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Jurisprudência
Sumário

I - O estabelecimento comercial da Ré, não sendo sucursal, não tem personalidade jurídica nem judiciária.

II - Quando das peças processuais da Autora, em particular da petição inicial, surja seguro que quando se refere indiferenciadamente a “sucursal”/estabelecimento comercial não quis afastar da demanda a sociedade, referindo-se àquelas apenas como entidades de que se compõe a sociedade comercial e, onde os factos foram praticados, não pode julgar-se verificada a falta de personalidade judiciária da Ré.

Decisão Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

I.1. CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION et al. vieram ao abrigo do artigo 31º do Código de Processo Civil, e artigos 2º, 3º e 12º, da lei 83/95, e artigo 3º e 19º, da lei 23/2018 intentar ação popular contra PINGO DOCE, – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A.

I.2. Tendo formulado os seguintes pedidos:

Seja a ação julgada procedente, por provada, e declarado que a ré:

A. teve o comportamento descrito no §3 da petição;

B. violou qualquer uma das seguintes normas:

1. artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84;

2. artigos 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90;

3. artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018;

4. artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008;

5. artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96;

6. do artigo 11, da lei 19/2012;

7. artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/CE;

8. artigo 3, da diretiva 2006/114/CE;

9. artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/CE;

10. artigo 102, do TFUE;

C. especulou nos preços das embalagens de Kiwi importado cal 27/30 (por Kg) na sua sucursal, localizada em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal;

D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de Kiwi importado cal 27/30 (por Kg), na sua sucursal localizada em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal;

E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e 1. doloso; ou, pelo menos,

2. grosseiramente negligente;

F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;

G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;

H. causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhecê-lo.

E em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:

I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a título doloso ou negligente, em montante global:

1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:

1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em um euro por cada embalagem de Kiwi importado cal 27/30 (por Kg), respetivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, desde 27.06.2023, às 08h00, até, pelo menos, 04.07.2023, às 21h00;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:

1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a um euro por autor popular;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:

1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que um euro por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente;

N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.

Subsidiariamente, e nos termos do §4 (m):

O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.

Em qualquer caso, deve:

P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;

Requer-se ainda que se:

Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;

R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;

S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;

T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;

U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;

V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;

W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95.

X. declare a autora interveniente isenta de custas;

Y. condene a ré em custas.

I.3. No formulário que acompanha a petição inicial (portaria n.º 280/2013, de 26/08) a demandada mostra-se identificada como: “Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, 1649-033, Lumiar, 1649-033 LISBOA”, morada da sua sede.

I.4. A ação deu entrada Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Guimarães.

I.5. Por despacho de 04-10-2023 a Mmª Juíza expôs a necessidade de clarificação da entidade contra quem é proposta a ação, pedindo à Autora que esclareça, como segue:

Nos termos do artigo 13.º, do Código das Sociedades Comerciais:

1. Sem dependência de autorização contratual, mas também sem prejuízo de diferentes disposições do contrato, a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.

2. A criação de sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação depende de deliberação dos sócios, quando o contrato a não dispense.

Por sua vez, o artigo 13.º, do Código de Processo Civil, preceitua que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.

Escrevem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, p. 66, em anotação do artigo 13.º, acabado de transcrever, que:

“Por esta norma confere-se personalidade judiciária, ativa e passiva, aos “órgãos de administração local” (a ela ligados por mandato ou representação) duma pessoa coletiva (maxime, sociedade) cuja sede se localize fora do âmbito da respetiva atuação territorial.

Na base desta atribuição, está, segundo o n.º 1, a imputação material da prática do facto que é objeto do litígio. Tal não obsta à legitimidade da própria pessoa jurídica, a qual pode demandar ou ser demandada, nos termos gerais do art. 11.”

Quanto à representação de sucursais, agências e filiais, determina o artigo 26.º, do CPCiv, que, salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores.

No caso em apreço, a Autora intentou a presente ação popular, identificando, no seu introito, como Ré, a sociedade PINGO DOCE – DITRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., o que reiterou no artigo 19.º, da petição, onde, sob a epígrafe “§1 IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES”, mencionou:

“PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, SA., (doravante apenas “ré”), pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa, tem sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, distrito de Lisboa.”

Também, no requerimento eletrónico onde deu entrada da ação, a Autora procedeu à identificação da Ré nos seguintes termos:

“Pingo Doce – Distribuição Alimentar, Sa”, com morada na “Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar”, do concelho de Lisboa, e com o “NIF: 500829993”.

Não obstante a identificação que é efetuada no artigo 19.º, da petição inicial, e no requerimento eletrónico, a Autora alegou:

- No artigo 20.º, da petição, que:

“20º. Sendo a presente ação movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal”;

- No artigo 28.º, que:

“28º O comportamento da ré descrito no número anterior é aquele que esta adota para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor – embora, neste caso, confinado e por decisão da sua sucursal na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal.”

- No item relativo à “§9 COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO TRIBUNAL”:

“a ação é dirigida à sucursal da ré (vide artigo 20, da petição inicial), com morada no distrito da comarca deste tribunal, e não dirigida à ré, cuja sede é em Lisboa”; e

“(…) a autora interveniente pede a condenação da sucursal da ré, sita em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal”.

Perante o vindo de expor, e considerando que, independentemente do lugar da prática do facto, o Autor pode demandar a sociedade da qual a sucursal faz parte;

Com vista à clarificação da entidade contra quem é proposta a ação (o que releva, desde logo, para efeitos do local onde deve ter lugar a citação – se na sede da sociedade, se no local onde se situa a sucursal);

- Determina-se a notificação da Autora para, em 10 (dez) dias:

i) Esclarecer se a ação se mostra proposta contra a pessoa coletiva PINGO DOCE –DITRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A. (com sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, Lisboa) ou contra a sucursal desta (com estabelecimento em Fafe); e ainda ii) Esclarecer se a imputação material do facto ilícito é efetuada apenas à sucursal (por ter sido decidida apenas por esta) ou à administração da pessoa coletiva da qual aquela faz parte.

I.5. Por requerimento de 09-10-2023 (Refª: ...69) veio a Autora informar:

Conforme consta no artigo 20, 27, 28, 37 e ainda nos §§ 9 e 26 tudo da petição inicial fica claro que a ação é movida contra a sucursal da ré PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A, localizada na morada que costa no artigo 20 e não contra a sua sede.

Mais se esclarece, tal como consta no § 9 da petição inicial que a ação é movida contra a sucursal pelos ilícitos por esta praticados.

Sendo que a especulação de preços, designadamente a fixação do preço superior1 aquele que era cobrado no momento do pagamento foi uma decisão da sucursal e não da sede, porquanto tais preços não eram nessas datas iguais nas restantes sucursais. Ou seja, a diferença entre o preço cobrado e o preço anunciado para esses produtos não se verificava em todas as sucursais do PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A

Pelo que se conclui que tal decisão era discricionária da sucursal, não obstante os danos que dai se materializarem e afetarem toda uma classe, nomeadamente, mas não exclusivamente os clientes da insígnia Pingo Doce também doutras sucursais, desde logo tendo em conta os vazos comunicantes.

Não se confunde, pois, a extensão e dimensão dos danos com a origem do facto ilícito, ainda que confinado para estes produtos a esta sucursal.

Parece-nos, salvo o devido respeito que estas questões estão tratadas na petição inicial, para onde se remete.”

I.6. Na sequência desse esclarecimento a Digna Magistrada do Ministério Publico veio promover que:

“Se ordene a citação da Ré, em conformidade com a identificação fornecida.

Considerando que estão em causa interesses geograficamente localizados, pr. se ordene a citação de todos os consumidores que tenham comprado Kiwi importado cal 27/30 (por Kg) desde 28.05.2023, às 08h00, até, pelo menos, 10.07.2023, às 21h00, na loja do Pingo Doce localizada na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, citação a realizar por anúncio tornado público por edital, nos demais termos previstos no artº15, nº2 da Lei 83/95 de 31-8.

Nos termos do artigo 15.º/2, parte final, da Lei n.º 83/95, de 31.08, mais pr. se indique, no respetivo anúncio, a identidade da Autora, o pedido formulado e, quanto à causa de pedir, se mencione que, na presente ação popular, é imputada à Ré a venda ao público, na loja acima referida, do produto antes identificado por um preço superior ao preço que constava dos letreiros por si elaborados, entre as datas 28.05.2023, às 08h00, até, pelo menos, 10.07.2023, às 21h00.” (promoção de 11-10-2023)

I.7. Promoção que foi atendida, tendo-se igualmente determinado a retificação no sistema Citius da pessoa da Ré sucursal (despacho de 13-10-2023).

I.8. Citada a Ré Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, com morada em Avenida do Brasil 4820-121 Fafe, veio esta contestar em 08-01-2024, alegando entre o mais que :

- [a] Ré não tem sucursais, uma vez que não possui órgãos de administração local. (4º)

- Tendo a Ré a sua sede na morada indicada pela Autora na p.i., em Lisboa, deveria a presente ação ser intentada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, e não no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízos Centrais de Guimarães (cf. artigo 81.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). ( 5.º)

- Todas as decisões quanto a preços são tomadas pela Administração e pelas Direções da Ré, na sua sede, sendo a partir desta que é realizado o processo de comunicação de atualização de preços e o processo de emissão e substituição das etiquetas, ambos esses processos através do sistema informático central, para as lojas “Pingo Doce”. (18º)

I.9. Por despacho de 23-09-2024 foi determinado notificar as partes para querendo, se pronunciarem, por escrito, sobre a eventual verificação da exceção de falta de personalidade judiciária da Ré, tendo em conta a parte contra quem é dirigida a ação , assim como o pedido formulado.

I.10. A Autora pronunciou-se (25.09.2024) nos seguintes termos:

“A ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa.

Sociedade que existe e tem personalidade jurídica e judiciária.

No entanto, os autores sustentam, na petição inicial, que a ação é movida contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, por ter sido nesse estabelecimento os comportamentos ilícitos foram observados.

Assim, primariamente, a ação é intentada contra uma sociedade identificada, com personalidade jurídica e judiciária. Sendo, no entanto, os factos que sustentam a causa, sido praticados no supra referido e específico estabelecimento.

Destarte, mesmo que se considerasse que poderia haver uma qualquer confusão sobre qual é a sociedade demandada (confusão que nunca poderia existir, face ao que consta no formulário Citius), o certo é que tal nunca teria o efeito de contaminar a relação processual e eventuais decisões. Isto porque, assim o dita o comportamento da ré.

Quem efetivamente contestou a ação foi a sociedade identificada no formulário Citius: PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa, e não outra entidade.”

I.11. A sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., veio dizer (03.10.2024):

“Dúvidas não restam de que a Autora, não obstante ter preenchido o formulário Citius, com a identificação da sede da sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, em Lisboa, afirma por diversas vezes, ao longo da p.i., que é apenas a sucursal de Fafe a responsável pela prática dos alegados ilícitos e a única entidade responsável pelo ressarcimento dos diversos tipos de danos peticionados.

Sucede que, a Loja da Ré em Fafe, não é uma sucursal.

Com efeito, conforme já alegado pela Ré no artigo 4.º da sua contestação “a Ré não tem sucursais, uma vez que não possui órgãos de administração local.”

É do conhecimento público e, portanto, facto notório, que a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar SA, dispõe de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional.

Esta rede nada tem a ver com a representação da sociedade, mas apenas com a captação de clientes.

Estes estabelecimentos comerciais da Ré não têm liberdade de gestão e atuação e não podem ser considerados centros autónomos de negócios. A forma de atuação da Ré é então definida centralmente. Os estabelecimentos comerciais não têm liberdade para a fixação dos preços, não contratam com fornecedores, não podem contratar trabalhadores e não têm autonomia financeira, estando, pelo contrário, sujeitos a uma obrigação de reporte em relação à Ré.

Facilmente se conclui então que, “[n]ão existindo a referida sucursal, mas apenas um estabelecimento comercial da sociedade [Pingo Doce], a conclusão óbvia é a que falece personalidade judiciária à ré.”

I.12. A Digna Procuradora da República apresentou o requerimento com a Referência: ...52, onde concluiu que deve julgar-se verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária, a qual implica a absolvição da instância.

I.13. Em 25-11-2024 o Juízo Central Cível de Guimarães proferiu a seguinte decisão:

«Despacho saneador

I. Valor da ação

O valor da ação mostra-se fixado pelo despacho de 09.01.2024.

II. Saneamento

- Da exceção de incompetência:

Na contestação apresentada pela sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, de acordo com a ordem nela enunciada:

1.º- Em primeiro lugar, invoca-se que a Autora propôs a presente ação popular contra a contestante, a qual não tem sucursais, não possuindo órgãos de administração local, tendo a sua sede na morada indicada pela Autora na petição inicial, em Lisboa. Desse modo, conclui que a presente ação deveria ter sido intentada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, e não no Tribunal Judicial da Comarca de Braga (Juízos Centrais de Guimarães), sendo este, em consequência, territorialmente incompetente para a sua apreciação.

2.º- Em segundo lugar, alega-se que a Autora imputa à contestante a prática de “sobrepreço” (o que qualifica como crime de especulação), publicidade enganosa e prática restritiva da concorrência; que o crime de especulação, previsto e punido pelo artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01, é um crime público e, como tal, de denúncia obrigatória, vigorando, no nosso ordenamento, o princípio da adesão obrigatória mediante o qual se visa, para além de razões de economia processual, obviar à existência de julgamentos contraditórios, mormente entre a jurisdição civil e a criminal. Desse modo, conclui que os pedidos de indemnização formulados pela Autora nesta ação, assentes da alegada prática de um crime de especulação e da contraordenação de publicidade enganosa, teriam de necessariamente ser processados juntamente com a ação penal, sendo o tribunal cível materialmente incompetente para proceder ao julgamento da presente ação.

(…)

Apreciando e decidindo:

1.1. Quanto à incompetência em razão da matéria:

(…)

i) Julga-se procedente a exceção de incompetência, em razão da matéria, quanto aos pedidos formulados pela Autora de reconhecimento que a Ré praticou factos tipificados na lei como crime e contraordenações, enunciados nas als. A., B., als. 1 a 6. 2, C. a F., bem como quanto ao pedido de condenação da Ré em indemnização fundado no artigo 9.º/2, da Lei n.º 23/2018 formulado na al. L., e, em consequência, absolve-se a Ré da instância no que aos mesmos respeita, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º/1,a), 576.º e 577.º/a), do CPCiv;

ii) Quanto aos demais pedidos formulados, julga-se improcedente a exceção de incompetência material.

*

1.2. Quanto à incompetência em razão do território:

(…)

Conforme é consabido, na determinação da competência do tribunal, há que atender aos termos em que a ação se acha proposta, quer por atenção quer aos seus elementos subjetivos (identidade das partes), como aos seus elementos objetivos (pedido e causa de pedir) (cfr. Manuel de Andrade, ob. cit., pp. 90-91).

Assim sendo, na apreciação da exceção arguida, importa, desde logo, considerar os fundamentos de facto do pedido. Reduzindo-os ao essencial, resulta que o comportamento em relação ao qual a Autora se insurge consiste no seguinte:

“1. a ré dedica-se comercialmente à venda ao público, no mercado nacional de distribuição retalhista, de produtos alimentares, nomeadamente na sua sucursal, com estabelecimento na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, in casu, vendendo embalagens de Kiwi importado cal 27/30 (por Kg) , por preço superior ao que consta dos letreiros elaborados por si;

2. A ré, por intermédio de um letreiro fixado junto das supra aludidas embalagens, preçava-as em 2,99 euros respetivamente e por embalagem, mas no momento do seu pagamento, tanto nas caixas eletrónicas de self-checkout, como nas caixas de pagamento assistidas por trabalhadores da ré, cobrava 3,99 euros respetivamente e por embalagem, ou seja, a ré chegou a cobrar um preço superior em 33,45 %, ao preço anunciado por si;

3. Muitos consumidores, clientes da ré, os aqui autores populares, que não se aperceberam que o preço cobrado no momento do pagamento era superior ao anunciado no letreiro que anunciava o preço e que fundamentou a sua escolha, acabaram por pagar um sobrepreço que chegou a um euro por cada embalagem respetivamente.”

Daqui decorre que o facto (ilícito) em que a Autora se baseou para a propositura da ação foi praticado no estabelecimento comercial situado em Fafe; deste modo, estando em causa uma ação de responsabilidade (quanto aos pedidos de indemnização deduzidos e em relação aos quais prossegue), à luz do que dispõe o artigo 71.º/2, do CPCiv, é este Juízo Central o competente para a apreciação da ação (na parte em que esta prossegue).

Nestes termos, julga-se improcedente a exceção de incompetência territorial.

***

Com exceção dos pedidos em relação aos quais foi julgada procedente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria, julga-se este Juízo Central Cível competente para a apreciação e julgamento da presente ação em função da matéria, da hierarquia, do território e do valor.

***

1.2. Da exceção de ineptidão:

(…)

Com efeito, o petitório por si formulado permite compreender que a Autora pretende, através da presente ação, que se reconheça que a Ré observou uma conduta lesiva de normas que protegem direitos de consumidores (que, ao longo da sua petição, identifica) e que, por força desse comportamento, deve ser civilmente responsabilizada, ressarcindo os lesados.

Se os pedidos dispõem de viabilidade ou se serão procedentes são questões que estão para lá da exceção de ineptidão.

Nestes termos, julga-se improcedente a exceção de ineptidão.

***

1.3. Da exceção de falta de personalidade judiciária:

Por despacho de 14.09.2024, determinou-se a audição das partes para, querendo, exercerem o contraditório quanto à eventual verificação da exceção de falta de personalidade judiciária.

Nesse seguimento:

1.º- A Autora respondeu (sob a REFª: ...32) que a ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A, pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa, embora contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, por ter sido nesse estabelecimento que os comportamentos ilícitos foram observados.

Em qualquer caso, mesmo que se verificasse uma divergência entre o que consta no formulário Citius e na petição inicial, sempre deveria a Autora ser convidada a esclarecer qual a sociedade demandada, sendo então essa mandada citar, sendo que a citada nestes autos, sem qualquer dúvida, foi a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, com sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar ou 1649-033 Lisboa, a qual tem personalidade jurídica.

Em qualquer caso, o Tribunal deve adotar uma solução que favoreça a economia processual e o aproveitamento dos atos praticados.

2.º- A contestante respondeu que: a loja em Fafe não é uma sucursal; é do conhecimento público que a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, dispõe de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional, sendo que essa rede nada tem a ver com a representação da sociedade, mas apenas com a captação de clientes; assim, falece personalidade judiciária à Ré; esse vício não é passível de sanação, uma vez que, em face das referências constantes da petição inicial, não se trata de um “mero lapso”, e, para além disso, estar-se-ia a transmutar a ação original numa outra ação com diferente ré, diferente pedido e causa de pedir.

A Digna Procuradora da República apresentou o requerimento com a Referência: ...52, onde concluiu que deve julgar-se verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária, a qual implica a absolvição da instância.

Apreciando e decidindo:

No caso em apreço, a Autora intentou a presente ação popular, identificando, no seu introito, como Ré, a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, o que reiterou no artigo 19.º, da petição, onde, sob a epígrafe “§1 IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES”, mencionou:

PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, SA., (doravante apenas “ré”), pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa, tem sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, distrito de Lisboa” (destacado nosso).

Também, no requerimento eletrónico onde deu entrada da ação, a Autora procedeu à identificação da Ré nos seguintes termos:

“Pingo Doce – Distribuição Alimentar, Sa”, com morada na “Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar”, do concelho de Lisboa, e com o “NIF: 500829993”.

Não obstante a identificação que é efetuada no artigo 19.º, da petição inicial, e no requerimento eletrónico, a Autora alegou:

- No artigo 20.º, da petição, que:

20º. Sendo a presente ação movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal” (destacado nosso);

- No artigo 28.º, que:

28º O comportamento da ré descrito no número anterior é aquele que esta adota para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor – embora, neste caso, confinado e por decisão da sua sucursal na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal” (destacado nosso).

- No item relativo à “§9 COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO TRIBUNAL”:

a ação é dirigida à sucursal da ré (vide artigo 20, da petição inicial), com morada no distrito da comarca deste tribunal, e não dirigida à ré, cuja sede é em Lisboa”; e “(…) a autora interveniente pede a condenação da sucursal da ré, sita em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal” (destacado nosso).

Perante o vindo de expor, com vista à clarificação da entidade contra quem foi proposta a ação, determinou-se, por despacho de 04.10.2023, a notificação da Autora para:

i) Esclarecer se a ação se mostrava proposta contra a pessoa coletiva Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA. (com sede na rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, Lisboa) ou contra a sucursal desta (com estabelecimento em Fafe); e ainda:

ii) Esclarecer se a imputação material do facto ilícito era efetuada apenas à sucursal (por ter sido decidida apenas por esta) ou à administração da pessoa coletiva da qual aquela faz parte.

Através do requerimento com a REFª: ...69, a Autora veio esclarecer o seguinte:

“Conforme consta no artigo 20, 27, 28, 37 e ainda nos §§ 9 e 26 tudo da petição inicial fica claro que a ação é movida cont[ra] a sucursal da ré PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A, localizada na morada que costa no artigo 20 e não contra a sua sede.

Mais se esclarece, tal como consta no § 9 da petição inicial que a ação é movida contra a sucursal pelo ilícitos por esta praticados. Sendo que a especulação de preços, designadamente a fixação do preço superior aquele que era cobrado no momento do pagamento foi uma decisão da sucursal e não da sede, porquanto tais preços não eram nessas datas iguais nas restantes sucursais” (destacado e sublinhado nossos).

Tendo em conta este requerimento, improcede o argumento da Autora de que a ação foi proposta contra a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA; conforme o esclarecido pela própria, após o despacho judicial proferido a 04.10.2023, a ação foi intentada contra a sucursal dessa sociedade (localizada em Fafe).

Perante esse esclarecimento, por despacho de 13.10.2023, determinou-se a retificação na plataforma Citius, e que se procedesse, nessa conformidade, à respetiva citação, nos termos aplicáveis à forma comum do processo cível.

Nessa sequência, a citação postal foi realizada na “[a]venida do Brasil 4820-121 Fafe”; e, na citação edital, identificou-se como réu: “Sucursal em Fafe da Pingo Doce – Distribuição Alimentar, Sa”.

Daqui resulta que, na presente ação, o sujeito processual passivo contra quem foi pretendido instaurar a ação foi o estabelecimento identificado pela Autora como sucursal da Ré localizada em Fafe.

A respeito das sucursais, determina o artigo 13.º, do Código das Sociedades Comerciais, o seguinte:

1. Sem dependência de autorização contratual, mas também sem prejuízo de diferentes disposições do contrato, a sociedade pode criar sucursais, agencias, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.

2. A criação de sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação depende de deliberação dos sócios, quando o contrato a não dispense.

Por sua vez, o artigo 13.º, do CPCiv, preceitua que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.

Escrevem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, p. 66, em anotação do artigo 13.º, acabado de transcrever, que:

“Por esta norma confere-se personalidade judiciária, ativa e passiva, aos “órgãos de administração local” (a ela ligados por mandato ou representação) duma pessoa coletiva (maxime, sociedade) cuja sede se localize fora do âmbito da respetiva atuação territorial.

Na base desta atribuição, está, segundo o n.º 1, a imputação material da prática do facto que é objeto do litígio. Tal não obsta à legitimidade da própria pessoa jurídica, a qual pode demandar ou ser demandada, nos termos gerais do art. 11.”

Quanto à representação de sucursais, agências e filiais, determina o artigo 26.º, do CPCiv, que, salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores.

Estas disposições são, porém, inaplicáveis à situação dos autos, uma vez que o estabelecimento de Fafe (que gira sob o nome comercial da sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA) não constitui uma sucursal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º, do CSCom.

Veja-se que, na contestação, a sociedade contestante alegou, aquando da arguição da exceção de incompetência, que não dispõe de sucursais; a Autora não impugnou quando lhe foi dada a oportunidade para se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada na defesa, nem, especificamente, sobre a exceção de falta de personalidade judiciária.

Desta forma, não sendo o estabelecimento comercial situado em Fafe uma sucursal da sociedade contestante, não dispõe de personalidade judiciária.

Nos termos do artigo 14.º, do CPCiv, a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado.

Analisando estas disposições, e sobre situação similar à dos presentes autos, no proc. n.º 4927/23.3..., pendente no Juízo Cível de ..., foi proferida decisão nos seguintes termos:

“A falta de personalidade judiciária das sucursais pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou a repetição do processo (art. 14º do Cód. De Processo Civil).

Entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia” (destacado nosso).

Sobre essa decisão, incidiu o Ac. do TRG, de 20.06.2024, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz o seguinte:

“(…) Concluímos pois que a autora intentou a acção contra entidade que não goza de personalidade judiciária.

Cumpre agora averiguar se a falta de personalidade judiciária pode neste caso ser sanada, tal como parece resultar do art. 14º CPC: a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado.

Ora, em tese somos sempre favoráveis a soluções que favoreçam a economia processual e o aproveitamento dos actos praticados.

Porém, há limites para esse aproveitamento, e o caso em apreço é, salvo melhor opinião, um deles.

Com efeito, a forma como a petição inicial foi redigida, deixando a dúvida (que nunca deveria existir) sobre quem era verdadeiramente a ré nos autos, com o uso de expressões ambíguas e contraditórias (v.g. indicando como ré EMP02..., mas logo acrescentando que a presente acção é movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Rua ..., ..., distrito ...”) introduziu no seio desta relação processual um “defeito genético”, que já contaminou várias decisões proferidas nos autos, e poderia contaminar muito mais no futuro. Por exemplo, como a sentença recorrida bem apontou, a autora estruturou a presente acção por forma a ser enquadrada no art. 81º,2 CPC, afirmando expressamente que estava a demandar a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., e não a sociedade comercial. Por outro lado, acrescentou, também expressamente, que os factos que consistem na causa de pedir foram praticados pela sucursal.

Porém, procurando inverter completamente a forma como estruturou o presente litígio, a autora tenta valer-se do que a ré alegou nos autos, concretamente nos artigos 31 e 32 da contestação e que “leva a concluir que os “ilícitos” foram cometidos na sede da ré e não na sucursal em questão”.

Veio por isso dizer que “imputou à sucursal da ré os factos ilícitos que dão causa ao pedido, o que por si só, faria com que a sucursal ré adquirisse tal personalidade judiciária – não podendo então proceder a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré. Mas uma vez verificando-se que tais factos ilícitos não foram praticados pela aludida sucursal, a previsão do artigo 13 (1), do CPC já não pode operar. Assim, sem dúvida, face a factualidade confessa pela ré, verifica-se a falta de personalidade judiciária da sucursal.

No entanto, a mesma pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (cf. artigo 14, do CPC), o que, desde já se requer, caso Vossa Excelência entenda que a sucursal em questão não pode ser demandada por inaplicabilidade do artigo 13, do CPC – como se julga acontecer perante a confissão da ré”.

Esta mudança radical da causa de pedir apresentada na petição esbarra no facto de o pedido estar formulado directamente contra a sucursal: “pede a condenação da sucursal da ré, sita em Rua ..., ..., distrito ..., com base na sua invocada responsabilidade civil contratual e extracontratual”.

Assim, afigura-se assistir razão à recorrida quando afirma, nas suas contra-alegações, que “ao alegar que a acção foi primariamente intentada contra a Sociedade EMP02..., mas movida contra a sua sucursal, a Recorrente pretende apenas confundir o Tribunal ad quem ao utilizar diferentes conceitos para se referir a uma mesma realidade. Se os presentes autos são propostos contra a alegada sucursal e se os factos narrados pela Autora foram praticados pela alegada sucursal, não restam dúvidas de que a relação controvertida, tal como configurada pela Autora, é estabelecida com a alegada sucursal, o que implica que foi o estabelecimento comercial a ser demandado e não a sociedade”.

Depois, sucede que as decisões proferidas na fase de saneamento dos autos estão todas elas interligadas com esta. O Tribunal julgou improcedentes as excepções da incompetência territorial, e ainda a da ineptidão da petição inicial, dizendo que apesar dos defeitos da petição, “é possível compreender que a autora fundamenta os pedidos que formulou no facto de a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., ter comercializado embalagens de chocolate preto e chocolate de leite a um preço superior ao que estava anunciado para os clientes e que esta situação ocorreu pelo menos entre os dias 25 e 31 de Julho de 2023”.

Por outro lado, e sobre o art. 14º CPC, acrescenta o Tribunal recorrido, entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia.

Consideramos que esta apreciação do Tribunal recorrido está correcta.

A indicação, feita várias vezes ao longo da petição inicial, de que quem é demandada é a sucursal de ..., localizada na Rua ..., em ..., e até sendo contra esta que o pedido é dirigido, como vimos, não permite concluir que estejamos perante um mero lapso, a ser corrigido facilmente fazendo intervir a sociedade comercial EMP02..., SA. Pelo contrário, foi uma atitude consciente e deliberada da autora em apresentar assim a sua pretensão. Daí que, a proceder a pretensão da autora, não estaríamos apenas a sanar a falta de personalidade judiciária, mas sim a transmutar a acção original numa outra acção com diferente ré, diferente pedido e causa de pedir. Ora, a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir só é admissível havendo acordo das partes (art. 264º CPC), o que não é aqui o caso.”

Aderindo-se a esta fundamentação – e considerando-se em particular a resposta com a REFª: ...69, de 09.10.2023 (em que identificou, de forma inequívoca, que pretendia instaurar a ação contra a sucursal da sociedade) –, entende-se que, no caso de se admitir a intervenção da sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, no sentido de sanar a falta de personalidade judiciária, haveria lugar à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, o que depende da existência de acordo das partes, o que se não verifica (cfr. artigo 264.º, do CPCiv).

Nestes termos, julga-se verificada a exceção de falta de personalidade judiciária da Ré (sucursal sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA), absolvendo-se a mesma da instância (cfr. artigos 278.º/1,c), 576.º/1 e 577.º/c), do CPCiv).

(…)

As custas da presente ação são a cargo da Autora, fixando-se as mesmas em 1/10 do que seria devido (cfr. artigo 20.º/3, da Lei de Ação Popular).»

I.14. Inconformada com esta decisão na parte em que julgou verificada a exceção de falta de personalidade judiciária da Ré, vem a autora Citizens’Voice – Consumer Advocacy Association interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, “ao abrigo dos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1) aplicável ex vi artigo 644 (1, a) e 678 (3), todos do CPC”.

Pugnam pela revogação de tal decisão e pelo proferimento de outra que mande a ação baixar à 1.ª instância para aí prosseguir os seus termos, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1. Os autores populares, ora recorrentes, notificados do douto despacho proferido nos presentes autos e não se conformando com o mesmo, vêm interpor RECURSO DE REVISTA PER SALTUM, sobre a matéria de direito, nos termos e ao abrigo nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1) aplicável ex vi artigo 644 (1, a) e 678 (3), todos do CPC, diretamente para este COLENDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

2. O tribunal a quo, ponderada toda a matéria de facto e de direito, decidiu proferir a decisão de julgar verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré e, em consequência, absolver a mesma da instância, por entender que o estabelecimento comercial da ré, não é uma sucursal.

3. Ressalvado o devido respeito, que é o maior, o tribunal recorrido decidiu sem o acerto e ponderação que se lhe exigia o caso sub judice.

4. Assim, a única questão que importa que este Colendo Supremo Tribunal de Justiça se ocupe de responder é a de saber contra quem se dirige a ação e, então, verificar se tal sociedade, contra quem a ação foi dirigida, tem ou não personalidade jurídica, isto sem prejuízo da apreciação dos valores inerentes ao princípio da economia processual e aproveitamento dos atos praticados.

5. A ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa.

6. Sociedade que existe e tem personalidade jurídica e judiciária.

7. Foi essa sociedade que contestou, adotando um comportamento processual de ré, perfeitamente identificada, defendo inclusivamente isso em vários artigos da sua douta contestação e identificados supra em §2.

8. Tudo isto, sem prejuízo dos autores terem sustentado na petição inicial, que a ação era movida contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em Fafe, distrito de Braga, por ter sido nesse estabelecimento que os comportamentos ilícitos foram observados e por acreditarem os autores tratar-se de uma sucursal e não apenas de um mero estabelecimento comercial.

9. Assim, constatando o preenchimento, no formulário Citius, do nome da sociedade Pingo Doce… e na morada a sua sede, isto tudo no campo destinado à identificação dos réus, é a prevalência do formulário, assinalada no artigo 7 (2) da portaria 280/2013, que conta.

10. Em qualquer caso, salvo douta e melhor opinião, o tribunal a quo deveria ter adotado uma solução que favorecesse a economia processual e o aproveitamento dos atos praticados – o que é incompatível com a sentença proferida e com a postura e posição processual adotada pela ré, que reconhece o engano dos autores na qualificação do aludido estabelecimento como sucursal e, sempre se defendeu, assumindo que era a sociedade que consta no formulário Citius a ré, ou seja, ela própria e não uma qualquer outra pessoal (sucursal) inexistente.

11. Destarte, pugna-se pela procedência do recurso.

I.15. A Ré Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., veio apresentar contra-alegações, sem conclusões, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

I.16. Notificado do recurso da A. veio o Ministério Publico contra-alegar sustentando que deve o mesmo ser julgado improcedente e integralmente mantida a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Ré.

Conclui as suas contra-alegações do seguinte modo:

1. A ação foi proposta contra a sucursal da ré sita na Avenida do Brasil, em Fafe.

2. A Ré não tem sucursais, uma vez que não possui órgãos de administração local, antes dispondo de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional.

3. Estando em causa um estabelecimento comercial verifica-se a falta de personalidade judiciária, porquanto, ao contrário do que acontece com as sucursais nas circunstâncias previstas no art. 13º nº1 do Cód. de Processo Civil, os estabelecimentos comerciais não têm personalidade judiciária e não podem demandar ou ser demandados.

4. Impõe-se declarar a procedência da exceção de ilegitimidade da Ré, absolvendo-se da instância, nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 577.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC.

I.17. O recurso foi mandado subir por despacho proferido no Juízo Central Cível de Guimarães.

II. Da admissibilidade do recurso

A Autora recorrente interpôs recurso de revista per saltum, conforme previsto no artigo 678.º do CPC, o qual dispõe no seu nº 1 que:

“As partes podem requerer, nas conclusões da alegação, que o recurso interposto das decisões referidas no n.º 1 do artigo 644.º suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que, cumulativamente:

a) O valor da causa seja superior à alçada da Relação;

b) O valor da sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação;

c) As partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito;

a ação é dirigida à sucursal da ré (vide artigo 20, da petição inicial), com morada no distrito da comarca deste tribunal, e não dirigida à ré, cuja sede é em Lisboa”; e “(…) a autora interveniente pede a condenação da sucursal da ré, sita em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal” (destacado nosso).

Perante o vindo de expor, com vista à clarificação da entidade contra quem foi proposta a ação, determinou-se, por despacho de 04.10.2023, a notificação da Autora para:

i) Esclarecer se a ação se mostrava proposta contra a pessoa coletiva Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA. (com sede na rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, Lisboa) ou contra a sucursal desta (com estabelecimento em Fafe); e ainda:

ii) Esclarecer se a imputação material do facto ilícito era efetuada apenas à sucursal (por ter sido decidida apenas por esta) ou à administração da pessoa coletiva da qual aquela faz parte.

Através do requerimento com a REFª: ...69, a Autora veio esclarecer o seguinte:

“Conforme consta no artigo 20, 27, 28, 37 e ainda nos §§ 9 e 26 tudo da petição inicial fica claro que a ação é movida cont[ra] a sucursal da ré PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A, localizada na morada que costa no artigo 20 e não contra a sua sede.

Mais se esclarece, tal como consta no § 9 da petição inicial que a ação é movida contra a sucursal pelo ilícitos por esta praticados. Sendo que a especulação de preços, designadamente a fixação do preço superior aquele que era cobrado no momento do pagamento foi uma decisão da sucursal e não da sede, porquanto tais preços não eram nessas datas iguais nas restantes sucursais” (destacado e sublinhado nossos).

Tendo em conta este requerimento, improcede o argumento da Autora de que a ação foi proposta contra a sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA; conforme o esclarecido pela própria, após o despacho judicial proferido a 04.10.2023, a ação foi intentada contra a sucursal dessa sociedade (localizada em Fafe).

Perante esse esclarecimento, por despacho de 13.10.2023, determinou-se a retificação na plataforma Citius, e que se procedesse, nessa conformidade, à respetiva citação, nos termos aplicáveis à forma comum do processo cível.

Nessa sequência, a citação postal foi realizada na “[a]venida do Brasil 4820-121 Fafe”; e, na citação edital, identificou-se como réu: “Sucursal em Fafe da Pingo Doce – Distribuição Alimentar, Sa”.

Daqui resulta que, na presente ação, o sujeito processual passivo contra quem foi pretendido instaurar a ação foi o estabelecimento identificado pela Autora como sucursal da Ré localizada em Fafe.

A respeito das sucursais, determina o artigo 13.º, do Código das Sociedades Comerciais, o seguinte:

1. Sem dependência de autorização contratual, mas também sem prejuízo de diferentes disposições do contrato, a sociedade pode criar sucursais, agencias, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.

2. A criação de sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação depende de deliberação dos sócios, quando o contrato a não dispense.

Por sua vez, o artigo 13.º, do CPCiv, preceitua que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.

Escrevem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, p. 66, em anotação do artigo 13.º, acabado de transcrever, que:

“Por esta norma confere-se personalidade judiciária, ativa e passiva, aos “órgãos de administração local” (a ela ligados por mandato ou representação) duma pessoa coletiva (maxime, sociedade) cuja sede se localize fora do âmbito da respetiva atuação territorial.

Na base desta atribuição, está, segundo o n.º 1, a imputação material da prática do facto que é objeto do litígio. Tal não obsta à legitimidade da própria pessoa jurídica, a qual pode demandar ou ser demandada, nos termos gerais do art. 11.”

Quanto à representação de sucursais, agências e filiais, determina o artigo 26.º, do CPCiv, que, salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores.

Estas disposições são, porém, inaplicáveis à situação dos autos, uma vez que o estabelecimento de Fafe (que gira sob o nome comercial da sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA) não constitui uma sucursal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º, do CSCom.

Veja-se que, na contestação, a sociedade contestante alegou, aquando da arguição da exceção de incompetência, que não dispõe de sucursais; a Autora não impugnou quando lhe foi dada a oportunidade para se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada na defesa, nem, especificamente, sobre a exceção de falta de personalidade judiciária.

Desta forma, não sendo o estabelecimento comercial situado em Fafe uma sucursal da sociedade contestante, não dispõe de personalidade judiciária.

Nos termos do artigo 14.º, do CPCiv, a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado.

Analisando estas disposições, e sobre situação similar à dos presentes autos, no proc. n.º 4927/23.3..., pendente no Juízo Cível de ..., foi proferida decisão nos seguintes termos:

“A falta de personalidade judiciária das sucursais pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou a repetição do processo (art. 14º do Cód. De Processo Civil).

Entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia” (destacado nosso).

Sobre essa decisão, incidiu o Ac. do TRG, de 20.06.2024, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz o seguinte:

“(…) Concluímos pois que a autora intentou a acção contra entidade que não goza de personalidade judiciária.

Cumpre agora averiguar se a falta de personalidade judiciária pode neste caso ser sanada, tal como parece resultar do art. 14º CPC: a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado.

Ora, em tese somos sempre favoráveis a soluções que favoreçam a economia processual e o aproveitamento dos actos praticados.

Porém, há limites para esse aproveitamento, e o caso em apreço é, salvo melhor opinião, um deles.

Com efeito, a forma como a petição inicial foi redigida, deixando a dúvida (que nunca deveria existir) sobre quem era verdadeiramente a ré nos autos, com o uso de expressões ambíguas e contraditórias (v.g. indicando como ré EMP02..., mas logo acrescentando que a presente acção é movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Rua ..., ..., distrito ...”) introduziu no seio desta relação processual um “defeito genético”, que já contaminou várias decisões proferidas nos autos, e poderia contaminar muito mais no futuro. Por exemplo, como a sentença recorrida bem apontou, a autora estruturou a presente acção por forma a ser enquadrada no art. 81º,2 CPC, afirmando expressamente que estava a demandar a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., e não a sociedade comercial. Por outro lado, acrescentou, também expressamente, que os factos que consistem na causa de pedir foram praticados pela sucursal.

Porém, procurando inverter completamente a forma como estruturou o presente litígio, a autora tenta valer-se do que a ré alegou nos autos, concretamente nos artigos 31 e 32 da contestação e que “leva a concluir que os “ilícitos” foram cometidos na sede da ré e não na sucursal em questão”.

Veio por isso dizer que “imputou à sucursal da ré os factos ilícitos que dão causa ao pedido, o que por si só, faria com que a sucursal ré adquirisse tal personalidade judiciária – não podendo então proceder a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré. Mas uma vez verificando-se que tais factos ilícitos não foram praticados pela aludida sucursal, a previsão do artigo 13 (1), do CPC já não pode operar. Assim, sem dúvida, face a factualidade confessa pela ré, verifica-se a falta de personalidade judiciária da sucursal.

No entanto, a mesma pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (cf. artigo 14, do CPC), o que, desde já se requer, caso Vossa Excelência entenda que a sucursal em questão não pode ser demandada por inaplicabilidade do artigo 13, do CPC – como se julga acontecer perante a confissão da ré”.

Esta mudança radical da causa de pedir apresentada na petição esbarra no facto de o pedido estar formulado directamente contra a sucursal: “pede a condenação da sucursal da ré, sita em Rua ..., ..., distrito ..., com base na sua invocada responsabilidade civil contratual e extracontratual”.

Assim, afigura-se assistir razão à recorrida quando afirma, nas suas contra-alegações, que “ao alegar que a acção foi primariamente intentada contra a Sociedade EMP02..., mas movida contra a sua sucursal, a Recorrente pretende apenas confundir o Tribunal ad quem ao utilizar diferentes conceitos para se referir a uma mesma realidade. Se os presentes autos são propostos contra a alegada sucursal e se os factos narrados pela Autora foram praticados pela alegada sucursal, não restam dúvidas de que a relação controvertida, tal como configurada pela Autora, é estabelecida com a alegada sucursal, o que implica que foi o estabelecimento comercial a ser demandado e não a sociedade”.

Depois, sucede que as decisões proferidas na fase de saneamento dos autos estão todas elas interligadas com esta. O Tribunal julgou improcedentes as excepções da incompetência territorial, e ainda a da ineptidão da petição inicial, dizendo que apesar dos defeitos da petição, “é possível compreender que a autora fundamenta os pedidos que formulou no facto de a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., ter comercializado embalagens de chocolate preto e chocolate de leite a um preço superior ao que estava anunciado para os clientes e que esta situação ocorreu pelo menos entre os dias 25 e 31 de Julho de 2023”.

Por outro lado, e sobre o art. 14º CPC, acrescenta o Tribunal recorrido, entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia.

Consideramos que esta apreciação do Tribunal recorrido está correcta.

A indicação, feita várias vezes ao longo da petição inicial, de que quem é demandada é a sucursal de ..., localizada na Rua ..., em ..., e até sendo contra esta que o pedido é dirigido, como vimos, não permite concluir que estejamos perante um mero lapso, a ser corrigido facilmente fazendo intervir a sociedade comercial EMP02..., SA. Pelo contrário, foi uma atitude consciente e deliberada da autora em apresentar assim a sua pretensão. Daí que, a proceder a pretensão da autora, não estaríamos apenas a sanar a falta de personalidade judiciária, mas sim a transmutar a acção original numa outra acção com diferente ré, diferente pedido e causa de pedir. Ora, a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir só é admissível havendo acordo das partes (art. 264º CPC), o que não é aqui o caso.”

Aderindo-se a esta fundamentação – e considerando-se em particular a resposta com a REFª: ...69, de 09.10.2023 (em que identificou, de forma inequívoca, que pretendia instaurar a ação contra a sucursal da sociedade) –, entende-se que, no caso de se admitir a intervenção da sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, no sentido de sanar a falta de personalidade judiciária, haveria lugar à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, o que depende da existência de acordo das partes, o que se não verifica (cfr. artigo 264.º, do CPCiv).

Nestes termos, julga-se verificada a exceção de falta de personalidade judiciária da Ré (sucursal sociedade Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA), absolvendo-se a mesma da instância (cfr. artigos 278.º/1,c), 576.º/1 e 577.º/c), do CPCiv).

(…)

As custas da presente ação são a cargo da Autora, fixando-se as mesmas em 1/10 do que seria devido (cfr. artigo 20.º/3, da Lei de Ação Popular).»

I.14. Inconformada com esta decisão na parte em que julgou verificada a exceção de falta de personalidade judiciária da Ré, vem a autora Citizens’Voice – Consumer Advocacy Association interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, “ao abrigo dos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1) aplicável ex vi artigo 644 (1, a) e 678 (3), todos do CPC”.

Pugnam pela revogação de tal decisão e pelo proferimento de outra que mande a ação baixar à 1.ª instância para aí prosseguir os seus termos, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1. Os autores populares, ora recorrentes, notificados do douto despacho proferido nos presentes autos e não se conformando com o mesmo, vêm interpor RECURSO DE REVISTA PER SALTUM, sobre a matéria de direito, nos termos e ao abrigo nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1) aplicável ex vi artigo 644 (1, a) e 678 (3), todos do CPC, diretamente para este COLENDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

2. O tribunal a quo, ponderada toda a matéria de facto e de direito, decidiu proferir a decisão de julgar verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré e, em consequência, absolver a mesma da instância, por entender que o estabelecimento comercial da ré, não é uma sucursal.

3. Ressalvado o devido respeito, que é o maior, o tribunal recorrido decidiu sem o acerto e ponderação que se lhe exigia o caso sub judice.

4. Assim, a única questão que importa que este Colendo Supremo Tribunal de Justiça se ocupe de responder é a de saber contra quem se dirige a ação e, então, verificar se tal sociedade, contra quem a ação foi dirigida, tem ou não personalidade jurídica, isto sem prejuízo da apreciação dos valores inerentes ao princípio da economia processual e aproveitamento dos atos praticados.

5. A ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa.

6. Sociedade que existe e tem personalidade jurídica e judiciária.

7. Foi essa sociedade que contestou, adotando um comportamento processual de ré, perfeitamente identificada, defendo inclusivamente isso em vários artigos da sua douta contestação e identificados supra em §2.

8. Tudo isto, sem prejuízo dos autores terem sustentado na petição inicial, que a ação era movida contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em Fafe, distrito de Braga, por ter sido nesse estabelecimento que os comportamentos ilícitos foram observados e por acreditarem os autores tratar-se de uma sucursal e não apenas de um mero estabelecimento comercial.

9. Assim, constatando o preenchimento, no formulário Citius, do nome da sociedade Pingo Doce… e na morada a sua sede, isto tudo no campo destinado à identificação dos réus, é a prevalência do formulário, assinalada no artigo 7 (2) da portaria 280/2013, que conta.

10. Em qualquer caso, salvo douta e melhor opinião, o tribunal a quo deveria ter adotado uma solução que favorecesse a economia processual e o aproveitamento dos atos praticados – o que é incompatível com a sentença proferida e com a postura e posição processual adotada pela ré, que reconhece o engano dos autores na qualificação do aludido estabelecimento como sucursal e, sempre se defendeu, assumindo que era a sociedade que consta no formulário Citius a ré, ou seja, ela própria e não uma qualquer outra pessoal (sucursal) inexistente.

11. Destarte, pugna-se pela procedência do recurso.

I.15. A Ré Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., veio apresentar contra-alegações, sem conclusões, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

I.16. Notificado do recurso da A. veio o Ministério Publico contra-alegar sustentando que deve o mesmo ser julgado improcedente e integralmente mantida a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Ré.

Conclui as suas contra-alegações do seguinte modo:

1. A ação foi proposta contra a sucursal da ré sita na Avenida do Brasil, em Fafe.

2. A Ré não tem sucursais, uma vez que não possui órgãos de administração local, antes dispondo de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional.

3. Estando em causa um estabelecimento comercial verifica-se a falta de personalidade judiciária, porquanto, ao contrário do que acontece com as sucursais nas circunstâncias previstas no art. 13º nº1 do Cód. de Processo Civil, os estabelecimentos comerciais não têm personalidade judiciária e não podem demandar ou ser demandados.

4. Impõe-se declarar a procedência da exceção de ilegitimidade da Ré, absolvendo-se da instância, nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 577.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC.

I.17. O recurso foi mandado subir por despacho proferido no Juízo Central Cível de Guimarães.

II. Da admissibilidade do recurso

A Autora recorrente interpôs recurso de revista per saltum, conforme previsto no artigo 678.º do CPC, o qual dispõe no seu nº 1 que:

“As partes podem requerer, nas conclusões da alegação, que o recurso interposto das decisões referidas no n.º 1 do artigo 644.º suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que, cumulativamente:

a) O valor da causa seja superior à alçada da Relação;

b) O valor da sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação;

c) As partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito;

d) As partes não impugnem, no recurso da decisão prevista no n.º 1 do artigo 644.º, quaisquer decisões interlocutórias”.

Os requisitos indicados nesta norma são cumulativos, o que pressupõe que têm de estar reunidos para que seja admitido o recurso per saltum.

No caso, todos eles se mostram verificados pelo que, decide-se, nos termos do artigo 678.º, n.º 5, do CPC, julgar admissível o presente recurso per saltum, tendo o mesmo efeito devolutivo.

III. Do objeto do recurso

Na consideração de que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), importa decidir :

- Se a Ré (não) carece de personalidade judiciária.

IV – Fundamentação de facto

Os factos relevantes para apreciação do recurso extraem-se do relatório antecedente.

V- Fundamentação de Direito

Com base nos esclarecimentos prestados pela Autora no requerimento de 09-10-2023 (Refª: ...69) o Tribunal recorrido veio entender que o sujeito processual passivo contra quem foi pretendido instaurar a ação foi o estabelecimento identificado pela Autora como sucursal da Ré localizado em Fafe.

E, sendo este um estabelecimento e não uma sucursal, as disposições dos artºs 13º do Código das Sociedades Comerciais e 13º do Código de Processo Civil, são-lhe inaplicáveis, logo, não dispõe o mesmo de personalidade judiciária, o que declarou, absolvendo a Ré da instância (cfr. artigos 278 nº1, alª c), 576 nº1 e 577 alª c), do CPC).

Mais considerou não ser aplicável ao caso o regime previsto no art. 14º do CPC, que permite a sanação da falta de personalidade judiciária das sucursais mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou a repetição do processo, porque, no caso, tal importaria uma mudança radical da causa de pedir.

A Autora contrapôs em alegações que, a única questão que importa que este Supremo Tribunal de Justiça se ocupe de responder é a de saber contra quem se dirige a ação e, então, verificar se tal entidade, contra quem a ação foi dirigida, tem ou não personalidade jurídica. Isto sem prejuízo da apreciação dos valores inerentes ao princípio da economia processual e aproveitamento dos atos praticados.

Assim, porque a ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa, sociedade que existe e tem personalidade jurídica e judiciária, e porque foi essa sociedade que contestou, adotando um comportamento processual de ré, perfeitamente identificada, alega a Autora que é esta a Ré no processo.

Tudo isto, sem prejuízo da Autora ter sustentado na petição inicial, que a ação era movida contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em Fafe, distrito de Braga, por ter sido nesse estabelecimento que os comportamentos ilícitos foram observados e porque confiava tratar-se de uma sucursal e não apenas de um mero estabelecimento comercial.

Vejamos, pois.

Nos termos do nº 1 do art. 11º do Código de Processo Civil, “a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte”.

Dispondo o nº 2 que, “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária” (critério da coincidência).

De acordo com o art. 13º nº 1 do CPC “as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado” (critério da afetação do ato).

Nos termos do art. 5º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras.”

Conforme preceitua o art. 13 do CSC:“1 - Sem dependência de autorização contratual, mas também sem prejuízo de diferentes disposições do contrato, a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro; 2 - A criação de sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação depende de deliberação dos sócios, quando o contrato a não dispense.”

Para decidir se a Ré carece ou não de personalidade judiciária, e se da mesma carecendo, é esta suprível, importa apreciar previamente contra quem foi movida a ação.

Sendo a petição inicial a peça que identifica as partes, de acordo com o nº 1 alª a) do art. 552º do CPC.

Dispondo o seu nº 2 que “Para o efeito da identificação das partes que sejam pessoa coletiva nos termos da alínea a) do número anterior, o mandatário judicial constituído pelo autor que apresente a petição por via eletrónica indica o respetivo número de identificação de pessoa coletiva ou, relativamente às entidades não abrangidas pelo regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o seu número de identificação fiscal, ficando esta identificação sujeita a confirmação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, o qual devolve, para validação, os dados constantes das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, consoante os casos.”

O presente litígio revela-se idêntico ao recentemente julgado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de março de 2025, P. 5623/23.7T8BRG.S1 (Catarina Serra) in www.dgsi.pt, cuja fundamentação e decisão tem a nossa concordância e que por isso acompanhamos de perto.

Analisada a petição inicial, resulta percetível quem demanda e quem é demandado.

Assim:

CITIZENS' VOICE - CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION et al. vêm, ao abrigo do artigo 31, do Código de Processo Civil (“CPC”), e artigos 2 (1), 3 e 12, da lei 83/95, e artigo 3 e 19, da lei 23/2018, intentar ACÇÃO DECLARATIVA POPULAR DE CONDENAÇÃO, SOB A FORMA ÚNICA DE PROCESSO, nos termos do disposto do artigo 548, aplicável ex vi, artigo 546 (2), ambos do CPC, contra PINGO DOCE – DITRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., (doravante apenas “ré”)…”.

A seguir, na parte reservada à identificação das partes, é mencionado:

PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, SA., (doravante apenas “ré”), pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa, tem sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, distrito de Lisboa” (cfr. § 1, artigo 19.º da p.i).

Decorre de vários pontos do articulado que Autora identifica como Ré a Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A.

Nomeadamente os seguintes:

- “A ré dedica-se, nomeadamente, à distribuição alimentar, por intermédio de venda ao público no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar” (cfr. § 1, artigo 23.º da p.i.).

-A ré é um dos maiores operadores na distribuição alimentar a retalho, detendo, nesse posicionamento de mercado, uma posição de domínio” (cfr. § 1, artigo 26.º da p.i.).

- “(…) a ré dedica-se comercialmente à venda ao público, no mercado nacional de distribuição retalhista, de produtos alimentares, nomeadamente na sua sucursal, com estabelecimento na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe Portugal” (cfr. § 2, artigo 27.º da p.i.).

- “O comportamento da ré descrito no número anterior é aquele que esta adota para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor – embora, neste caso, confinado e por decisão da sua sucursal na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal.” (cfr. artigo 28.º da p.i.)

-São factos a identidade das partes conforme § 1 supra e que aqui se dão como reproduzidos, nomeadamente, mas não exclusivamente, que ré se dedica à distribuição alimentar, por intermédio de venda ao público no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar, facto que é público e notório, não carecendo de prova e nem de alegação, uma vez que são do conhecimento geral” (cfr. artigo 36.º da p.i.).

-A ré comercializa produtos alimentares e não alimentares na sua loja de venda ao público, localizada na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal” (cfr. artigo 37.º da p.i.).

-Como já supra referido no § 1:

1. a ré detém uma posição dominante nos mercados relevantes;

2. A ré é um dos maiores operadores na distribuição alimentar a retalho, detendo, nesse posicionamento de mercado, uma posição de domínio” (cfr. artigo 55.º da p.i.).

-a) Qualificação da ré

A ré é uma pessoa coletiva que exerce, com carácter profissional, em Portugal, um Estado membro na União Europeia, uma atividade económica que visa a obtenção de benefícios, por intermédio da venda ao público de produtos alimentares, estando por isso sujeita, em especial, ao disposto nos artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84, artigo 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90, artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018, artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008, artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96, artigo 11, da lei 19/2012, artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/CE, artigo 3, da diretiva 2006/114/CE, artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/CE, diretiva 2014/104/UE e artigo 102, do TFUE, este último por via de ser um dos maiores operadores na distribuição alimentar a retalho, detendo, nesse posicionamento de mercado, uma posição de domínio” (cfr. artigo 56.º da p.i.).

É certo que, neste mesmo articulado, a Autora se refere à sucursal, como sendo a entidade a quem é dirigida a ação (§26) e que “que a sucursal, atenta a essa qualidade, adota a mesma denominação social PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A. e demais identificação de pessoa coletiva e fiscal, assim como a marca comercial PINGO DOCE. Portanto, a ré é a mesma entidade, que tem sede em Lisboa, tal como identificado no artigo 19, da petição inicial, e sucursal com estabelecimento na morada identificada no artigo 20, da petição inicial, sendo sobre esta última, sucursal que a ação é movida.”

E é certo também que, quando notificada para esclarecer se a ação se mostra proposta contra a pessoa coletiva PINGO DOCE –DITRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A. (com sede na Rua Actor António Silva, 7, 1649-033, Lumiar, Lisboa) ou contra a sucursal desta (com estabelecimento em Fafe), e ainda, para esclarecer se a imputação material do facto ilícito é efetuada apenas à sucursal (por ter sido decidida apenas por esta) ou à administração da pessoa coletiva da qual aquela faz parte”, veio a Ré fazê-lo, dizendo:

Conforme consta no artigo 20, 27, 28, 37 e ainda nos §§ 9 e 26 tudo da petição inicial fica claro que a ação é movida contra a sucursal da ré PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A, localizada na morada que costa no artigo 20 e não contra a sua sede.

Mais se esclarece, tal como consta no § 9 da petição inicial que a ação é movida contra a sucursal pelos ilícitos por esta praticados.

Ou seja, nestes esclarecimentos a Ré parece pretender afirmar que demanda a sucursal e que sucursal e sociedade se confundem.

Mas, já depois da contestação da Ré Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA, quando notificada para se pronunciar por escrito sobre eventual verificação da exceção de falta de personalidade judiciária da Ré, veio fazê-lo (25.09.2024), dizendo agora:

“A ação foi proposta, tal como consta no formulário e na petição inicial, contra a sociedade PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa.

Sociedade que existe e tem personalidade jurídica e judiciária.

No entanto, os autores sustentam, na petição inicial, que a ação é movida contra os factos praticados na sucursal da supra referida sociedade, com estabelecimento em Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, por ter sido nesse estabelecimento os comportamentos ilícitos foram observados.

Assim, primariamente, a ação é intentada contra uma sociedade identificada, com personalidade jurídica e judiciária. Sendo, no entanto, os factos que sustentam a causa, sido praticados no supra referido e específico estabelecimento.

(…)

Quem efetivamente contestou a ação foi a sociedade identificada no formulário Citius: PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., pessoa coletiva 500829993 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial de Lisboa tem sede Rua Actor António Silva, n.º 7, em Lisboa, e não outra entidade.”

Deste conjunto algo desordenado de afirmações resulta percetível, com predominância para a petição inicial e esclarecimento de 25-09-2024, que a ação se mostra intentada contra a sociedade anónima, com sede em Lisboa. Sendo que, apenas porque os factos que sustentam a causa foram praticados no estabelecimento desta, localizado na Avenida do Brasil, 4820-121, Fafe, Portugal, e que erradamente se supôs de sucursal, este estabelecimento foi integrado a par daquela.

Por esta razão, a “sucursal” da ré estabelecida em Fafe estaria, na visão da Autora, igualmente comprometida.

Não permitindo a sua individualização outra explicação, que não a de ter sido o local onde os factos se revelaram.

É à luz deste contexto que importa interpretar as afirmações da autora nem sempre coerentes de que “a ré é a mesma entidade, que tem sede em Lisboa, tal como identificado no artigo 19, da petição inicial, e sucursal com estabelecimento na morada identificada no artigo 20, da petição inicial, sendo sobre esta última, sucursal que a ação é movida.”

A “Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A.” é, como a sua firma indica, uma sociedade anónima, com a sua sede localizada em Lisboa, estando dotada de personalidade jurídica desde a data do registo definitivo do ato pelo qual se constituiu (cfr. art. 5.º do CSC) e, consequentemente, dotada de personalidade judiciária.

Sendo ela a parte contra quem se dirigiu a ação mostra-se dotada de personalidade judiciária (art. 11 nºs 1 e 2 do CPC e art. 5ª do CSC).

Como tal, indiferente se mostra a falta de qualidade de sucursal por parte do estabelecimento comercial, não sendo este parte no processo.

Diga-se, por fim que, mesmo que se entendesse que a Autora havia demandado exclusivamente a “sucursal” e não – nem sequer adicionalmente – a Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., o tribunal deveria, em observância do princípio da economia processual, da necessidade de evitar a realização de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC) e, acima de tudo, do seu dever de gestão processual [cfr., em especial, os artigos 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, al. a), do CPC], considerar a hipótese de suprimento da falta da personalidade processual nos termos legais aplicáveis.

Importa, assim, julgar procedente o recurso.

Em suma:

1- O estabelecimento comercial da Ré, não sendo sucursal, não tem personalidade jurídica nem judiciária.

2 - Quando das peças processuais da Autora, em particular da petição inicial, surja seguro que quando se refere indiferenciadamente a “sucursal”/estabelecimento comercial não quis afastar da demanda a sociedade, referindo-se àquelas apenas como entidades de que se compõe a sociedade comercial e, onde os factos foram praticados, não pode julgar-se verificada a falta de personalidade judiciária da Ré.

VI- Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:

a) conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão de absolvição da instância da Ré por falta de personalidade judiciária;

c) determinar a baixa ao tribunal recorrido para o prosseguimento dos autos.

Custas a final.

Lisboa, 09 de abril de 2025

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Rosário Gonçalves (1ª Adjunta)

Ricardo Costa (2º Adjunto)

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1. Leia-se “inferior”.