Sumário
I. O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado.
II. O conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objeto em debate), não requerendo a tríplice identidade exigida pela exceção do caso julgado.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA e BB instauraram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e J..., Lda, pedindo que se condene as Rés a pagar a quantia de €100.000,00, referentes ao dano morte; a quantia de €100.000,00, a título de danos não patrimoniais, relativos aos danos por si sofridos, após o falecimento inesperado do marido e pai, respetivamente; a quantia de €15.000.00, referente aos danos sofridos pelo malogrado antes de falecer; a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde 03-07-2017 até efetivo e integral pagamento.
Articularam, com utilidade, que DD, marido da Autora e pai do Autor, em ... de janeiro de 2017 , foi contratado pelas Rés (a primeira é gerente da segunda) para desempenhar na 2ª Ré as funções de acabador de primeira, mediante a retribuição ilíquida mensal de 634,20 €.
Em ... de julho de 2017, DD sofreu um acidente de trabalho que lhe causou morte, sendo que tal acidente teve origem na violação, por parte das Rés, dos deveres que sobre elas impendiam relativamente aos riscos da atividade exercida e de prestação de formação ao malogrado trabalhador, riscos e falta de formação que foram a causa necessária e adequada das lesões corporais que provocaram a sua morte.
O malogrado DD, à data do acidente, tinha 50 anos de idade. A sua morte causou profunda depressão e tristeza aos Autores, não sendo capazes de ultrapassar a sua perda. Entre o acidente e a sua morte, o malogrado DD sentiu extrema agonia, sofrimento, desespero e impotência, na medida em que tinha enorme dificuldade em respirar e tinha consciência de que acabaria por sucumbir.
2. Regularmente citadas, contestaram as Rés, impugnando os factos relatados pelos Autores, excecionando a litispendência e o erro na forma do processo, uma vez que o processo próprio é a ação prevista no art.º 18º nº 1 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), que os Autores instauram no Tribunal de Trabalho e aí corre termos.
3. Dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, tendo o Tribunal conhecido das invocadas exceções nos seguintes termos: “– “(…) Tendo em conta a data do acidente dos autos – 3 de Julho de 2017 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art. 188.º. O art. 17.º da mencionada Lei n.º 198/2009, sob a epígrafe de “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, refere o seguinte: (…)
Deste normativo podemos concluir que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito.
É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, que veda a possibilidade de cumulação delas, sob pena de enriquecimento sem causa, ou sob pena de estarmos perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes. São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
Diga-se ainda, que no que se refere a danos não patrimoniais, eventualmente fixados no âmbito da acção de responsabilidade civil emergente do acidente de viação, os mesmos estão excluídos para efeitos de desoneração, uma vez que, por regra, no domínio infortunístico laboral tais danos não são indemnizáveis (cf. arts. 23.º a 25.º e 47.º a 69.º da Lei n.º 198/2009).
Em suma, nos presentes autos, é evidente que as rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido, visto que não fizeram observar as regras e normas de segurança aplicáveis ao exercício da concreta actividade da sociedade; nos autos de trabalho a aqui 2.ª ré respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho. Apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as acções, embora com substituição da seguradora pela aqui 1.ª ré – gerente da sociedade/entidade patronal, já quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo.
Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho).
Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 “a concorrência de responsabilidades civil e laboral, ou também chamada infortunística, origina uma obrigação solidária, mas imprópria ou imperfeita e ao contrário do que ocorre na solidariedade obrigacional (art. 523.º do CC) o pagamento da indemnização pelo sinistro laboral não produz a extinção, ainda que parcial, da obrigação comum”, não liberando assim o responsável por esta, e se a indemnização paga por este extingue a obrigação a cargo da entidade patronal ou da respectiva seguradora, já o inverso não pode verificar-se.
Mais, só o eventual e efectivo pagamento ao sinistrado/seus familiares das indemnizações fixadas na acção civil e em relação às quais ocorre duplicação por parte dos responsáveis aí considerados tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade e correspondente obrigação do respectivo pagamento por parte dos responsáveis laborais, o que não sucedeu sequer no caso.
Assim, não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na acção especial n.º 3568/17.9T8BRG, nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, improcedendo na totalidade toda a matéria de excepção invocada pelas rés na sua contestação.”
4. Identificou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
5. Realizou-se a audiência final.
6. Determinou-se a reabertura da audiência a fim de ser junta uma certidão.
7. As Rés arguiram a nulidade desse despacho, questão que foi apreciada como questão prévia na sentença, tendo-se decidido julgar não verificada a arguida nulidade.
8. Foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
- condenar as Rés CC e J..., Lda, solidariamente, a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 135.000,00 € (cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- absolver as Rés do demais peticionado;
- condenar Autores e Rés no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC), e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Autores».
9. Inconformadas com o decidido, quer no saneador, quer na sentença, apelaram as Rés, tendo a Relação, conhecendo do objeto do recurso, proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação das Rés, revogando o despacho saneador recorrido e, em sua substituição, decidem julgar procedente a excepção do caso julgado e, consequentemente, absolver as Rés da instância. Custas pelos Autores em ambas as instâncias.”
10. Irresignados, os Autores/AA e BB interpuseram revista, aduzindo as seguintes conclusões:
“I. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães,
II. Acórdão esse que inesperadamente revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância,
III. A qual, e muito bem, julgou a ação “parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu condenar as Rés CC e J..., Lda, solidariamente, a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 135.000,00 € (cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.”
IV. Com efeito, e na sequência da referida Sentença proferida pelo Juízo Central Cível de ..., as Rés interpuseram Recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães,
V. O qual demagogicamente julgou procedente a apelação das Rés e decidiu revogar o Despacho Saneador Recorrido,
VI. E, em sua substituição, decidiu julgar procedente a exceção do caso julgado e, consequentemente, absolver as Rés da Instância.
VII. Nesse contexto, o presente Recurso de Revista, interposto pelos Autores surge na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães,
VIII. Já que, conforme resulta das alegações, não existe dupla conforme, nos termos e para os efeitos do Artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
IX. Nessa conformidade, tendo na devida consideração a inexistência de dupla conforme, nos termos supra invocadas, e da recorribilidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação,
X. O presente Recurso de Revista deve ser admitido,
XI. Conforme V/Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão, só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material,
XII. E, consequentemente, julgar totalmente procedente, revogando na integra o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
XIII. Posto isto, é de salientar que os Recorrentes vêm interpor o presente Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça por não se conformarem, de forma alguma, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães,
XIV. Uma vez que o mesmo constitui um gravíssimo atropelo da Justiça e das Regras Processuais adjetivas e substantivas com a qual os Recorrentes não se podem conformar,
XV. Encontrando-se ao total arrepio do Direito, da Lei e da Justiça,
XVI. Restando aos Recorrentes o Supremo Tribunal De Justiça, como última instância superior, sendo V/Exas., Colendos Conselheiros o derradeiro esteio e vivo impedimento dessa flagrante violação do Direito e do bom senso que o Acórdão recorrido opera,
XVII. Acórdão através do qual a justiça, material e formal, foi sonegada através da inopinada e injusta procedência da exceção do caso julgado,
XVIII. Que culminou na absolvição das Rés da Instância e consequentemente na necessidade económica e financeira dos Autores,
XIX. Que na sequência de um acidente de Trabalho viram o Marido e Pai, respetivamente, falecer, e com o Acórdão de que se recorre, não receberão qualquer quantia a título indemnizatório,
XX. Nessa perspetiva, afigura-se incompreensível e impossível de acolher de forma sã e Justa no complexo normativo-judicial português, a decisão do Tribunal da Relação,
XXI. Porquanto só poderia ser no sentido de confirmar esta última,
XXII. Que perante a exceção de caso julgado alegada pelas Rés, perentória e sapientemente afirmou que não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na Acão especial n.º 3568/17.9T8BRG,
XXIII. Nem se verificava caso julgado ou qualquer erro na forma do processo.
XXIV. E tudo isto porque, apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as ações, a causa de pedir destes autos é totalmente distinta da do processo laboral,
XXV. E assim o é pois nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado,
XXVI. Ao passo que, conforme bem fez referência o Despacho Saneador, nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias.
XXVII. Todavia, singularmente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, obliterando toda a argumentação esgrimida não só pelo Despacho Saneador recorrido como pelos Recorridos nas contra-alegações apresentadas, proferiu um Acórdão dissociado da realidade e totalmente injusto,
XXVIII. Desprovido de fundamento a todos os títulos e eivado de injustiça e equidade, é imprudente e dissociada da realidade,
XXIX. O que é manifestamente gravoso e oneroso para os Autores, ora Recorrentes.
XXX. Para tanto, o Tribunal da Relação de Guimarães escudou-se com o argumento de o Tribunal “a quo”, Juízo Central Cível de ..., estava impedido de conhecer o mérito da presente ação, por tal obstar o caso julgado formado pela Sentença e Acórdão que a confirmou, prolatados no processo n.º3568/17.9T8BRG.G1, que correu termos no Tribunal de Trabalho de ....
XXXI. Acontece, porém, que jamais os Autores poderão anuir e aceitar o Acórdão agora sindicado,
XXXII. Porquanto, com a manutenção do mesmo, o que jamais se concebe, manter-se-á a injustiça e iniquidade para com os Autores, aqui Recorrentes,
XXXIII. Que, tendo já decorrido mais de 07 (Sete) anos desde o falecimento do Marido e Pai respetivamente, não receberam qualquer quantia indemnizatória,
XXXIV. E a manter-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, jamais receberão,
XXXV. Ora, nesta senda, e em jeito de conclusão, jamais poderia o Acórdão recorrido, decidir pela procedência da exceção dilatória do caso julgado,
XXXVI. Muito menos considerar que a pretensão formulada contra a Ré Entidade Patronal na 1.ª ação e contra a mesma Ré e a sua legal representante na presente ação e os factos alegados em ambas as ações, estribam na responsabilidade subjetiva de ambas as Rés,
XXXVII. E menos ainda que ambas as ações emergem de facto jurídico genético reclamado comum a ambas,
XXXVIII. Aliás, conforme resulta do Despacho Saneador proferido nos presentes autos, sindicado pelo Réus aquando da apelação, e revogado pelo Acórdão de que se recorre, os Autores, podiam, como fizeram, optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum),
XXXIX. Figurando como indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral,
XL. Além disso, e no que à alegada exceção do caso julgado, cabe firmar que na presente ação as Rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido,
XLI. Ao passo que nos autos do Processo de Trabalho a 2.ª ré apenas respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho.
XLII. Destarte, e não obstante a identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as ações,
XLIII. O mesmo não se pode dizer quanto à causa de pedir,
XLIV. Pois veja-se e atente-se que nos autos em sindicância, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que a morte decorreu do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas.
XLV. E nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu e reside no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias,
XLVI. Desse modo é inevitável concluir, por todas as razões e mais algumas, que entre a ação laboral e a presenta ação inexiste, absolutamente, identidade de causa de pedir,
XLVII. Pois a pretensão deduzida nas duas ações não procede do mesmo facto jurídico,
XLVIII. Sendo completamente antagónicas e distintas,
XLIX. Já que a presente ação funda-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do Artigo 483º do Cód. Civil, na sequência da condenação das Rés pela prática de um crime de violação de regras de segurança,
L. Que conduz, impreterivelmente, à indemnização dos Recorrentes, pelos danos resultantes daquela violação, pois é exclusivamente sobres estas que impende a obrigação de indemnizar,
LI. Por tudo isso, muito mal andou o Tribunal da Relação De Guimarães, no Acórdão recorrido, ao decidir pela procedência da exceção dilatória do caso julgado,
LII. Pois resulta, claramente e a todas as luzes, que não se verifica no caso em apreço nem a exceção de caso julgado (formal ou material) e/ou de autoridade do caso julgado,
LIII. E, portanto, nessa conformidade, V/Exas., Colendos Juízes Conselheiros, sufragando todo estes justos entendimentos, revogarão o Acórdão recorrido,
LIV. Acórdão esse que para além de injusto e demagógico, é imprudente,
LV. Visto que era imperioso concluir que inexiste qualquer identidade de causa de pedir e pedido, na medida em que a causa de pedir naquele processo laboral (Processo n.º 3568/17.9T8BRG) é, objetivamente, o acidente de trabalho,
LVI. Isto é, acidente que vitima pessoa vinculada por contrato de trabalho - e a responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) da entidade patronal (transferida a responsabilidade, por contrato de seguro, para a Companhia de Seguros GG – art. 7.º e 79.º, n.º 1, da LAT) e o pedido e respetiva condenação são as prestações fixas definidas por lei a que o trabalhador tem direito no âmbito dessa responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) – previstas no art. 23.º, 47.º, 48.º e segs. da LAT.
LVII. Todavia, em momento algum daquela sentença foi apreciada ou decidida a questão da violação culposa das regras de segurança por parte da entidade empregadora (ou de outra entidade responsável) ou dos danos emergentes dessa violação.
LVIII. Ao invés, e na presente ação comum, a causa de pedir tem na sua génese a prática de um crime de violação das regras de segurança e são peticionados danos (Patrimoniais e não patrimoniais) ocasionados pela prática desse mesmo crime.
LIX. Por tudo isso, é de inferir, incontornavelmente, que ao invés do inopinadamente decidido pelo Acórdão recorrido, em nada são coincidentes a causa de pedir, o pedido, ou o conhecimento oficioso feito no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (que correu termos no Tribunal de Trabalho de ...), e a causa de pedir e o pedido formulado nos presentes autos,
LX. Já que, a condenação no processo laboral em nada colide com a condenação feita pela 1.ª Instância no âmbito dos presentes autos,
LXI. Os danos em causa têm natureza distinta, inexistindo qualquer risco de sobreposição ou reprodução da condenação laboral,
LXII. Porquanto, no processo laboral a condenação incide sobre a fixação das prestações especialmente previstas na LAT com fundamento no acidente de trabalho e na responsabilidade objetiva da Entidade empregadora,
LXIII. Não se encontrando precludido o direito do Autores (Esposa e Filho do Falecido) de reclamar danos (Patrimoniais e não patrimoniais) ocasionados pela prática do crime de violação das regras de segurança, no respetivo processo-crime.
LXIV. E quanto a esta matéria, thema decidendum, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é dominante,
LXV. Que defende que as decisões laborais, apenas têm força de caso julgado material quanto à fixação das pensões/indemnizações (especialmente previstos na LAT) arbitradas no âmbito da responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) da entidade empregadora,
LXVI. E não percludem, nem tampouco impedem, o direito do lesado de vir a reclamar uma indemnização civil, por danos não patrimoniais (Artigo 483.º do Código Civil e seguintes.) pela prática de um ilícito penal,
LXVII. Neste sentido encontra-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que assumiu que a condenação em processo laboral e a condenação em processo cível não se excluem, ou dito de outra forma, não viola o caso julgado: Acórdão do STJ de 11-10-2018, Revista n.º 826/14.8T8GRD.C1.S2 - 7.ª Secção[24],
LXVIII. Tudo isto a significar, inelutavelmente, que os valores objetivamente fixados no processo laboral e a indemnização “subjetivamente - danos não patrimoniais”, fixada nos presentes autos (emergente do crime), são complementares entre si e não excludentes, e com esta interpretação inexiste qualquer violação de caso julgado,
LXIX. Acontece que o Acórdão de que se recorre está completamente descontextualizado e dissociado de tudo isso,
LXX. Porquanto, tratando-se a causa de pedir, como facto jurídico de que precede a pretensão deduzida, a mesma consubstancia-se na factualidade alegada pelos Autores como fundamento do efeito-prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o Tribunal deva atender ao abrigo do Artigo 5.º n.º 3 e nos limites do Artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
LXXI. Pois que, como é assente pera doutrina e jurisprudência recente e dominante “para delimitar a causa de pedir não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, impondo-se a apreciação da sua relevância aplicável em função da espécie de tutela jurídica pretendida” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Setembro – Coletânea de Jurisprudência n.º 291 – Ano XXVI – TOMO III/2018 – Pág. 233,
LXXII. E quanto a este tema, é facto notório que não carece de alegação nem de prova, que a causa de pedir da ação laboral é completamente distinta da causa de pedir da presente ação,
LXXIII. Na medida em que não estando os Autores sujeitos a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na ação que venha a ser proposta, de acordo com o princípio do dispositivo,
LXXIV. Os Autores, aquando da propositura da Ação Laboral não dispunham, como vieram posteriormente a dispor, de um Acórdão transitado em julgado, que condenou as Rés pela prática de um ilícito penal, que resultou na morte do sinistrado,
LXXV. Acresce que, no caso in merito, estamos perante um facto superveniente, ou seja, a violação das regras de segurança no âmbito de tal processo crime, tal facto que é superveniente à Ação laboral, que nunca poderia ser antes,
LXXVI. Ou seja, por esse facto, não se poderia ser pedido antes, em sede laboral,
LXXVII. O que leva forçosamente a concluir que no caso em apreço a causa de pedir é diferente, pela que tem de se afastar a autoridade de caso julgado,
LXXVIII. Até porque, conforme resulta dos presentes autos, os Autores intentaram ação especial emergente de acidente de trabalho e pedido de prestação por morte no Tribunal de Trabalho de ... no dia 31 de Julho de 2018,
LXXIX. E apenas foi proferido Despacho de Acusação contra as Arguidas naquele processo-crime no dia 04 de Setembro de 2018,
LXXX. Logo, resulta claro, a todas as luzes, que há data da propositura da Ação Laboral, jamais os Autores conheciam que a morte do sinistrado ocorreu por violação das regras de seguranças, conforme vieram a ser condenadas as Rés nestes autos,
LXXXI. Visto que é diversa a “ação posterior quando seja diferente da primeira o facto constitutivo invocado, enquanto acontecimento concreto e não como facto jurídico abstrato, interessando, sobretudo, a alteração do núcleo fáctico essencial” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08 de Março de 2018 – Coletânea de Jurisprudência n.º 286 – Ano XXVI – TOMO I/2018 – Pág. 245,
LXXXII. Assim, e por tudo isto, cumpre salientar, nesta sede, que o Acórdão recorrido faz tábua rasa de toda a factualidade alegada nos presentes autos e da evidente e incontornável distinção entre as causas de pedir,
LXXXIII. Olvidando, por completo, que o Direito é a vida vista do outro lado do espelho e numa base puramente teórica, ou sejam numa base puramente lógica, nem sequer lógico-jurídica, e muito menos teleológica,
LXXXIV. Pelo que não se pode, de forma alguma, aceitar o Acórdão recorrido, na parte em que reconhece a verificação da exceção dilatória do caso julgado,
LXXXV. “O contrário seria um puro culto de formalismo e conduziria, no fim, a uma deslegitimação do próprio direito.”
LXXXVI. Porquanto, “A realização da Justiça, convém não esquecermos, é a finalidade última do Direito, o seu Alfa e o seu Ómega. Não se pode nunca perder de vista, como destaca, de forma especialmente feliz, eloquente o mesmo Engisch: Um direito justo faz parte do sentido do mundo.”
LXXXVII. E o Acórdão recorrido, é, além do mais, a todos os títulos, injusto, pelo que deve ser revogado,
LXXXVIII. Conforme V/Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente farão, a bem da justiça material e formal.
Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Juízes Conselheiros doutamente suprirão, se requer seja admitido o presente recurso e recebidas as respetivas alegações e, considerada a matéria constante das mesmas seja o presente Recurso de Revista julgado procedente por provado, revogando-se o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos peticionados e, decidindo em conformidade, reporão os Colendos Juízes Conselheiros Inteira, Sã e Merecida JUSTIÇA!”
11. As Recorridas/Rés/CC e J..., Lda apresentaram contra-alegações, enunciando as conclusões adiante consignadas:
“1. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica propugnados pelos Autores Recorrentes, afigura-se às Rés aqui Recorridas que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura, na medida em que não violou qualquer preceito legal, sendo inteiramente certa e pertinente a respetiva fundamentação.
2. Por este motivo deverá manter-se o sentido da decisão proferida e, consequentemente, devem os presentes autos ser julgados totalmente improcedentes.
3. Antes porém de entrarmos no mérito do recurso, importa atentar que qualquer recurso está sujeito a determinados requisitos, designadamente, de natureza processual, sendo que, no que concerne aos recursos de revista, temos ainda que os mesmos versam apenas sobre matéria de direito.
4. Sobre tais requisitos, importa considerar que, ao contrário do regime previsto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC, os Recorrentes não só não concretizaram o respetivo fundamento, como não indicaram as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no seu entender deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, nem assim as normas jurídicas que, no seu entendimento, deveriam ter sido aplicadas.
5. De facto, cabe a qualquer recorrente um duplo ónus: o de (i)indicar com precisão, o que entende que foi mal julgado e o de (ii) propor a solução que entende que melhor se adequa à aplicação da lei, sendo que esta proposta de solução há de ser concreta, precisa e susceptível de rigorosa apreciação pelo Tribunal de recurso, designadamente na perspectiva do direito cuja aplicação resultaria numa decisão mais conforme com a lei, ou com o direito, no entendimento do recorrente.
6. Não tendo procedido dessa forma, as alegações dos Recorrentes constituem a melhor demonstração de que não foram violadas quaisquer normas por parte do Tribunal recorrido.
7. Ora, tendo presente que qualquer recurso se encontra balizado pelas conclusões das alegações dos respetivos Recorrentes, ao procederem como procederam, os Recorrentes vedaram a este Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do recurso a que ora se responde, não sendo o mesmo, sequer, admissível.
8. Atento o exposto, devemos concluir pela inadmissibilidade do recurso a que se responde, desde logo considerando que o conhecimento do seu objeto se encontra definitivamente obstruído.
9. Sem conceder quanto ao acima exposto, caso assim não se entenda, o que não se concede, e considerando agora os fundamentos do recurso apresentado pelos Recorrentes, importa chamar a atenção para o facto dos Recorrentes fazerem claramente uso de manobras de diversão, através da exposição de diverso conteúdo sem qualquer propósito para a resolução da questão aqui em discussão, pelo que não podemos deixar de nos manifestar negativamente perante tais ações.
10. No entanto, e sem conceder, fazendo um grave esforço de análise, os Recorrentes parecem fundamentar as suas alegações em dois argumentos principais: (1) o regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho e (2) a inexistência de situação de caso julgado.
11. Ora, sobre o regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho, note-se que os Recorrentes propugnam, e bem, pela distinção e não confusão entre responsabilidade civil e da responsabilidade em sede de acidente de trabalho.
12. No entanto, sem prejuízo das evidentes diferenças existentes entre a responsabilidade civil e a responsabilidade em sede de acidente de trabalho, o que de forma alguma se ignora, cumpre tomar em consideração que existe um regime legalmente previsto de complementaridade e conciliação entre os dois regimes de responsabilidade, o qual os Recorrentes deliberadamente pretendem ignorar.
13. De facto, “esquecem-se” os Recorrente que no Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (“LAT”) se encontra prevista uma exceção ao regime da complementaridade entre a responsabilidade civil e da responsabilidade em sede de acidente de trabalho, a qual vem prevista no artigo 18.º, n.º 1.
14. Prevendo esse regime que, em caso de violação de regras de segurança, a reparação do acidente em sede de acidente de trabalho abrange não apenas os danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador sinistrado, mas também os danos não patrimoniais, sendo o trabalhador indemnizado nos termos gerais, isto é, nos termos do Código Civil (“CC”), concretamente, dos artigos 483.º, 496.º e 562.º e ss do CC).
15. Tendo sido precisamente com esse fundamento que nos autos de acidentes de trabalho os Autores ora Recorrentes peticionaram precisamente as indemnizações que reclamam nestes autos, tendo invocado de forma expressa o regime do artigo 18.º da LAT.
16. Realidade esta que, tendo sucedido, como de facto sucedeu, inibe os Autores Recorrentes de peticionar nos presentes autos as mesmas indemnizações pelos mesmos danos que já peticionaram em sede de acidentes de trabalho, sob pena de desrespeito pelo caso julgado e pela autoridade do caso julgado.
17. O que, se assim não fosse, estaria aberta a porta para uma eventual duplicação de indemnizações pelos mesmos danos, caso ambos os processos (civil e de acidentes de trabalho) fossem julgados procedentes, ou para uma eventual contradição de julgados, caso apenas um desses processos fosse julgado procedente, o que jamais poderá admitir-se.
18. Deste modo, verificando-se que foi aplicado o disposto no artigo 18.º, n.º 1 da LAT em sede de acidentes de trabalho e, nessa sequência, tendo os Autores Recorrentes peticionado uma indemnização pelos exatos mesmos danos que peticionam nos presentes autos, estes não podem deixar de improceder com fundamento na verificação da exceção do caso julgado.
19. Por sua vez, invocam os Recorrentes uma alegada situação de inexistência de caso julgado, por falta de identidade da causa de pedir.
20. O que tampouco se poderá admitir conforme acabamos de verificar, devendo ser aplicados todos os efeitos do caso julgado, nos termos do artigo 581.º do CPC, desde logo porque a alegação dos Recorrente é baseada em meras manobras linguísticas sem qualquer substância ou fundamento, com o único propósito de transparecer a verificação de uma situação que, na realidade, não existe.
21. Com efeito, os Recorrentes pretendem ludibriar V.Exas. no sentido em que estão aqui em causa realidades factuais distintas, quando, ao invés, tratamos de uma única realidade de facto.
22. Com efeito, se atentarmos no verdadeiro conceito de causa de pedir, decorrente do n.º 4do artigo 581.º do CPC, é possível verificar que a causa de pedir nada mais é do que o facto jurídico que faz nascer a pretensão dos Autores Recorrentes.
23. Ora, no presente caso, tanto em sede de acidentes de trabalho, como em sede civil (dos presentes autos), a causa de pedir corresponde ao exato mesmo processo naturalístico, o evento danoso, que originou a morte do pai/marido dos Autores Recorrentes, o qual é único.
24. Pelo que outra não pode ser a conclusão que não a de se verificar uma identidade da causa de pedir num processo e noutro.
25. Não relevando aqui minimamente a superveniência invocada pelos Recorrentes, a qual se trata de uma superveniência meramente processual/judicial, mas jamais fática, precisamente porque os únicos factos que verdadeiramente importam ocorreram num mesmo e único dia, o dia do acidente que vitimou o marido/pai dos Autores.
26. Por último, importa repormos a verdade jurídica inerente aos efeitos do caso julgado, designadamente, na sua vertente negativa, enquanto exceção do caso julgado.
27. Exceção esta que proíbe a repetição de uma decisão sobre uma mesma pretensão ou questão, no sentido em que apenas uma decisão pode ser produzida sobre um mesmo objeto processual, impedindo o poder jurisdicional de produzir uma segunda decisão, no mesmo sentido ou em sentido contrário à anteriormente proferida.
28. Está em causa um princípio de estabilização das decisões judiciais, no sentido em que um tribunal não poderá afastar uma anterior decisão já proferida, independentemente de a mesma lhe ser alheia ou ser sua. 29. Nesse sentido, acolhemos na totalidade o entendimento do Tribunal a quo, vertido no acórdão recorrido, segundo o qual “são princípios basilares do Estado de Direito os da certeza e segurança jurídicas, seja ao nível legislativo, seja ao nível dos atos da administração ou dos Tribunais (sentenças)”.
30. Pelo que não merece qualquer censura a decisão plasmada no Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, no sentido em que “mesmo que se entendesse que os Autores podiam exigir a indemnização dos danos decorrentes da morte do respetivo marido e pai, com base na responsabilidade subjetiva da entidade patronal e da respetiva legal representante, na jurisdição cível, ao instaurarem previamente ação na jurisdição laboral, também com fundamento na responsabilidade subjetiva (art.º 18º nº 1 da LAT), ou seja, nos termos gerais, sempre estaria precludida a possibilidade de novamente demandarem a entidade patronal e a sua legal representante, com o mesmo fundamento e pretensão jurídica, na jurisdição cível.”
31. Termos em que, por falência de todos os respetivos fundamentos, o recurso a que ora se responde deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, o recurso a que ora se responde:
a. Não deverá ser admitido/ser rejeitado, por incumprimento das regras processuais que disciplinam o recurso da matéria de direito;
Caso assim não se entenda, sem concedermos,
b) Deverá ser julgado totalmente improcedente, por falência de todos os respetivos fundamentos, mantendo-se a decisão recorrida e, consequentemente, julgando-se os presentes autos totalmente improcedentes.
Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
12. Foram cumpridos os vistos.
13. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. A questão a resolver, recortada das conclusões apresentadas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB consiste em saber se:
1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar procedente a exceção de caso julgado, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, verifica-se a inexistência de caso julgado decorrente da sentença proferida no Processo n.º 3568/17.9T8BRG que correu termos no Tribunal do Trabalho de Braga, enquanto aresto prolatado anteriormente à sentença proferida nesta demanda, nada obstando ao reclamado regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos provados:
“A) Os Autores AA e BB são, respectivamente, viúva e filho de DD, falecido no dia ... de julho de 2017.
B) A 2.ª Ré, Sociedade J..., Lda, que gira comercialmente sob a designação de “G...”, tem como escopo social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
C) Desde a data da constituição da sociedade Ré, a 1.ª Ré, CC, sempre foi sócia da 2.ª Ré, e a partir de 16 de Outubro de 2014, passou a deter em exclusivo a sua gerência.
D) Por figurar como gerente da referida Sociedade, aqui 2.ª Ré, a 1.ª Ré, sempre exerceu, em efectividade, a administração daquela, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente,
E) A incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes.
F) Nessa conformidade, e para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a 2.ª Ré, sob decisão e direção da 1.ª Ré, em ... de janeiro de 2017 , contratou DD, marido e pai da aqui Autora e Autor, respetivamente,
G) A fim de este, ao serviço da 2.ª Ré, desempenhar funções correspondentes à categoria de acabador de primeira, mediante o pagamento de retribuição mensal ilíquida de €634,20.
H) No dia ... de julho de 2017, em mais um dia de trabalho, DD, conjuntamente com o colega de trabalho EE,
I) em cumprimento de ordens e instruções dimanadas pela 1ª R. e pelo filho desta, FF, também funcionário da empresa, e no interesse da 2.ª Ré, procediam, no interior instalações da 2ª Ré, situadas no parque industrial de ..., 2 fase, lote L1, à limpeza da nave industrial, no que se incluía a zona de armazenamento de material.
J) Era na zona supra mencionada que se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam as chapas de pedra.
K) Um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, comprimento de 218 cm e altura de 159 cm, e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de 500 a 600 quilogramas.
L) Estas chapas de granito tinham a separá-las um calço de madeira, destinado, por um lado a evitar a respetiva danificação por contacto entre elas e, por outro lado, a permitir criar e manter entre as mesmas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante.
M) Por volta das 11h15min, DD e EE interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço de madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava no estado de descaído.
N) Unidos esforços para o fazer, DD, desencostou, manualmente, a chapa de pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a, quando por seu turno, EE na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
O) A determinado momento, a segunda chapa de pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente, também, originando, em conjunto com o peso da primeira, uma sobre carga sobre DD, que não conseguiu suster a chapa de pedra.
P) Nesse momento, o colega EE foi em seu auxílio, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas chapas de pedra, que acabaram por cair sobre eles.
Q) O cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
R) Em consequência das ocorridas quedas que atingiram DD, marido e pai dos Autores, respetivamente, sofreu este várias lesões, nomeadamente ao nível da zona torácica e abdominal, que originaram choque hemorrágico tóraco-abdominal,
S) Lesões essas que, após horas de assistência e sofrimento no Hospital de ..., foram causa única, directa, necessária e adequada da morte de DD.
T) A 1ª Ré CC tinha, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas na alínea K),
U) Providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
V) Assim como tinha, no mesmo condicionalismo, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
W) Ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a 1ª Ré CC, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador DD e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
X) Por tais factos e por acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17.7T9BRG, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz 5, a 1ª Ré CC foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.
Y) E a 2ª Ré J..., Lda., condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152ºB, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto no artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do mesmo diploma legal e ao que se prescreve nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 , na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros].
Z) Tendo a pena de multa aplicada à 2ª Ré sido substituída pela prestação de caução de boa conduta, no valor de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros] e vigente pelo período de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses, a prestar, no prazo de 15 [quinze] dias, após trânsito em julgado da presente decisão, por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
AA) Nesse dia ... de julho de 2017, após os sinistrados serem prontamente socorridos pelos elementos médicos do INEM e consequentemente transportados para o Hospital de ... EPE, a Guarda Nacional Republicana que esteve presente no local, solicitou a presença dos inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT).
BB) Com o propósito de aqueles realizarem inspecção ao local e conduzir o inquérito relativo ao acidente de trabalho.
CC) Nessa conformidade, e perante o cenário e as condições encontradas nas instalações da 2.ª Ré, os inspectores, após toda a investigação levada a cabo por aqueles, redigiram o competente relatório.
DD) Consta desse relatório que: “o pavimento que os trabalhadores estavam a limpar encontrava-se sujo e escorregadio (…) os barrotes de madeira, na base do cavalete metálico, que sustentavam as chapas de granito, encontravam-se com sinais de deterioração”.
EE) O aludido relatório esclarece ainda que os cavaletes metálicos constituem a base de apoio das chapas de granito, onde aquelas se encontravam assentes, em cima dos referidos barrotes de madeira.
FF) O familiar dos aqui Autores não teve qualquer formação profissional, designadamente quanto ao adequado manuseamento das chapas graníticas nem lhe foi administrada formação sobre os concretos e específicos riscos da actividade.
GG) DD tinha 50 anos à data do acidente,
HH) Era a trave mestra da família que constituída por si e Autores, com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes.
II) Era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho.
JJ) Era dedicado aos Autores, zelando pelo seu bem estar.
KK) Os Autores viveram e vivem sentimentos de angústia e tristeza por terem perdido e sepultado o marido e pai.
LL) Os Autores ainda não conseguiram ultrapassar a perda de DD.
MM) Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência.”
Factos não provados:
“1. DD esteve cinco horas a receber assistência e em sofrimento no hospital até morrer.
2. Os cavaletes encontravam-se em estado de degradação perceptível e do inteiro conhecimento das Rés.
3. Os Autores viveram e vivem estado de depressão pela morte do marido e pai.
4. DD tinha dificuldades em respirar e consciência de que iria sucumbir.
5. Teve a percepção de que jamais veria a mulher e o filho.
6. As decisões relativas à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes foram tomadas pela filha da 1.ª Ré, GG, sendo esta quem detinha a administração de facto da 2.ª Ré nesse âmbito e a pessoa a quem chamou a si a competência decisória sobre tais questões.
7. No dia ... de julho de 2017 no qual se dá o acidente de trabalho sub judice, a 1.ª Ré era a gerente de direito da 2.ª Ré, mas, não obstante ser a sua gerente nominal ou formal, não era a sua gerente de facto.
8. Sendo os filhos da 1.ª Ré – GG e FF – os gerentes de facto da 2.ª Ré na data em que se deu o acidente em causa nos autos.
9. Era a filha da 1.ª Ré, GG, quem controlava e decidia com plena autonomia e exclusividade todas as questões do giro comercial corrente da 2.ª Ré relativas, entre outras, à:
- Interlocução com bancos;
- Interlocução com o Fisco e a Segurança Social;
- Interlocução com o técnico oficial de clientes;
- Interlocução com clientes e fornecedores;
- Interlocução total com as empresas de segurança e saúde no trabalho; e
- Contratação de funcionários e era à GG quem os trabalhadores reconheciam poder de autoridade em relação a todas as questões inerentes ao seu contrato de trabalho, tais como férias, faltas, processamento de salários, etc
10. Era o irmão da referida GG, igualmente filho da 1.ª Ré, FF, quem, com total autonomia e exclusividade, decidia todas as questões no setor fabril da 2.ª Ré, isto é, era ele quem:
- Distribuía o trabalho pelos funcionários da 2.ª Ré;
- Coordenava todo o setor fabril e de transformação de pedra da 2.ª Ré;
- Dava ordens aos trabalhadores e era a ele quem estes reconheciam poder de autoridade na área fabril;
- Comunicava os procedimentos de trabalho a observar pelos trabalhadores no interior da área fabril; e
- Exclusivamente operava com as pontes rolantes que existiam na fábrica para movimentar as pedras que se encontravam na zona do armazém para a zona da produção/transformação.
11. Na prática, são GG e FF quem, desde 2010 ou 2011, autonomamente, decide todas as questões relativas à gerência efectiva da 2.ª Ré.
12. A 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança.
13. A qual é ministrada de forma continuada a cada trabalhador e em contexto “on the job”.
14. Tendo essa formação por objecto, entre outros, as medidas adequadas à prevenção dos riscos profissionais das funções atribuídas a cada um, bem as regras de utilização de equipamentos de proteção individual necessários ao exercício das referidas funções.
15. Assim e concretamente no que ao Sinistrado diz respeito, foi-lhe assegurada formação contínua em contexto de trabalho, não só relativamente às principais regras de segurança e saúde no trabalho, riscos profissionais, como também relativamente às máquinas de polir e produtos de acabamento normalmente utilizados no exercício das funções a desempenhar.
16. Sendo de atentar para este efeito que, a propósito do manuseamento de pedras de grandes dimensões, apenas FF se encontrava habilitado, desde outubro de 2014, a manobrar as pontes móveis (ou rolantes) que existem nas instalações da sociedade Ré.
17. Compreendendo todos os trabalhadores da 2.ª Ré que não poderiam de qualquer forma manusear as pedras em referência, e muito menos fazê-lo de forma manual, não apenas porque esse comportamento lhes foi desde sempre proibido pelas chefias da 2.ª Ré, como também em razão da larga experiência de cada um neste ramo.
18. As chapas de granito em referência apenas caíram em resultado da acção indevida e imprudente destes, e não devido à falta de implementação, por parte da 2.ª Ré, de uma qualquer acção de prevenção, eliminação ou redução de um risco identificado de acidente.
19. Foi a queda das chapas de granito que acabou por danificar um dos barrotes de madeira que servia de apoio ao cavalete em que se encontravam as pedras envolvidas no acidente.
20. O sinistrado e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores FF e HH.
21. Tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 2.ª Ré.
22. O sinistrado estava perfeitamente consciente que as suas funções não pressupunham, em qualquer momento ou circunstância, a movimentação das referidas chapas de granito, função essa que era exercida exclusivamente pelos trabalhadores FF e HH, e apenas por meio de uma ponte rolante.
23. De sua livre iniciativa, o sinistrado incumpriu as ordens que lhe haviam sido expressamente transmitidas pela Ré e violou a proibição da movimentação das chapas de granito.”
II. 3. Do Direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes/Autores/AA e BB, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.
II. 3.1 O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar procedente a exceção de caso julgado, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, verifica-se a inexistência de caso julgado decorrente da sentença proferida no Processo n.º 3568/17.9T8BRG que correu termos no Tribunal do Trabalho de Braga, enquanto aresto prolatado anteriormente à sentença proferida nesta demanda, nada obstando ao reclamado regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho? (1)
Questão prévia.
Sustentam as Recorridas/Rés/CC e J..., Lda a inadmissibilidade da interposta revista, invocando, com utilidade, que não foram cumpridos os requisitos a que qualquer recurso está sujeito, designadamente, de natureza processual, ou seja, os Recorrentes não só não concretizaram o respetivo fundamento, como não indicaram as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no seu entender deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, bem assim, as normas jurídicas que, no seu entendimento, deveriam ter sido aplicadas.
Concluem, pois, que, tendo presente que qualquer recurso se encontra balizado pelas conclusões das alegações dos respetivos Recorrentes, ao procederem como procederam, os Recorrentes vedaram a este Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento da revista, não sendo a mesma admissível.
Apreciando:
Este Tribunal ad quem no exame preliminar que faz dos autos ao abrigo do art.º 652º nº. 1 b) ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, reconhece, desde já o adiantamos, a admissibilidade da interposta revista, e consequente cumprimento das respetivas formalidades.
Como sabemos, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso.
Nos termos do art.º 639º ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil as alegações de recurso dividem-se em corpo das alegações, nas quais o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o Tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente deve sintetizar as concretas questões que pretende que o Tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Este entendimento encontra-se proclamado, quer na doutrina, veja-se, Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, páginas 155 e 156, quer na jurisprudência, onde distinguimos, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2015 (Processo n.º 10033/09), in, Sumários, 2015, página 259, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019 (Processo n.º 382/15.0T8VRL.G2.S1), in, dgsi.pt.
Sublinhamos, para o que interessa ao caso trazido a Juízo, e acompanhando a síntese conclusiva vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2015 (Processo n.º 10033/09) que “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, através de proposições sintéticas que emanam do corpo alegatório, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter a procedência do recurso, de modo a balizar o objecto cognoscível do mesmo, com ressalva das situações de conhecimento oficioso.”
As conclusões circunscrevem a esfera de atuação do Tribunal - o thema decidendum do recurso - permitindo dar a conhecer, de modo objetivo e preciso, à parte contrária, e ao Tribunal, as razões da discordância com a decisão impugnada, encerrando, se quisermos, o “resumo conclusivo” conforme sustendo no Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 27 de maio de 2010 (Processo n.º 327/1998.S1), in, dgsi.pt.
Compreende-se, assim, que as conclusões se exibam diferenciadas do demais conteúdo recursivo, ou seja, das alegações propriamente ditas que as precedem.
Ao consignado normativo adjetivo civil - art.º 639º do Código de Processo Civil - subjaz a distinção entre, alegações não acompanhadas de conclusões onde seja feita uma síntese dos fundamentos invocados na motivação, o que dá lugar à imediata rejeição do recurso; e alegações onde são formuladas conclusões, mas afetadas de deficiência, obscuridade ou complexidade ou nas quais faltem as especificações exigidas, o que dá lugar à formulação de convite à parte no sentido de as completar, esclarecer ou sintetizar antes de se decidir não conhecer do recurso na parte afetada, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 (Processo n.º 11522/14.6T2SNT.L1.S2), in, Sumários, 2017, página 259.
A norma citada impõe ao recorrente o ónus de enunciar na motivação e de sintetizar nas conclusões diversos aspetos, nomeadamente, identificar as questões suscitadas e relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal recorrido (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, I, página 767).
No que ao caso interessa, determina o n.º 2 do art.º 639º do Código de Processo Civil que:
“Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”
Revertendo ao caso sub iudice, distinguimos que os Recorrentes/Autores/AA e BB, como bem adiantam as Recorridas/Rés/CC e J..., Lda, apresentaram alegações e conclusões, sustentando dois argumentos principais que, em seu entender, fundamentam que a decisão do Tribunal recorrido merece censura, quais sejam, (1) o regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho e (2) a inexistência de situação de caso julgado.
Mesmo concebendo que os Recorrentes/Autores/AA e BB não consignaram, expressamente, as normas jurídicas violadas, importa reconhecer, sem reserva, a concretização dos fundamentos, aliás, bem apreendidos pelas recorridas, como adiantamos, que sustentam o interposto recurso, a par do sentido com que, no seu entender deverá a demanda ser decidida, donde, não podemos deixar de considerar, como cumpridas as exigidas formalidades, e, neste sentido, reconhecer a admissibilidade da revista, uma vez cumpridos os demais requisitos formais, tampouco se justificando qualquer convite aos Recorrentes/Autores/AA e BB, bem conhecendo as partes e este Tribunal ad quem dos fundamentos erigidos pelos recorrentes para impugnar o acórdão recorrido.
Apreciada a questão prévia, impõe-se conhecer da revista interposta, cuja questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/II, se encontra enunciada neste item II. 3.1., que aqui relembramos:
“O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar procedente a exceção de caso julgado, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, verifica-se a inexistência de caso julgado decorrente da sentença proferida no Processo n.º 3568/17.9T8BRG que correu termos no Tribunal do Trabalho de Braga, enquanto aresto prolatado anteriormente à sentença proferida nesta demanda, nada obstando ao reclamado regime de complementaridade entre as responsabilidades civil e de acidentes de trabalho?”
As Instâncias foram discordantes no entendimento quanto à verificação da invocada violação do caso julgado, concluindo a 1ª Instância que não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na ação especial n.º 3568/17.9T8BRG, nem se verifica caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, ao passo que a Relação reconheceu que a 1ª Instância estava impedida de conhecer do mérito da presente ação, por a tal obstar o caso julgado formado pela sentença e acórdão que a confirmou, prolatados no Processo n.º 3568/17.9T8BRG.G1 (Tribunal do Trabalho de ...), sustentando, com utilidade e a propósito:
“No caso sub iudice, há identidade de sujeitos, pois os Autores são os mesmos e, no tocante às Rés, embora a 1ª Ré não tenha sido demandada na 1ª acção, apenas o é nesta acção enquanto legal representante da 2ª Ré e unicamente por isso, pelo que sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica a parte é a mesma, como, aliás, se entendeu no despacho saneador recorrido.
(…)
O efeito jurídico pretendido também é o mesmo nas duas acções, ou seja, e independentemente dos concretos pedidos formulados ou sua quantificação, pretende-se a indemnização de dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido pai e marido dos Autores (sinistrado) e por estes, em consequência da sua morte, decorrente de lesões corporais sofridas no exercício das suas funções, enquanto trabalhador da 2ª Ré e nas suas instalações.
(…)
Ora, no caso em apreço, tendo em conta a pretensão formulada contra a Ré entidade patronal na 1ª acção e contra a mesma Ré e a sua legal representante na presente acção e os factos alegados em ambas as acções, nos quais os Autores estribam a responsabilidade subjectiva de ambas as Rés, temos de concluir que “ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas” - o evento lesivo alegado na acção que correu termos no Tribunal de Trabalho é exactamente o que é invocado na presente acção.”
Atentemos:
No que respeita a esta questão suscitada na revista, importa dizer que o caso julgado se traduz na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - artºs. 619º n.º 1 e 628º, ambos do Código de Processo Civil.
Conforme textua a lei adjetiva civil, o instituto do caso julgado constitui exceção dilatória - art.º 577º alínea i) do Código de Processo Civil - de conhecimento oficioso - art.º 578º do Código de Processo Civil - que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância - art.º 576º do Código de Processo Civil.
O conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objeto em debate).
Como sustenta a este propósito, Rodrigues Bastos, in, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61 “(...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil (…)”.
De acordo com o n.º 1 do art.º 580º do Código de Processo Civil “as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa, ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado”.
Ao definir a aplicação dos conceitos de exceção do caso julgado e de autoridade do caso julgado, Miguel Teixeira de Sousa, in, O objecto da sentença e o caso julgado material, in, Boletim do Ministério da Justiça, 325/171 e seguintes, defende que “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).
Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente”.
Outrossim, o Professor Manuel de Andrade, in, Noções Elementares de Processo Civil, páginas, 305 e 306, sustentou que a exceção do caso julgado manifesta-se porquanto “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.
Cabe aqui uma breve nota para referenciar que a autoridade de caso julgado, segundo a doutrina e jurisprudência hoje dominantes, não requer a tríplice identidade exigida pela exceção do caso julgado, como de seguida enunciaremos, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
De harmonia com o prevenido no n.º 1 do art.º 581º do Código de Processo Civil que estatui sobre os requisitos da litispendência e caso julgado, divisamos que: “repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir”, não deixando de, nos sequentes números do citado normativo, consignar a respetiva previsão quanto à exigida tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir).
“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, ou seja, as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adotem em ambos os processos.
“Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico”, isto é, considera-se que existe identidade quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito impetrado.
Salienta-se que o pedido, enquanto efeito jurídico pretendido pelo demandante, declarado no efeito prático-jurídico que o demandante pretende, não deve ser entendido na pura literalidade em que se declara o petitório, mas com o alcance que decorre da respetiva conjugação como os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica, neste sentido, Anselmo de Castro, in, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, página 203 “basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico.
Por outras palavras, o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objeto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão”.
“Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o Tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5º n.º 3, e nos limites do art.º 609º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, independentemente da coloração jurídica dada pelo demandante.
O n.º 4 do art.º 581º do Código Processo Civil, atinente à identidade de causa de pedir, acolhe a doutrina da substanciação, pelo que, a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.
Salientamos que importa identificar, por um lado, os factos essenciais nucleares da causa de pedir, e, por outro lado, os factos complementares, a par de que se reconhece que, para circunscrever concreta causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.
A este propósito e neste sentido, Teixeira de Sousa, in, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, páginas 395, 401 e 402 “A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico.
É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. (…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.”
Será, pois, dentro destes princípios que se deve traçar o conhecimento da autoridade do caso julgado e/ou a apreciação da tríplice identidade que deu aso às decisões em confronto, para efeitos de configuração da exceção de caso julgado.
Atendendo ao quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, acabado de enunciar, poder-se-ia, numa primeira abordagem, conceber estar preenchida a enunciada tríplice identidade entre a presente demanda e aqueloutra que correu seus termos no Tribunal do Trabalho de ... (Processo n.º 3568/17.9T8BRG), traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, e, consequente reconhecimento da exceção dilatória do caso julgado, como concluiu o acórdão recorrido.
Cremos, porém, que assim não será.
Enfatizamos a orientação defendida na doutrina e jurisprudência, que o caso julgado na sua função positiva - como autoridade - projeta os efeitos de uma determinada decisão em ações posteriores conexas com aquela em que foi formado e que venham a decorrer entre as mesmas partes, sem necessidade de total correspondência e identidade objetiva entre umas e outras, funcionando independentemente da verificação da tríplice de identidade exigida pelo art.º 581º do Código de Processo Civil, pressupondo, que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, importando a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente; e de igual modo, sublinhando reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos, não sendo a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.
Assim sendo, importa considerar, desde logo, termos também por adquirido processualmente nestes autos, terem sido as Rés, CC e J..., Lda, condenadas pela prática de um crime de violação de regras de segurança, tendo por ofendido DD, marido e pai dos aqui demandantes, no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG, por acórdão transitado em julgado, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz 5, aresto este que se debruçou, apreciou e decidiu, além do mais, sobre a realidade infortunística debatida e apreciada no acórdão prolatado no Processo 3568/17.9T8BRG.G1 do Tribunal do Trabalho de ..., decisão esta que, na bondade da solução encontrada, conduziu a que o Tribunal recorrido reconhecesse que a 1ª Instância estava impedida de conhecer do mérito da presente ação, na medida em que julgou procedente a exceção do caso julgado.
Daqui decorre que devemos ponderar, não só os princípios relativos à oponibilidade da decisão penal condenatória, mas também a prevalência dos casos julgados contraditórios.
Textua o art.º 623º do Código de Processo Civil:
“Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.”
Sobre esta temática adjetiva perfilhamos a orientação de que relativamente aos sujeitos processuais no processo penal a condenação definitiva forma caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado, e não uma simples presunção ilidível, como sucede em relação aos terceiros, neste sentido, veja-se a jurisprudência citada in, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, Almedina 2015, Maria José Capelo, página 217, nota 831 e página 220, nota 841.
Entre partes, ou seja, entre aqueles que intervieram no processo penal, designadamente arguido e demandante cível, a sentença penal condenatória, transitada em julgado, tem, necessariamente, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infração e a culpa, que não podem por isso ser de novo objeto de discussão dentro ou fora do processo penal, ou seja, salientamos, constitui presunção inilidível.
O enunciado normativo adjetivo - art.º 623º do Código de Processo Civil - não é aplicável à empregadora, e representante legal, aqui demandadas, já que foi arguida no processo penal, não sendo terceiros para efeitos desta norma, em relação a tal processo.
Relativamente a estas, empregadora, e representante legal, aqui demandadas, impõe-se a autoridade do caso julgado que visa obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica).
Revertendo ao caso trazido a Juízo, está adquirido processualmente que o acórdão condenatório proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG (Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 5), transitou em julgado em 9 de novembro de 2020, e o acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga), transitou em julgado em 11 de maio de 2022.
Coligimos do acórdão condenatório proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG (Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 5):
“Isto posto, e com pertinência relativamente ao crime de violação de regras de segurança, tendo como visado a pessoa de DD, logrou demonstrar-se que a arguida sociedade J..., Lda, que gira comercialmente sob a designação G..., tem por objecto social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida aos 19.01.2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
Mais se demonstrou que, desde a data acima mencionada, foi sempre dela sócia e gerente a arguida CC, que, a partir de 16.10.2014, passou a deter, em exclusividade, a última das referidas condições.
Apurou-se, acrescidamente, que, a par da reportada qualidade formal, a arguida CC exerceu sempre, em efectividade, a administração da arguida sociedade, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente, a incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes, sendo que, nesse quadro, para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a arguida sociedade, sob decisão e direcção da arguida CC, contratou e manteve ao seu serviço vários trabalhadores, por essa via vinculados, mediante retribuição, a prestar a força do seu trabalho, entre os quais se incluíram EE e DD, admitidos aos ... .02.2016 e ... .01.2017, para desempenhar funções correspondentes à categoria de acabadores de primeira.
Demonstrou-se, ainda, que, no dia ... de julho de 2017, EE e DD, em cumprimento de ordens e instruções dimanadas no interesse da arguida sociedade, procediam no interior das instalações desta, sitas no local da respectiva sede, em ..., à limpeza do pavimento da nave industrial, com inclusão da zona de armazenamento de material, zona onde se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam chapas em pedra.
Apurou-se, também, que um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira e depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, o cumprimento de 218 cm e a altura de 159 cm e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de cerca de 500 a 600 quilogramas.
Demonstrou-se, igualmente, que as referidas chapas de granito tinham a separá-las um calço em madeira, destinado, por um lado, a evitar a respectiva danificação por contacto entre si e, por outro lado, a permitir criar e manter entre elas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante, em uso nas instalações da arguida sociedade para a deposição, levantamento e movimentação aérea das pedras para outras zonas da nave industrial.
Veio, ainda, a apurar-se que, cerca das 11h15m, DD e EE interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço em madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava na condição de descaído.
Unindo esforços para o fazer, DD desencostou manualmente a pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a sobre si, tendo-se posicionado, por seu turno, EE na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
A determinado momento, porém, a segunda pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente também, originando, em conjunto com o peso da primeira, sobrecarga sobre DD, que este deu mostras de não conseguir suster.
Nesse momento, EE foi em auxílio do mesmo, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas pedras, que acabaram por cair sobre eles.
Demonstrou-se, ainda, que o cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
Para além disso, apurou-se que, ao serviço da arguida sociedade, não foi ao trabalhador DD ministrada qualquer formação, a incluir quanto ao manuseamento manual de pedras, em particular sobre a proscrição de o fazer relativamente àquelas que apresentassem as dimensões e o peso das referidas, sempre superior a 30 kg, e sobre os riscos daí advenientes, em particular o de esmagamento.
Também se demonstrou que, em consequência das ocorridas queda e atingimento, DD sofreu múltiplas lesões, designadamente, ao nível da zona torácica e abdominal, que, tendo originado choque hemorrágico tóraco-abdominal, foram a causa directa e necessária da sua morte.
Demonstrou-se, ainda, que a arguida CC tinha, em representação e no interesse da arguida sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas, providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
Tinha, no mesmo condicionalismo e tal como, igualmente, se demonstrou, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras, nos termos acima referidos.
Demonstrou-se, por fim, que, ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a arguida CC, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da arguida sociedade e com conhecimento do desvalor jurídico-penal das suas condutas, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador DD e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
Aqui chegados e considerada a materialidade que logrou demostrar-se, bem como as disposições legais supra enunciadas, dúvidas não subsistem em considerar que a arguida CC, por via dos comportamentos que prosseguiu, preencheu os elementos objectivos e subjectivo típicos – este na modalidade de negligência inconsciente [cfr. artº 15º, al. b) do Cód. Penal] – do imputado crime de infracção de regras de segurança, que visou, como ofendido, a pessoa de DD, p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08.
Com efeito, violou a arguida CC prescrições legais e regulamentares, em matéria de saúde e de segurança no trabalho, muito em particular as associadas à eliminação do risco/necessidade de manuseamento manual de cargas superiores aos limites legalmente previstos, o que estava ao seu alcance fazer, em particular através da utilização de cavaletes com características técnicas diversas das daqueles de que fazia uso e que permitissem eliminar a necessidade de separação de pedras através de calços.
Violou, também, as prescrições relativas à obrigação de providenciar pela formação profissional do trabalhador acidentado, em especial naquele domínio do manuseamento manual de carga.
Ao agir pelo modo indicado, deu causa a que o trabalhador DD - com direito à prestação de trabalho em condições que respeitassem a sua segurança e a sua saúde - ficasse sujeito, como ficou, a perigo para a vida, que veio a converter-se, por efeito dos factos ocorridos, no correspondente resultado danoso. (sublinhado nosso)
A arguida CC não previu qualquer daqueles resultados - o de perigo e o de dano -, muito embora estivesse ao seu perfeito alcance prevê-lo.
É, assim de censurar o seu comportamento, que preenche os elementos típicos do sobredito ilícito penal, por cuja verificação responde, também, a arguida sociedade, nos termos prescritos pelo artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do Cód. Penal.”
Ao invés, no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga), cuja decisão sustentou a bondade da solução encontrada pelo Tribunal recorrido ao reconhecer estar impedida a 1ª Instância de conhecer do mérito da presente ação, julgando procedente a invocada exceção de caso julgado, distinguimos que o enunciado acórdão não respeitou a autoridade do caso julgado formada no acórdão condenatório proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG (Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 5), anteriormente transitado em julgado, que, conforme já adiantamos ao transcrever parte do respetivo enquadramento jurídico, reconheceu que as arguidas, empregadora, e representante legal, aqui demandadas, violaram as prescrições legais e regulamentares, em matéria de saúde e de segurança no trabalho, muito em particular as associadas à eliminação do risco/necessidade de manuseamento manual de cargas superiores aos limites legalmente previstos, o que estava ao seu alcance fazer, em particular através da utilização de cavaletes com características técnicas diversas das daqueles de que fazia uso e que permitissem eliminar a necessidade de separação de pedras através de calços, a par da violação das prescrições relativas à obrigação de providenciar pela formação profissional do trabalhador acidentado, em especial naquele domínio do manuseamento manual de carga, dando causa a que o trabalhador DD ficasse sujeito, como ficou, a perigo para a vida, que veio a converter-se, por efeito dos factos ocorridos, no correspondente resultado danoso, a morte.
O acórdão proferido no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga), confirmatório da sentença proferida em 1ª Instância não respeitou o conhecimento da relação jurídica material determinante para conhecimento da impetrada indemnização dos danos não patrimoniais reclamados pelos Autores, AA e BB, mulher e filho, respetivamente, do malogrado, DD, apreciando-a diferentemente, desconsiderando o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva decorrente da verificada autoridade de caso julgado da demanda crime, repetindo, diversamente, no processo subsequente, o conteúdo da decisão anterior, incorrendo em contradição com o descrito na decisão antecedente, com ofensa da segurança jurídica.
Respigamos, a este propósito, do acórdão proferido no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga):
“Refere o artigo 623º do Código de Processo Civil
Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
(…)
Importa saber se a ré patronal pode ser considerada terceira para efeitos do artigo referido, caso em que terá a possibilidade de ilidir a presunção prescrita no normativo.
O preceito, que regula o efeito da ação penal sobre uma subsequente ação civil, materialmente conexa, tem origem na reforma operada pelo DL 329-A/95 de 12.12, em cujo preambulo consta:
(…) “No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório quer absolutório, por ações civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no atualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respetiva autoria.”
Da norma resulta, uma limitação da eficácia erga omnes em relação a quem não interveio no processo, em consideração ao princípio do contraditório e direito de defesa. Vd. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, I, 2ª ed., 563.
Assim, no âmbito da referida norma o que está em causa, é uma regra de direito probatório, uma presunção estabelecida por lei, que afastará outras presunções com ela conflituantes.
Não se trata, pois, da eficácia do caso julgado, nem da eficácia extra processual da prova produzida no processo penal (…).
(…) A norma não é, pois, aplicável à empregadora, já que foi arguida no processo penal, não sendo terceira para efeitos desta norma, em relação a tal processo.
Relativamente a ela impõe-se a autoridade do caso julgado “sem quaisquer limitações, máxime, a de lhe dar segunda oportunidade para provar que não praticou os factos por que foi condenado” – Ac. referido -.
Assim e relativamente à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal – objetivos e subjetivos -, a autoridade do caso julgado impõe-se nestes autos à empregadora, arguida naquele processo penal, funcionado como presunção ilidível apenas em relação às restantes partes.
Não obstante, a decisão proferida mostra-se acertada. (sublinhado nosso)
Os pressupostos da condenação da empregadora em indemnização no âmbito da LAT (lei dos acidentes de trabalho – L. 98/2009), por culpa agravada, não são inteiramente sobreponíveis aos pressupostos da condenação penal.
Não restando dúvidas quanto à violação de regras de segurança, já a condenação em indemnização por culpa agravada nos termos do artigo 18º da LAT, depende da existência de uma relação causal – nexo de causalidade – entre tal violação e o acidente em causa.
(…)
Exige-se uma relação de causalidade adequada entre a violação da norma/regra de seguranças e a ocorrência do sinistro, sendo da responsabilidade de quem pretenda aproveitar-se da responsabilidade agravada (no caso os autores e a seguradora), a prova da verificação e tal nexo de causalidade, nos termos do artigo 342, 1 do CC.
(…)
Deve ter-se em linha de conta as “circunstâncias cognoscíveis à data da produção do facto por uma pessoa normal”, e as efetivamente conhecidas pelo agente.
A existência de nexo causal adequado entre a violação de uma regra sede segurança, implica assim, a demonstração não apenas dessa violação e da ocorrência do sinistro, mas ainda que, de acordo com as regras da experiência comum e as concretas circunstâncias do caso, aquela violação se mostra apta a produzir aquele efeito.
Ou seja, dito de outro modo, a ocorrência do sinistro tem que resultar, ser concretização, do risco ou riscos que a norma pretende evitar.
Se a ocorrência é devida a outros fatores não pode considerar-se a existência de uma relação causal adequada.
Exige-se uma relação de causalidade adequada entre a violação da norma/regra de seguranças e a ocorrência do sinistro, sendo da responsabilidade de quem pretenda aproveitar-se da responsabilidade agravada (no caso os autores e a seguradora), a prova da verificação e tal nexo de causalidade, nos termos do artigo 342, 1 do CC.
No caso concreto, não foi por concretização dos riscos que as normas visam acautelar que o sinistro ocorre.
As pedras não tombaram por causa da falta de correias ou outros meios que prendessem as pedras, nem por causa do estado dos barrotes de madeira, que a soçobrarem implicariam sim o encosto das pedras às restantes, por sobre o cavalete, sem tombar, dado o seu peso e a posição inclinada.
A queda ocorreu devido à manipulação manual das pedras alterando o seu centro de gravidade.
Não se atuou qualquer risco que a existência de tais elementos prevenisse, já que não era suposto manejar manualmente as pedras, nem os trabalhadores tinham essa função.
De igual modo a falta de inspeção do cavalete nada tem a ver com o sinistro.
Nada aliás ocorreu com o cavalete, verificando-se posteriormente ser robusto para o fim a que era destinado.
A falta de formação relativamente ao manuseamento de pedra, irreleva de igual modo, pois não era função do sinistrado mover as pedras, nem era sua função nem tal fora ordenado, reposicionar o barrote de madeira, embora tenha agido no interesse da empregadora.
Consequentemente por esta e demais razões constantes da decisão recorrida é de confirmar a mesma.” (sublinhado nosso)
Conquanto o aresto proferido no Tribunal do Trabalho de Braga (Processo n.º 3568/17.9T8BRG) reconheça que o art.º 623º do Código de Processo Civil não é, aplicável à empregadora, já que foi arguida no processo penal, não sendo terceira para efeitos desta norma, em relação a tal processo, impondo-se às Rés, a autoridade do caso julgado relativamente à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal - objetivos e subjetivos - sem quaisquer limitações, máxime, a de lhes dar segunda oportunidade para provar que não praticou os factos por que foram condenadas, tão pouco a exigir aquela tríplice identidade, divisamos que o aludido aresto acaba por desconsiderar os factos decorrentes da condenação penal que sustenta, inequivocamente, a exigida relação de causalidade adequada entre a violação das normas/regras de seguranças e a ocorrência do sinistro, apreciando diversamente, como já adiantamos, os pressupostos ao conhecimento da indemnização pelos danos não patrimoniais reclamados.
Assim sendo, considerando não só que o acórdão proferido no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga) não transitou em julgado quanto à relação jurídica que vimos de discretear, mas também, convocando a norma adjetiva civil - art.º 625º do Código de Processo Civil - que estabelece que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, importará ter em devida conta que prevalecerá o decidido no acórdão proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG (Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 5), transitado em julgado em 9 de novembro de 2020, em detrimento do decidido no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga), porque transitado posteriormente, em 11 de maio de 2022.
Tudo visto, impõe-se concluir que o acórdão recorrido merece censura, porquanto suportou o reconhecimento da exceção de caso julgado no decidido no Processo n.º 3568/17.9T8BRG (Tribunal do Trabalho Braga) que, para todos os efeitos não se pronunciou validamente sobre e relação jurídica atinente aos reclamados danos não patrimoniais, inexistindo transito em julgado quanto à relação jurídica em debate na presente demanda, qual seja, a reclamada indemnização por danos não patrimoniais, em razão da prevalência do decidido no acórdão proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7T9BRG (Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 5), daí que não esteja precludido o direito dos lesados a reclamar indemnização civil, por danos não patrimoniais, decorrente do acidente de trabalho.
Escrutinadas e conhecidas as alegações recursivas, trazidas à discussão pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, concluímos que as mesmas encerram virtualidade bastante com vista a alterarem o destino da ação, e, neste sentido, ao merecer censura, revoga-se a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente o recurso interposto, e, consequentemente, concede-se a revista, revogando o acórdão proferido, substituindo por outro que julga improcedente a exceção de caso julgado invocada, devendo a Relação retomar o conhecimento daqueloutras questões que contendem com o mérito da causa, entretanto, por ter absolvido as Rés da instância, considerou como prejudicadas.
Custas pelas Recorridas/Rés/CC e J..., Lda
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 14 de novembro de 2024
Oliveira Abreu (relator)
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria de Deus Correia