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Jurisprudência
Sumário

I. O erro de julgamento (error in iudicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

II. O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente, porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

III. Verificando-se os pressupostos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção/execução judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção desse procedimento.

IV. A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva.

V. Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado (tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC), para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – ut art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.

VI. Considerando que o legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artº 18º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25.10.

VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido),

VIII. o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.

Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

BANCO BNP PARIBAS PERSONAL FINANCE, S.A., instaurou processo executivo contra AA, dando à execução um requerimento injuntivo no qual foi aposta fórmula executória, com vista ao pagamento coercivo da quantia de € 1.196,86.


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Por escritura realizada no dia 11 de setembro de 2007, na sede da Caixa Económica do Montepio Geral1, BB, na qualidade de gerente e em representação da sociedade “R...Unipessoal,Lda”, declarou vender a AA e a CC, que declararam comprar, pelo preço de € 80.000,00, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao r/c direito, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da ..., concelho da ....

Pela AP. 41 de 2007/10/19, foi inscrita no registo predial, a aquisição da fração “A”, por compra, a favor de AA e de CC.


*


Pela AP. 43 de 2007/10/19, foi inscrita no registo predial, a favor do Montepio, hipoteca voluntária sobre a fração “A”, para garantia de pagamento de um empréstimo por este concedido a AA e a CC, no valor de € 113.535,20, para aquisição daquela fração.

Pela AP. 43 de 2007/10/19, foi inscrita no registo predial, a favor do Montepio, hipoteca voluntária sobre a fração “A”, para garantia de pagamento de um empréstimo por este concedido a AA e a CC, no valor de € 7.095,00.

Pela AP. 24 de 2014/05/13, foi inscrito no registo predial, o seguinte facto:

«(...) Penhora

Data da penhora: 2014/05/13

Quantia exequenda: 1.204.07 Euros

Sujeito Ativo: Banco BPN Paribas Personal Finance, S.A.

Sujeito Passivo: AA

(...)

Processo de execução nº 451/14.3TBMTA do Tribunal Judicial ... – 3º Juízo.

(..)

Recai sobre ½»;


*


Pela AP. ..21 de 2018/10/13, foi inscrita no registo predial, o seguinte facto:

«(...) Penhora

Data da penhora: 2014/05/04

Quantia exequenda: 3.450,28 Euros

Sujeito Ativo: Fazenda Nacional

Sujeito Passivo: AA

(...)

Penhora de ½

Processo de Execução Fiscal n.º ..............00 e apensos – Serviço de Finanças de ....

(...)»;


*


No dia 8 de janeiro de 2019, veio o Montepio, por apenso à ação executiva, reclamar créditos no valor de € 119.306,26, acrescido de juros vencidos e vincendos.

No dia 2 de outubro de 2019, o Montepio foi notificado da seguinte decisão da senhora agente de execução: «Pela presente, fica V. Exa. notificada, na qualidade de comproprietária do prédio descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..15/......08-A, que ao abrigo do disposto na alínea a), número 1, do artigo 849º, do Código de Processo Civil, conjugado com os artigos 846º e 847º, do mesmo diploma legal, os presentes autos foram declarados extintos por pagamento voluntário.»

Notificado dessa decisão, no dia 11 de Outubro de 2019 o Montepio apresentou o seguinte requerimento: «(...) tendo sido notificada da extinção da instância, vem, muito respeitosamente, requerer a V. Exa. se digne diligenciar pelo prosseguimento dos presentes autos para satisfação do seu crédito, nos termos e para os efeitos do artigo 850º, n.º 2 do Código de Processo Civil.»

No dia 21 de Janeiro de 2020, foi proferida decisão nos autos de incidente de habilitação de cessionário, que constituem o apenso B), a julgar a sociedade PANORAMA JUBILANTE, S.A., habilitada a ocupar, na ação principal, a posição de exequente, que então, após o requerimento de 11 de outubro de 2019, era ocupada pelo Montepio, depois de este lhe ter cedido, no dia 12 de Julho de 2019, dos créditos por este reclamados no dia 8 de Janeiro de 2019.


*


CC foi citada no dia 9 de Março de 2022, mediante contacto pessoal através do Consulado de Portugal em Paris, para se opor à habilitação do adquirente/cessionário e ainda nos termos e para os efeitos do artigo 54.º n.º 2.

*


No dia 23 de junho de 2002 foi lavrado, nos autos principais, auto de penhora, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Tribunal da execuçãoLisboa – ... – Juízo Execução – Juiz 2
Processo n.º451/14.3TBMTA
ExequentePanorama Jubilante, S.A.
ExecutadosAA CC
Limite da PenhoraDívida Exequenda 119.306,29 €Despesas prováveis 5.965,31 €Total previsto 125.271,60
Bens penhorados
VerbaEspécieDescriçãoValor
1ImóvelPenhora de ½ da Fração Autónoma, designada pela letra “A”, destinada a habitação com tipologia T2, n.º de pisos da fração: 1, área bruta privativa: 93,00 m2 e área bruta dependente: 4.9775 m2, no prédio urbano localizado Rua Cândido de Oliveira N.º 33, freguesia da Baixa da Banheira, concelho da Moita (...)A apurar
VerbasExecutado
Verba 1CC
ObservaçõesO bem acima mencionado, encontra-se penhorado à ordem dos presentes autos sob a inscrição AP. ..93 de 2022/06/23, conforme certidão predial que anexo.

Fica nomeada fiel depositária do bem descrito na verba 1 a Executada CC (...).


*


Pela Ap. ..93 de 2022/06/23, encontra-se inscrito no registo predial o seguinte facto:

«(...) Penhora

Sujeito(s) Activo(s): Panorama Jubilante, S.A.

(...)

Sujeito(s) Passivo(s): CC

Penhora de ½

Processo Executivo n.º 451/14.3TBMTA – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – ... – Juízo Execução – Juiz 2.»


*


No dia 16 de novembro de 2022, CC apresentou na ação executiva de que estes autos constituem apenso, um requerimento com o seguinte teor:

«1.º

A presente ação executiva foi instaurada em 01 de abril de 2014, sendo apresentado como título executivo a Injunção n.º 162586/13.1...

2.º

E indicado como executado AA (...).

3.º

No âmbito da execução, foi penhorado ½ indiviso da fração autónoma designada pela letra “A” (...)

4.º

Conforme a certidão de registo predial do imóvel, a penhora foi efetuada em 15 de maio de 2014 e incidiu sobre a metade pertencente ao referido AA, referência ......16.

5.º

Citada a credora com garantia real, a Caixa Económica Montepio Geral reclamou os seus créditos em 08-01-2019, indicando como requerido AA.

6.º

Notificada da extinção da execução por pagamento, a credora com garantia real veio requerer a prossecução da execução, em 11-10-2019, Ref.ª ......91.

7.º

Assim, a ora requerente não foi citada na execução nem notificada da reclamação de créditos, para efeitos de exercício do contraditório, o que pressupõe que tivesse sido citada na execução.

8.º

E tanto assim é que, em 04-12-2020, a credora habilitada veio requerer a extensão da penhora e “a citação do titular da outra ½ do imóvel, CC, para efeitos da sua intervenção na qualidade de executada, nos termos do disposto no artigo 54.º, n.º 2 do CPC”, cfr. ref.ª ......94.

9.º

Sobre o assim requerido, a senhora Agente de Execução solicitou despacho judicial, o que foi deferido, conforme as referências ......63, .......39 e .......82.

10.º

A senhora Agente de Execução comunicou nos autos o teor da carta de citação, onde consta que “Nos termos do disposto no art.º 228º do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 356º, n.º 1 do mesmo diploma legal, fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 10 dias contestar, querendo, a habilitação de adquirente/ cessionário acima identificada, podendo impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo”, cfr. as referências ......06 e ......12.

11.º

Paradoxalmente, no mesmo ato, em que é “citado para, no prazo de 10 dias contestar, querendo, a habilitação de adquirente/cessionário”, é também notificada da sentença que julgou habilitada a requerente.

12.º

Todavia, das certidões de registo predial constantes dos autos decorre que o imóvel está inscrito em nome AA, e da ora requerente, CC.

13.º

O imóvel foi adquirido em 11-07-2009, em regime de compropriedade, mediante crédito à habitação concedido pela Caixa Económica MG, ficando consignado que “se destina a sua habitação própria e permanente” (cláusula 1.ª do documento complementar).

14.º

Nesta casa nasceram os filhos dos ora Executados, DD, em ... de ... de 2000, e EE, em ... de ... de 2003.

15.º

Naturalmente, sendo a casa de morada de família, passou a ser o respetivo domicílio fiscal, a morada inscrita na Segurança Social, na respetiva Junta de Freguesia, e nos serviços de saúde, nomeadamente.

16.º

O artigo 1682.º-A, n.º 2, do Código Civil dispõe que “a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece de consentimento de ambos os cônjuges.”.

17.º

Além disso, o artigo 1403.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.”.

18.º

Assim sendo, os artigos 786.º, n.º 1, alínea a) e 787.º, n.º 1, do CPC impõem a citação do cônjuge do executado quando a penhora tenha recaído sobre um imóvel que é a casa de morada de família ou bem comum do casal.

19.º

Sob a epígrafe “estatuto processual do cônjuge do executado”, o artigo 787.º do CPC, determina:

(...)

21.º

Por um lado, é manifesta a falta de citação adequada, tal como está previsto nos artigos 786.º e 787.º do CPC; consequentemente, a citação efetuada é também nula.

22.

A falta de citação configura uma nulidade principal de conhecimento oficioso, arguível em qualquer estado do processo, desde que não esteja sanada, nos termos dos artigos 187.º, alínea a), 188.º, n.º 1, alínea a), 191.º, n.º 2, 2ª parte, 196.º, 198.º, n.º 2, e 200.º, n.º 1, todos do CPC.

23.º

Estabelece o artigo 734.º, n.º 1, do CPC, que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou aperfeiçoamento do requerimento executivo”, sem prejuízo do disposto no artigo 851.º do mesmo Código.»

Conclui assim:

«Nestes termos, nos demais de Direito e com o douto suprimento de Vossa Excelência, requer que a presente reclamação seja julgada procedente, com a consequente anulação dos atos de execução posteriores à data em que deveria ter sido citada.»

Na mesma data, CC juntou na ação principal, uma procuração forense passada a favor de advogado.


*


No dia 24 de abril de 2024, CC veio «ao abrigo do disposto nos artigos 729.º, alíneas c) e), e g) e 731.º, in fine, e 192.º do Código de Processo Civil, deduzir oposição à execução mediante embargos de executado», invocando:

- a violação do PERSI;

- a prescrição da dívida exequenda;

- a prescrição da obrigação de juros;

- que a cessão de créditos pelo Montepio à Panorama Jubilante, S.A., colocou os «cedidos em posição inferior»;

- a omissão de pronúncia quanto a juros;

- a mora do credor;

- a indevida liquidação da dívida exequenda.

Conclui assim:

«Nestes termos, nos demais de Direito e com o douto suprimento de Vossa Excelência, requerem:

1.º- Que os presentes embargos sejam julgados procedentes, por provados, com a consequentemente extinção da execução.

2.º- A suspensão da execução, ao abrigo do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do CPC»


*


Na primeira vez que os autos lhe foram conclusões, a senhora juíza a quo proferiu o despacho datado de 1 de junho de 2023, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

«Pelo exposto, não admito liminarmente os presentes embargos de executado.»


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A embargante apelou desse despacho, tendo o relator proferido a decisão sumária datada de 18 de outubro de 2023, que declarou nulo o despacho recorrido, por absoluta falta de fundamentação, de facto e de direito, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b).

*


Devolvidos os autos à 1.ª instância, foi proferida nova decisão, datada de 11 de Dezembro de 2023, cuja parte dispositiva é exactamente igual à da decisão anulada.

**


Desta decisão interpôs a embargante recurso de apelação, vindo a Relação de Lisboa, em acórdão, a proferir a seguinte

“DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência da apelação procedente:

- em revogar o despacho recorrido;

- em julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente na falta de integração dos executados AA e CC, no PERSI, em consequência do que os absolvem da instância executiva, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278.º, 1, al. e), 573.º, nº. 2, 576.º, nºs 1 e 2, 577º e 578º, do CPC. …”.

De igual forma, apreciou a Relação, em Conferência, da nulidade arguida no recurso de apelação, a qual julgou improcedente.


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Por sua vez inconformada, vem agora a Recorrente Panorama Jubilante, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

A. O Tribunal da Relação esteve não bem ao revogar a decisão da 1ª instância sobre o despacho recorrido bem como julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente na falta de integração dos executados AA e CC, no PERSI, em consequência absolvê-los da instância executiva.

B. Considera a Recorrente que não só o acórdão objeto de recurso padece de nulidade como também de excesso de pronúncia.

C. É entendimento da Recorrente que o tribunal de recurso não de deveria ter pronunciado sobre questões que impliquem a decisão do mérito da causa quando sobre esse tema a exequente não teve oportunidade de contestar.

D. Ora, após os indeferimentos liminares dos embargos nunca houve notificação da exequente para contestar, assim os factos alegados nos embargos nunca chegaram ao conhecimento da exequente para pronúncia.

E. Pelo que, ficou demonstrado de forma inequívoca e cabal que a Recorrente nunca teve forma de apresentar defesa sobre matéria de direito claramente sujeita a prova.

F. Em face do exposto, deverá ser o recurso ser julgado procedente e o acórdão revogado, decidindo, o tribunal ad quem , apenas sobre a matéria objecto da decisão do tribunal a quo sobre do indeferimento liminar da petição de embargos por extemporânea, decisão por duas vezes proferida pelo tribunal a quo, não tendo este tribunal sequer pronunciado sobre a matéria de facto e de direito alegada na petição, nem, e por consequência, o Recorrente sido notificado para contestar, sobre a matéria alegada, nomeadamente o cumprimento do PERSI, matéria de direito, sujeita a prova e sobre a qual a tem direito à defesa, e que nos termos do art. 195º do CPC, a falta de notificação para contestar gera nulidade processual.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:

Da violação do princípio do contraditório (por ausência de notificação da exequente para contestar os embargos).

Da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia (por se ter pronunciado sobre a falta de integração dos executados no PERSI e suas consequências).

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

A factualidade relevante é a que decorre do antecedente relatório e que aqui se dá por reproduzida.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Da alegada violação do princípio do contraditório (por ausência de contestação da exequente para contestar os embargos)

Alega a recorrente que não foi notificada para, querendo, contestar os embargos (o que, no seu ver, implica a nulidade do todo o processado “após a petição de embargos, da qual a recorrente não foi notificada face aos indeferimentos liminares”).

Sem razão, porém – como vem explicado no acórdão da conferência, na Relação, que apreciou da invocada nulidade do acórdão, anotando-se que a motivação das alegações da revista são a reprodução do que a recorrente alegara na Relação para fundamentar aquela nulidade.

Rematou a decisão recorrida:

« Importa desde já afirmar expressamente, para que dúvida alguma subsista, que o alegado pela recorrente não tem correspondência com a realidade que os autos evidenciam, raiando a litigância de má-fé».

E explica:

« No dia 24 de abril de 2024, CC veio «ao abrigo do disposto nos artigos 729.º, alíneas c) e), e g) e 731.º, in fine, e 192.º do Código de Processo Civil, deduzir oposição à execução mediante embargos de executado».

Alega, além do mais, e no que para aqui e agora interessa, o seguinte:

«A credora com garantia real alegou que “a última prestação paga data, respectivamente, de 11-08-2012 e 11-07-20122,” fixando assim a data de incumprimento dos créditos.

Como já foi alegado, o crédito só foi reclamado em 08-01-2019.

Contudo, em 01 janeiro 2013, entrou em vigor o Decreto-Lei 227/2012 de 25 outubro, que que instituiu e regula o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

O contrato de crédito celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e os Executados está abrangido pelos contratos previstos no artigo 2.º do citado DL 227/2012.

A Exequente não cumpriu a obrigação de integrar os Executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.

Assim sendo, a Credora hipotecária estava impedida tanto de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, como de instaurar a presente ação executiva e de ceder o crédito a instituições não reconhecidas pelo Banco de Portugal como Instituição de Crédito, nos termos do artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei.

A habilitada e atual exequente, Panorama Jubilante, S.A., não é uma instituição de crédito.

É pacífico que “a preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão”, cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-09-2020, processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, citado na sentença».

Na primeira vez que os autos lhe foram conclusos, a senhora juíza a quo proferiu o despacho datado de 1 de junho de 2023, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

«Pelo exposto, não admito liminarmente os presentes embargos de executado.»

No dia 16 de junho de 2023 a embargante apelou dessa decisão.

No dia 4 de julho de 2023 foi proferido o seguinte despacho:

«Por legal e tempestivo admite-se o recurso de apelação o qual tem efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), 647.º, n.º 1, do C.P.C. aplicáveis ex vi artigos 852.º e 853.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Em relação às nulidades apontadas crê-se que atentos os fundamentos de facto e de direito constantes da sentença, as mesmas não se verificam.

Contudo, V.ss.ª Ex.ªs melhor apreciarão.

Notifique sendo a exequente também do requerimento de embargos e da decisão de indeferimento».

No mesmo dia 4 de julho de 2023 a Panorama Jubilante foi notificada desse despacho, na pessoa da sua ilustre mandatária, através de transmissão eletrónica de dados, nos seguintes termos:

«Fica V. Ex.ª notificado para os termos do processo acima identificado, movido pelos fundamentos constantes da petição inicial cujo duplicado se junta.

Atendendo a que a petição foi indeferida liminarmente e o autor interpôs recurso, é também notificado para os termos do recurso (nº 7 do artº 641º do CPC).

O prazo para a contestação inicia-se com a notificação em primeira instância de que foi revogado o despacho de indeferimento (nº 1 do artº 569º CPC).

Com a contestação, deverá o citando, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, de acordo com o artº 572º do Código de Processo Civil.

Junta-se ainda cópia do despacho de indeferimento e duplicado do requerimento da interposição de recurso».

Como é possível vir agora a Panorama Jubilante afirmar que não foi notificada para contestar os presentes embargos de executado?

Trata-se, por certo, de uma simples distração ou desatenção, quando não a sua postura não poderia deixar de ser considerada litigância de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CPC.

Acontece que, notificada nos termos e para os efeitos acima enunciados, a Panorama Jubilante remeteu-se ao silêncio, pois:

- nem contestou os embargos de executado;

- nem apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela embargante.

Os embargos foram remetidos a este tribunal ad quem, onde, no dia 18 de outubro de 2023, o ora relator proferiu decisão singular, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

«Pelo exposto:

- anula-se o despacho de indeferimento liminar recorrido, por absoluta falta de fundamentação de facto e de direito – art. 615º, nº 1, al. b) do CPC;

- determina-se a devolução dos autos ao tribunal recorrido fundamentação daquele despacho, nos termos indicados nesta decisão singular».

O processo baixou à 1.ª instância, onde, no dia 11 de dezembro de 2023, foi proferida nova decisão, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

«Pelo exposto, não admito liminarmente os presentes embargos de executado».

Uma vez mais inconformada, no dia 11 de janeiro de 2024 a embargante recorreu dessa decisão, alegando, no que para aqui e agora interessa, que «não obstante, a eventual extemporaneidade dos embargos não prejudica o conhecimento da questão da violação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), suscitada nos embargos.».


*


É mais que evidente a razão da Relação, pois o explanado mostra, à saciedade, a falta de razão da Recorrente ao sustentar não ter sido notificada para contestar os embargos. Pois o foi, seguramente.

Assim improcede esta questão.

Da alegada nulidade do acórdão por excesso de pronúncia (por o mesmo se ter pronunciado sobre a falta de integração dos executados no PERSI e suas consequências)

Sustenta a Recorrente que “não podia o Tribunal da Relação pronunciar-se sobre o mérito da causa”. Dito de outra forma, entende a recorrente que a Relação, para além de revogar “a não admissão os embargos”, “também ainda conhece da excepção dilatória” (qual seja, do incumprimento do PERSI – melhor, da omissão de integração do cliente incumpridor no PERSI por parte da entidade bancária).

E bem andou em conhecer – como bem o demonstra o acórdão recorrido, com que se concorda na íntegra.

Efectivamente, da matéria factual patenteada nos autos e plasmada supra, temos (para o que ora releva) que:

- O BANCO BNP PARIBAS PERSONAL FINANCE, S.A., instaurou ação executiva contra AA, com vista ao pagamento coercivo da quantia de € 1.196,86;

- Por escritura realizada no dia 11 de Setembro de 2007, BB, na qualidade de gerente e em representação da sociedade “R...Unipessoal,Lda”, declarou vender a AA e CC, que declararam comprar, pelo preço de € 80.000,00, a fração “A”;

- Pela AP. 41 de 2007/10/19, foi inscrita no registo predial, a aquisição da fração “A”, por compra, a favor de AA e de CC, solteira, maior;

- Pela AP. 43 de 2007/10/19, foi inscrita no registo predial, a favor do Montepio, hipoteca voluntária sobre a fração “A”, para garantia de pagamento de um empréstimo por este concedido a AA e a CC, no valor de € 113.535,20, para aquisição daquela fração;

- Pela AP. 43 de 2007/10/19, foi inscrito no registo predial, a favor do Montepio, hipoteca voluntária sobre a fração “A”, para garantia de pagamento de um empréstimo por este concedido a AA, solteiro, maior, e a CC, solteira, maior, no valor de € 7.095,00;

- Pela AP. 24 de 2014/05/13, foi inscrito no registo predial, o seguinte facto:

«(...) Penhora

Data da penhora: 2014/05/13

Quantia exequenda: 1.204.07 Euros

Sujeito Ativo: Banco BPN Paribas Personal Finance, S.A.

Sujeito Passivo:

AA

(...)

Processo de execução nº 451/14.3TBMTA do Tribunal Judicial ... – 3º Juízo.

(...)

Recai sobre ½»;

- No dia 8 de Janeiro de 2019, o Montepio veio, por apenso à ação executiva, reclamar créditos no valor de € 119.306,26, acrescido de juros vencidos e vincendos;

- No dia 2 de Outubro de 2019, o Montepio foi notificado da decisão da senhora agente de execução, de que os autos de execução foram declarados extintos por pagamento voluntário.

- Notificado dessa decisão, no dia 11 de Outubro de 2019, o Montepio apresentou requerimento a solicitar seja diligenciado pelo prosseguimento da execução satisfação do seu crédito, nos termos e para os efeitos do artigo 850º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

- Entretanto, foi proferida sentença que habilitou como cessionária PANORAMA JUBILANTE, S.A., a ocupar a posição de exequente que, após o requerimento de 19.19.2019, passou a ser ocupada pelo Montepio.

- Em 23.06.2022 foi lavrado auto de penhora em que consta como exequente a referida cessionária PANORAMA JUBILANTE, S.A., e como executados AA e CC, para pagamento das quantias em dívida referentes aos empréstimos que o Montepio a estes havia concedido, referidos supra.

- CC apresentou oposição à execução mediante embargos, onde, além do mais, suscitou a questão da violação do PERSI, afirmando tratar-se de uma questão se conhecimento oficioso, peticionando, a final, “que os presentes embargos sejam julgados procedentes, …com a consequente extinção da execução”.

- A senhora juíza, porém, limitou-se a indeferir liminarmente os embargos de executado, por extemporaneidade, decisão que levou a recurso de apelação da executada/embargante, tendo a Relação anulado o despacho recorrido e determinado a devolução dos autos à 1ª instância, para que a decisão fosse devidamente fundamentada, vindo, após, a 1ª instância a decidir, de novo, pelo indeferimento liminar dos embargos de executado, o que levou a nova apelação da embargante, de cuja decisão vem interposta a presente revista.


**


Assim, razão tem a Relação ao considerar que, uma vez que nem o Montepio, nem a Panorama Jubilante (cessionária do crédito que aquela entidade bancária tinha sobre os executados AA e de CC), demonstraram – nem sequer alegaram – a integração desses executados/mutuários no PERSI, não restava senão julgar verificada a excepção dilatória inominada que tal falta consubstancia, com a consequente absolvição dos executados da instância executiva.

E, portanto, por assim ter procedido, não se vislumbra a invocada incorrência na nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

Assim também já foi decidido, inter alios, no processo 1141/21.6..., também relatado pelo ora relator, em situação muito similar à dos presentes autos: também ali foi apresentada oposição à execução mediante embargos de executado em que era exequente a aqui exequente Panorama Jubilante, SA, que havia adquirido (por cessão) os créditos que a Caixa Económica Montepio Geral tinha sobre os executados decorrentes de mútuos que lhes efectuara.

Ora, decorre da conjugação dos art.° 666° e 615°, ambos do Código de Processo Civil que o acórdão é nulo quando, designadamente, a fundamentação esteja em oposição com a decisão, ou a Relação conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Resulta do art.° 608° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi arts. 663°, n° 2 e 679º, do mesmo Código) que no acórdão devem ser resolvidas todas as questões que o apelante tenha submetido à apreciação da Relação, não podendo ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.

Ou seja, sem embargo de o cumprimento do ónus de alegação a que respeitam os arts. 639° e 640° do Código de Processo Civil representar a delimitação das questões submetidas à apreciação da Relação, no que respeita às que estão abrangidas pelo princípio do dispositivo, sempre que impere o princípio da oficiosidade relativamente a qualquer questão não alegada, tem a Relação, ou o Supremo, o dever de conhecer da mesma em sede do recurso. O que significa que o vício que pode ser assacado à decisão assim proferida não corresponde à nulidade da mesma, por excesso de pronúncia, mas a um eventual erro de julgamento quanto ao decidido.

Isso mesmo decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/9/2010 (disponível em www.dgsi.pt), referindo que não "há que confundir erro de julgamento na matéria de facto com o excesso de pronúncia a que se refere o artigo 668° n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil!

O erro de julgamento (error in iudicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador”.

O que a Recorrente apelida de excesso de pronúncia mais não é, afinal, do que a suscitação de erro de julgamento (error in iudicando) – na vertente da aplicação do direito (error iuris).

O que a Relação fez foi somente desenvolver razões ou argumentos que reputou relevantes para a apreciação e decisão das questões que no recurso de apelação lhe foram solicitadas pela apelante/embargante. E uma dessas questões foi, precisamente, a da violação do PERSI.

Aliás, a aqui recorrente apenas põe em causa a possibilidade de a Relação tomar conhecimento (como tomou) da questão da violação do PERSI, dizendo que, sendo uma questão, a seu ver, nova, não era passível de ser conhecida.

Ou seja, não alarga, propriamente, a revista a outros aspectos – v.g., o de saber se por não ser a recorrente/cessionária (Panorama Jubilante, SA) uma instituição de crédito, não estaria abrangida pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (caso em que, então, nada obstaria à cessão de créditos (pela mutuante Caixa Económica Montepio Geral) antes da integração dos executados no PERSI, podendo, como tal, prosseguir a execução desde que fossem asseguradas ao devedor garantias idênticas às previstas naquele diploma).

Percute-se: o que, no essencial, a recorrente questiona é se a exepção dilatória inominada que a falta de integração do cliente bancário no PERSI consubstancia é, ou não, de conhecimento oficioso.

Temos entendido – e mantemo-nos messe entendimento – que o é.

Como vem sustentado no acórdão recorrido.

Escreveu-se ali:

«É hoje entendimento, se não unânime, pelo menos esmagadoramente maioritário, que no caso de crédito hipotecário bancário, a não integração, pela entidade bancária mutuante, do devedor no PERSI, constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso.

A este propósito, veja-se o esclarecedor Ac. desta Relação e Secção, datado de 29.09.2020, proferido no Proc. n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7 (…), acessível em www.dgsi.pt, superiormente fundamentado com várias referências jurisprudenciais, onde se afirma que «a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória.

E porque essa integração é obrigatória, verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI – cf. art. 18º, nº 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.

Com efeito, estatui o referido art. 18º do DL 227/2012, sob a epígrafe “Garantias do cliente bancário”:

(…).

Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor.

De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.

(…).

Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do CPC, de tal modo que, tal como sustentam os recorrentes, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.

Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, relator Mata Ribeiro, processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1:

“Por isso, havemos de concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de sujeição do devedor ao PERSI - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.

Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.

Deste modo, estando em causa uma exceção dilatória inominada, o Julgador podia conhecer dela no âmbito do processo executivo […]”.

Em idêntico sentido pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, relatora Conceição Ferreira, processo n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1, de 16-05-2019, relator José Manuel Barata, processo n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1, de 31-01-2019 e de 21-05-2010, relator Tomé de Carvalho, processos n.º 832/17.0T8MMN-A.E1 e n.º 715/16.1T8ENT-B.E1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-05-2019, relatora Judite Pires, processo n.º 21609/18.0T8PRT-A.P1; e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2020, relatora Ana Lucinda, processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1, referindo-se, neste último: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito.

Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. Uma excepção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.”»

Verifica-se, pois, que ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, podia e devia o tribunal de 1ª instância ter apreciado a verificação da excepção dilatória inominada em referência, mesmo que então já se mostrasse ultrapassado o prazo para a dedução de embargos de executado, podendo fazê-lo no âmbito da própria execução, porquanto ao momento ainda não tinha ocorrido qualquer acto de transmissão do bem penhorado.

Porque se trata de questão de conhecimento oficioso que o tribunal recorrido não apreciou (...) e dado que os autos fornecem os elementos necessários para tanto, considerando que o[s] recorrente[s] pugna[m] nas suas alegações, precisamente, pela verificação dos pressupostos para a sua integração no PERSI, questão suscitada nos requerimentos em apreço e sobre a qual a exequente/recorrida teve oportunidade de se pronunciar (...), não tendo (...) apresentado contra-alegações, passa-se a conhecer de tal questão, tendo presente o estatúido no artº 665º, nº2 do CPC».

Assim, portanto, não ocorre a apontada nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.


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Sempre se diga (mais por obter dictum) o seguinte:

Estamos perante uns embargos de executado deduzidos pela executada/embargante (ora recorrida) CC à execução movida por Panorama Jubilante S.A. contra a mesma e contra AA, na qualidade de devedores e titulares do direito de propriedade sobre a fração onerada pelas hipotecas que garantem os créditos adquiridos pela Exequente à Caixa Económica Montepio Geral.

A execução foi instaurada sem que a Caixa Económica Montepio Geral tenha procedido à integração dos devedores no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), regulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, antes de realizada a cessão de tais créditos pela Caixa Económica Montepio Geral à exequente Panorama Jubilante S.A.

Ora, a Caixa Económica Montepio Geral, ao não integrar o devedor/executado no PERSI antes de ceder à Exequente os créditos que detinha sobre o Executado – estando obrigada a fazê-lo por força do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 e outubro – , violou o artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, razão pela qual a Exequente estava impedida de intentar ação executiva – ou (como foi o caso) de requerer a renovação da execução , que entretanto havia sido declarada extinta por pagamento – por força da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 18.º, o que leva (como levou) à procedência dos embargos, com a absolvição dos Executados da instância executiva.

Efectivamente, o Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013 – ut artigo 40º), veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras2.

Tal procedimento constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (art.ºs 14º, 15º e 16º do DL227/2012, de 25.10)3.

Como se observou no Acórdão do STJ de 09.02.20174, foi propósito do legislador com o DL nº 227/2012, “obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na acepção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31.07, alterada pelo DL nº 67/2003 de 08.04), salvaguardando, através dos mecanismos nele criados, a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.

Ou seja, instituiu-se um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».

Desta forma, o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada5.

O artigo 1º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».

Na alínea b) do nº1 do artigo 2º integram-se os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI.

No artigo 18º do mesmo diploma, dispõe-se sobre as garantias do cliente bancário6-7.

Verificando-se os pressupostos do PERSI, é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (ut artigo 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012), sendo que a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção. É que tem de considerar-se a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI, procedimento que só se extingue em situações tipificadas na lei (ut artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 272/2012), sendo que a extinção só produz efeitos, de molde a permitir ao Banco propor acção executiva, se for comunicada ao cliente nos termos legalmente exigidos (artigo 17.º, n.º 3, do citado diploma).

Ou seja, tendo lugar a falta de pagamento das prestações devidas pelo devedor, a integração do devedor em mora no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) é obrigatória (art. 12° e 14°, n° 1) e a execução apenas pode ser instaurada após a extinção daquele procedimento (art. 18o, n° 1, al. b), como tem sido assinalado pela jurisprudência, de modo que se nos afigura pacífico.

E sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, como igualmente vem sendo decidido, de modo pacífico, pela jurisprudência8.

Dúvidas não há de que à data da cessão de créditos feita pela mutuante Montepio Geral à Exequente Panorama Jubilante S.A. (12.07.2019), os executados/devedores estavam em mora no pagamento das prestações devidas pelos contratos de financiamento que haviam celebrado com a mutuária.

E sendo assim, parece claro que a execução não podia prosseguir a impulso da cessionária (Panorama Jubilante S.A.) sem que a entidade cedente (Caixa Económica Montepio Geral), enquanto instituição de crédito, não integrasse os devedores no PERSI (ou seja, não os integrasse antes da cessão dos créditos).

Na verdade, uma entidade que não seja uma instituição de crédito (no caso, a Panorama Jubilante S.A.) e que haja adquirido um crédito a uma instituição de crédito (o Montepio) sem que esta tenha integrado o cliente bancário incumpridor no PERSI, estando obrigada a fazê-lo, não pode prosseguir com a execução.

Dúvidas não restam, portanto, de que a mutuante Caixa Económica Montepio Geral, enquanto instituição de crédito, estava obrigada a integrar os (seus) clientes mutuários no PERSI e que assim não procedeu.

Como não parece haver dúvidas que o legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no já citado artº 18º (Garantias do Cliente bancário), no fito da proteger a parte mais débil na relação contratual bancária, pondo-o a coberto de eventuais abusos das instituições de crédito na concessão de crédito, e, outrossim, evitando eventual cessão de créditos para outras entidades (a um “terceiro”, diz a al. c) do cit. art 18º, nº1) que não sejam instituições de crédito, sem que antes se inicie e extinga o PERSI.

Com efeito, o legislador foi, não apenas exigente, mas igualmente claro e peremptório: não é possível instauração de acção para cobrança do crédito (b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito) sem que o cliente bancário tenha sido inserido no PERSI, e bem assim “Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito” – como ocorreu in casu, em que a instituição de crédito mutuante cedeu ao terceiro (isto é, a quem não é uma instituição de crédito - a exequente) a totalidade do crédito que detinha sobre o devedor/executado.

Como bem refere o Ac da Relação de Coimbra, de 8.3.2022 (proc. 824/20.2T8ANS.C1), num caso de todo similar ao destes autos, acompanhando ANDREIA SOFIA LÚCIO ENGENHEIRO inO crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento”, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito na área de Ciências Jurídicas Empresariais - Universidade Nova de Lisboa9 - citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2020, disponível em www.dgsi.pt:

… a entidade bancária não podia ter cedido o crédito dos autos à exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais, não podendo a ora exequente escudar-se na circunstância de não ser uma entidade de crédito para, desde modo, evitar que sejam cumpridas as exigências legais.

“Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art. 18.º, n.º 1, al. a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).

Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.”.

Acrescentando o segundo dos arestos que “«A razão de ser desta última exceção permitir a cedência ou a transmissão do crédito de cliente bancário integrado em PERSI –, justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento o que poderá ser vantajoso em situações em que o cliente bancário consiga melhores condições com outra instituição de crédito –, pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI.(…).”.

Concorda-se inteiramente.

Donde se concluir que o legislador do Dec.-Lei nº 227/2012, de 25.10 visou impedir/proibir que houvesse lugar à cessão de créditos, também a terceiros que não sejam instituições de crédito, e, outrossim, à instauração da acção ou execução antes de o devedor em incumprimento ter sido integrado no PERSI e durante a execução deste procedimento, isto é, antes de o mesmo ter sido declarado extinto.

E disse-o sem rodeios ou brechas (“lacunas”), de forma que não há lacuna na lei a colmatar por via de uma hipotética interpretação “extensiva”.

Se assim não fosse, é evidente que bastaria que a mutuante simulasse uma cedência dos créditos a um terceiro que não fosse uma instituição de crédito para tornear a proibição legal de prosseguimento de acção ou execução contra o devedor em incumprimento sem que este tenha sedo integrado no PERSI e durante a sua execução. Não duvidamos que seria uma clara fraude à lei. Era uma claríssima forma de deixar entrar pela janela o que proibiu que entrasse pela porta, sob pena de se frustrar completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.

Como tal, não pode aceitar-se como admissível a cedência do crédito à exequente/Embargada Panorama Jubilante, S.A., por banda da mutuante Caixa Económica Montepio Geral, sem que desse cumprimento ao PERSI (e antes de o mesmo ser declarado extinto), daí a ausência de procedibilidade por banda da Exequente.

E, como dito e redito, estamos perante uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, donde nada impedir a Relação de dela ter tomado conhecimento, como tomou, o que conduziu à decisão recorrida que, como tal, se aceita.

*

Em suma: considerando-se que não teve lugar a integração dos executados/devedores no PERSI e que, a ter tido lugar essa integração, sempre se impunha, antes da sua extinção, quer a comunicação daquela integração, quer a da sua extinção – cumprimento destes procedimentos que constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva) – , não tendo sido dado cumprimento a tais procedimento, nos sobreditos termos, a sua falta constitui uma excepção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do CPC)10.

Daqui que se não vislumbra onde se possa ter excedido a Relação na pronúncia que explanou no acórdão recorrido sobre o aludido procedimento do PERSI.


*


Donde, e sem mais delongas (porque inúteis), a improcedência das suscitadas questões, nada se nos afigurando censurar ao acórdão recorrido.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 14 de Novembro de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º adjunto)

Orlando dos santos Nascimento (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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1. Doravante designado apenas or “Montepio”,

2. Como reza o preâmbulo desse diploma, «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº67/2003, de 8 de Abril».

3. Assim, dispõem os arts. 13º a 15º:

  Art. 13.º

  No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.

  Art. 14.º

  Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado em PERSI entre o 31º e 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa.

  Art. 15.º

  (…).

  4. No prazo máximo de 30 dias após integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

  a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, de renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

  b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capita ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

  (…).

4. Proc. 194/13.5TBMN-A.G1.S1., disponível em www.dgsi.pt.

5. Cit. Preâmbulo.

6. Artigo 18ª (Garantias do Cliente bancário):

  «1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

  a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

  b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

  c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou

  d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.

  2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:

  a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;

  b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou

  c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.

  3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.

  4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior” – os destaques são nossos.

7. Visto que no acórdão recorrido se alega que a adquirente do crédito levou a cabo um processo similar àquele que é exigido pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, a fim de se dissiparem dúvidas, esclarecem-se as diversas fazes em que se desenvolve o procedimento do PERSI (nos casos, portanto, de mora e/ou incumprimento):

  uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.

  ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis).

  iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.

8. Cfr., inter alios, os acórdãos das Relações do Porto de 23.02.2021, P. 8821/19, de Coimbra de 15.12.2020, CJ, 2020, 5º, pag. 283, e da Relação de Lisboa de 21.10.2021, P. 12205/18.

9. Julho de 2015, p. 57, https://run.unl.pt/bitstream/10362/16176/1/Engenheiro_2015.pdf

10. Cfr. sumário do acórdão do STJ de 19-05-2020 (Processo n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, acessível através do portal de pesquisa ECLI): «(…) 2. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma). 3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.».

  No mesmo sentido vai o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-04-2021 (proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1) onde se plasmou, em sumário, que «A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC)».

  E como realçou o acórdão deste tribunal de 16-12-2020, o PERSI, enquanto instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, antes lhe sendo exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas, ut artigo 15.º, do DL 227/2012, de 25-10 – Processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.