Logótipo STJ
Jurisprudência
Sumário

I - O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos, ficando, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.

II - A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

III - Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

IV - O TEDH considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa.

V - Defende-se no direito à imagem a pessoa contra a exposição, reprodução ou comercialização do seu retrato, sem o seu consentimento.

VI - O direito à privacidade obsta à devassa da vida privada de cada um.

VII - A simples consideração de alguém como figura pública (e uma difusa consideração de interesse público na divulgação) não justifica a dispensa de consentimento para o aproveitamento económico da sua imagem.

VIII - O direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as pessoas.

IX - À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si.

X - Sendo os direitos de liberdade de expressão e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais.

XI - Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.

XII - O TEDH vem entendendo quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral.

XIII - Também vem entendendo que, para que se considere que um artigo contribui para o interesse público não é necessário que tal interesse lhe esteja subjacente na integralidade, podendo bastar que o artigo revele preocupação com tal interesse e contenha um ou mais elementos demonstrativos de tal preocupação.

XIV - Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos.

XV - Assim, o STJ deve averiguar se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, v.g., o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado e, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

XVI - O nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, isto é, o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

XVII - Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.

XVIII - A determinação pericial da “dor da alma” permite diagnósticos apurados quer das lesões, quer das suas causas, quer ainda da sua gravidade.

Decisão Texto Integral
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,53363/22.3T8OER.L1.S1
RECORRENTES6 TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.;

AA;

BB;

CC;

DD.

RECORRIDO7 EE


***


SUMÁRIO8,9


I – O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos, ficando, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.

II – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

III – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

IV – O TEDH considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa.

V – Defende-se no direito à imagem a pessoa contra a exposição, reprodução ou comercialização do seu retrato, sem o seu consentimento.

VI – O direito à privacidade obsta à devassa da vida privada de cada um.

VII – A simples consideração de alguém como figura pública (e uma difusa consideração de interesse público na divulgação) não justifica a dispensa de consentimento para o aproveitamento económico da sua imagem.

VIII – O direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as pessoas.

IX – À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si.

X – Sendo os direitos de liberdade de expressão e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais

XI – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.

XII – O TEDH vem entendendo quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral.

XIII – Também vem entendendo que, para que se considere que um artigo contribui para o interesse público não é necessário que tal interesse lhe esteja subjacente na integralidade, podendo bastar que o artigo revele preocupação com tal interesse e contenha um ou mais elementos demonstrativos de tal preocupação

XIV – Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos.

XV – Assim, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, v.g., o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado e, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

XVI – O nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, isto é, o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

XVII – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.

XVIII – A determinação pericial da “dor da alma” permite diagnósticos apurados quer das lesões, quer das suas causas, quer ainda da sua gravidade.



***

ACÓRDÃO10



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

EE, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA, AA, BB, CC e, DD, pedindo a condenação das 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª RR., solidariamente, no pagamento ao autor de 22 500,00€, no que diz respeito aos danos morais sofridos em virtude da publicação da reportagem publicada na revista nº ...93 e, as 1ª, 2ª e 3ª RR. condenadas solidariamente no pagamento ao autor de 15 000,00€, no que diz respeito aos danos morais sofridos em virtude da publicação da reportagem publicada na revista nº 1411.

Foi proferida sentença em 1ª instância que absolveu as rés, TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA, AA, BB, CC e, DD dos pedidos contra as mesmas formulados pelo autor, EE.

O autor interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a julgar procedente a ação e condenando a 1ª a 5ª rés a pagarem ao autor, solidariamente, uma indemnização de 20 000,00€ e, a 1ª, 2ª e 3ª Rés a pagarem ao autor, solidariamente, uma indemnização de 12 500,00€.

Inconformados, vieram os réus interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentaram as seguintes


CONCLUSÕES13:


A. O Recorrido é uma figura pública e mediática, um ..., pós-graduado em ..., com historial público de uso de álcool, no que, em 2019, voltou a reincidir, promovendo, ainda, os locais onde realiza ..., sobretudo porque beneficia sobremaneira da fama que, indissociavelmente, promove a sua carreira ..., tendo, por tudo, consciência que a sua vida tem maior repercussão pública do que a da generalidade das pessoas que trabalham noutros meios;

B. As decisões internacionais invocadas pelo acórdão recorrido como seu fundamento não tratam de situações fáticas análogas à dos presentes autos, para o efeito de suportar o enquadramento jurídico levado a cabo na decisão recorrida;

C. É público e notório que o Recorrido é uma figura pública com exposição mediática, mantendo, permanentemente, relações com os medias e outros meios de comunicação social, não se escusando a fotografias, filmagens ou entrevistas, incluindo a aqui revista Recorrente, e mesmo depois de intentada a ação dos presentes autos, conforme também se pode extrair da factualidade provada nos autos (factos n.ºs 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36);

D. A primeira edição da revista T..., em causa nos autos, ao visar o Recorrido por ser ... que teve comportamento reincidente no abuso do álcool, trata de questão de interesse geral para a sociedade e que afeta o público de tal forma que este pode legitimamente interessar-se por ela, que atraem a sua atenção ou que o preocupam de forma significativa, nomeadamente na medida em que afeta o bem-estar dos cidadãos ou a vida da comunidade;

E. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão recorrida, não há adição pretérita do Recorrido, apenas adição atual, uma vez que este voltou a reincidir e a consumir álcool, quando estava a exercer ..., em 2019 (facto provado 6), não estando aqui sequer em causa a figura do direito ao esquecimento;

F. O Recorrido limitou voluntariamente o seu direito de personalidade no caso dos autos, atenta a matéria de facto provada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 80.º, n.º 2 do Código Civil;

G. A extensão da reserva da vida privada define-se em conformidade com a natureza do caso e das condições da pessoa, do que resulta, em concreto nos autos, que o Recorrido tem um estilo de vida público, em que se promove frequentemente e busca manter a fama e notoriedade, sobretudo pelos interesses profissionais de que se arroga;

H. Aquando da publicação das duas reportagens dos autos, as respetivas matérias já eram de conhecimento público, pelo que também o facto de ter sido dado como provado que o Recorrido não deu consentimento às Recorrentes para publicar as imagens e notícias, bem como o facto de o Recorrido ter publicado previamente uma fotografia para efeito de controlo de danos, por si só, não impõe às Recorrentes o dever de indemnizar;

I. O Tribunal da Relação não interpretou e aplicou corretamente o artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil ao presente caso, uma vez que, por aplicação dos critérios em referência, associado à natureza do caso em concreto, ao conteúdo das notícias e ao facto da pessoa envolvida ter o comportamento de querer ou contribuir para a sua publicidade ou notoriedade social, permite-se concluir que se está diante de uma autolimitação da reserva da vida privada, que impõe a aplicação do n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil, e legitima a publicação das fotografias e notícias no âmbito das duas reportagens;

J. Em especial, também em relação à extensão da reserva da intimidade da vida privada no âmbito da segunda reportagem dos autos, ficou provado que o comportamento pretérito do Recorrido confirma que o mesmo tinha o costume de publicitar as suas intervenções cirúrgicas, inclusive, para promover os locais e os respetivos procedimentos (factos provados 35 e 36), não sendo menos certo que que a notícia sobre a rinoplastia já era do conhecimento prévio do público, noticiada pelo próprio, sendo esta a razão pela qual a potencialidade do dano ficou aquém da prova, pois não se verifica nos autos que, de facto, o vexame que o Recorrido alegou ter sentido teve como causa direta a veiculação da segunda reportagem;

K. As reportagens em causa limitaram-se a relatar factos, suficientemente comprovados pelo correto exercício da profissão de jornalista, factos esses considerados como verdadeiros pelas jornalistas que elaboraram as reportagens, assim como atentas as fontes contactadas, as fotografias analisadas e as várias verificações que foram recolhidas para a informação ser vertida nas peças jornalísticas, sendo que, em nenhum momento houve contestação do Recorrido sobre o teor dos referidos artigos;

L. As fotografias publicadas com a primeira reportagem dos autos já tinham sido antes divulgadas na internet;

M. Não é possível extrair da matéria julgada como provada nos autos qualquer nexo de causalidade, uma vez que, os factos provados (31, 32 e 33), conjugados com a restante prova documental produzida, comprovam que os supostos e alegados danos do Recorrido não tiveram como causa necessária nenhum comportamento das Recorrentes;

N. Não se mostram preenchidos nos autos os pressupostos da responsabilidade civil de modo a fundamentar a condenação das Recorrentes no pagamento de indemnização ao Recorrido, não tendo, neste caso, aplicação o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil, conforme erroneamente consta da decisão recorrida;

O. Impugnam-se os valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a título de danos não patrimoniais, em face do erro na aplicação e interpretação do Direito ao caso concreto, nomeadamente, da inadequação dos parâmetros jurisprudenciais internacionais aplicados no acórdão recorrido;

P. Não resulta da prova julgada provada nos autos que os alegados e meros incómodos – de resto, não indemnizáveis pelo Direito - que o Recorrido diz ter suportado, bem como a respetiva propagação, se tenham originado, concretamente, a partir da publicação das duas reportagens, uma vez que consta da matéria provada (factos 28, 31, 32, 33, 34, 35 e 36) que os factos já eram de conhecimento público, antes mesmo das matérias terem sido publicadas nas duas edições da revista, assim como porque as reportagens limitaram-se a aproveitar o material já existente, direta ou indiretamente fornecido pelo próprio recorrido ou já pré-existente;

Q. Os danos morais julgados provados nos autos, correlacionados com a jurisprudência citada na decisão recorrida, não é hábil a subsumir-se ao presente caso;

R. Ao concluir com sentido e alcance contrário ao defendido nas conclusões supra, o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 79º a 81º, 335º, 483º, 484º, do Código Civil; artigos 18º, nº 2, 26º, 37º e 38º, da Constituição da República Portuguesa; artigo 19º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos; artigos 8º e 10º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e artigo 3º, da Lei da Imprensa, devendo o acórdão do TRL ser revogado e substituído por outro que absolva integralmente as Recorrentes do pedido parcial em que vêm condenadas14.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista, e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos15, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO16,17,18

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA, AA, BB, CC e, DD, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber da concordância prática entre a necessidade de restrição do direito de liberdade de expressão das rés para salvaguarda do núcleo essencial dos direitos do autor à imagem, à reserva da vida privada, ao bom nome e à reputação.

2.) Saber do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

3.) Saber do quantum de compensação a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1. O Autor é um conhecido ator português, tendo iniciado a sua carreira profissional, há cerca de 20 anos, quando, com 21 anos, participou na telenovela “…”.

2. O A. participou, desde então, em inúmeras telenovelas e outros programas de televisão, designadamente “…” (2006/2007), “…” (2008/ 2009), “…”, e também em peças de teatro como “…”, “…” ou “…”.

3. Além da representação, iniciou uma carreira musical, tendo lançado o disco “...” em ….

4. Fez também diversos trabalhos como modelo … e de ….

5. Entretanto, o A. terminou o curso de... em 2018, a que se seguiu uma pós-graduação em... na Universidade de ..., em ....

6. O Autor esteve sob a tutela do Centro Hospitalar ..., EPE, como ... de formação geral em 2019, tendo desempenhando funções de ... nas ..., durante um período da pandemia.

7. O Autor realiza atualmente a sua atividade na área da ..., que complementa com a sua vida de ator.

8. O A. teve, no passado, um problema de alcoolismo, tendo passado por um período longo de recuperação.

9. A 1ª Ré (Trust in News, Unipessoal, Lda.) é proprietária de revista “T...”.

10. A 2ª Ré (AA) é ... da “T...”.

11. As 3ª (BB), 4ª (CC) e 5ª (DD), RR. são as autoras da reportagem publicada na revista nº ...93, de ........2019 a ........2019, e a 3ª R. é ainda autora da reportagem publicada na revista nº ...11, de ........2020 a ........2020.

12. As reportagens ora em causa nestes autos foram publicadas na “T...”.

13. A primeira reportagem, publicada na semana de ........2019 a ........2019, mereceu chamada de capa com o seguinte título “EE – APANHADO após noite de farra. VÍTIMA DO VÍCIO” – conforme documento nº 1 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

14. Na capa podem ver-se duas fotografias tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico – documento nº 1 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

15. As mesmas fotografias estão reproduzidas no interior da revista – conforme documento nº 1 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

16. Nessas páginas, pode ler-se o seguinte:

“EE apanhado após noite de farra – VÍTIMA DO VÍCIO – Após o incidente da ..., em que lhe roubaram o carro e foi alvo de agressões, EE volta a ser notícia. Desta vez, o ... e ator de “…” foi visto, por quem se cruzou com ele e relatou, aparentemente embriagado, depois de uma noite de farra com amigos em .... Houve mesmo quem tirasse fotos publicadas em vários sites e que se tornaram virais. As imagens são da manhã do dia … de setembro. EE, como é tratado pelos amigos, encontrava-se na esplanada do espaço ... com mais gente, vindo da noite passada na zona de bares e discotecas da cidade, perto das Universidades. «A dada altura, ele discutiu com uma das raparigas do grupo e afastou-se. Sentou-se numa cadeira a beber cervejas e tinha um discurso pouco coerente. Dizia ‘estão todos a olhar para mim’ e queria ir-se embora, mas acabou por ficar saindo por volta do meio-dia com os amigos com quem estava», referiu uma fonte que assistiu a tudo. Antes deste episódio, que continua a correr nas redes sociais e na imprensa nacional, o ... que está a realizar o... no ..., tendo já passado pelos ... e ..., recebeu uma proposta de trabalho para integrar as ... do .... EE declinou a proposta, pois iniciou uma pós-graduação em ..., a ser realizada entre Portugal e Espanha”.

“EE DIZ ESTAR BEM – Perante este episódio, cedo surgiram rumores de uma possível recaída por parte de EE, que não comenta o assunto quando confrontado pela nossa revista. «Não vou falar sobre a minha vida privada. Estou bem e a trabalhar», disse apenas. Nas redes sociais, também mostrou ter voltado à sua vida normal, que inclui o trabalho como ..., ser pai do pequeno GG, com 2 anos, e as idas ao ginásio para manter a boa forma física, uma vez que as gravações da série da SIC já chegaram ao fim. A sua presença é dada, no entanto, como certa na Gala …, que decorre no dia …. «Boa tarde a todos... Estou bem, feliz por fazer aquilo que gosto e a trabalhar todos os dias para ser melhor pessoa e profissional. E nem sempre é fácil. Sejam felizes. Saber viver e deixar viver», afirmou, procurando afastar rumores de que não se encontra bem e voltou às adições. Agradeceu também as muitas mensagens de apoio que recebeu dos seus seguidores. Porém, nos comentários a esta notícia, na internet podem encontrar-se muitas manifestações de preocupação pelo facto de EE estar a exercer ... e ao mesmo tempo ter um comportamento que indica uma recaída. «Nunca na vida iria querer um médico que me cheirasse a álcool. Nem para mim nem para os meus... era uma queixa nos sítios próprios», pode ler-se num dos vários comentários.

PSICÓLOGO EXPLICA RECAÍDAS – Isto acontece quatro anos depois de ter estado internado num centro de reabilitação para curar o seu problema de dependências de álcool e drogas e quando parecia estar a viver uma vida mais tranquila e serena. EE não nega o seu problema e, mesmo agora, já ..., deu várias entrevistas a falar sobre tudo o que se passou nos últimos anos e como quer ser «uma pessoa melhor todos os dias», tendo consciência de que «vive um dia de cada vez», hashtag que usa nas suas publicações. O Dr. FF, psicólogo clínico ligado à ... e plataforma ..., explica à nossa publicação que «um adicto é para a vida» e que a recaída, isolada, faz parte de um processo que o doente pode ter de fazer. «Em alguns casos, são até terapêuticas. Trabalha-se tudo e faz-se um balanço. A partir daí, pode haver progressão. A recaída tem de ser reparadora e não pode ser encarada como falhanço, senão a pessoa sai fora e é difícil puxá-la. Se houver mais, com frequência, é porque a pessoa não se quer ajudar e é preciso sensibilizá-la». Explica ainda que, atualmente, há duas correntes: uma na qual o adicto não pode voltar a tocar no que lhe causa dependência. E outra em que o paciente passa por uma abordagem de responsabilização também, mas sobretudo de redução de riscos e não a paragem do comportamento. «Em vez ..., fuma. É um exemplo. Pode levar a um comportamento inibidor», revela. Certo é que o comportamento de risco só existe se o adicto quiser. «Há uma questão que se faz em psicologia: quantos psicólogos são precisos para acender uma lâmpada? Um, mas a pessoa tem de querer mudar. O máximo que se pode fazer é sensibilizar. São escolhas que estão a ser feitas”.

17. A segunda reportagem, publicada na semana de ........2020 a ........2020, teve a chamada de capa com o seguinte título “EXCLUSIVO – EE – DESFIGURADO – Saiba porquê!” – conforme documento nº 2 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

18. Na capa o A. surge com a cara inchada e ligada, e no interior seis fotografias, tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico documento nº 2 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

19. Na realidade, e como é depois explicado no interior da revista, o A. foi submetido a uma ... – conforme documento nº 2 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

20. O A., em virtude da carreira de ator que tem há mais de 20 anos, e sendo muito conhecido do público em geral, tem consciência de que a sua vida tem maior repercussão pública do que a generalidade das pessoas que trabalhem noutros meios.

21. No que diz respeito à primeira reportagem, o A. foi contactado pela Ré BB, que lhe referiu circularem, fotografias nas quais o A. era retratado aparentemente embriagado.

22. O A. referiu de imediato que não autorizava a publicação de fotografias em que aparecesse “embriagado”.

23. Na própria reportagem é referido, que houve comentários de utilizadores online, nomeadamente de um dizendo que: “Nunca na vida iria querer um ... que cheirasse a álcool” – conforme documento nº 1 junto com a petição inicial e documento 8 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

24. A reportagem foi comentada no meio artístico e no meio profissional do Autor, e, em geral, pela opinião pública.

25. Nessa semana, o A. teve de se confrontar com a sua imagem no escaparate do quiosque à entrada do ...onde trabalhava todos os dias, o que lhe trouxe particular incómodo.

26. Em virtude da publicação e de todo o conteúdo da reportagem em geral, o A. sentiu-se vexado, constrangido e desrespeitado.

27. Antes da publicação da segunda reportagem – identificada em 17 – o A. foi contactado pela T..., tendo-lhe sido referido que tinham em sua posse fotografias onde o Autor aparecia com uma tala no nariz e hematomas na cara e se queria prestar algum esclarecimento, o que, depois de bastante pressionado por jornalista da T..., acabou por fazer, tendo explicado que se tinha submetido a uma ..., não pretendendo que tais fotografias fossem tornadas públicas.

28. Acabando por perceber que, apesar do referido em 27, a T... iria publicar essas fotografias, o Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma ..., o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida19.

29. O A. sentiu-se vexado com a publicação em causa, tendo recebido inúmeros contactos de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde depois de verem a capa da “T...”.

30. A questão de dependência alcoólica, seus efeitos e consequências sido abordada pelo Autor em algumas entrevistas – conforme documento nº 4 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

31. Quer a matéria, quer as fotografias abordadas na publicação identificada em 13, já eram conhecidas em data anterior à publicação desta reportagem.

32. Já circulava na internet, pelo menos, desde o dia 19 de setembro do mesmo ano, fotografias e conteúdo similar à reportagem – conforme documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

33. Tendo o Autor reagido, nesse mesmo dia (….09.2019), a tal divulgação através de uma publicação feita dos seus perfis nas redes sociais – conforme documentos nºs 9 e 10 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

34. A 28 de janeiro de 2020, “cinco dias depois” da realização da cirurgia ..., o Autor partilhou publicamente, através do seu perfil nas redes sociais, uma imagem sua na qual referia “5 dias pós-...” – conforme documento nº 11 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

35. Para além da ..., o Autor já tinha realizado outras duas ..., nomeadamente uma ... e um ..., cujos procedimentos foram divulgados publicamente – conforme documentos nºs 12 e 13 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

36. Nos quais o Autor promoveu os locais e respetivos procedimentos – conforme documentos nºs 12 e 13 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

37. A capa da T... é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa20.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

a. A “T...” é uma revista lida por muitas pessoas, com uma tiragem de cerca de 40 000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta, com grande visibilidade, nos escaparates dos postos de venda de imprensa.

b. As reportagens foram publicadas com conhecimento e sem oposição da diretora ou do seu substituto legal, que igualmente teve conhecimento e não se opôs aos títulos, legendas e destaques assinalados, podendo ter evitado essas publicações.

c. O A., representado pelos seus mandatários, comunicou à 2.ª R. formalmente e por escrito que se opunha à publicação das fotografias em pauta, mais referindo que estavam em causa direitos de personalidade, nomeadamente o direito à imagem e à defesa da dignidade pessoal e que a sua publicação obrigaria ao recurso às vias judiciais competentes.

d. Que os comentários da opinião publica, do meio artístico e do meio profissional do Autor, tenha tido conotações negativas.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso21 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA ENTRE A NECESSIDADE DE RESTRIÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO DAS RÉS PARA SALVAGUARDA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS DO AUTOR À IMAGEM, À RESERVA DA VIDA PRIVADA, AO BOM NOME E À REPUTAÇÃO.

Thema decidendum é pois, saber se as duas reportagens publicadas na revista “T...”, foram ofensivas da credibilidade, prestígio, honra, nome, reputação e imagem do autor e, caso exista culpa das rés, e danos por aquele sofridos, determinar a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual.

Assim, importa saber se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º do CCivil) das rés, pela violação dos direitos à imagem, à reserva da vida privada, ao bom nome e à reputação do autor, pela publicação na revista “T...”, propriedade da 1.ª ré, de duas reportagens.

Tutela geral da personalidade

A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – art. 70.º, do CCivil.

Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida – art. 70.º/2, do CCivil.

Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientamente integrado22.

Chamamos direitos de personalidade aos direitos que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade. Com este nome, eles caracterizam-se como "direitos sobre a própria pessoa" distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objeto, de todos os outros direitos.

O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos. Ficam pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome23.

Não existe uma fronteira nítida entre a integridade física e a integridade psíquica, como bens da personalidade a defender, e muitas vezes as ameaças a agressões atingem quer o físico, quer o psíquico (ou atingem um através do outro) 24.

É o homem, enquanto pessoa, que constitui o fundamento da tutela do art. 70º CC, de acordo com o previsto pelo art. 1º CRP que baseia a República Portuguesas na «dignidade da pessoa humana»25.

O valor pessoal de cada homem constituído ao longo da vida por tudo aquilo que fez ao ser recebido pela sociedade representa a sua honra.

A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância.

A honra constitui uma base para juízos éticos dos seus semelhantes, juízos esses que se repercutem na autoestima de cada um. No seu conjunto, tudo isto dá corpo à integridade moral, formalmente referida no art. 70º/126.

Há que distinguir no conceito genérico de honra a reputação ou consideração (honra exterior) que corresponde ao juízo que a opinião pública forma da conduta de cada pessoa (v.g., honrado é quem cumpre os seus deveres morais, cívicos e profissionais), e a estima (honra interior) que corresponde ao sentimento de dignidade que cada pessoa merce de si mesma (honra strito sensu)27.

A honra é algo que se tem (conceito objetivo) ou que se sente (conceito subjetivo) que faz parte da dignidade da pessoa28.

Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político29.

A honra está referida diretamente ao trato dado ou recebido pelos outros, e a reputação é o rumor, a voz pública, renome que está relacionado com o eco que a pessoa produz na opinião pública30.

Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral31.

O bom-nome vem tutelado no art. 26.º/1, da Constituição da República Portuguesa, e arts. 70.º/1, e 484.º, ambos do Código Civil.

O direito ao bom-nome e reputação consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa32.

O que está em causa é a proteção da dignidade do individuo enquanto fim em si mesmo, num contexto social caracterizado por relações simétricas de reconhecimento. O respeito pelo bom nome e pela reputação andam intimamente associados à dignidade e à honra pessoais, enquanto projeções do reconhecimento moral que devemos uns aos outros33.

A esta luz, dever-se-ão considerar difamatórios, em princípio, os conteúdos expressivos destinados a expor o bom nome e a reputação de uma pessoa ao ódio, ao ridículo e ao desrespeito, de forma degradá-lo diante do público, por referência à linha de base de igual dignidade e liberdade em que o mesmo se deve encontrar34.

A perda da honra resulta da perda do respeito que a pessoa tem por si própria (ao nível pessoal) e/ou da perda da consideração que a comunidade tem pela pessoa (ao nível social)35.

Assim, não basta que o visado se manifeste incomodado, magoado, agastado ou embaraçado com certas imputações para poder contar com a proteção do direito em presença36.

Tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art. 70º/2, em ligação com o art. 483º, do CCivil) ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art. 70º/2, em ligação com o art. 499º do citado diploma).

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger direitos alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art. 483.º, do CCivil.

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.

Convirá ainda salientar que o art. 484.º parece ser em rigor dispensável, uma vez que o art. 483.º já prevê a violação de direitos subjetivos como categoria de ilicitude, e é manifesta a existência de um direito subjetivo ao bom-nome e reputação (art. 26.º/1, da CRPortuguesa), e à intimidade da vida privada e familiar. Não se vê, assim, utilidade na previsão desta situação como Tatbestand delitual específico37,38.

A ofensa prevista no art. 484.º, mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse art. 483.º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também à culpabilidade39.

Direito à imagem

O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela – art. 79.º/1, do CCivil.

Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente – art. 79.º/2, do CCivil.

O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada – art. 79.º/3, do CCivil.

A Constituição da Republica Portuguesa, no seu artigo 26º, consagra o direito de todos os cidadãos "à imagem e a reserva da intimidade da vida privada e familiar"40.

O artigo 79º do CCivil consagra, como direito de personalidade, o direito à imagem. Trata-se da defesa da pessoa contra a exposição, reprodução ou comercialização do seu retrato, sem o seu consentimento41,42,43.

O direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as pessoas44,45.

A dispensa do consentimento justificada pela notoriedade e pelas outras circunstâncias referidas no art. 79º/2, do CCivil, deixa de se verificar quando daí resulte prejuízo para a honra. O que significa a confirmação da superioridade hierárquica do direito à honra46,47,48.

A dispensa cessa, segundo o nº 3 do artigo, quando “do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada” 49,50.

Não se proíbe a colheita de imagens mas a respetiva difusão (exposição, reprodução, divulgação e lançamento no comércio do retrato de uma pessoa) em termos não consentidos. O núcleo de proteção centra-se pois na “possibilidade de oposição” à utilização – máxime na que consubstancie exploração económica – e/ou na autodeterminação da imagem exterior de cada um51.

Relativamente aos retratos tirados em lugares públicos, de factos de interesse geral ou que hajam decorrido publicamente, “tudo depende (…) das circunstâncias e do destino das imagens captadas: elas só podem visar documentar o sucedido: não, por exemplo, animar campanhas publicitárias, sem autorização do próprio”52.

É pacífico na doutrina e jurisprudência que a simples consideração de alguém como figura pública (e uma difusa consideração de interesse público na divulgação) não justifica a dispensa de consentimento para o aproveitamento económico da sua imagem53,54,55.

Através da divulgação de uma imagem podem ser violados outros direitos: direito à verdade pessoal (direito a que não se manifeste algo que não corresponde à verdade), direito à identidade (direito a que a pessoa não seja associada a uma realidade que não corresponde às suas opções de vida), direito à honra, direito à privacidade56.

A este propósito, urge considerar a possibilidade de violação do direito à privacidade através de imagem, no que respeita às figuras públicas. Afirmou-se o chamado critério do isolamento, considerando-se possível a captação de fotografias de figuras públicas mesmo quando não se encontrem no exercício de funções pelas quais se tornaram conhecidas57.

Em contraposição, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem consagrou o critério do interesse público no conhecimento dos factos, ou seja, não é permitida a captação de fotografias de figuras públicas se, mesmo encontrando-se em locais públicos, não estejam direta ou indiretamente a exercer as funções pelas quais se tornaram conhecidas58.

Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada

A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação – art. 26.º/1, da Constituição da República Portuguesa.

Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência – art. 8.º/1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei expressão – art. 12.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem – art. 80.º/1, do CCivil.

A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas – art. 80.º/2, do CCivil.

Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública – art. 81.º/1, do CCivil.

A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte – art. 81.º/2, do CCivil.

A dignidade da pessoa exige que lhe seja reconhecido um espaço de privacidade em que possa estar à vontade, ao abrigo da curiosidade dos outros, sejam eles simplesmente os vizinhos, ou sejam aas autoridades públicas ou os meios de comunicação social, ou sejam quaisquer outras pessoas59,60.

O direito à privacidade obsta à devassa da vida privada de cada um61,62.

O direito à privacidade da vida privada utiliza para delimitação do conteúdo do direito à privacidade, a teoria das três esferas concêntricas, que compreende a existência da esfera da vida íntima, da esfera da vida privada e da esfera da vida pública63,64,65.

As ofensas à privacidade cometidas através da comunicação social são sempre de uma brutal gravidade. Cai, portanto, sobre os meios de comunicação social um dever agravado de prudência na divulgação de comunicações que possam agredir a privacidade66,67,68.

Só uma necessidade imperiosa de interesse público pode tornar lícita a ofensa69.

A ofensa é lícita quando o interesse público em jogo seja de tal modo ponderoso e a necessidade da ofensa seja de tal modo imperiosa que o exercício do direito à privacidade se torne abusivo, quando “exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” 70,71.

É ilícita a agressão à privacidade quando o interesse que a impulsiona seja eticamente pouco relevante como o simples interesse de lucro, de tiragem ou de audiência, ou eticamente negativo, como o sensacionalismo, a inveja, o ódio, ou os intuitos de difamar ou de injuriar72.

As chamadas “figuras públicas”, as pessoas com maior notoriedade, têm o mesmo direito à privacidade que todas as outras pessoas73.

A compressão da esfera da privacidade que eventualmente possam sofrer só pode fundar-se na publicidade e relevância do interesse em questão e nunca pode resultar simplesmente da notoriedade da pessoa74,75.

A divulgação de informação pessoal e até íntima pela própria pessoa, nomeadamente através das redes sociais, não pode significar uma renúncia definitiva à sua riservatezza, tanto mais que as limitações aos direitos de personalidade consentidas pelo titular são sempre revogáveis e não podem pôr em causa a ordem pública76.

Liberdade de expressão e de informação

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações – art. 37.º/1, da CRPortuguesa.

A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos – art. 37.º/2, da CRPortuguesa.

As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei – art. 37.º/3, da CRPortuguesa.

A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática – art. 3.º, da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13/01.

No artigo 37º, da CRPortuguesa, estão reconhecidos dois direitos (ou melhor: dois conjuntos de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação77.

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental de todos os seres humanos, estendendo-se igualmente às pessoas coletivas78.

Deve sublinhar-se a dupla dimensão deste direito. A dimensão substantiva compreende a atividade de pensar, formar a própria opinião e exteriorizá-la. A dimensão instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento79.

A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

Subjacente ao direito à liberdade de expressão está um princípio fundamental de subjetividade e autonomia da valoração, assente na observação histórica de que as pretensas valorações objetivas se reconduzem, em muitos casos, à subjetividade dos mais poderosos80.

A liberdade de expressão não cobre apenas a razão pública ou a razão comunicativa, mas também a emoção pública e a emoção comunicativa. As palavras, mesmo as palavras ofensivas, constituem um barómetro dos sentimentos, e, como tais, têm uma importância substancial como expressão81.

Um entendimento amplo da liberdade de expressão está naturalmente aberto à pluralidade de conteúdos, de formas e de motivações82.

Em termos genéricos, poder-se-á dizer que a liberdade de expressão lato sensu se compõe de três elementos básicos:

– A liberdade de expressar a opinião – que consiste na difusão de ideias ou pensamentos produto de uma combinação do substrato ideológico e interpretação da realidade; o direito de não ser impedido de exprimir-se.

– A liberdade à expressão e o direito de acesso aos meios de expressão/ informação – que se desdobra no sentido de obtenção de informação e na apreciação do que usualmente se entende por opinião pública sobre uma questão concreta.

– A liberdade ideológica ou de pensamento – prévia às outras liberdades, constitui um núcleo substancial do qual deriva a possibilidade da formação das ideias e pensamentos próprios do indivíduo ou grupos sociais83.

É incontroverso que a liberdade de imprensa, enquanto manifestação da liberdade de expressão e de informação é essencial ao funcionamento do Estado de Direito «como meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios do poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos e descriminação e defesa da “res publica”» e tem, tal como o direito ao bom nome e reputação, inscrição constitucional, como decorre dos arts. 37º e 38º da CRP, sendo certo que a liberdade de imprensa «implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores» - 38º/2 al a) CRP.84.

Todavia, não estamos em presença de um direito absoluto, pois a lei ordinária pode restringi-la nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 37º/3, da CRPortuguesa)85.

E entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

Do n.º 3 do art. 37º, conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, cuja infração pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de proteção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (art.º 26.º)86.

Direito de liberdade de expressão no direito internacional

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos – art. 18.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH).

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art. 10.º/1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista, a liberdade de expressão e de criação – art. 22.º/a, da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13/01.

O direito de liberdade de expressão e de informação goza ainda de reconhecimento no Direito Internacional, como é o caso dos artigos 18.º87 e 19.º88 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e art. 10.º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e no âmbito da lei ordinária (art.º 22.º/a, da Lei n.º 2/99, de 13/01 – Lei de Imprensa).

Também a CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) consagra no seu art. 11.º a liberdade de expressão e de informação, prescrevendo que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.

O Estado Português aderiu à Convenção Europeia dos Direitos Humanos89 e declarou, para os efeitos previstos no seu art.º 46.º (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção90.

A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 1978 e goza (pelo menos) de força supralegal prevalecendo sobre as leis ordinárias, por força do artigo 8º/2 da CRP. Por esta razão, as instâncias nacionais dos Estados Contratantes são a primeira instância de aplicação da CEDH, como decorre do seu artigo 13º. Consequentemente, preceitua o artigo 35º da CEDH que só uma vez esgotadas todas as vias de recurso internas, poderá o Tribunal de Estrasburgo intervir91.

Mas é no âmbito da aplicação do art.º 10.º/1 da Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que o conteúdo e limites ao exercício do direito de expressão tem assumido maior relevância, desde logo pela interpretação que dele é feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art. 10º/1, da CEDH.

O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicia – art. 10º/2, da CEDH.

Esta disposição é um pilar fundamental da constituição europeia da comunicação. A evolução posterior do direito europeu neste domínio tem-se baseado na densificação do direito à liberdade de expressão e na sua aplicação às tecnologias de rádio e de televisão, de um modo não alheio às mudanças das perspetivas político-económicas dominantes92.

A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no art. 10.º/2, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o art. 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»93,94.

O TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”95,96.

A propósito do entendimento assumido pelo THDH, negando, à partida, que um outro bem ou interesse goze de um peso superior ao da liberdade de expressão, são graves, porque levam a que Portugal,…, seja dos países pertencentes ao Conselho Europeu que revela possuir um dos padrões mais baixos de tutela jurisdicional das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, na medida em que o Estado Português foi condenado nas oito das dez queixas apresentadas nessa matéria junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outras palavras, os tribunais portugueses não têm feito prevalecer, como deviam, os interesses da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa sobre os bens e interesses a que dão primazia (habitualmente, a honra, o bom nome ou a vida privada). Justamente condenado, por desconhecer a importância da liberdade de expressão, resultando esse padrão tanto da jurisprudência ordinária como da jurisprudência constitucional97.

O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o art. 10.º/2 da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”98.

A liberdade de opinião goza de uma proteção quase absoluta, no sentido de serem inaplicáveis as possíveis restrições permitidas pelo § 2º do citado art.10º, por se revelarem incompatíveis com a sociedade democrática, sendo que tal proteção impede os Estados de discriminarem cidadãos com base nas suas opiniões, não podendo os mesmos sofrer consequências negativas em virtude delas99.

Porém, certo é que a dita interpretação não tem o valor de uma norma jurídica, nem é atribuída ao Tribunal europeu dos Direitos do Homem a prerrogativa de proceder a uma interpretação autêntica das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem100.

Jurisprudência do tribunal europeu dos direitos humanos (TEDH)

O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção.

Nessas decisões, o TEDH reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente”101,102,103.

Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade104.

A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.

No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»105.

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade hipercomplexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação106.

Necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção107.

Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos108.

A eficácia justificadora da liberdade de expressão perde razão de ser quando se exercite em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e juízo públicos são desnecessários para a formação da opinião pública em atenção à qual se reconhece a sua importância109.

Em síntese, “a liberdade de expressão em sentido amplo pretende desbloquear os canais da comunicação em todos os domínios da vida social, em nome da autonomia individual e coletiva, da voluntariedade da interação social e da descentralização da autoridade até à unidade mais pequena com capacidade de decisão: o indivíduo”110.

Conflito entre direitos constitucionais fundamentais

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidosart. 18º/2, da CRPortguesa.

Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partesart. 335º/1, do CCivil.

Importa saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: liberdade de expressão e o direito à honra, ao bom-nome e à reputação social111.

A liberdade de expressão e o direito à informação constituem direitos fundamentais, neste sentido podendo ser convocados os princípios plasmados no art. 19.º da DUDH, de 10-12-1948, e no art. 100.º/1, da CEDH, de 04-11-1950, integrados no direito interno ex vi do art. 8.º da CRP, gozando de consagração constitucional nos arts. 37.º/1/2, e 38.º/1/2112.

Quer a Constituição, quer as leis ordinárias mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respetiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º/4, da Constituição e, 24º, da Lei da Imprensa)113.

Havendo direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize114.

Como referimos, está também constitucionalmente garantido o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, o direito a imagem e a reserva da vida privada e familiar – art. 26º/1, da CRPortuguesa.

Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, como flui do art.º 335.º/1, do CCivil, sendo que se os direitos foram desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (seu n.º2), afirmação normativa que comporta a ideia de limites ao próprio exercício do direito, que, “uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude”115.

Os direitos (e as liberdades) de expressão e informação, constitucionalmente consagrados, encontram-se em igual valência normativa com outros direitos, com o direito fundamental à honra116.

A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional117.

À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si118.

Sendo os direitos de liberdade de informação (no caso, de expressão) e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais119.

Nesta conflitualidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação120.

O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom-nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar121,122,123.

Tem-se admitido que, em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de imprensa (expressão) em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da proporcionalidade e adequação124.

Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome125.

Com efeito, este último direito fundamental não goza de uma proteção autónoma na Convenção, sendo apenas considerado como uma das exceções ao conteúdo e ao exercício da liberdade de expressão. Isto é, a liberdade de expressão será em regra tutelada, só podendo ser derrogada em casos excecionais, nomeadamente para a “proteção da honra”, uma vez verificados os pressupostos do transcrito art.º 10.º/2 da CEDH. Essa escolha tendencial deverá ser levada em consideração pelos tribunais portugueses, por força do art. 8.º/2 da CRP126.

Dispõe o artigo 203º da CRP que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, vigorando entre nós um sistema jurídico de matriz romano-germânica em oposição à regra do precedente obrigatório127.

Sob esse prisma, os precedentes instituídos pelo TEDH não vinculam diretamente as instâncias nacionais, excetuando os litígios em que o Estado Português seja parte, por força do artigo 46º/1, da CEDH, o que se traduz na possibilidade de revisão de sentenças nacionais conforme dispõe o artigo 449º/1/g, do CPP128.

Contudo, a jurisprudência sedimentada do TEDH vincula indiretamente os tribunais portugueses na aplicação das normas que afetem os direitos humanos consignados na Convenção129.

Apesar da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo não ser uma fonte de direito, é, pelo menos, um desenvolvimento jurisprudencial privilegiado do direito vivo consignado na Convenção130.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adotaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação131,132.

Assim, a análise a efetuar obriga naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respetiva interpretação e aplicação133,134.

Poder-se-ão delinear as seguintes proposições que o TEDH vem mobilizando para apreciar os casos em que se suscita uma relação de conflitualidade de direitos no contexto de publicações de imagens e/ou textos sobre a vida privada:

– Não obstante a liberdade de expressão também se estender a fotografias, esta é uma área na qual a proteção do direito à honra e ao bom nome ganha especial importância (caso Von Hannover c. Alemanha (n.º 2)135; caso MGN LIMITED c. Reino Unido §143136);

– Há sempre que averiguar a contribuição feita pelas fotos ou artigos para um debate de interesse público (caso News Verlags GmbH & Co. KG c. Austria137, §§ 52, caso Krone Verlag GmbH & Co. KG c. Austria138, §§ 33 e caso Von Hannover contra Alemanha139, §60);

– A questão de interesse público para este efeito deve ser uma questão que afete o público de molde a que este possa legitimamente interessar-se pela mesma, atraindo a sua atenção ou preocupando-o de forma significativa; que afete o bem-estar dos cidadãos ou a sua vida em comunidade; que seja suscetível de suscitar uma controvérsia considerável por dizer respeito a uma questão social importante; que implique um problema sobre o qual o público teria interesse em ser informado (casos Couderc And Hachette Filipacchi Associés c. França140 §103, Erla Hlynsdόttir c. Islândia141 § 64, The Sunday Times c. Reino Unido, § 62, Barthold c. Alemanha § 58 e Tønsbergs Blad A.S. and Haukom c. Noruega142, § 87);

– A publicação de fotografias e artigos com o propósito único de satisfazer a curiosidade de uma determinada franja de leitores acerca dos detalhes da vida privada de uma figura pública não pode ser considerada como contribuindo para qualquer debate de interesse público para a sociedade, ainda que em causa esteja uma figura pública; nestas condições, há que fazer uma interpretação mais restrita do âmbito da liberdade de expressão (casos de Campmany y Diez de Revenga and Lopez Galiacho Perona c. Espanha 143; MGN LIMITED c. Reino Unido §143144)145;

– Para que se considere que um artigo contribui para o interesse público não é necessário que tal interesse lhe esteja subjacente na integralidade, podendo bastar que o artigo revele preocupação com o mesmo interesse e contenha um ou mais elementos demonstrativos de tal preocupação (casos Couderc And Hachette Filipacchi Associés c. França146 §110, Lillo-Stenberg and Sæther c. Norway147, § 37, Ojala and Etukeno Oy c. Finlândia148 § 54 e Ruusunen c. Finlândia149 § 49).

Como referido no acórdão do tribunal a quo, o TEDH sedimentou nas suas decisões no que tange à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada, os seguintes critérios de aferição do equilíbrio dos direitos concorrentes:

i. A contribuição para um debate de interesse público;

ii. O grau de notoriedade da pessoa visada;

iii. O objeto da publicação;

iv. O comportamento prévio da pessoa em causa;

v. O conteúdo, a forma e as consequências da publicação

vi. A forma como a informação foi obtida e a sua veracidade;

vii. Se e for caso disso, as circunstâncias em que as fotografias foram tiradas150,151.

Temos, pois, que o TEDH entende quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral152,153,154.

Entende ainda o TEDH que o público não tem interesse em saber onde está o requerente e como se comporta em geral na sua vida privada, mesmo que apareça em locais que não possam ser sempre qualificados como isolados, e isto apesar da sua notoriedade155.

Mesmo no caso em que esse interesse do público existir, tal como existe um interesse comercial das revistas em publicar essas fotografias e esses artigos, tais interesses devem, devem no entanto, ceder perante o direito à proteção efetiva da sua vida privada156.

Concluindo, o TEDH consagra o critério do interesse público no conhecimento dos factos, ou seja, «não é permitida a captação de figuras públicas se, mesmo encontrando-se em lugares públicos, não estejam direta ou indiretamente a exercer funções pelas quais se tornaram conhecidas»157.

Temos, pois, que perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos158.

Responsabilidade por ofensa ao bom nome ou ao crédito (art. 484º, do CCivil)

A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – art. 70.º/1, do CCivil.

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art. 483.º/1, do CCivil.

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.

Na nossa ordem jurídica, o princípio basilar do regime da responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de atos ilícitos encontra-se plasmado no art. 483.º/1, do CCivil.

Enuncia tal norma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

O artigo vem estabelecer uma cláusula de responsabilidade civil subjetiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude) sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano)159.

São, assim, pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano160.

A lei ao proteger os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, encontrando-se esta tutela geral de personalidade integrada por direitos como, v.g., o direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida íntima e familiar, à saúde, à intimidade à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ao repouso e ao descanso.

Assim, todos os comportamentos e atuações lesivas desses direitos são suscetíveis de sancionamento ao abrigo do disposto nos arts. 483° e 484°, do CCivil.

Podem, no entanto, ocorrer situações em que aqueles dois direitos - de liberdade de expressão/liberdade de imprensa versus o direito ao bom nome, honra e imagem pessoal - entrem em conflito ou colisão.

Nessa eventualidade, e por aplicação do disposto no art. 335º do CCivil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar, contra o direito ao bom nome e reputação, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.

Casos esses em que, devidamente sopesados os valores jurídicos em confronto, e atento o princípio da proporcionalidade, tal direito de liberdade de expressão e de informação possa prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação.


****


Vejamos então o caso dos autos.

O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana161,162.

Está provado que:

- O Autor é um conhecido ator português, tendo iniciado a sua carreira profissional, há cerca de 20 anos, quando, com 21 anos, participou na telenovela “…” – facto provado nº 1.

- O A. teve, no passado, um problema de alcoolismo, tendo passado por um período longo de recuperação – facto provado nº 8.

- A 1ª Ré (Trust in News, Unipessoal, Lda.) é proprietária de revista “T...” – facto provado nº 9.

- A 2ª Ré (AA) é ... da “T...” – facto provado nº 10.

- As 3ª (BB), 4ª (CC) e 5ª (DD), RR. são as autoras da reportagem publicada na revista nº ...93, de ........2019 a ........2019, e a 3ª R. é ainda autora da reportagem publicada na revista nº ...11, de ........2020 a ........2020 – facto provado nº 11.

- As reportagens ora em causa nestes autos foram publicadas na “T...” – facto provado nº 12.

- A primeira reportagem, publicada na semana de ........2019 a ........2019, mereceu chamada de capa com o seguinte título “EE – APANHADO após noite de farra. VÍTIMA DO VÍCIO” – conforme documento nº 1 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – facto provado nº 13.

- Na capa podem ver-se duas fotografias tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico documento nº 1 junto com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – facto provado nº 14.

- A segunda reportagem, publicada na semana de ........2020 a ........2020, teve a chamada de capa com o seguinte título “EXCLUSIVO – EE – DESFIGURADO – Saiba porquê!” – conforme documento nº 2 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – facto provado nº 17.

- Na capa o A. surge com a cara inchada e ligada, e no interior seis fotografias, tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico documento nº 2 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – facto provado nº 18.

- No que diz respeito à primeira reportagem, o A. foi contactado pela Ré BB, que lhe referiu circularem, fotografias nas quais o A. era retratado aparentemente embriagado – facto provado nº 21.

- O A. referiu de imediato que não autorizava a publicação de fotografias em que aparecesse “embriagado” – facto provado nº 22.

- Antes da publicação da segunda reportagem – identificada em 17 - o A. foi contactado pela T..., tendo-lhe sido referido que tinham em sua posse fotografias onde o Autor aparecia com uma tala no nariz e hematomas na cara e se queria prestar algum esclarecimento, o que, depois de bastante pressionado por jornalista da T..., acabou por fazer, tendo explicado que se tinha submetido a uma rinoplastia, não pretendendo que tais fotografias fossem tornadas públicas – facto provado nº 27.

- A questão de dependência alcoólica, seus efeitos e consequências sido abordada pelo Autor em algumas entrevistas – conforme documento nº 4 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – facto provado nº 30.

Assim, facto gerador de eventual responsabilidade civil extracontratual foram as duas reportagens publicadas na revista T....

Em segundo lugar, há ilicitude sempre que alguém pratique um ato que seja proibido pelo direito ou não seja, por ele, permitido163.

A ilicitude pode assim traduzir-se na violação de um direito de outrem, na violação da lei que protege interesses alheios, que no caso em apreço se traduziu na violação ao direito ao nome, à honra e à consideração.

A ilicitude circunscreve-se mais diretamente à ausência de uma causa de justificação164.

Há assim que averiguar se a publicação das imagens e texto nas duas reportagens publicadas na revista “T...”, assumem carácter ilícito, ou seja, se violam, por ação ou por omissão, os direitos de personalidade do recorrido/autor.

No caso, o recorrido/autor, visado pelas reportagens, é um ator, com perfil conhecido pelo grande público, podendo, nesta aceção, qualificar-se como “figura pública”165.

Este é um facto que influencia a proteção a ser conferida à sua vida privada, sendo de reconhecer o direito do público, já afirmado pelo TEDH, de ser informado sobre certos aspetos da vida privada de personalidades públicas.

De todo o modo, é insofismável que uma figura conhecida do público em geral pode invocar uma “confiança legítima” na proteção e no respeito da sua vida privada.


****


Reportagem publicada na semana de ...-...-2019 a ...-...-2019

No que respeita à primeira reportagem, há que ter em conta, como está assente, que o autor teve, no passado, um problema de alcoolismo, tendo passado por um período longo de recuperação (ponto 8 dos factos provados), sendo que a questão da dependência alcoólica, seus efeitos e consequências já havia sido abordada pelo mesmo em algumas entrevistas (ponto 30 dos factos provados).

Foi, assim, o próprio recorrido/autor que trouxe para a arena da discussão pública, a questão do seu alcoolismo, sendo, por isso, indiferente, que o tivesse feito, como sublinhado pelo tribunal a quo, num “contexto próprio associado a um período de recuperação”.

Quando tomou a decisão de tornar público o seu problema com álcool, o autor/recorrido passou a ter de se conformar com a possibilidade de tal tópico ser objeto de tratamento por parte da imprensa (e, em concreto, por parte de uma específica imprensa de cariz sensacionalista) sem que o mesmo tivesse possibilidade de controlar a narrativa associada à divulgação.

Se se mostra evidente que o recorrido/autor tem direito à sua reabilitação, já não se crê que “direito ao esquecimento” possa ser convocado no caso, em que a reportagem se refere, não a factos prévios à publicitada intenção de recuperação, mas a factos posteriores à mesma166,167,168,169.

Assim, se o “direito ao esquecimento” poderia vedar a publicação de artigos relativos ao autor a rememorar uma aditividade que o mesmo pretendia superar, já não é exato que interdite a divulgação de conteúdos que sugiram a subsistência dessa mesma aditividade.

Neste conspecto, não é possível afirmar que o autor tivesse uma “confiança legítima” no sentido de que, por proteção e respeito à sua vida privada, não fossem divulgados conteúdos relacionados com a subsistência do seu consumo de bebidas alcoólicas.

O juízo a formular a respeito da (i)licitude da divulgação dependerá, naturalmente, do conteúdo da reportagem e, em concreto, de saber se existiu por parte da revista na divulgação das fotografias algum propósito de contribuição para um debate de interesse público.

Para o efeito, importa, pois, analisar o texto que acompanhou as imagens.

O texto, adotando um título sensacionalista “apanhado em noite de farra”, “VÍTIMA DO VÍCIO”, apresenta uma base factual suficiente, denotando um cariz pretensamente descritivo dos acontecimentos que sucederam naquela noite e dando conta da situação profissional do autor e da posição do mesmo a respeito do episódio.

Para além disso, o texto reporta a existência de comentários a esta notícia nas redes sociais por parte de pessoas preocupadas pelo facto de EE estar a exercer ... e, ao mesmo tempo, ter um comportamento que indicia uma recaída.

Por outro lado, cita o psicólogo clínico, FF, que elabora sobre o processo da recaída no âmbito dos comportamentos aditivos e alude a duas correntes que se perfilam nesta área quanto à necessidade de parar ou de apenas restringir o comportamento aditivo.

No conteúdo deste artigo identificam-se dois elementos – relacionados com a ligação da indiciada recaída com a prática da ... e com a interpretação que um psicólogo faz daquela no processo de recuperação - nos quais é possível distinguir um propósito de contribuir para um debate de interesse público, atinente ao consumo de álcool na sequência de um processo de recuperação da aditividade por parte de uma pessoa que, para além do mais, desempenha uma profissão socialmente relevante (no caso, ...).

A interpretação integrada das imagens e do artigo não permite reduzir a publicação a um ato que visa tão-só ir ao encontro do voyeurismo do leitor, à sua curiosidade mórbida por aspetos da vida privada do visado, antes admite a sua perspetivação como um exercício – ainda que por referência apenas a segmentos do seu conteúdo e não ao seu conteúdo integral – que visa contribuir para um debate de interesse geral para a sociedade.

Ainda que se entenda, na linha do considerado pelo acórdão do tribunal a quo, que o que sobreleva das fotografias e do texto seja “o intuito de revelar um facto embaraçoso da esfera da vida privada do autor um facto embaraçoso da esfera da vida privada do autor e não o propósito de discutir um assunto de interesse geral”, a verdade é que esse interesse geral é discernível na publicação.

Conforme vem entendendo o TEDH, para se considerar que um artigo contribui para o interesse público, não é necessário que tal interesse lhe esteja subjacente na integralidade, podendo bastar que o artigo revele preocupação com tal interesse e contenha um ou mais elementos demonstrativos de tal preocupação (casos, Couderc And Hachette Filipacchi Associés c. França170 §110; Lillo-Stenberg and Sæther c. Norway171, § 37, Ojala and Etukeno Oy c. Finlândia172 § 54 e Ruusunen c. Finlândia173 § 49).

Porém, não acompanhamos, por outro lado, o tribunal a quo na asserção de que “esta discussão só colheria legitimidade como matéria de interesse público se a pontual situação de embriaguez tivesse ocorrido ou se manifestasse em ambiente laboral do autor, seja como médico seja como ator”.

Esta asserção seria, certamente, exata, se se tratasse de um ator ou de um ... que, ainda que apresentasse um historial de consumo excessivo de álcool, tivesse mantido reserva em relação a essa matéria.

No entanto, como se deixou antever, foi o próprio autor que publicitou a questão da dependência alcoólica (ponto 30 dos factos provados).

Nessa medida, o ato de consumo de álcool na via pública, na sequência de uma ida à discoteca, apresenta a “conexão na atividade da figura pública” a que alude o tribunal a quo, inscrevendo-se na órbita das matérias privadas que o autor decidiu tornar públicas174.

Este intuito identificável na primeira reportagem, ainda que não prevalecente, mas meramente lateral, de contribuir para um debate de interesse geral para a sociedade faz com que o direito à liberdade de expressão das rés, interpretado, muito embora, de modo restritivo, atento o escopo da publicação, deva ser considerado, de acordo com um juízo orientado pelo princípio da proporcionalidade (art. 18º/2 da CRPortuguesa), prevalecente “in casu”, sendo apto a excluir a ilicitude (art. 335º do CCivil) da divulgação não consentida das imagens violadora dos direitos de personalidade do autor à imagem, à reserva da vida privada, ao bom nome e à reputação (arts. 79º a 81º, 483º, 484º do CCivil; 26º/1 da CRPortuguesa; art. 8º da CEDH e, art. 3º da Lei da Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro).

Concluindo, uma ingerência no direito à liberdade de expressão das rés, com tutela nos arts. 37º e 38º da CRPortuguesa, 19ª da DUDH e, art. 10º da CEDH, exercido através da reportagem de 2019, não se afigura necessária, no contexto de uma sociedade democrática, à luz do art. 10º/2 da CEDH.

Destarte, nesta parte, procede o recurso de revista interposto pelas recorrentes.


****


Reportagem publicada na semana de ...-...-2020 a ...-...-2020

Quanto à análise da segunda reportagem, publicada na semana de ........2020 a ........2020, que teve a chamada de capa com o seguinte título “EXCLUSIVO – EE – DESFIGURADO – Saiba porquê!”.

Nesta capa, o autor surge com a cara inchada e ligada, constando do interior da revista seis fotografias, tiradas à distância sem o seu conhecimento nem consentimento, sendo explicado, nesse local, que havia sido submetido a uma ... (factos provados nºs 17 a 19).

Antes da publicação desta segunda reportagem, o autor foi contactado pela revista T..., que transmitiu que tinha em sua posse fotografias onde aparecia com uma tala no nariz e hematomas na cara e perguntado se queria prestar algum esclarecimento (facto provado nº 27).

O autor, depois de pressionado por um jornalista da revista T..., acabou por explicar que se tinha submetido a uma ..., não pretendendo que tais fotografias fossem tornadas públicas (facto provado nº 27).

Foi neste conspecto que o autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma ..., o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida (facto provado nº 28).

Não se deteta nesta reportagem qualquer intuito - principal ou sequer lateral - de contribuir para um debate de interesse geral para a sociedade, antes se vislumbra, independentemente da base factual da mesma, um estrito propósito de devassa da vida privada do autor, que se mostra associado à sugestão capciosa de se ter envolvido em algum confronto físico com a utilização do adjetivo “DESFIGURADO”, em letras maiúsculas.

Com efeito, o conteúdo da capa desta revista é suscetível de criar no leitor médio deste género de publicações, a convicção de que a causa da desfiguração do autor poderá estar relacionada com o seu passado de consumo excessivo de álcool, sendo que a revista optou, certamente por critérios que nada têm a ver com a verdade jornalística, por não efetuar qualquer esclarecimento a este respeito na própria capa, reservando para o conteúdo do artigo a precisão de que o autor havia sido operado ao nariz.

A circunstância de a 28-01-2020, “cinco dias depois” da realização da cirurgia ..., o autor ter partilhado publicamente, através do seu perfil nas redes sociais, uma imagem sua na qual referia “5 dias pós-...” (ponto 34 dos factos provados), não apresenta a virtualidade de excluir a ilicitude do artigo que, não tendo conteúdo similar a mencionada publicação, fez acompanhar a publicitação da ocorrência da operação cirúrgica com fotografias que, objetivamente, retratam o autor de modo desprimoroso.

Efetivamente, as rés não se limitaram a dar conta de que o autor fora sujeito a uma ... – uma conduta que, num quadro em que existiu divulgação pública de anteriores ... (... e...), poderia encontrar-se justificada.

Porém, acompanharam tal divulgação, não obstante a oposição expressa do autor, da publicação de fotografias em que o mesmo é retratado com uma tala no nariz e hematomas na cara.

Cremos que, nesta sede, o acórdão do tribunal a quo fez um adequado balanceamento dos direitos colidentes, justificando-se a ingerência no direito à liberdade de expressão das rés, à luz do art. 10º/2, da CEDH, com vista à tutela dos direitos de personalidade do autor à imagem e à reserva da vida privada (arts. 79º e 80º, do CCivil e, 8º, da CEDH).

Destarte, nesta parte, improcede o recurso de revista interposto pelas recorrentes.

2.) SABER DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO.

As recorrentes alegam, no ponto P) das suas conclusões de recurso, “que consta da matéria provada (factos 28, 31, 32, 33, 34, 35 e 36) que os factos já eram de conhecimento público, antes mesmo das matérias terem sido publicadas nas duas edições da revista, limitando-se as reportagens a aproveitar o material já existente, direta ou indiretamente fornecido pelo próprio recorrido ou já pré-existente”.

Assim, ainda que de modo não absolutamente explícito, questionam a existência de nexo causal entre os factos – aqui restritos à segunda reportagem, uma vez que se considerou que a ilicitude inerente aos factos da primeira reportagem se deverá considerar excluída - e os danos.

Vejamos a questão.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão – art. 563.º do CCivil.

Segundo o que constitui o entendimento doutrinário175,176 e jurisprudencial177,178,179,180,181 dominante, a citada norma consagra, pelo menos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, a chamada doutrina da adequação (concretamente, na sua formulação negativa), segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.

Ora, está provado, quanto à segunda reportagem, publicada na semana de ........2020 a ........2020, que “a 28 de janeiro de 2020, “cinco dias depois” da realização da cirurgia ..., o autor partilhou publicamente, através do seu perfil nas redes sociais, uma imagem sua na qual referia “5 dias pós-...” (ponto 34 dos factos provados).

Realce-se que a imagem partilhada pelo autor a este respeito foi uma fotografia por si escolhida, não coincidente com as imagens publicadas na revista, em que o autor aparecia com uma tala no nariz e hematomas na cara.

Foram estas imagens – e não a publicitação do facto de o autor ter sido sujeito a uma ..., que o próprio divulgou nas suas redes sociais - que, segundo o que se extrai do ponto 29) dos factos provados182, fez com que se sentisse vexado e motivasse o contacto de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde.

Como tem afirmado, de modo constante, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o juízo de causalidade numa perspetiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo terceiro grau de jurisdição.

No entanto, comprovado esse nexo naturalístico, o Supremo Tribunal de Justiça pode verificar a existência de nexo de causalidade, no âmbito da atividade interpretativa e aplicativa da norma prevista no art. 563.º do CCivil183,184.

No caso, temos por certo, atento o teor da segunda reportagem, que a mesma, para além de ter causado, em concreto e sob o prisma naturalístico, vexame ao autor (ponto 29 dos factos provados), não é inidónea, em face da sua natureza geral, a causar tal vexame.

Concluindo, deverá, pois, ser considerada causa adequada do dano em crise, sendo de concluir, a este propósito, pela existência de um nexo de causalidade normativo.

Destarte, nesta parte, improcede o recurso de revista interposto pelas recorrentes.

3.) SABER DO QUANTUM DE COMPENSAÇÃO A ATRIBUIR AO AUTOR A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS.

Resta apreciar a fixação do quantitativo de compensação, atribuído ao autor a título de danos não patrimoniais, por referência à segunda reportagem, que as recorrentes qualificam como inadequado em face dos parâmetros jurisprudenciais internacionais aplicáveis.

Vejamos a questão.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º/1, do CCivil.

O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores – art. 496º/4, do CCivil.

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – art. 494º, do CCivil.

Os danos de natureza não patrimonial são, por natureza, insuscetíveis de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património material do lesado e, exatamente porque assim é, o seu ressarcimento deve assumir uma natureza fundamentalmente compensatória e acessoriamente sancionatória, não servindo para aqui o chamado dano de cálculo185.

A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º/1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais186.

Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização187,188.

No âmbito da fixação de danos não patrimoniais são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º/1 do CCivil).

Em relação a estes, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º/4 do CCivil), funcionado esta como único recurso.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos tribunais na decisão de questões como devem ser indemnizadas as ofensas à honra, à privacidade, à imagem, ou outras que causem à vítima sofrimento interior, reside, por um lado, na demonstração da ocorrência desse sofrimento e, por outro, no da sua intensidade189.

A psiquiatria permite o diagnostico da “dor da alma”, do sofrimento moral, das lesões psicológicas causadas por humilhações, pelo medo, pela sensação de desprezo, próprio ou alheio, pela sensação de rejeição, pela necessidade, por vezes compulsiva, de autojustificação, etc.. Os psiquiatras conseguem fazer diagnósticos muito apurados, quer das lesões, quer das suas causas, quer ainda da sua gravidade190,191.

O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção: (i) grau de culpabilidade do agente; (ii) situação económica do agente e do lesado; (iii) e demais circunstâncias do caso, entre as quais não se poderá deixar de contar a natureza, gravidade e dimensão da lesão ou a importância do bem jurídico violado (art. 496º/4, do CCivil).

Embora o artigo 496º do CC faça referência expressa à atribuição de uma indemnização pela verificação de danos não patrimoniais resultantes do ato lesivo de terceiro, segundo Jorge Sinde Monteiro e Júlio Gomes a doutrina nacional tem sido unânime ao referir que, perante impossibilidade de valoração pecuniária dos bens em causa, não estaremos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação. Esta compensação terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático atendendo, no entanto, à natural dificuldade em fixar um valor primário idêntico ao bem lesado até porque, na maioria das vezes e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que estão aqui em causa, verifica-se não uma dificuldade na quantificação do dano, mas sim uma natural impossibilidade de atribuir um valor à dor ou vida humana192.

A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo apenas atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.

Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do art. 496.º/4, do CCivil, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.

O art. 496.º/1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.

Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos arts. 496º/1/3 e 494º, ambos do CCivil193.

A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.

A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do CC194,195.

Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária196,197.

O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC198,199.

Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no art. 8.º/3, do CCivil200.

Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça201.

Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.

Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade202,203,204.

No caso sub judice, vejamos qual o percurso argumentativo feito pelo tribunal a quo para fixar a indemnização atribuída ao autor pela segunda reportagem:

“Em decorrência da publicação da segunda reportagem, o autor sentiu-se vexado com a publicação em causa, tendo recebido inúmeros contactos de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde depois de verem a capa da revista (29), sendo ainda certo que o autor sentiu-se obrigado a revelar a realização da ... para mitigar os efeitos previsíveis da publicação da reportagem (cf. Factos 27, 28 e 34).

Em sede dos parâmetros da jurisprudência em casos similares, são invocáveis designadamente os seguintes arestos do STJ.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.1.2012, Sérgio Poças, 414/07, Sumários: «Provando-se que o artigo contendo a imputação referida em XII: (i) foi publicado em revista com tiragem de 34 000 exemplares semanais; (ii) deixou o autor magoado, revoltado, desanimado, amargurado; (iii) atingiu o autor no seu prestígio pessoal e profissional; (iv) que o 1.º réu é jornalista, tendo escrito a notícia; que o 2.º réu é ... da revista; e que o 3.º réu é seu ..., é adequada a condenação solidária destes na indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos, de € 65 000, fixada pelas instâncias.»

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.2018, Isabel Pereira, 517/09, fixou-se uma indemnização de € 16.000 a favor do autor o qual, na sequência de notícia televisiva que o dava como frequentador de sites pedófilos: «(i) era apontado e incomodado sempre que saía à rua; (ii) recebeu ameaças dirigidas a si e aos seus familiares; (iii) sofreu um desmaio, sentiu hipertensão, amnésia e insónia e procurou ajuda psiquiátrica; e (iv) passou a evitar sair à rua, a disfarçar-se quando o fazia e mudou de casa».

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.6.2020, Clara Sottomayor, 1981/14: «Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro.» No caso concreto, os autores tinham sido filmados, sem para tal terem dado autorização, tendo a empresa titular do canal televisivo sido condenada a pagar uma indemnização de € 40.000 por violação do direito à imagem.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.12.2020, Fátima Gomes, 24555/17: «Num quadro em que foram produzidas afirmações com animosidade e intenção ofensiva, cuja falsidade a R. não podia razoavelmente ignorar e sendo objetivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A., no domínio da vida privada deste, ponderando casos congéneres e as demais circunstâncias do caso, tem-se por adequado fixar a indemnização em € 25.000,00.»

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2022, Olinda Garcia, 1102/09, foi fixada uma indemnização de dez mil euros num contexto em que foi tentada a publicação de uma biografia não autorizada de uma atriz que padeceu de cancro da mama. (…)

No que tange à segunda reportagem (cerca de quatro meses depois), a mesma constitui um exercício gratuito de assédio ao autor, sem qualquer relevância de interesse público argumentável. A sanção aqui também exercerá uma função preventiva e refreadora de novas abordagens desta estirpe. Assim, a indemnização pela segunda reportagem deverá ser fixada em € 12.500. Estes valores são já atualizados à data do acórdão”.

Assim, o acórdão proferido pelo tribunal a quo efetuou uma análise da casuística analisada pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo um juízo de comparabilidade relativa, em que foram atribuídas compensações por danos não patrimoniais pela violação ilícita do direito à imagem, ao bom nome e à honra, que oscilaram entre os 10 000,00€ e os 65 000,00€.

Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), o valor alcançado não se mostra irrazoável face ao dano verificado205,206.

Em suma, e à luz da prescrição contida no art. 8.º/3 do CCivil, não se descortina que o juízo equitativo adotado pelo tribunal a quo contrarie, em termos de colocar em causa a segurança na aplicação do direito, o princípio da igualdade ou o princípio da proporcionalidade dos critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados quanto à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de natureza análoga aos que estão presentes na situação decidenda.

Por outro lado, e tendo em atenção os critérios que pelo TEDH têm sido perfilhados na matéria, cremos que o montante arbitrado de 12 500,00€, se apresenta como uma interferência não desproporcional no direito à liberdade de expressão das recorrentes, não infringindo o art. 10.º da CEDH207.

Temos, pois, que a quantia de 12 500,00€ arbitrada pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais não se nos afigura desajustada, tendo em conta a lesão objetiva de bens da personalidade, valorada à luz dos padrões jurisprudenciais utilizados em casos relativamente análogos, numa análise comparativa atualista e dinâmica.

Tal valor traduz um adequado equilíbrio entre a culpa elevada das rés e a extensão (reduzida, atenta a facticidade demonstrada) das consequências da conduta ilícita inerentes à segunda reportagem.

Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 12 500,00€ (dez mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais.

Destarte, nesta parte, improcede o recurso de revista interposto pelas recorrentes.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente, em:

a) Revogar-se o acórdão recorrido no segmento em que condenou as 1ª a 5ª recorrentes/rés a pagarem ao recorrido/autor, solidariamente, uma indemnização de 20 000,00€ (vinte mil euros);

b) Confirmar-se o acórdão recorrido no segmento em que as 1ª, 2ª e 3ª recorrentes/rés foram condenadas a pagarem ao recorrido/ autor, solidariamente, uma indemnização de 12 500,00€ (doze mil e quinhentos euros).

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelas 1ª, 2ª e 3ª recorrentes/rés e pelo recorrido/autor (na vertente de custas de parte, por outras não haver208), na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente, para cada uma delas209.

Lisboa, 2024-11-12210,211

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Anabela Luna de Carvalho) – 1º adjunto

(Henrique Antunes) – 2º adjunto

_____________________________________________

1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎

2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎

3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎

4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎

15. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

16. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

17. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

18. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎

19. Alterado pelo Tribunal da Relação.↩︎

20. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎

21. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

22. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, p. 117.↩︎

23. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo 1º, p. 157.↩︎

24. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 51.↩︎

25. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 44.↩︎

26. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, 2004, p. 142.↩︎

27. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.↩︎

28. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 62.↩︎

29. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pp. 303/304.↩︎

30. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.↩︎

31. JOSÉ BELEZA DOS SANTOS, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria, RLJ, ano 92.º, p. 181.↩︎

32. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 466.↩︎

33. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 761/62.↩︎

34. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.↩︎

35. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 63.↩︎

36. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.↩︎

37. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 15.ª ed., p. 299.↩︎

38. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 24.↩︎

39. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-05-14, Relator: FERREIRA RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

40. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1989-05-24, Relator: SOLANO VIANA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

41. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 67.↩︎

42. O direito à imagem é expressamente protegido pelo legislador civil no art. 79º do CCivil enquanto um direito a controlar a captação e a divulgação dos eu “retrato”, abrangendo-se aqui qualquer aspeto físico que permita identificar a pessoa retratada – MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 28.↩︎

43. O direito à imagem, traduzindo-se no poder que o titular tem de controlar os sinais visuais de identificação da pessoa, refere-se ao retrato, que não tem de se restringir ao rosto de uma pessoa – Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 366.↩︎

44. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-06-14, Relator: NUNO CAMEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

45. Se nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação ("liberdade de informar", "de se informar" e "de ser informado"), também se perfila como não menos relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, e o direito à imagem e reputação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-03-03, Relator: FERREIRA DE ALMEIDA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

46. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 67.↩︎

47. Porém, nos termos do nº 3 do citado art. 79º do Cód. Civil, a referida dispensa de consentimento não se aplica sempre que, da divulgação da imagem, resultem prejuízos para a honra, reputação ou simples decoro do retratado. Consubstanciando esta exceção legal “uma reafirmação da regra do consentimento” – DAVID DE OLIVEIRA FESTAS, Do Conteúdo Patrimonial do direito à Imagem, Coimbra Editora, 2009, p. 288.↩︎

48. Não obstante o direito à imagem ser um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas atividades. Exige-se que esse consentimento seja expresso, o que constitui uma garantia de que, efetivamente, o titular está de acordo com a intromissão de um terceiro num bem da personalidade do próprio – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-07, Relator: GABRIEL CATARINO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

49. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 67.↩︎

50. O número 3 vem apenas clarificar que mesmo nos casos em que é lícita a captação da imagem de certa pessoa, a sua exposição, reprodução ou lançamento no comércio pode violar outros direitos de personalidade, e, em tais circunstâncias, tal exposição, reprodução ou lançamento no comércio é ilícita. Aqui já não estão em causa o direito à imagem, mas a utilização desta em termos que causem prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada, sendo estes os direitos violados – COMENTÁRIO AO CÓDIGO CIVIL, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 197.↩︎

51. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 120.↩︎

52. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2ª ed., 2007, p. 241.↩︎

53. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, pp. 120/21.↩︎

54. Não obstante o direito à imagem ser um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas atividades – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-07, Relator: GABRIEL CATARINO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

55. As pessoas famosas também são protegidas na sua privacidade. É verdade que a sua esfera de privacidade está limitada em relação às demais pessoas, sobretudo porque são elas próprias que procuram a exposição pública, da qual depende o seu sucesso pessoal e profissional, não podendo depois reivindicar o mesmo grau de proteção dos que não são conhecidos: é o chamado peso da fama. Não obstante, isto não implica que a sua esfera de privacidade se apague. Designadamente, a esfera de segredo mantém-se inalterada e a esfera pessoal continua a ser protegida – MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, 2021, p. 370.↩︎

56. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 367.↩︎

57. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 368.↩︎

58. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 368.↩︎

59. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 62.↩︎

60. A reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a exceção – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

61. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 62.↩︎

62. O direito à reserva da vida privada integra uma “projeção vital” do direito à inviolabilidade pessoal – MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 31.↩︎

63. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 124.↩︎

64. Tem sido tentado um critério de determinação do conteúdo do direito à privacidade assente sobre a distinção de três esferas concêntricas: a esfera da vida íntima, a esfera da vida privada e a esfera da vida pública – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 63.↩︎

65. A tutela do direito à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes: a proteção contra a intromissão na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-09-25, Relator: OLIVEIRA BARROS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

66. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 64.↩︎

67. O direito à privacidade colide frequentemente com o direito à liberdade de expressão, principalmente com a liberdade de imprensa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

68. O direito da liberdade de imprensa tem como limite intransponível, entre outros, a salvaguarda do direito à reserva da intimidade da vida privada e à imagem dos cidadãos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-06-14, Relator: NUNO CAMEIRA, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

69. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 64/5.↩︎

70. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎

71. O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando – e só quando – um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

72. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎

73. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎

74. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎

75. Quando o interesse público o imponha, o direito à honra e à privacidade não podem impedir a revelação daquilo que for estritamente necessário e apenas no que for estritamente necessário – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

76. MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 31.↩︎

77. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎

78. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 391/92.↩︎

79. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 417.↩︎

80. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

81. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

82. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

83. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 33/34.↩︎

84. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-02-12, Relatora: FÁTIMA GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

85. A liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos ― designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)]―, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização – Ac. do Tribunal Constitucional nº 81/84, de 18-07-1984, Relator: Messias Bento, https://www.tribunalconstitucional.pt/.↩︎

86. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 575.↩︎

87. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos – art. 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎

88. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎

89. Aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.↩︎

90. Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção-Geral dos Negócios Políticos, publicado no D.R., II série, de 06.02.1979.↩︎

91. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 138.↩︎

92. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 299.↩︎

93. CASO ALMEIDA AZEVEDO/PORTUGAL (Queixa 43924/02) - Acórdão de 23 de janeiro de 2007.↩︎

94. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

95. CASO URBINO RODRIGUES/PORTUGAL (Queixa 75088/01) - Acórdão de 29 de novembro de 2005.↩︎

96. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

97. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 857, citando Francisco Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pp. 39/84.↩︎

98. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-04-23, Relator: RODRIGUES DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

99. IOLANDA DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 65.↩︎

100. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 30.↩︎

101. CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) – Acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.↩︎

102. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) – Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.↩︎

103. CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.↩︎

104. CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) – Acórdão de julho de 2001, n.º 51.↩︎

105. CASO COLAÇO MESTRE, citado, n.º 24.↩︎

106. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 373.↩︎

107. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 373/378.↩︎

108. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 424.↩︎

109. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 34.↩︎

110. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 1130.↩︎

111. A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

112. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

113. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Acórdãos Supremo Tribunal de Justiça), tomo 1.º, p. 77.↩︎

114. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

115. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

116. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-09, Relator: SÉRGIO POÇAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

117. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

118. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

119. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

120. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

121. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-06-28, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

122. Existindo verdadeiro “interesse público” (e não meramente um “interesse do público”) em que a comunidade seja informada sobre certas matérias, o dever de informação prevalece sobre a discrição imposta pelos interesses pessoais; porém, a divulgação só justificará a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais na medida em que da mesma sobressaia o referido interesse, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-03-30, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

123. O ato de recolher e divulgar informação não autorizada, criminalmente punido por decisão transitada em julgado, não suscita qualquer conflito entre o direito ou liberdade de informação, por um lado, e direito à honra ou ao bom nome, por outro, pois trata-se de um comportamento que (pelo seu sancionamento criminal) está indubitavelmente para além dos limites da liberdade de informação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-05-24, Relatora: OLINDA GARCIA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

124. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: MOREIRA ALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

125. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 144 e nota 75.↩︎

126. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 139.↩︎

127. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎

128. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎

129. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎

130. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎

131. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-12-09, Relatora: FÁTIMA GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

132. A metodologia a adotar pelos tribunais nacionais (que se encontram sujeitos à autoridade interpretativa do TEDH) na análise do caso concreto, passará por formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e atualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável à dos autos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-06-22, Relator: FERNANDO BAPTISTA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

133. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-13, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

134. A tendência predominante na nossa jurisprudência foi, durante longos anos, a de claramente privilegiar, no caso de conflito de direitos, os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação, vistos como ligados à própria dignidade da pessoa humana- sobre o exercício do direito de liberdade de imprensa - continuando o entendimento, que já vinha de longe, de que, por regra, a ofensa à honra (e usamos esta palavra em sentido lato, abrangendo o que a lei, sem uniformidade terminológica, chama “honra”, “honra e bom nome”, “reputação”, “consideração” e “crédito”) integrava um ato ilícito a demandar, consoante os casos, sanção criminal, indemnização ou ambas. A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que, doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando. Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-30, Relator: JOÃO BERNARDO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

135. Processos n.º 40660/08 e 60641/08, de 07-02-2012, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-109029%22]}↩︎

136. Processo n.º 39401/04, de 18-01-2011, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22itemid %22:[%22001-102965%22]}.↩︎

137. Acórdão de 14-12-2006, processo n.º 10520/02), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate% 20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-78571%22]}.↩︎

138. Acórdão de 26-02-2002, 2rocesso n.º 34315/96), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending% 22], % 22itemid%22:[%22001-60173%22]}.↩︎

139. Processo n.º 59320/00, de 24-06-2004, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22itemid%22:[%22001-61853%22]}↩︎

140. Acórdão de 10-11-2015, processo n.º 40454/07, https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-158861%22]}.↩︎

141. Acórdão de 10-07-2012, processo n.º 43380/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-112088%22]}.↩︎

142. Acórdão de 01-03-2007, processo n.º 510/04, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-79659%22]}.↩︎

143. Processo n.º 54224/00, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22 display%22:[2],%22 languageisocode%22:[%22ENG%22],%22appno%22:[%2254224/00%22],%22itemid%22:[%22001-22204%22]}↩︎

144. Processo n.º 39401/04, de 18-01-2011, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid% 22:[%22001-102965%22]}.↩︎

145. Tendo a publicação como único objeto satisfazer a curiosidade de um certo público sobre os detalhes da vida privada de uma pessoa, qualquer que seja a sua notoriedade, não pode ser considerado para contribuir para qualquer debate de interesse para a sociedade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: ALVES VELHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

146. Acórdão de 10-11-2015, processo n.º 40454/07, https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22 itemid%22:[%22001-158861%22]}.↩︎

147. Acórdão de 16-01-2014, processo n.º 13258/09), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-140015%22]}.↩︎

148. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 69939/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-139991%22]}↩︎

149. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 73579/10), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-139989%22]}.↩︎

150. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA (n.º 2) §§109-113 – Acórdão de 07-02-2012, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/.↩︎

151. CASO Axel Springer AG V. Alemanha §§ 90-95 – Acórdão de 07-02-2012, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/.↩︎

152. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA in PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 98.↩︎

153. Foi considerado não existir violação da CEDH por parte dos tribunais nacionais ao impedirem a publicação de fotografias da princesa Carolina do Mónaco e seu marido, tiradas sem o seu consentimento, que retratavam cenas da vida quotidiana da princesa que não exercia funções oficiais, por tal publicação não contribuir para um debate de interesse geral, entendendo-se ter sido realizado um adequado balanceamento entre o direito o direito de liberdade de expressão das publicações e o direito ao respeito pela vida privada e familiar – CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA (n.º 2).↩︎

154. Entendeu-se existir violação do art. 10.º/1 da CEDH num caso em que os tribunais nacionais proibiram posteriores publicações de um artigo sobre a detenção de um popular ator de uma série de televisão num festival de cerveja por posse de cocaína. Considerou-se que os artigos publicados poderiam ter um certo grau de interesse público por serem relativos a factos judiciais públicos; foi, ainda, feito notar que o ator era suficientemente conhecido para ser qualificado como figura pública e que, embora a natureza da infração fizesse com que a mesma não fosse publicitada se tivesse sido cometida por um cidadão comum, a circunstância de o ator ser detido em público, conjugado com o facto de ter procurado os holofotes revelando detalhes sobre a sua vida privada em várias entrevistas, implicam uma restrição da sua legítima expectativa de que a sua vida privada fosse efetivamente protegida – CASO AXEL SPRINGER V. ALEMANHA, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/eng.↩︎

155. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA in PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 98.↩︎

156. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA in PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 98.↩︎

157. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 368.↩︎

158. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

159. MENESES LEITÃO, Direito das Obrigações, 5.ª ed., vol. I, p. 285.↩︎

160. Vide, neste sentido, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 7.ª ed., p. 483; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª ed., vol. I, p. 526 e, RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, 1983, p. 238.↩︎

161. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. 1º, 6ª ed., p. 496.↩︎

162. Este facto consiste, por regra, num facto positivo, que importa a violação do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto. Mas, o facto pode traduzir-se também num facto negativo, numa omissão. Neste caso, a imputação ao agente exige a sua oneração com um dever especial de praticar o ato omitido.↩︎

163. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º vol., p. 303.↩︎

164. A violação do direito de outrem só é ilícita quando reprovada pela ordem jurídica. De um modo geral, pode dizer-se que a ilicitude é afastada quando se atua no regular exercício de um direito e no cumprimento de um dever jurídico. Há, ainda, causas especiais justificativas do facto: a ação direta, a legitima defesa, o estado de necessidade e o consentimento do lesado – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 552/53.↩︎

165. Figura pública será uma pessoa que se encontra numa posição em que, pelo seu protagonismo social, está focada a atenção pública – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: ALVES VELHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

166. O Tribunal Constitucional, considerou que por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar – Ac. do Tribunal Constitucional nº 442/2007 , de 2007-08-14, Relator: SOUSA RIBEIRO, https://www.tribunalconstitucional. pt/.↩︎

167. O Tribunal Constitucional considerou que o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada faz parte do núcleo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º da CRP e inclui, como diferentes manifestações, o direito à solidão, o direito ao anonimato e o direito à autodeterminação informativa – Ac. do Tribunal Constitucional nº 403/2015 , de 2015-08-27, Relator: LINO RODRIGUES RIBEIRO, https://www.tribunalconstitucional.pt/.↩︎

168. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no célebre caso Google Spain v AEPD e Mario Costeja González, reconheceu a existência de um direito ao esquecimento (right to be forgotten), sustentado nos artigos 12.º, alínea b), e 14.º, alínea a), da Diretiva 95/46 e nos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Acórdão de 13-05-2014, proc. C-131/12.↩︎

169. A proteção da vida privada e da intimidade das pessoas é a ideia jurídica central que fundamenta o direito ao esquecimento. Este direito visa também a reabilitação e a ressocialização dos indivíduos, os quais seriam prejudicados pela recordação permanente dos seus erros ou falhas cometidas. Nesta medida, o direito ao esquecimento pode ser encarado como um desmembramento do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 80.º CC) – RUI MASCARENHAS ATAÍDE, Direito ao esquecimento, p. 15.↩︎

170. Acórdão de 10-11-2015, processo n.º 40454/07, https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22], %22itemid%22:[%22001-158861%22]}↩︎

171. Acórdão de 16-01-2014, processo n.º 13258/09, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22], %22itemid%22:[%22001-140015%22]}↩︎

172. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 69939/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22], %22itemid%22:[%22001-139991%22]}↩︎

173. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 73579/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22], %22itemid%22:[%22001-139989%22]}↩︎

174. Não podem considerar-se ilícitos os artigos de opinião que – embora redigidos de forma mordaz, contundente e desprimorosa, se situam no cerne do debate e crítica à ação política e governativa, traduzindo essencialmente juízos valorativos profundamente negativos sobre a capacidade e idoneidade política do visado – podendo este escrutínio público envolver a formulação de juízos valorativos claramente críticos e negativos e, consequentemente, implicar prejuízo à imagem do político visado como homem de Estado junto dos eleitores, sem que tal configure ilícita violação de direitos de personalidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-13, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

175. Neste sentido, Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, ..., Almedina, 10.ª edição, 2000, pp. 898-901 e, Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Portuguesa, 2018, p. 555.↩︎

176. Dentro do quadro geral que acima descrevemos e que corresponde à interpretação que acolhemos da doutrina da causalidade adequada, na formulação em que a mesma foi acolhida no art. 563º do CCivil, para que um facto seja causa de um dano é, em primeiro lugar, necessário que no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado sendo, por sua vez e em segundo lugar necessário que, em abstrato, seja causa adequada do dano – ANA PRATA in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 759↩︎

177. No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação. Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-07-01, Relator: AZEVEDO RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

178. O artigo 563º do Código Civil acolheu a doutrina da causalidade adequada. A fórmula aí usada deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito. Sendo certo que o aludido preceito comporta qualquer das variantes da formulação da teoria da causalidade adequada, provindo a lesão de facto ilícito, deverá ter-se por acolhida a sua formulação negativa segundo a qual só deixará de haver nexo causal adequado se o facto que atua como condição, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para surgir um tal dano, e só se tornou condição dele em resultado de outras circunstâncias extraordinárias que intervieram no caso concreto – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-01-27, Relator: MOREIRA CAMILO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

179. O nexo de causalidade encontra-se normativamente configurado em termos de causalidade adequada, princípio geral que se concretiza em duas formulações, uma positiva e uma negativa. Na modalidade positiva da causalidade adequada, um facto é causa de um efeito danoso quando é previsível - atendendo às circunstâncias em que o agente atuou, e conhecidas deste - que o facto provoque aquele efeito danoso. Na modalidade negativa, prescindindo-se da noção de previsibilidade, de imediação ou exclusividade, um facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais. Esta variante negativa da causalidade adequada está mais próxima da teoria da equivalência das condições ou da condição sine qua non em que o facto é causal de um dano se for uma das várias condições da sua produção. O art. 563.º do CC, ao consagrar a formulação negativa da causalidade adequada, admite o que a doutrina e jurisprudência francesa designam de implicação, conceito lato segundo o qual um veículo implicado num acidente participa ou intervém materialmente, de qualquer forma e a qualquer título, na produção dos danos, ainda que não haja contacto, bastando que o condutor de um perturbe a circulação do outro (por ambos se encontrarem no mesmo perímetro de espaço e de tempo) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-18, Relator: FERNANDO BENTO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

180. O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-11-02, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

181. No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-01-13, Relator: AZEVEDO RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

182. O autor sentiu-se vexado com a publicação em causa, tendo recebido inúmeros contactos de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde depois de verem a capa da “T...” – facto provado nº 29.↩︎

183. O juízo de causalidade numa perspetiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.°, n° 1 e 722.º , n.°2 do Código de Processo Civil. Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.° do Código Civil – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-11-02, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

184. A matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, adotada no artigo 563.º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstrato, é causa adequada daquele resultado. Assim, enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este tribunal.– Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-11-24, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

185. Vide, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 1º Volume, 9ª edição, p. 630.↩︎

186. PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).↩︎

187. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.↩︎

188. Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.↩︎

189. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎

190. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎

191. A determinação pericial da “dor da alma” permite ajudar a resolver as grandes dificuldades em geral sentidas pelos tribunais, quer no que respeita ao nexo de causalidade, quer ainda à apreciação da gravidade das lesões – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎

192. ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 107/08↩︎

193. O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano – VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.↩︎

194. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 497, 499 a 501 e, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, pp. 428/29.↩︎

195. Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-13, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

196. A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., p. 571.↩︎

197. Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-05-24, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

198. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.↩︎

199. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar – BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.↩︎

200. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.↩︎

201. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

202. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

203. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

204. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

205. O tribunal considerou equitativa a indemnização de €40.000,00 atribuída a título de danos não patrimoniais, num caso em que do teor das notícias em causa, que foram vistas e ouvidas por cerca de 2.000.000 de pessoas, decorria, para o telespectador comum, que o autor, deputado, estava implicado em atos qualificáveis como crime e que, por isso, estava a ser objeto de inquérito pela Polícia Judiciária, que chegara a realizar buscas em sua casa, para tentar apurar factos concernentes a essa implicação; que a imagem dada, do autor, através das mesmas, diminuiu o seu crédito, como homem e como deputado; nos dias subsequentes à transmissão das notícias, o autor foi contactado por familiares, amigos, colegas de partido e membros de diversos grupos parlamentares, que se mostravam incomodados e chocados com o conteúdo daquelas; as declarações constantes das mencionadas notícias foram tema de conversa em todo o país e criaram, em muitas pessoas, um clima de desconfiança em relação ao autor; por efeito da difusão de tais notícias, o autor sofreu desgosto, revolta, indignação, humilhação e angústia; em virtude da emissão de tais notícias, o autor ficou vexado e ofendido no seu “pundonor” e no bom nome e reputação; a emissão das notícias e o respetivo impacto provocou no autor perturbações que se prolongaram no tempo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-04-29, Relator: OLIVEIRA ROCHA, Processo: 5583/04.3..., inédito.↩︎

206. O tribunal considerou adequada a atribuição de uma compensação de cerca de €25.000,00 pela causação de danos não patrimoniais ao autor, cuja mulher foi visada por artigos imputando-lhe a prática de adultério, tendo o lesado passado a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns clientes que o conheciam devido à vida pública que levava, pedido uma licença sem vencimento como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que passou a ser alvo e acabando por se separar da sua mulher – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj↩︎

207. O TEHD por acórdão de 27-07-2021 considerou excessiva a indemnização de €50.000,00 atribuída pelo STJ a título de danos não patrimoniais sofridos pelo autor, num caso em que foi divulgada por uma estação de televisão uma notícia que dava conta da existência de uma rede de pedofilia nos Açores, e em que o jornalista identificou o demandante, por lapso, como pertencendo ao grupo dos 12 suspeitos detidos pela Polícia Judiciária no âmbito do mencionado processo. Isto, num quadro em que existiu uma retificação da notícia feita pelo canal televisivo horas mais tarde e em que o demandante retomou o seu papel na política pouco tempo depois – Processo 29856/13, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22itemid%22:[%22001-211572%22]}.

Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revisão, fixou o quantitativo de tais danos na quantia de 10 000,00€ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-04-10, Relator: NELSON BORGES CARNEIRO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

208. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

209. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

210. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

211. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎