Sumário
I. Os embargos de executado constituem uma ação declarativa “enxertada” na ação executiva, mas estão estrutural e funcionalmente ligados à ação executiva de que são apenso, tendo como fim (único) a extinção da execução, podendo o executado, devedor presumido da dívida exequenda, invocar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da exequibilidade do título executivo, da inexistência da obrigação exequenda ou do direito do exequente.
II. Em sede de embargos de executado não pode existir a “formação” de um título executivo contra terceiro.
III. Tendo a ação executiva por dívida provida de garantia real, decorrente de crédito à habitação, e em que haja sido celebrado contrato de seguro de vida, sido instaurada contra o mutuário e o fiador depois de ter sido comunicada ao seguro a morte do outro mutuário e da seguradora ter declinado a sua responsabilidade contratual pela reparação do sinistro, com base na verificação de uma situação integradora de exclusão contratual, nos termos das Condições Especiais da apólice de seguro, não se verifica qualquer situação de inexigibilidade do crédito exequendo, nem se pode considerar que existe um exercício abusivo do direito pela exequente.
IV. Não é admissível a intervenção principal da seguradora nos embargos de executado deduzidos por apenso à referida execução, por não se mostrarem reunidos os requisitos de que a lei faz depender a sua admissibilidade, e não se mostrar compatível com a especial função e natureza da ação executiva.
V. Também não é admissível a intervenção da seguradora à luz do incidente de intervenção provocada acessória, para assegurar qualquer eventual direito de regresso do executado/embargante contra aquela, se nada foi alegado nesse sentido, e o que se pretende (e foi requerido) é a condenação da seguradora no pagamento da quantia exequenda, com extinção do processo executivo, à margem, pois, do regime regra do referido incidente.
Decisão Texto Integral
Acordam na 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
RELATÓRIO
Em 18.9.2023, por apenso aos autos de ação executiva para pagamento de quantia certa que LcAsset 1, SARL instaurou contra AA, BB e outros, vieram estes 1 deduzir embargos de executado contra a exequente e Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S.A, pedindo a final que os embargos fossem considerados procedentes, “devendo ser condenada a Seguradora Santander Totta Seguros, ao pagamento do valor em dívida exequenda extinguindo-se o processo executivo”.
A fundamentar os embargos, alegaram, em síntese e no que ora importa:
- Compulsados os autos, verifica-se que a dívida que ora é reclamada é a resultante do empréstimo que foi contraído para a aquisição de habitação própria permanente da executada AA e de seu falecido marido CC.
- Foi condição para que a entidade bancária concedesse tal empréstimo, a celebração de seguro de vida de ambos os mutuários, o que veio efetivamente a suceder, tendo sido celebrado seguro de vida entre estes e a Seguradora Santander Totta Seguros.
- Das condições gerais e especiais contratuais resulta que o seguro cobre os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva das Pessoas Seguras (a embargante e seu falecido marido), pelo que se encontra devidamente garantido o pagamento do empréstimo bancário que ora se encontra em execução.
- O marido da executada AA foi mortalmente atropelado, no dia ........2016, quando se encontrava na berma no IC2, Santa Lúzia, ao Km 200,4.
- Foi acionado o referido seguro por carta dirigida à 2.ª demandada a 26.08.2016, não tendo a seguradora, até hoje, assumido o pagamento da indemnização a que têm direito os seus sucessores, bem como o tomador do seguro, aqui exequente.
- A 2ª demandada estava obrigada ao pagamento da quantia em dívida à exequente, à data do óbito, o que não o fez, sendo apenas e tão só da sua responsabilidade a assunção daquela a título indemnizatório, sendo que, como resulta do RE, até à data do óbito do mutuário não existia qualquer incumprimento por parte dos mutuários, e o circunstancialismo que envolveu o decesso do marido da executada não se encontra excluído da cobertura da referida apólice.
- Foi no pressuposto legítimo, aquando da celebração do contrato de seguro, de que as causas de morte estariam abrangidas pelo contrato celebrado, que se celebrou tal contrato, não tendo sido explicado aos contraentes que existiam sequer exclusões de cobertura em caso de morte ou invalidez.
- Devem, assim, e dado que os embargos de executado configuram uma nova ação enxertada numa outra, esta executiva, ser admitidos os presentes embargos, deduzidos também contra a Seguradora, ainda que não exequente.
Em 1.5.2024, foi proferida sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da ação executiva quanto aos executados/embargantes.
Não se conformando com a decisão, apelou a embargante AA, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 25.10.2024, mantido a decisão recorrida.
A Embargante/apelante interpôs recurso de revista excecional, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A – O Acórdão proferido nos presentes autos encontra-se em manifesta contradição com os proferidos pela mesma Relação no processo 2212/19.4T8CBR-A.C1 da Relação de Coimbra e com o Acórdão da RC de 14/01/2014, Coletânea de Jurisprudência, 2014, tomo I, págs. 11 e seg.)”.
B - Os Embargos de Executado, são na sua verdadeira aceção processual a enxertia de uma nova ação judicial noutra pré-existente esta de cariz executivo, não sendo possível a utilização do expediente de chamamento à Demanda, pelo aqui Autor/Embargante/Executado naquele articulado, pelo que é admissível a sua dedução contra terceiro não executado.
C – Foram invocados factos relacionados com a negociação do crédito ora dado à execução, mormente, a obrigação de contratação de seguro de vida imposto pela Exequente.
D - Assim, e tendo sido já acionado tal contrato de seguro, é lícito nos termos das disposições processuais civis proceder à inclusão da seguradora na ação que se intenta, pois na esfera jurídica da mesma serão produzidos efeitos que obstam ao ganho de causa e pretensão da Exequente.
E - Caso, assim, se não entenda, com a conjunção das disposições legais ínsitas nos artigos 54.º n.º 1 e 731.º todas do Código de Processo Civil sempre se terá obrigatoriamente que admitir que a fundamentação da mesma constante se subsume do artigo 731.º do Código de Processo Civil.
F – “Se a oposição à execução se fundar noutro título que não seja a sentença ou injunção com fórmula executória, o executado pode deduzir embargos com base em qualquer dos fundamentos de oposição à execução daqueles títulos e bem assim, quaisquer outros que este possa usar como defesa na ação declarativa, na medida em que os embargos seguem esta forma processual. Pode, assim, o executado defender-se por exceção e por impugnação, alegando circunstâncias de facto que não resultam do título executivo, assim como pode deduzir pedido reconvencional, nomeadamente com vista à compensação com crédito de que seja titular contra o exequente.”
G - “A circunstância de o segurador se mostrar vinculado à obrigação de garantir ao mutuante a realização da prestação, não desvincula o mutuário segurado da obrigação garantida, nem impede o mutuante de acionar qualquer outra garantia que tenha sido prestada para assegurar a obrigação de restituição do capital mutuado e da remuneração acordada.”
H – “Nos casos em o mutuante impõe ao mutuário a celebração de contrato de seguro que assegure a obrigação de restituição do capital mutuado e a remuneração acordada, deve entender-se que a vontade usual das partes será a de que o mutuante se pague primeiro à custa do segurador.”
I – “Nessa eventualidade, se o mutuante executada o mutuário, este pode, com sucesso, deduzir oposição à execução, desde que alegue e prove que o segurador está efetivamente vinculado ao dever de prestar ao mutuante.”
Termina pedindo que o Supremo Tribunal decidia sobre as divergências levantadas pelos acórdãos em contradição.
A Embargada/apelada contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, e, em todo o caso, pela sua improcedência.
Remetidos os autos à Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC, foi proferido acórdão, em 12.2.2025, que admitiu a revista excecional quanto à “questão que contende com a matéria de admissibilidade de intervenção da seguradora, na qualidade de terceira, em ação executiva, em sede de defesa apresentada pela executada através de embargos”.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), e pelos termos em que a revista excecional foi admitida pela Formação, a questão a decidir é a da (in)admissibilidade da intervenção da seguradora, na qualidade de terceira, em ação executiva, nomeadamente em sede de defesa apresentada pelo executado através de embargos.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vêm dados como provados os seguintes factos:
1. Em 14 de fevereiro de 2023, a exequente “LcAsset 1, SARL” instaurou execução sumária contra DD, EE, FF, BB e AA, pedindo o pagamento da quantia de 98 469,75 € (Noventa e Oito Mil Quatrocentos e Sessenta e Nove Euros e Setenta e Cinco Cêntimos), com base em escritura de mútuo com hipoteca.
2. No âmbito da sua atividade creditícia, o Banco Santander Totta, SA”, por título particular de mútuo com hipoteca e fiança, de 18 de janeiro de 2007, concedeu um empréstimo à Executada AA e CC a importância de Euros 90.000,00, pelo prazo de 492 meses, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título (v. Doc. nº 6 junto com o requerimento executivo).
3. A taxa de juro contratada foi à taxa Euribor a 3 meses, acrescida do spread de 2,5%.
4. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada de 4% - vide documento n.º 6.
5. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato, a Executada AA e CC, constituíram, em ato simultâneo, hipoteca sobre o seguinte imóvel:
i) Prédio urbano descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...22, freguesia de ....
6. A hipoteca referida supra está registada a favor da Exequente pela AP. ... de 2006/12/07 (v. doc. 7 junto com o requerimento executivo).
7. Ainda para garantia do bom cumprimento das sobreditas obrigações, os Executados DD e EE constituíram-se fiadores e principais pagadores, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão previa, manifestando a sua vontade e acordo a quaisquer alterações das conduções expressas em quaisquer documentos, nomeadamente no respeitante ao juro compensatório neles convencionado ou ao prazo do empréstimo.
8. A quantia mutuada referida no aludido título foi efetivamente entregue aos mutuários, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem domiciliada na agência do Banco Cedente (v. Doc. nº 6, supra referido).
9. Os mutuários utilizaram os valores resultantes daquele crédito, confessando-se devedores das quantias recebidas perante o Banco Cedente – v. Doc. n.º 6.
10. Os mutuários interromperam o pagamento das prestações do empréstimo acima identificado em 02/08/2016, nada mais tendo pago, apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pelo Banco Cedente e pela exequente.
11. Tal situação determinou que a exequente considerasse vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga.
12. Por contrato de Cessão de créditos de 24 de junho de 2019, o banco Santander Totta, S.A., vendeu à exequente um conjunto de créditos vencidos de que era titular, nomeadamente, o que está aqui em causa e exposto no requerimento executivo – v. Doc. 1 junto com o requerimento executivo.
13. A exequente procedeu ao registo da referida transmissão junto da Conservatória do Registo Predial de ..., conforme - AP. ... de 2019/11/07.
14. Aquando do contrato de cessão de créditos celebrado, foi expedida para a morada constante do contrato celebrado e referido em 2., isto é, a morada conhecida da embargante, uma notificação a informar da realização da mesma nos seguintes moldes:
(cf. Doc. 1 da contestação).
15. No âmbito do processo de embargos de executado n.º 2212/19.4... foi proferida sentença que decidiu que, o crédito exequendo não era exigível, porquanto em momento anterior à entrada da ação executiva principal, a exequente e também aqui embargada, não havia obtido informação por parte da seguradora se assumia ou não o pagamento do sinistro (v. Doc. 2 junto com a contestação).
16. A execução n.º 2212/19.4... foi intentada em 21-03-2019, pela aqui embargada/exequente contra os executados DD e EE, com vista à cobrança de créditos no valor global de € 90.744,69 euros.
17. Entre a mutuante e a “SANTANDER TOTTA SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.” foi celebrado um “Seguro de Vida Crédito à Habitação – Vida Habitação Plus”, titulado pela apólice n.º ...01, ao qual aderiram como “pessoas seguras” os mutuários CC e AA.
18. Por carta remetida em 01/07/2021, pela Seguradora à executada AA, o processo de sinistro em causa foi dado como encerrado, uma vez que a Seguradora expressamente declinou a assunção de responsabilidade contratual pelo sinistro, por entender que o evento que causou a morte ao mutuário se deveu na totalidade ao próprio e que, portanto, se verificava a exclusão contratual prevista na Cláusula 7.1/d)/e) das “Condições Especiais – Cobertura principal de Morte” da apólice do seguro (v. Doc. 3 junto com a contestação).
19. O mutuário CC faleceu a ...-...-2016.
20. A morte do mutuário CC foi participada à seguradora a ...-...-2016.
21. Os herdeiros do mutuário falecido são a viúva AA (cf. Doc. n.º 3 junto com o requerimento executivo) e os filhos do casal FF e BB (v. Docs. 4 e 5 juntos com o requerimento executivo).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme referido no despacho de 6.1.2025 (refª ...06), o recurso de revista foi interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão do tribunal de 1ª instância que julgou totalmente improcedentes os presentes embargos de executado, determinando o prosseguimento da ação executiva quanto aos executados/embargantes, verificando-se uma situação de dupla conforme (art. 671º, nº 3, do CPC), tendo o recurso sido admitido pela Formação, como revista excecional, para apreciar e decidir da admissibilidade (ou não) da intervenção da seguradora, na qualidade de terceira, em ação executiva, nomeadamente em sede de defesa apresentada pelo executado através de embargos.
Nesta conformidade, o objeto do recurso restringe-se a esta questão, independentemente do âmbito (mais alargado) das conclusões 2.
A exequente LcAsset 1, SARL intentou a ação executiva de que os presentes embargos são apenso, com vista a obter o pagamento da quantia em dívida, resultante do contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação própria, celebrado entre o Banco Santander Totta, SA (que cedeu o seu crédito à exequente) e a executada AA e seu marido, CC, cujas prestações deixaram de ser pagas a partir de ........2016 (levando ao vencimento de todas as restantes), na sequência da morte do referido mutuário em ........2016.
Os executados AA e BB deduziram os presentes embargos de executado contra a exequente e Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S.A., invocando a existência de um seguro de vida de ambos os mutuários com a mencionada seguradora, por exigência do mutuário, que, por força das respetivas condições gerais e especiais contratuais, cobre os riscos de morte das pessoas seguras (a embargante e seu falecido marido), pelo que se encontra devidamente garantido o pagamento do empréstimo bancário referente à quantia exequenda, e pediu, a final, que os embargos fossem considerados procedentes, “devendo ser condenada a Seguradora Santander Totta Seguros, ao pagamento do valor em dívida exequenda extinguindo-se o processo executivo”.
A questão a decidir é, assim e apenas, a da admissibilidade (ou não, como entenderam as instâncias) da intervenção da seguradora, na qualidade de terceira, nos presentes embargos de executado, atendendo, necessariamente, ao alegado pelos apelantes na PI.
Apreciemos.
Dispõe o art. 817º do CC que “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.”.
É através da ação executiva que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (art. 10º, nº 4, do CPC), estabelecendo o nº 5 deste preceito legal que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”.
O título tem uma função constitutiva (não há execução sem título e o mesmo é condição suficiente da ação executiva, dispensando a indagação prévia sobre o direito que o exequente se arroga sobre o executado subscritor do mesmo), probatória (da dívida exequenda), e delimitadora (determina o conteúdo da obrigação exequenda, as partes e o objeto) 3.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do art. 728º do CPC, que “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”.
Os fundamentos da oposição variam conforme o título dado à execução, sendo que, no caso em apreço 4, fundamentos dos embargos podiam ser os especificados no art. 729º do CPC, na parte aplicável, ou quaisquer outros fundamentos que pudessem ser invocados como defesa no processo de declaração (art. 731º do CPC).
Os executados invocam nos embargos que nada devem, porquanto a seguradora demandada nos embargos estava obrigada ao pagamento da dívida exequenda, vencida após a morte do mutuário, marido da executada, por força do contrato de seguro do ramo vida celebrado, por imposição do banco mutuante/cedente, para garantia do empréstimo hipotecário contraído, e uma vez que o circunstancialismo que envolveu o decesso do marido da executada não se encontra excluído da cobertura da respetiva apólice.
Os embargantes, para além de invocarem a responsabilidade da seguradora no pagamento da dívida exequenda 5, deduziram os embargos também contra ela, e pediram a sua condenação a pagar a quantia exequenda.
Os embargos de executado constituem uma ação declarativa “enxertada” na ação executiva, embora correndo por apenso, visando a extinção da execução, no todo ou em parte (art. 732º, nº 4, do CPC).
Como escrevia Lopes Cardoso, em Manual de Ação Executiva, 3ª ed. atualizada, pág. 275, “Com os embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção. Os embargos apresentam a figura quase perfeita duma ação dirigida contra o exequente, em que este toma a posição de réu e passa a denominar-se «embargado» e em que o executado é autor, com o nome de «embargante»”.
A pretensão dos embargantes de que a seguradora demandada nos embargos seja condenada ao pagamento da quantia exequenda carece, em absoluto, de fundamento legal.
Os embargos de executado embora constituam uma verdadeira ação declarativa, estão estrutural e funcionalmente ligados à ação executiva de que são apenso, tendo como fim (único) a extinção da execução, podendo o executado, devedor presumido da dívida exequenda, invocar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da exequibilidade do título executivo, da inexistência da obrigação exequenda ou do direito do exequente.
Como escreve Amâncio Ferreira, em Curso de Processo Execução, 11ª ed., pág. 177, “Devendo a execução atuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou as eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exatamente da oposição à ação executiva”.
Neste sentido, José Lebre de Freitas, em A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., págs. 214/216, escreve que “Diversamente da contestação da ação declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à ação executiva, toma o carácter duma contra-ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título enquanto tal; … Quando a oposição tem um fundamento processual, o seu objeto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta de um pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da ação executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade.”.
Em sede de embargos de executado não pode, pois, provir decisão de condenação ao pagamento da quantia exequenda 6, muito menos de um terceiro, que não é parte na execução, não visando os embargos de executado a condenação deste ou a definição de direitos (não obstante defina, com força de caso julgado, a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda nos termos do nº 6 do art. 732º do CPC).
Ou seja, nos embargos de executado não pode existir a “formação” de um título executivo contra terceiro.
Aliás, mesmo em sede de ação declarativa, nenhum incidente da instância permite ao réu, fazer intervir na ação uma pessoa para demonstrar que é essa pessoa, e não ele, o responsável perante o autor.
O que a lei permite é que o réu chame terceiro como seu associado, ou do autor, ou para o auxiliar na defesa, através de incidente de intervenção de terceiros (arts. 316º, nºs 1 e 3, e 321º, nº 1, do CPC).
Na intervenção principal provocada, o réu pode chamar à ação, para além do litisconsorte necessário (art. 316º, nº 1, do CPC), o litisconsorte voluntário, demonstrando ter nisso interesse atendível (art. 316º, nº 3, al. a), do CPC), e para que a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa constitua caso julgado quanto ao interveniente, nos termos do art. 320º do CPC.
Como escreve Salvador da Costa, em Os Incidentes da Instância, 2013, 6ª ed., págs. 78/79, “Esta intervenção provocada passiva suscitada pelo réu abrange todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, quer com vista à defesa conjunta, quer para acautelar eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe assista contra eles”.
A intervenção principal provocada visa a intervenção de um terceiro como parte principal na causa, no caso, ao lado do réu 7.
No incidente de intervenção acessória provocada (art. 321º do CPC), o réu chama um terceiro a intervir na causa como auxiliar na defesa (ao seu lado), alegando ter ação de regresso contra o mesmo para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, desde que esse terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, produzindo a sentença proferida caso julgado quanto ao chamado nos termos do art. 323º, nº 4, do CPC.
Também neste caso o interveniente “é chamado para auxiliar a defesa do réu que o chamou, ou seja, para lhe proporcionar uma defesa conjunta e, por isso, reforçada” (Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 97).
Na intervenção acessória, o réu chama ao processo o titular passivo de uma relação jurídica conexa com a relação material controvertida, que tem por conteúdo o direito de regresso do réu contra esse terceiro, pelos prejuízos decorrentes da sucumbência na lide 8.
Os embargantes deduziram os presentes embargos de executado (também) contra a seguradora sem invocarem a que título o fazem, à margem de que incidente de intervenção de terceiros o fazem, apenas afirmando (na conclusão B), que “Os Embargos de Executado, são na sua verdadeira aceção processual a enxertia de uma nova ação judicial noutra pré-existente esta de cariz executivo, não sendo possível a utilização do expediente de chamamento à Demanda, pelo aqui Autor/Embargante/Executado naquele articulado, pelo que é admissível a sua dedução contra terceiro não executado.”.
Contudo, e tendo em atenção o que supra se deixou referido quanto à natureza dos embargos de executado, a intervenção de pessoa (singular ou coletiva) que não é parte na ação executiva, apenas pode ter lugar nos embargos de executado através de incidente de intervenção de terceiros, por força do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º do CPC, aplicável ao processo de execução ex vi do disposto no art. 551º, nº 1, do mesmo diploma legal - os embargos de executado embora constituam uma verdadeira ação declarativa, estão estruturalmente ligados à ação executiva de que são apenso, como suprarreferido.
Não é, porém, consensual a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro na ação executiva, e, nomeadamente na fase declarativa, como nos dá conta Rui Pinto, em A Ação Executiva, 2019, Reimpressão, págs. 303/309, e tomando posição sobre a questão, pronuncia-se, perentoriamente, pela não admissibilidade de “intervenções atípicas” de terceiros na ação executiva 9, bem como nos embargos de executado (págs. 405/406) 10.
Salvador da Costa, em Os Incidentes da Instância, 2013, 6ª ed., pág. 67, propende para a não admissibilidade dos incidentes da instância nas execuções, sustentando, no que se refere ao incidente de intervenção acessória provocada, que a sua estrutura é incompatível com a da ação executiva, incluindo na fase de embargos de executado (pág. 100).
Na jurisprudência, e ainda no âmbito do anterior CPC, preponderava o entendimento de que não eram admissíveis na ação executiva, mesmo em sede de embargos de executado, os incidentes de intervenção principal provocada (Ac. da RL de 21.4.2009, P. 11180/1008-1 (Anabela Calafate), em www.dgsi.pt), ou de intervenção acessória provocada (Ac. da RL de 11.10.2001, P. 0062482 (Lino Pinto), de 8.4.2003, P. 0024307 (Abrantes Geraldes), de 26.7.2003, P. 2441/2003-2 (Graça Amaral), e de 30.11.2006, P. 8135/2006-2 (Ana Paula Boularot), todos em www.dgsi.pt).
Não era, contudo, tal entendimento unânime, tendo-se entendido no Ac. do STJ de 1.3.2001, P. 3977/00 (Barata Figueira), em CJ-ASTJ, Ano IX, Tomo I, pág. 136 e ss., que “I- Não será de rejeitar in limine a possibilidade de, nos embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que esta seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução. II- Tal incidente é adequado a que o Executado possa opor como exceção liberatória da dívida exequenda a simulação do contrato originário para, com fundamento nela, ver decretada a sua anulação, da mesma forma que o podia fazer no processo declarativo. III- É o réu e não o autor quem pode provocar a intervenção acessória de terceiros no processo.”.
Posteriormente, ainda no âmbito do anterior CPC, os Acs. da RP de 28.4.2008, P. 0852357 (Sousa Lameira), da RP de 19.11.2009, P. nº 181-C/1995.P1 (Maria Catarina), da RL de 30.6.2010, P. nº 1706/04.0TTLSB-B.L1-4 (José Feteira), da RL de 14.2.2012, P. nº 24724/11.8YYLSB.L1-7 (Maria João Areias), e da RC de 4.6.2013, P. nº 320/10.6TBSRE-B.C1 (Carvalho Martins), em www.dgsi.pt, pronunciaram-se no sentido de ser admissível o incidente de intervenção de terceiros, em sede de embargos de executado, atentas as circunstâncias concretas do caso, quando tal se mostre indispensável e necessário à defesa do executado, e desde que se mostrem reunidos os requisitos de que a lei faz depender a sua admissibilidade e que se mostre compatível com a especial função e natureza da ação executiva.
E, mais recentemente, é esta posição que tem vindo a ganhar preponderância nos tribunais da Relação 11, como se pode constatar dos sumários dos acórdãos que a seguir se elencam, exemplificativamente, todos consultáveis em www.dgsi.pt 12:
Ac. RE de 15.11.2016, P. nº 802/05.1TBPSR-C.E1 (José Tomé de Carvalho): “Nas execuções por dívida provida de garantia real hipotecária, sempre que esteja em crise a manutenção do direito à habitação e interesses fundamentais relacionados com a proteção da vida familiar, havendo contrato de seguro do ramo vida, se na sequência do falecimento do tomador de seguro, o credor opta voluntariamente por não acionar a companhia seguradora com quem mantém relacionamento negocial privilegiado, preterição essa que à luz da boa fé e do equilíbrio contratual causa um impacto negativo aos executados de valor superior ao benefício que advém para o credor por intermédio dessa inação, é possível a intervenção do terceiro segurador co-responsável pelo pagamento da dívida titulada por esta ser uma providência adequada à realização coativa da obrigação devida e estar integrada na esfera de proteção do título executivo habilitante.”.
Ac. da RC de 20.03.2018, P. nº 5837/16.6T8CBR-A.C1 (Jorge Arcanjo): “I – O art. 54º, nºs 2 e 3, do nCPC (chamamento do devedor) prevê uma situação de litisconsórcio voluntário, pelo que podendo a execução ser instaurada inicialmente contra a devedora, em litisconsórcio voluntário passivo, e alegando os executados (terceiros garantes) interesse atendível no chamamento, em face da compensação de créditos, deve admitir-se o incidente de intervenção principal provocada da devedora na ação executiva. …”.
Ac. da RC de 22.10.2019, P nº 1896/18.5T8ACB-B.C1 (Maria João Areias):“1. Não se pode concluir, sem mais, pela inadmissibilidade, como princípio geral e absoluto, dos incidentes de intervenção de terceiro em processo de execução ou nos seus incidentes declarativos. 2. Para decidir da admissibilidade da intervenção acessória provocada na oposição à execução haverá que aferir se se encontram ou não verificados os respetivos pressupostos legais e se a intervenção tem a virtualidade de satisfazer algum interesse legítimo irrelevante”.
Ac. da RC de 7.09.2021, P. nº 4859/19.0T8VIS-A.C1 (Fonte Ramos): “1. Não será de rejeitar in limine a possibilidade de intervenção principal de terceiros, nos embargos de executado, se indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução. 2. Perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjetiva preliminar nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deva, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro de “danos próprios”, já acionado, deverá pagar a quantia pedida na ação executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora conjuntamente com o exequente e o tomador do seguro (executado). …”.
Ac. da RC de 5.4.2022, P. nº 2136/18.2TBACB-D.C1 (Teresa Albuquerque): “I - Em execução por dívida provida de garantia real, decorrente de crédito à habitação, e em que haja sido celebrado contrato de seguro de vida, não é admissível a intervenção principal da seguradora nos embargos de executado. II - Mas tendo direito de regresso sobre a seguradora pelo prejuízo que lhe possa causar a satisfação coativa da obrigação exequenda, pode o executado chamá-la a intervir acessoriamente nos embargos.”.
Ac. da RL de 7.3.2024, P. nº 919/18.2T8OER-E.L1-2 (Carlos Castelo Branco): “… VII) No âmbito da presente ação executiva, não se podendo entender que a seguradora (que, sem adquirir algum direito sobre as prestações correspondentes, se limitou a cobrir o risco de morte do mutuário e assegurou ao mutuante o pagamento das prestações em falta em razão do mútuo) esteja numa relação contitularidade com o mutuante, nem que seja sujeito passivo da relação jurídica controvertida e objeto da execução (entre exequente e executado), não se mostra admissível a intervenção principal da seguradora. VIII) Invocando o executado na petição de embargos que deduziu, nomeadamente, que o banco vinculou ou impôs ao mutuário a obrigação de constituir seguro de vida cobrindo o risco de morte pelo valor dos empréstimos, definindo a regra que vinculava as partes para a regularização da dívida em caso de morte do mutuário, considerando que o pagamento das prestações deveria ser efetuado pela seguradora e que dispõe de direito de regresso sobre a seguradora, verifica-se uma conexão entre a relação jurídica da titularidade do exequente e do executado/embargante (o contrato de mútuo) com a relação entre este e a seguradora (o contrato de seguro que teve por objeto garantir designadamente o evento morte do mutuário e a satisfação do interesse do credor no pagamento das prestações correspondentes ao mútuo concedido), que justifica a admissão do chamamento da seguradora, mediante o incidente de intervenção acessória. IX) Embora não derive da decisão a proferir nos embargos de executado a obrigação de pagamento das prestações do mútuo - que, no entender do embargante, se encontram cobertas pelo âmbito do contrato de seguro - se os embargos vierem a ser julgados improcedentes e a execução prosseguir, o embargante poderá, na perspetiva do interesse que evidenciou, instaurar uma ação declarativa autónoma para nela obter a condenação da seguradora no reembolso de tais montantes.”.
O que está em causa no presente recurso de revista é saber se é admissível a intervenção de terceiro (da seguradora) nos presentes embargos de executado, e na afirmativa, à luz de que incidente de intervenção de terceiros, sendo certo que nunca poderá proceder a pretensão dos Recorrentes de condenação daquele no pagamento da quantia exequenda, conforme suprarreferido.
Conforme resulta da factualidade provada, aquando da celebração do contrato de mútuo para aquisição de habitação própria permanente que serve de título à execução 13, os mutuários, para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato, constituíram (simultaneamente) hipoteca sobre o prédio descrito sob o nº ...22 da freguesia de ....
Ainda para garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo, os executados DD e EE constituíram-se fiadores e principais pagadores, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia.
E os mutuários celebraram com a Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. um “Seguro de Vida Crédito à Habitação – Vida Habitação Plus”, titulado pela apólice n.º ...01, ao qual aderiram como “pessoas seguras”, obrigação assumida nos termos da cláusula 12ª-Dois do contrato de mútuo, que estipula que “O Mutuário tem conhecimento de que constitui sua obrigação subscrever apólice de seguro de vida que tenha a “IC” como beneficiário, cobrindo, os risco de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, consoante o que tiver acordado com a “IC”, e até ao limite do capital mutuado e nas demais condições constantes do presente contrato”.
Para garantia do seu crédito, a mutuante exigiu aos mutuários a prestação de garantias reais e pessoais, do próprio e de terceiros, prevenindo a probabilidade de realização efetiva da prestação dos mutuários, e passando a beneficiar de uma posição jurídica fortalecida 14.
O contrato de seguro é o contrato pelo qual uma pessoa (singular ou coletiva) transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração.
Através do contrato de seguro, a seguradora obriga-se, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um determinado risco, e, caso o mesmo se verifique (sinistro), a liquidar ao segurado (que pode coincidir com o tomador) ou a um terceiro, o montante previamente estipulado, ou uma indemnização pelo prejuízo sofrido.
O seguro em causa é um seguro de vida de grupo, em que o tomador do seguro e beneficiário é o Banco Santander Totta, SA, relativamente ao capital em dívida “à data da ocorrência”, revertendo o capital remanescente existente para os herdeiros dos segurados.
Como se elucida no Ac. do STJ de 14.4.2015, P. nº 294/2002.E1.S1 (Maria Clara Sottomayor), em www.dgsi.pt, “…, contrato de seguro do ramo vida oferece uma particularidade relevante: trata-se de um seguro contributivo, em que o banco mutuante é o tomador do seguro – entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio; os mutuários do crédito concedido são o grupo segurável, i.e., as pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum; as pessoas mutuárias são aquelas cujo risco de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da receção das declarações de adesão ao grupo, quer dizer, do documento de consentimento da pessoa segura na efetivação do seguro – e que contribuem, no todo ou em parte, para o pagamento do prémio (art. 1.º, als. b), g) e h) do DL n.º 176/95, de 26 de Julho). Mas, este contrato não se define apenas por ser um contrato de seguro de grupo. O seu processo de formação apresenta especificidades, na medida em que as suas cláusulas não são negociadas com o segurado, que se limita a aderir ao contrato em bloco. Estes contratos são, portanto, contratos de adesão, cuja formação ocorre em dois momentos distintos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objeto de predisposição. A partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente e, portanto, o contrato deixou de regular exclusivamente os interesses do tomador e da seguradora, passando a regular os interesses do segurado, a cuja proteção a ordem jurídica confere primazia.”.
Por adesão ao contrato de seguro, as pessoas seguras (a embargante e o marido) tornam-se partes do contrato de seguro, mais concretamente, de contratos de seguro individuais.
Neste sentido, Margarida Lima Rego, em Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, 1ª Ed., 2010, pág. 828, escreve que : “… na sua quase totalidade, os contratos de seguro podem qualificar-se como contratos de adesão, pois o seu clausulado é previamente elaborado pelo segurador, não tendo o tomador quaisquer outras possibilidades para além de (i) celebrar o contrato nos exatos termos propostos; ou (ii) não celebrar de todo o contrato com aquele segurador. Se assim é, de um modo geral, esta situação mais se acentua sempre que o clausulado do contrato resulte do teor de um contrato-quadro previamente celebrado entre subscritor e segurador. Com efeito, aquilo a que se chama adesão dos participantes correspondem nestes casos, à pura e simples celebração de um contrato individual de seguro ao abrigo de um contrato-quadro”.
Sendo os segurados também beneficiários do seguro (ou os seus herdeiros por sua morte), assiste-lhes o direito de exigir da seguradora a liquidação do sinistro, mesmo que a favor do mutuante, uma vez que os libertará da obrigação de proceder ao pagamento do valor em dívida.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 17.9.2024, P. nº 6499/18.1T8GMR-B.G1.S1 (Henrique Antunes), em www.dgsi.pt, “A arquitetura do seguro de grupo revela uma estrutura triangular. Por força dela, tanto o tomador do seguro e o beneficiário do seguro como o segurado podem demandar o segurador e exigir dele a prestação convencionada, nada impondo, portanto, que só o segurado possa – ou deva - demandar o segurador. Assim como nada impede que aquele convença o tomador ou o beneficiário do seguro de que o segurador se constituiu no dever de prestar. E é-lhe lícito fazê-lo na contestação à execução que lhe tenha sido movida pelo mutuante, dado que a oposição à execução mais não é que um processo declarativo instaurado pelo executado, contra o exequente, que corre por apenso à execução (art.º 732 n.º 1, proémio, do CPC).”.
Revertendo à situação em apreço, cumpre sinalizar que, como resulta dos pontos 15 e 16 da fundamentação de facto, em 2019 a exequente intentou contra os executados ação executiva com vista a obter o pagamento da quantia exequenda, tendo a mesma sido extinta, porquanto, no âmbito do processo de embargos de executado apenso à referida ação executiva, foi proferida sentença que decidiu que, o crédito exequendo não era exigível, porquanto em momento anterior à entrada da ação executiva principal, a exequente e também aqui embargada, não havia obtido informação por parte da seguradora se assumia ou não o pagamento do sinistro 15.
Tal situação mostra-se, porém, ultrapassada, porquanto a ação executiva de que os presentes embargos são apenso foi proposta em 2023, tendo a seguradora, por carta remetida à executada AA, em 1.07.2021, informado que o processo de sinistro tinha sido encerrado, por ter declinado a assunção de responsabilidade contratual pelo sinistro, por entender que o evento que causou a morte ao mutuário se deveu na totalidade ao próprio, verificando-se, consequentemente, a exclusão contratual prevista na Cláusula 7.1/d)/e) das “Condições Especiais – Cobertura principal de Morte” da apólice do seguro.
Ou seja, a ação executiva de que os presentes embargos são apenso foi instaurada contra a mutuária e os fiadores depois de ter sido comunicada ao seguro a morte do mutuário e da seguradora ter declinado a sua responsabilidade contratual pela reparação do sinistro, com base na verificação de uma situação integradora de exclusão contratual, nos termos das Condições Especiais da apólice de seguro.
Não existe, pois, qualquer situação de inexigibilidade do crédito exequendo.
Tal como não se pode considerar que existe um exercício abusivo do direito pela exequente, na medida em que a demanda da mutuária e dos fiadores pela exequente ocorre depois da seguradora declinar a sua responsabilidade - com interesse sobre esta questão, cfr. os Acs. do STJ de 26.6.2014, P. nº 3220/07.3TBGDM-A.P1.S1 (João Bernardo), de 24.11.2016, P. 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1 (Tavares de Paiva), de 11.12.2018, P. nº 3049/15.5T8STB-B.E1.S1 (Fonseca Ramos), e de 4.7.2024, P. nº 781/12.9TBSXL-A.L1.S1 (Nuno Pinto de Oliveira), todos em www.dgsi.pt.
Conforme resulta do RI de embargos de executado, o que fundamenta o chamamento da seguradora a esta lide é a sua responsabilidade contratual pelo pagamento da dívida exequenda, em face da verificação do sinistro, pretendendo ver discutida a inexistência da alegada exclusão contratual, e, afigura-se-nos, a validade da própria cláusula de exclusão invocada.
O que os embargantes pretendem discutir nos embargos apenas reflexamente se prende com a relação jurídica controvertida na execução, com a causa debendi.
A intervenção principal de um terceiro como embargado (exequente) ou como embargante (executado) está restringida, em regra, às pessoas que constam do título executivo.
A seguradora não pode ser considerada litisconsorte de qualquer das partes na execução 16, nem consta do título que serve de suporte à ação executiva como devedora, pelo que a sua requerida intervenção, como parte passiva (ou mesmo ativa), não cumpre o estabelecido nas normas relativas à intervenção principal provocada, não sendo, pois, admissível.
Por outro lado, também não pode ser equacionada à luz do incidente de intervenção provocada acessória (art. 321º do CPC), para assegurar qualquer eventual direito de regresso dos executados/embargantes contra a seguradora, na medida em que tal não foi, sequer, alegado, e o que se pretende (e foi requerido) é a condenação da seguradora no pagamento da quantia exequenda, com extinção do processo executivo, à margem, pois, do regime regra do referido incidente.
Em conclusão, improcede a revista, devendo manter-se a decisão recorrida.
As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo dos recorrentes, por terem ficado vencidos – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar revista.
Custas pelos recorrentes.
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Lisboa, 2025.04.29
Cristina Coelho (relatora)
Ricardo Costa
Maria do Rosário Gonçalves
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
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1. E também a executada FF, tendo os embargos de executado quanto a esta sido indeferidos, por despacho liminar de 25.10.2023, por extemporaneidade.
2. Concordando-se, porém, com a Formação de que é de difícil apreensão a “intencionalidade subjacente à
pretensão recursiva”.
3. Com interesse sobre esta matéria, ver J. H Delgado de Carvalho, em Ação Executiva Para Pagamento de Quantia Certa, 2ª ed., rev. atualiz. e aumentada), págs. 283/295.
4. Em que o título executivo é a escritura de mútuo com hipoteca- art. 703º, nº 1, al. b), do CPC.
5. Pondo em causa a exequibilidade intrínseca da obrigação incorporada no título.
6. Julgados procedentes os embargos, determina-se a extinção da execução, julgados improcedentes, apenas se determina o prosseguimento da execução.
7. Não obstante os embargantes tenham deduzido os embargos de executado contra a seguradora (ao lado do autor/exequente), não tinham em vista, como resulta evidente, chamar à ação “possível contitular do direito invocado pelo autor” (art. 316º, nº 3, al. b) do CPC).
8. Com interesse ver Lopes do Rego, Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil, na Revista do Ministério Público, Ano 4º, Vol. 14, págs. 104/109, a propósito do incidente de chamamento à autoria previsto no CPC61.
9. Não previstas na lei, fora, portanto, das situações de alteração subjetiva da instância executiva previstas nos arts. 54º, nº 3, 342º, 343º, 745º, nºs 2 e 3, 786º, nº 1, als. a) e b), 850º, nº 2, e 351º e ss., do CPC.
10. Sem prejuízo de a admitir restritamente nos seguintes termos: “Supomos que, apenas do lado do executado o direito constitucional de defesa pode justificar que ele possa chamar outro devedor ao procedimento executivo. Nesse sentido, o ac. RP 28-4-2008/0852357 (SOUSA LAMEIRA) decidiu que “em processo executivo só excecionalmente se pode autorizar a intervenção de terceiros, quando indispensável e necessária à defesa do executado”. Porém, essa intervenção de terceiro terá de ser feita no âmbito de um incidente de defesa do executado – oposição à execução, oposição à penhora.” (pág. 308).
11. Nomeadamente em situações de contornos semelhantes aos dos presentes autos.
12. A que acresce o Ac. da RC de 2.6.2020 (Fonte Ramos), proferido no processo a que aludem os pontos 15 e 16 da fundamentação de facto, e que os Recorrentes invocam nas conclusões, que tem o seguinte sumário: “1. Verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais, as manifestas injustiças dos desequilíbrios reais. 2. Nas execuções por dívida provida de garantia real hipotecária, sempre que esteja em crise a manutenção do direito à habitação e interesses fundamentais relacionados com a proteção da vida familiar, havendo contrato de seguro do ramo vida, se, na sequência do falecimento do segurado/mutuário, o credor opta voluntariamente por não acionar a companhia seguradora com quem mantém relacionamento negocial privilegiado, preterição essa que à luz da boa fé e do equilíbrio contratual causa um impacto negativo aos executados de valor superior ao benefício que advém para o credor por intermédio dessa inação, é possível a intervenção do terceiro segurador co-responsável pelo pagamento da dívida titulada por esta ser uma providência adequada à realização coativa da obrigação devida e estar integrada na esfera de proteção do título executivo habilitante. 3. Perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjetiva preliminar, nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deva, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro, já acionado, deverá pagar a quantia pedida na ação executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora conjuntamente com o exequente/tomador do seguro, a que se encontre “umbilicalmente ligada”.
13. “Título particular”, que ao abrigo da Lei nº 16/04/1874, Decreto nº 7/1/1976 e DL nº 272/90, de 7.09, é considerada como escritura pública para todos os efeitos legais – Cfr. Ac. do STJ de 16.10.1990, P. nº 079542 (Meneres Pimentel), em Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
14. Ancorada no Decreto Lei nº 349/98, de 11.11, que regula a concessão de crédito à aquisição, construção, realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como a aquisição de terreno para construção de habitação própria permanente (art. 1º). Nos termos do disposto no art. 23º do mencionado diploma legal, “1 - Os empréstimos serão garantidos por hipoteca da habitação adquirida, construída ou objeto das obras financiadas, incluindo o terreno. 2 - Em reforço da garantia prevista no número anterior, poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo, ou outras garantias consideradas adequadas.”.
15. Decisão que perfilha o entendimento dos Acs. do STJ de 7.11.2019, P. nº 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2 (Ilídio Sacarrão Martins), e da RC de 12.1.2021, P. nº 3886/18.9T8CBR-A.C1 (Vítor Amaral), em www.dgsi.pt).
16. A “obrigação” da seguradora (por força do contrato de seguro e da verificação do risco) cumula-se com a obrigação dos mutuários (por força do contrato de mútuo), não desvinculando estes. Em todo o caso, a seguradora não tem um interesse igual ao dos executados, mas antes um interesse antagónico.