 16 de janeiro de 2020, em ..., desenvolvia a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “A... Unipessoal, Lda.”, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de auxiliar de serviços/madeireiro e auferia a remuneração de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação, num total anual ilíquido de € 10.100,00 – Alínea A) dos Factos Assentes.
2) Na referida data o Autor, enquanto procedia ao abate e corte de árvores, foi atingido por um pinheiro, tendo sofrido politraumatismo com TVM com fratura de 3 arcos costais (2 esquerdo e 1 direito), laceração esplénica, fraturas múltiplas de apófises transversas lombares bilaterais e fratura do corpo de L5 cominutiva e com recuo do muro posterior e fragmentos intracanalares, sujeito a tratamento cirúrgico com estabilização e fixação da coluna lombo sagrada com discectomia e impactação dos fragmentos ósseos com infeção e deiscência com necessidade de desbridamento e limpeza cirúrgica – Alínea B) dos Factos Assentes.
3) Em consequência do acidente e das lesões descritas, resultaram para o Autor, enquanto sequelas, lombalgia residual, paresia do nervo ciático popliteu externo direito, disfunção erétil (com coito possível com medicação mas sem ejaculação) e atonia vesical (com necessidade de cateterização vesical intermitente), que se consolidaram no dia 28/09/2021, determinando que o Autor se encontre afetado com uma Incapacidade Permanente Parcial de 100% (já com aplicação do fator de bonificação 1.5), com Incapacidade Absoluta para o Trabalho Habitual.
4) O Autor esteve na situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 17/01/2020 a 28/09/2021– Alínea C) dos Factos Assentes.
5) Em consequência do acidente o Autor necessita de tratamento médico regular pelas especialidades de ortopedia e urologia, com a periodicidade a definir pelo médico assistente.
6) Em consequência do acidente o Autor carece, após avaliação médica:
a) De medicação analgésica, medicação para controlo/treino intestinal e medicação para a disfunção erétil.
b) Ortótese para o membro inferior direito (tala anti-equino ou outra que venha a mostrar-se necessária), com taxa de substituição que vier a revelar-se necessária.
c) Material para proceder a algaliação, decorrente da incontinência urinária: sondas tipo ACTREEN LITE NELATON B BRAUN CH 12 (lubrificadas), gel lubrificante, material de higiene perineal, solução desinfetante alcoólica, sacos coletores de urina).
d) Meias elásticas.
7) O Autor necessita de canadianas para utilizar nas suas deslocações.
8) O Autor tinha a pretensão de obter licença de condução de veículos ligeiros, carecendo, caso venha a obter essa licença, de utilizar um veículo adaptado à sua condição física atual.
9) A Ré efetuou obras de adaptação no domicílio do Autor que consistiram na readaptação do wc, nomeadamente a substituição de banheira por base de duche.
10) A habitação do Autor carece ainda de obras de readaptação nomeadamente no exterior da habitação (nas escadas de acesso, com necessidade de eventual remoção das mesmas, e colocação de corrimãos/apoios nas paredes) e no interior da habitação, com eventual remoção de degraus, alargamento dos espaços destinados às portas e colocação de apoios/corrimãos nas paredes.
11) O Autor pretende frequentar ações de formação no âmbito da reabilitação profissional.
12) O Autor recebeu da Entidade Responsável, aqui Ré, a quantia de € 12.237,65 a título de indemnização por incapacidades temporárias– Alínea D) dos Factos Assentes.
13) O Autor despendeu, em deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho e ao Gabinete Médico Legal, a quantia de € 45,00 – Alínea E) dos Factos Assentes.
14) À referida data, a sociedade “A... Unipessoal, Lda.” tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao Autor, transferida para a Entidade Responsável, através da Apólice n.º AT64317020 pela totalidade da remuneração auferida pelo Autor– Alínea F) dos Factos Assentes.
15) O Autor nasceu em .../01/1993 – Alínea G) dos Factos Assentes.
16) O Autor tem uma filha a cargo, BB, nascida em ... de maio de 2014.»
*
III – OS FACTOS E O DIREITO
20. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
21. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 21/01/2021, ou seja, muito depois da entrada das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto, e essencialmente com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho – 16/01/2020 – terem todos ocorrido na vigência das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 – que entrou em vigor em 17/02/2009 - relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que só veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior (ou seja, a Lei dos Acidentes do Trabalho aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13/09 e a respetiva regulamentação inserida no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04) e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data.
B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA
22. As questões de índole substantiva que se discutem neste recurso de revista são as seguintes:
- Se deve ser fixada ao Autor uma IPP de 99,99%, correspondente a uma IPP de 71%, com aplicação do fator de 1,5%, com IPATH, e não uma IPP de 100%, com IPA;
- E, em caso afirmativo, se a quantificação da pensão e do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente terá de ser efetuada com base nos artigos 48.º, n.º 3, alínea b) (e não na alínea a) e 67.º, n.º 3 da L.A.T.)
Não será despiciendo recordar que a Ré COMPANHIA DE SEGUROS veio interpor um recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, que tendo sido liminarmente admitido e apreciado pela formação prevista no número 3 daquela mesma disposição legal, veio a dar origem ao Aresto proferido pela mesma no dia 29/01/2025 e que, tendo sido relatado pelo Juiz-Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO, mostra-se publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
«I. Está em causa a questão de saber se, tendo o sinistrado ficado afetado com uma IPP de 71% com IPATH, que atinge a totalidade de IPP (99,99%) por aplicação do fator de bonificação 1,5 [alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades], deve considerar-se que esta situação equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA); e, na afirmativa, conexamente, se a pensão deve ser calculada nos termos dos arts. 48.º, n.º 3, a), e 67.º, n.º 2, da LAT (Lei 98/2009), ou seja, como se aquele estivesse afetado de IPA.
II. As questões em apreço são passíveis de respostas não lineares no plano das dimensões problemáticas que lhes associadas, sendo que, para além de nunca ter sido apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, a matéria em causa envolve elevada relevância dogmática e prática, bem como acrescidas exigências de segurança jurídica e previsibilidade na interpretação e aplicação da lei, tendo em conta, para além do mais, a sensibilidade dos temas suscitados pelos acidentes de trabalho.
III. Encontra-se, deste modo, preenchido o condicionalismo previsto no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC.»
C – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA
23. A sentença do Juízo do Trabalho de ... reconheceu, nos moldes constantes da sua argumentação que adiante se reproduz, parcialmente e no que juridicamente releva para as questões que se colocam no seio deste recurso de revista:
«No caso em apreço, inexistem divergências das partes quanto à efetiva ocorrência de um acidente caracterizado como acidente de trabalho.
Percorrendo a factualidade provada, verifica-se que na sequência do acidente e das lesões dele decorrentes o Autor esteve na situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 17/01/2020 a 28/09/2021. Também na sequência dessas lesões, resultaram sequelas para o Autor, e que acima ficaram descritas. Tais sequelas determinam que o Autor se encontre afetado com uma incapacidade permanente parcial de 100% desde o dia 29/09/2021. De facto, e conforme acima se observou o Autor ficou afetado de uma IPP de 71% com IPATH que passou a IPP de 100% por aplicação do fator de bonificação 1,5 (al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades).
Deste modo, e conforme se observou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/03/2017 (processo n.º 298/14.TTFAR.E1) «considerando que o Autor se encontrava afectado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afectado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2014, Proc.º n.º 3145/08.5TTLSB.L1, disponível em CJ, ano 2014, tomo I, pág. 163)». Mais recentemente e também neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 17/04/2023 (processo n.º 778/18.5T8AVR.P1 – ambos consultáveis em www.ddgsi.pt.
Deste modo, tem o Autor direito a receber:
- uma pensão anual e vitalícia nos termos do disposto nos art.ºs 48.º, n.º 3, al. a) e 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, , de 04/09 desde 29/09/2021 (dia seguinte ao da consolidação médico legal das lesões) no valor de € 9.090,00 (€ 10.100,00 x 90%), uma vez que se provou que o Autor tem a seu cargo uma filha (art.ºs 49.º, n.º 1, al. c) e 60.º, n.º 1, al. a) da referida Lei, a pagar em 14 prestações, acrescida de subsídio de férias e de Natal, a pagar em Junho e em Novembro, respetivamente (art.º 72.º, n.º 1 e 2, da referida Lei).
- uma indemnização, nos termos dos art.ºs 23.º, al. b), 47.º, n.º 1, al. a), 48.º, n.º 1 e n.º 3, als. d) e e) e 50.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, do período de Incapacidade Temporária Absoluta (621 dias), no montante de € 12.382,05 [(= (€ 10.100,00 : 365) x 70% x 365) +(= (€ 10.100,00 : 365) x 75% x 256), restando ainda em dívida pela Seguradora, a quantia de € 144,40 (12.382,05 - € 12.237,65);
- um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, nos termos dos arts. 23.º, al. b), 47.º, n.º 1, al. d), 48.º, n.º 2 e 67.º, n.º 2 e 5, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, no valor de € 5.792,29 (= (1,1 x € 438,81) x 12).»
D – FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
24. O Tribunal da Relação de Coimbra, chamado a decidir o recurso de Apelação que foi interposto pela Ré Seguradora da mencionada sentença final, veio a julgar o mesmo parcialmente procedente, tendo desenvolvido a seguinte fundamentação jurídica quanto às problemáticas que aqui nos ocupam:
«Assinale-se, desde já, que a solução da questão da equiparação de uma situação de IPA resultante da aplicação do fator de bonificação de 1.5, quando o sinistrado é portador de uma IPP com IPATH não é isenta de dúvidas, podendo suscitar mais do que um entendimento.
A 1.ª instância na decisão seguiu a jurisprudência que se conhece sobre tal questão.
Segundo o acórdão da RP (Paula Leal de Carvalho) citado na decisão impugnada “(…) Como bem sintetiza o Exm.º Sr. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer “Está em causa o cálculo da pensão devida ao sinistrado com uma IPP de 66,75%, com IPATH, que depois de ser aplicado o factor 1,5 atinge 100%.”.
Concorda-se com a sentença recorrida, que está em consonância também com os Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.01.2014, que se encontra publicado na Coletânea de Jurisprudência, 2014, Tomo I, pág. 163 a 166, e da Relação de Évora de 30.03.2017, Proc. 298/14.7TTFAR.E1, este in www.dgsi.pt, não se vendo razão para discordar de tal entendimento.
No mencionado Acórdão da Relação de Lisboa, a que era aplicável a Lei n.º 100/97 e em que estava em causa uma IPP de 75% e a que veio a ser aplicado o fator de bonificação de 1,5, donde resultou uma incapacidade permanente de 100%, referiu-se que “E assim sendo, tem aplicação o disposto no art.º 17.º, n.º 1 al. a) da LAT, nos termos do qual (….)”. E, no mencionado Acórdão da Relação de Évora referiu-se que “Nesta conformidade, e considerando que o Autor se encontrava afetado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afetado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2014, Proc. n.º 3145/08.5TTLSB.L1, disponível em CJ, ano 2014, tomo I, pág. 163)”.
Ainda que por via da aplicação do fator de bonificação previsto no n.º 5, a. a), das Instruções Gerais da TNI, certo é que a incapacidade permanente do sinistrado passa a ser de 100%, e passa a sê-lo para todos os efeitos, sob pena de se negar ou coartar os efeitos plenos dessa incapacidade e sendo que, nem o art.º 48.º, n.º 3, al. a), da LAT, nem a mencionada Instrução, restringem o seu campo de aplicação às situações de que resulte uma IPA mas sem atribuição do fator de bonificação.
O citado art.º 48.º, n.º 3, al. a), reporta-se às situações de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, sendo que a esta se subsumem as situações de incapacidade permanente de 100% e nesta se enquadrando, também, as situações em que, ainda que por via da atribuição do fator de bonificação, a incapacidade redunde numa incapacidade permanente de 100%.
A Lei, ao prever a atribuição do fator de bonificação, fá-lo por entender que, verificando-se as condições da sua atribuição, se justifica atribuir tal fator, equiparando a situação incapacitante do sinistrado que resulta dessa atribuição àquelas de que resultaria essa mesma incapacidade mas sem atribuição de tal fator, salientando-se que a Lei não distingue os efeitos para que deva, ou não, valer a atribuição desse fator”.
Embora a solução a dar à questão em análise, como ficou dito, possa não ser unívoca, com respeito pela valia dos argumentos aduzidos pela recorrente 11, não vislumbramos, por ora, razões para divergir do enquadramento seguido no acórdão acabado de transcrever, que se sufraga, pelo que é de confirmar a decisão recorrida quando procedeu aos cálculos da pensão e do subsídio por elevada incapacidade com base numa IPA.»
E – INCAPACIDADES EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO E FATORES DE BONIFICAÇÃO
25. Chegados aqui e depois de enunciarmos as duas questões que se suscitam no âmbito deste recurso de revista e de reproduzirmos as fundamentações coincidentes das decisões das instâncias, interessa resumir a factualidade que releva para este julgamento e que se traduz na circunstância do Autor AA, nascido no dia .../01/1993, quando desempenhava as funções profissionais subordinadas de auxiliar de serviços/madeireiro, foi, no dia 16/01/2020, atingido por um pinheiro que lhe provocou lesões e sequelas graves que, depois de um período de IPA entre os dias 17/01/2020 e 28/9/2021, teve alta clínica nesta última data, com a atribuição uma IPP de 71% com IPATH, bem como do fator de bonificação de 1,5 previsto na alínea a) do número 5 das Instruções Gerais da TNI, o que acarretou que formalmente ficasse com uma IPP de 1,065, que foi reduzida a 100% da referida capacidade de trabalho do sinistrado.
Convirá recordar aqui as normas jurídicas e as regras médico-legais aplicáveis ao sinistro dos autos que se encontram na Lei de Acidentes de Trabalho de 2009 [LAT/2009] e na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais [TNI] que foi publicada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10, em função das lesões e sequelas permanentes sofridas pelo trabalhador recorrido:
Artigo 21.º
Avaliação e graduação da incapacidade
1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.
2 - O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
4. […]
Artigo 48.º
Prestações
1 – […]
2 - A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º;
ANEXO I
Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais
Instruções gerais
1 - A presente Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) tem por objetivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho.
2 - As sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no âmbito do número anterior, são designados na TNI, em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos.
3 - A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
4 - Os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização, que constituem o elemento de base para o cálculo da incapacidade a atribuir.
5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator;
[…]
Interessa realçar ainda aqui o que, nestas matérias, foi já decidido por este Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, por via de um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência [segundo motivo de bonifação da alínea a) da Instrução n.º 5 da TNI e compatibilização entre a atribuição de tal fator por qualquer um dos motivos legais previstos e uma situação de IPATH]:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, publicado no Diário da República, n.º 244, de 17 de dezembro de 2024, que uniformizou jurisprudência nos termos seguintes:
- A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
II - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.»
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2023, Processo n.º 1136/17.4T8LRA.C2.S1, relator: júlio Gomes, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário parcial:
I - Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade.
F – SUBSÍDIO POR SITUAÇÃO DE ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
26. A Ré Seguradora, como segunda problemática recursória, questiona-se, no caso de nos encontrarmos face a uma IPA, por força da IPP de 100% considerada pelas instâncias, se as prestações devidas deverão ser calculadas nos termos do artigo 48.º, n.º 3, alínea b) e não nos moldes previstos na alínea a) desse mesmo número e disposição [que se acha acima reproduzida] e artigo 67.º, n.º 3 da L.A.T. [e não segundo o seu número 2].
Tal regime legal, quanto às prestações pecuniárias devidas, é o seguinte:
Artigo 47.º
Modalidades
1 - As prestações em dinheiro previstas na alínea b) do artigo 23.º compreendem:
a) A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho;
b) A pensão provisória;
c) A indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho;
d) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
e) O subsídio por morte;
f) O subsídio por despesas de funeral;
g) A pensão por morte;
h) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa;
i) O subsídio para readaptação de habitação;
j) O subsídio para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho.
2 - O subsídio previsto na alínea j) é cumulável com as prestações referidas nas alíneas a), b), c) e i) do número anterior, não podendo no seu conjunto ultrapassar, mensalmente, o montante equivalente a seis vezes o valor de 1,1 do indexante de apoios sociais (IAS).
3 - A indemnização em capital, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, os subsídios por morte e despesas de funeral e o subsídio para readaptação de habitação são prestações de atribuição única, sendo de atribuição continuada ou periódica todas as restantes prestações previstas no n.º 1.
Artigo 67.º
Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente
1 - O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente destina-se a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 %, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
2 - A incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho confere ao sinistrado o direito a um subsídio igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS.
3 - A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
4 - A incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 % confere ao beneficiário o direito a um subsídio correspondente ao produto entre 12 vezes o valor de 1,1 IAS e o grau de incapacidade fixado.
5 - O valor IAS previsto nos números anteriores corresponde ao que estiver em vigor à data do acidente.
6 - Nos casos em que se verifique cumulação de incapacidades, serve de base à ponderação o grau de incapacidade global fixado nos termos legais.
Tendo deixado equacionadas as fronteiras normativas dentro das quais as duas questões levantadas neste recurso de Revista devem ser analisadas e decididas, importa passar à apreciação do caso concreto.
*
G – ENQUADRAMENTO FACTUAL, PERICIAL E JURÍDICO DA PRIMEIRA QUESTÃO SUSCITADA
27. Chegados aqui e depois de termos sobrevoado o regime legal aplicável ao pleito dos autos e de vermos como alguma da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem enfrentado algumas das questões que pelo mesmo são suscitadas, debrucemo-nos sobre o caso concreto que temos entre mãos.
Começar-se-á por dizer que o Exame por Junta Médica realizado no Apenso para Fixação da Incapacidade dos autos é algo equívoco ou enigmático no seu conteúdo, sentido e alcance, pois se nas respostas aos quesitos do Autor confirma que o mesmo vive uma situação de IPATH [ainda que sem usar a terminologia técnica e legal, na sua resposta ao quesito], já não o vem reiterar na IPP de 100% que vem a determinar a final, depois da aplicação do referido fator de bonificação à IPP de 71%, bem como não qualifica esta última como uma IPA, não obstante tal percentagem máxima atingida.
Importa também dizer que, até por força do decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STJ [2], a impossibilidade de conversão profissional prevista na alínea a) da Instrução número 5 e que justificou a atribuição pela Junta Médica do aludido factor de bonificação, refere-se ao concreto posto de trabalho de madeireiro [a Junta Médica denomina-o de Motosserista] que o sinistrado assumia na altura do acidente [3], no âmbito do contrato de trabalho mantido com a sociedade “A... Unipessoal, Lda.”
Realce-se a este respeito que o Autor formulou no final da sua Petição Inicial estes dois primeiros quesitos, que obtiveram da Junta Médica as respostas indicadas logo a seguir a tais quesitos:
«O Autor, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente? R: NÃO, NÃO PODE.
(ii) As lesões sofridas pelo Autor determinam IPATH? R: SIM, O QUADRO SEQUELAR RELATIVAMENTE AO QUAL SE ADMITIU NEXO DE CAUSALIDADE MÉDICO LEGAL NÃO É COMPATÍVEL COM A ATIVIDADE PROFISISONAL DE MOTOSSERISTA, QUE O SINSITARDO NÃO VOLTOU A EXERCER»
O tribunal da 1.ª instância, também algo contraditóriamente, veio na decisão do dito apenso, considerar que o sinistrado está afetado apenas por uma IPP de 100%, para depois na factualidade dada como provada já acrescentar a IPATH [4] e, finalmente, na decisão final, entender que está perante um cenário de IPA ou equiparado.
Já o tribunal da 2.ª instância entendeu que um cenário como o dos autos tinha de ser reconduzido, sem margem para dúvidas, a um caso de Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho [IPA], como o que se mostra previsto na alínea a) do número 1 do artigo 48.º da LAT/2009.
Vale a pena considerar ainda aqui, não apenas a jurisprudência citada pelas instâncias para sustentar a sua posição, como transcrever o Parecer do Procurador Geral-Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça e que defende o seguinte:
«O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na Tabela Nacional de Incapacidades, por força do disposto no art. 21.º, n.º 3, da LAT.
Conforme se conclui do ponto 5, al. a), da TNI, o legislador optou por aplicar a bonificação do fator 1,5 aí prevista sobre a própria incapacidade do sinistrado, ao fazê-lo sobre os coeficientes de incapacidade previstos, e não sobre a pensão resultante da incapacidade inicialmente calculada.
É, assim, com a aplicação daquela bonificação que o valor da incapacidade a atribuir fica fixada, sendo essa incapacidade única, e com um valor total, o que decorre diretamente daquela instrução da TNI.
A recorrente ao distinguir a incapacidade do sinistrado entre a resultante da análise clínica e a que provem da bonificação está a criar uma ficção que não resulta da lei.
É indiscutível que a IPP associada à IPATH traduz a incapacidade residual funcional para as outras profissões compatíveis, de acordo com o ponto 5, al. a), das IG da TNI, pelo que, tendo o sinistrado uma IPP de 100% para as restantes profissões, então é porque não pode exercer qualquer profissão, nem a sua, nem qualquer outra, pelo que, necessariamente, tem uma IPA.
Por outras palavras, sofrendo o sinistrado de uma IPATH com IPP de 100%, o mesmo não possui capacidade residual, pelo que tem uma disfunção total para efeitos do art. 21.º, n.º 2, da LAT.
Diga-se, de resto, que foi esse precisamente o argumento da recorrente para não pagar as despesas com ações de formação no âmbito da reabilitação profissional.
A ser atribuída ao sinistrado uma IPATH com uma IPP de 99%, como propõe a recorrente, não está a ser cumprido o n.º 5.º, al. a), da TNI, já que essa incapacidade é inferior à que lhe foi atribuída.
Acresce que nem existe qualquer fundamento jurídico para uma interpretação restritiva ao ponto 5, al. a), da TNI, conforme sugere a recorrente.
Ensina FRANCESCO FERRARA, in Interpretação e Aplicação das Leis, Colecção Stvdivm, 3.ª ed., Coimbra, 1978, p. 149-150, que «[a] interpretação restritiva aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, todavia quis referir-se a uma classe especial de relações ... A interpretação restritiva tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1.º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto da lei; 2.º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum) 3.º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado.».
Ora, não encontramos qualquer contradição interna ou externa na articulação das normas em causa, nem tão pouco qualquer indício que o legislador não pretendesse que as mesmas tivessem a interpretação gramatical que delas resulta.
Pelo contrário, a interpretação que vem sendo seguida pela jurisprudência, e que se subscreve, parece-nos resultar até de uma mera dedução lógica, um mero corolário, do teor das normas aplicáveis, e, portanto, incontornável.
Em suma, entende-se que a situação do sinistrado equivale a uma IPA.
Em consequência, a respetiva pensão e o subsídio por elevada incapacidade devem ser calculados nos termos dos arts. 48.°, n.º 3, al. a), e 67.° n.º 2, da LAT, não existindo, em nosso entender, e também aqui, qualquer fundamento legal para uma interpretação restritiva destes preceitos.»
H – POSIÇÃO DEFENDIDA PELA RÉ
28. Ora, temos de convir que constituem realidades materiais, médico-legais e jurídicas distintas as que resultam da atribuição direta e imediata de uma IPA a um dado sinistrado que foi vítima de um acidente de trabalho com consequências gravíssimas ao nível da sua capacidade de trabalho e ganho e um caso como o apreciado nesta ação, em que o Autor, por força do sinistro laboral que sofre, fica com uma IPP de 71%, com IPATH, a que depois, por força da atribuição do fator de bonificação de 1.5 e que se radica na impossibilidade da sua reconversão profissional por referência ao concreto posto de trabalho do mesmo, acaba por culminar numa IPP superior a 100% [1,065%], que é depois reduzida naturalmente à unidade.
A Seguradora entende que tal redução deveria ter sido operada para 99,9% [deixando assim o trabalhador recorrido com uma capacidade de trabalho residual de 0,01%, que, nessa medida, não se poderia confundir ou reconduzir a uma IPA e demandaria antes a aplicação do regime legal previsto para uma IPATH, com a aludida IPP], por a situação médico-legal do Autor não se reconduzir, verdadeira e originariamente, à fixação de uma IPA verificada, desde logo, em termos de TNI, como, aliás, deixámos descrita na primeira hipótese acima equacionada, mas há que dizer que tal perspetiva não possui, para nós, um suporte normativo seguro, claro e objetivo.
A primeira interrogação que haveria que colocar era a que se prendia com a circunstância de a IPP do Autor, com a conjugação da IPP de 71% com o Factor de Bonificação de 1,5, exceder manifestamente os 100% e de, não obstante esse facto médico e legal, vir o tribunal, de uma maneira artificial e injustificada, a fixar um valor percentual tangencial mas inferior à unidade e que, nessa medida, poderia até situar-se noutros valores percentuais abaixo daquele, consoante as concretas condições e circunstâncias que fossem convocadas para os correspondentes sinistros.
De qualquer maneira, não podemos deixar de nos perguntar o seguinte: que trabalho é que o Autor poderia ainda realizar com aquela capacidade restante de 0,01% ? E, caso o viesse a fazer e tivesse um acidente de trabalho que implicasse para ele uma IPP superior a tal capacidade restante [por exemplo, 5%], como se procederia então? Atribuir-se-ia apenas ao mesmo uma Incapacidade Permanente Parcial correspondente a 0,01% ou ficava o mesmo com duas IPP que, no seu conjunto, ultrapassavam os 100%? E se tal IPP se situasse nos 29%, já seria então possível converter tais IPP’s numa IPA, por então se ter efetivamente esgotado ou consumido, por força dos dois acidentes de trabalho, a capacidade total de trabalho do Autor?
Com esta posição da recorrente, criar-se-ia uma solução legal intermédia e inovadora para acidentes de trabalho como o dos autos, em que, não obstante a fixação da unidade ao nível da IPP atribuída pela Junta Médica, acabaria por se reconduzir a mesma, ainda e afinal, a um caso de IPP com IPATH, muito embora com contornos muito particulares.
Tratar-se-ia de, num âmbito de um regime legal imperativo, introduzir, por interpretação extensiva ou integração analógica, uma nova alínea [a1) ou b1)] no quadro do número 1 do artigo 48.º da LAT/2009, que não só se nos afigura desnecessária por não se verificar realmente uma lacuna de regulação quanto ao caso em presença como, mesmo a admitir-se esta última, a criação normativa defendida pela Ré não se revelaria coerente e consentânea com o regime legal vigente nessa matéria.
I – POSIÇÃO DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
29. Muito embora compreendamos as dúvidas levantadas pela Recorrente e que a levam a defender a tese antes apreciada, afigura-se-nos que a abordagem do cenário médico-legal e jurídico que ressalta dos autos não passa pela criação dessa ficção legal de uma IPP de 99,99% mas antes pela consideração da real e genuína capacidade de trabalho e ganho residual que o Autor efetivamente ainda possui e que é de 29%.
Pensamos importante frisar, como bem observa a Ré Companhia de Seguros, que os motivos para a atribuição dos Fatores de Bonificação constantes da alínea a) do número 5 das Instruções Gerais da TNI tem de considerar-se, de alguma maneira, externos ou extrínsecos ao acidente de trabalho e às lesões e às sequelas médico-legais sofridas pelos sinistrados.
Há que relembrar aqui que o fundamento utilizado pela Junta Médica para aplicar o fator de bonificação de 1,5 à IPATH, com IPP de 71%, decorrentes das sequelas sofridas em virtude do acidente de trabalho, que o trabalhador atualmente apresenta, se radica na impossibilidade de reconversão do seu posto de trabalho, que para o AUJ deste STJ, com o n.º 10/2014, se refere ao concreto posto de trabalho de «motoserrista» [vulgo, madeireiro] que o Autor possuía no seio da organização da sua entidade empregadora.
Ora, sem pretender abrir uma discussão já ultrapassada por jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça - sobre a possibilidade de cumular uma IPATH com o fundamento do fator de bonificação da alínea a) da Instrução Geral n.º 5 da TNI [impossibilidade de reconversão do seu posto de trabalho], dado aquela primeira já pressupor, em regra, esta última -, se a dita desvalorização qualificada do aqui recorrido significa que o mesmo não pode voltar a exercer, em moldes permanentes e absolutos, a sua profissão habitual de motoserrista/madeireiro, tal abrange, naturalmente, qualquer empresa que se dedica à atividade madeireira e que contrata trabalhadores com tais funções.
Logo, a existência dessa Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual [IPATH] afeta apenas essa específica profissão e categoria profissional de «Motoserrista», assim como a IPP de 71% respeita à capacidade de trabalho e ganho para qualquer outra profissão, naquela precisa percentagem, ficando, no entanto e ainda o Autor com uma IPP residual e válida para desenvolver, na medida do possível e dentro dessa segunda percentagem, uma atividade profissional em todas essas outras profissões que não a de madeireiro [digamos assim].
Ora, a ser assim e tendo o fator de bonificação de 1,5, que foi aplicado pela Junta Médica, se baseado na circunstância de, segundo o seu entendimento, não ser possível reconverter, face às incapacidades reconhecidas e atribuídas naquele exame plural, o concreto posto de trabalho do Autor existente na organização da sua empregadora por referência à atividade de «motoserrista», tal significa que nada obsta, ainda assim, que esse trabalhador não possa, com a sua capacidade restante de 21%, exercer distintas funções e atividades integrantes noutras categorias profissionais e ofícios.
Esta a interpretação jurídica do regime legal que deixámos antes transcrito – sem perder de vista a jurisprudência uniforme ou consolidada emanada deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça - que nos parece a mais consentânea com a conjugação entre os factos dados como provados e a realidade médico-legal que dos mesmos emerge.
Afigura-se-nos que, não obstante resultar do funcionamento do aludido fator de bonificação de 1,5 uma IPP de 106,5, que foi reduzida à unidade [100%], a IPATH, com uma IPP total daí resultante não se confunde nem se reconduz, automaticamente, a uma IPA [Incapacidade Permanente e Absoluta para todo e qualquer Trabalho].
Não se pode ignorar que, na realidade e em termos materiais ou práticos, o Autor ainda tem uma IPP residual de 29% para exercer um qualquer efetivo mester que não o de madeireiro e que a fixação de uma IPP de 100%, pelo fundamento já analisado, não reflete, de uma forma genuína e verdadeira, o seu estado clínico em moldes médico-legais, ou seja, não se pode afirmar que, substancialmente, o sinistrado dos autos está, de facto, impossibilitado de voltar a trabalhar em qualquer outra ocupação ou emprego [5].
Fazê-lo é, salvo o devido respeito por opinião diversa, pretender, de uma maneira artificial, formal e desfavorável aos interesses, expetativas e direitos do Autor, enquanto pessoa e trabalhador [6], equipará-lo aqueles outros sinistrados que, infeliz e infortunadamente, se acham afetados por uma IPA e, nessa medida, impedidos, efetivamente, de desenvolver uma qualquer outra arte, a título do seu ganha-pão [como popularmente se usa dizer].
A Junta Médica não deu, no seu Exame Médico realizado por unanimidade, esse salto médico-legal [perdoe-se-nos a expressão], quando, se tal fosse lógico e manifesto, em termos técnicos e atendendo ao determinado na TNI, assim como na LAT/2009, na parte aplicável, certamente assim o fariam.
Não se pode ignorar, por outro lado, que a atribuição do fator de bonificação teve uma causa externa e concreta à dupla incapacidade [digamos assim] do recorrido que não pode ser alargada, fora da categoria profissional de «motoserrista» e respetivas competências, a outras tarefas, atribuições e/ou profissões e respetivos postos de trabalho [dentro ou fora da Ré empregadora “A... Unipessoal, Lda.”], assim como a outras empresas do mesmo ramo de atividade ou de qualquer outro setor económico.
Dir-se-á, contudo, que foi fixada uma IPATH, com uma IPP de 100% ao trabalhador dos autos e que a Tabela Nacional de Incapacidades, na Instrução Geral número 5, é clara ao afirmar que «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados…».
A ser assim, não se poderia fugir da visão da IPATH, com uma IPP de 106,5% [reduzida a 100%] dos autos como traduzindo, sem grande margem para dúvidas, um coeficiente médico-legal de incapacidade que é absoluto e total [logo, uma IPA].
Não concordamos com essa leitura simplista de tal parte da Instrução Geral da TNI, dado que são igualmente relevantes os fundamentos que justificam o seu acionamento e que, como já vimos, não se radicam em motivos endógenos ou seja, no agravamento do real estado clínico do sinistrado por fundamentos médico-legais, mas antes são externos à sua condição física e mental, procedendo-se ao aumento da percentagem da IPP inicialmente fixada por razões exógenas às lesões sofridas e causadas pelo acidente de trabalho e às sequelas deles derivadas e constatadas no momento da sua alta clínica.
Entendemos que o regime jurídico resultante de tal Instrução Geral [5, alínea a)], quando conjugado com o disposto no artigo 48.º da LAT reclama, em casos como o dos autos, uma interpretação restritiva que, por um lado, não equipare ou configure, de uma forma automática ou mecânica, sem atender previamente aos factos dados como provados e aos aspetos médico-legais pertinentes, uma IPATH, com IPP de 100% [ou até uma mera IPP de 100%] como uma IPA e, nessa medida e em consequência, não aplique a situações como a desta ação os regimes jurídicos da alínea a) do número 3 do artigo 48.º e número 2 do artigo 67.º da LAT/2009 mas antes o das alíneas b) ou c) daquele número e os números 3 e 4 do último dispositivo legal , consoante as desvalorizações da capacidade de ganho e trabalho concretamente presentes.
J – CONCLUSÃO
30. Face ao que deixámos antes exposto, entendemos que as instâncias, ao tratarem a situação em recurso de forma semelhante ou equiparada à prevista na aludida alínea a) do número 1 do artigo 48.º da LAT/2009 e ao fazerem decorrer daí as prestações em que a COMPANHIA DE SEGUROS foi condenada e que são objeto deste recurso de Revista [pensão e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente], não decidiram corretamente e salvo o devido respeito, o presente litígio emergente de acidente trabalho.
Logo, pelo conjunto de argumentos deixados expostos, tem este recurso de Revista da Ré FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. de ser julgado procedente, assim se revogando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
Tendo em atenção que, de acordo com os artigos 665.º e 679.º do NCPC, não é aplicável ao STJ o princípio da substituição do tribunal recorrido pelo tribunal de recurso, quando, na sequência da procedência total ou parcial da revista, existem questões jurídicas dependentes da reanálise e nova decisão pela 2.ª instância, como será o caso do valor da pensão anual a fixar, assim como o do subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, impõe-se determinar ainda que os autos baixem ao Tribunal da 2.ª instância afim de aí serem julgadas tais questões de natureza jurídica.
IV – DECISÃO
31. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., revogando-se, nessa medida, pelos fundamentos constantes da fundamentação do presente Aresto, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
Existindo, nessa medida, questões jurídicas dependentes da reanálise e nova decisão pela 2.ª instância, como será o caso do valor da pensão anual a fixar, assim como também o do subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, determina-se ainda que os autos baixem ao Tribunal da 2.ª instância a fim de aí serem reapreciadas e julgadas tais questões de natureza jurídica.
Custas do presente recurso a cargo do recorrido, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de maio de 2025
José Eduardo Sapateiro – Juiz-Conselheiro relator
Mário Belo Morgado – Juiz-Conselheiro Adjunto
Júlio Gomes – Juiz-Conselheiro Adjunto
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1. «Cfr pag.ªs 6 a 11 das alegações. Argumentos segundo os quais, segundo a recorrente, levam à conclusão de que o fator de bonificação não altera a natureza e quantum da incapacidade real, só atuando depois, para efeitos de quantificação (aumento) da pensão e que o critério de fixação da IPP para 100% não decorre de um juízo médico, mas matemático, em ordem a aumentar o valor da pensão, atendendo à particular condição do sinistrado.» - NOTA DE RODAPÉ DA PARTE DA FUNDAMENTAÇÃO DO ARESTO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 1.↩︎
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2014, publicado no Diário da República, n.º 123, de 30 de junho de 2014, que uniformizou jurisprudência nos termos seguintes:
«A expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»↩︎
3. Muito embora o Autor possuísse a categoria profissional de auxiliar de serviços/madeireiro, certo é que no momento em que ocorre o sinistro dos autos, o mesmo estava, segundo a Factualidade dada como Provada, a desempenhar as concretas funções de madeireiro:
«1) O Autor, no dia 16 de janeiro de 2020, em ..., desenvolvia a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “A... Unipessoal, Lda.”, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de auxiliar de serviços/madeireiro e auferia a remuneração de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação, num total anual ilíquido de € 10.100,00 – Alínea A) dos Factos Assentes.
2) Na referida data o Autor, enquanto procedia ao abate e corte de árvores, foi atingido por um pinheiro, tendo sofrido politraumatismo com TVM com fratura de 3 arcos costais (2 esquerdo e 1 direito), laceração esplénica, fraturas múltiplas de apófises transversas lombares bilaterais e fratura do corpo de L5 cominutiva e com recuo do muro posterior e fragmentos intracanalares, sujeito a tratamento cirúrgico com estabilização e fixação da coluna lombo sagrada com discectomia e impactação dos fragmentos ósseos com infeção e deiscência com necessidade de desbridamento e limpeza cirúrgica – Alínea B) dos Factos Assentes.»
Não há notícia nos autos de que a relação laboral dos autos fosse regulada por algum instrumento de regulamentação coletiva à data do acidente de trabalho, mas certo é que os CCT´s para o setor madeireiro [publicados no BTE n.º 41/2008] definem a categoria de «Auxiliar de serviços» como «o trabalhador que, sem especialização profissional, executa tarefas em qualquer setor», ao passo que, não existindo a categorai porfisisonal de madeireiro, já existe a de «Moto-serrista», que é o trabalhador que, nas instalações da empresa ou no exterior, predominantemente, abate as árvores, corta-lhes os ramos e secciona-as, utilizando uma moto-serra portátil ou eléctrica».
Desde a publicação do novo CCT [celebrado entre a AIMMP e a SETACOOPP] no BTE n.º 32/2024 tais cetegoriais profissionais passaram a denominar-se respetivamente de «Colaborador auxiliar ou ajudante» ou «Operacional de apoio não especificado» e «Operador de máquinas, ferramentas e equipamentos industriais e florestais».↩︎
4. «3) Em consequência do acidente e das lesões descritas, resultaram para o Autor, enquanto sequelas, lombalgia residual, paresia do nervo ciático popliteu externo direito, disfunção erétil (com coito possível com medicação mas sem ejaculação) e atonia vesical (com necessidade de cateterização vesical intermitente), que se consolidaram no dia 28/09/2021, determinando que o Autor se encontre afetado com uma Incapacidade Permanente Parcial de 100% (já com aplicação do fator de bonificação 1.5), com Incapacidade Absoluta para o Trabalho Habitual.»↩︎
5. Atente-se, para o efeito, no que se acha assente nos seguintes Pontos de Facto dados como Provados:
«5) Em consequência do acidente o Autor necessita de tratamento médico regular pelas especialidades de ortopedia e urologia, com a periodicidade a definir pelo médico assistente.
6) Em consequência do acidente o Autor carece, após avaliação médica:
a) De medicação analgésica, medicação para controlo/treino intestinal e medicação para a disfunção erétil.
b) Ortótese para o membro inferior direito (tala anti-equino ou outra que venha a mostrar-se necessária), com taxa de substituição que vier a revelar-se necessária.
c) Material para proceder a algaliação, decorrente da incontinência urinária: sondas tipo ACTREEN LITE NELATON B BRAUN CH 12 (lubrificadas), gel lubrificante, material de higiene perineal, solução desinfetante alcoólica, sacos coletores de urina).
d) Meias elásticas.
7) O Autor necessita de canadianas para utilizar nas suas deslocações.
8) O Autor tinha a pretensão de obter licença de condução de veículos ligeiros, carecendo, caso venha a obter essa licença, de utilizar um veículo adaptado à sua condição física atual.
9) A Ré efetuou obras de adaptação no domicílio do Autor que consistiram na readaptação do wc, nomeadamente a substituição de banheira por base de duche.
10) A habitação do Autor carece ainda de obras de readaptação nomeadamente no exterior da habitação (nas escadas de acesso, com necessidade de eventual remoção das mesmas, e colocação de corrimãos/apoios nas paredes) e no interior da habitação, com eventual remoção de degraus, alargamento dos espaços destinados às portas e colocação de apoios/corrimãos nas paredes.»↩︎
6. Cf., a este prosósito. os seguintes Pontos de Facto:
«11) O Autor pretende frequentar ações de formação no âmbito da reabilitação profissional.
15) O Autor nasceu em .../01/1993 – Alínea G) dos Factos Assentes.
16) O Autor tem uma filha a cargo, BB, nascida em...de maio de 2014.»↩︎