Sumário
I - No presente caso em que os trabalhadores desempenham funções em regime de turnos (5.ª e 6.ª feiras, das 23h00 às 6h00 e Sábado e Domingo, das 19h30 às 06h00), tendo a Ré marcados as férias daqueles nos dias 30.07.2022 e 24.12.2022 (sábados), o gozo dos dias de férias deve abrange o período das 0h às 24 h de cada dia, por ser esse o entendimento que ao abrigo da Constituição e da lei ordinária e em termos semelhantes ao que se preconiza relativamente aos dias de descanso, permite àqueles beneficiar do direito ao lazer e recuperar a sua disponibilidade com vista à sua integração na vida familiar e participação na vida social e cultural.
II - No que se refere aos dias feriados, pese embora a sua consagração resida em motivos culturais, políticos e religiosos, a fim de proporcionar o seu efectivo gozo aos trabalhadores, deve seguir-se idêntico entendimento.
Decisão Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1.1. Comissão de Trabalhadores da Bosch Car Multimédia Portugal, S.A. intentou acção declarativa com processo comum contra Bosch Car Multimédia Portugal, S.A., peticionando:
“Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:
a) Deve ser declarado, por douta sentença, que o gozo de dias de férias e feriados pelos trabalhadores abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias.
b) Deve ser a Ré condenada a reconhecer que o gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5.º turno, abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias.
c) Deve ser a Ré condenada a reconhecer a Sexta-Feira Santa como dia feriado obrigatório a gozar pelos trabalhadores do 5.º turno.
d) Deve ser a Ré condenada a reconhecer que o trabalho prestado e a prestar pelos trabalhadores do 5.º turno, no período das 0 h às 6 h dos dias de férias e dias feriados, bem como na Sexta-Feira Santa, constitui trabalho suplementar, com direito a descanso compensatório e à retribuição especial prevista na lei laboral”.
Citada, a Ré contestou e peticionou a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.
Em 16.07.2023, foi proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
Discordando da decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.
Por acórdão de 7.04.2024, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em “julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- declarar, e condenar a ré a reconhecer, que o gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5.º turno, abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias;
- condenar a ré a reconhecer que o trabalho prestado e a prestar pelos trabalhadores do 5.º turno, no período das 0 h às 6 h dos dias feriados, lhes confere direito a um acréscimo retributivo ou a descanso compensatório nos termos previstos no n.º 2 do art. 269.º do CT.
Quanto ao mais, confirmar a decisão recorrida”.
1.2. Inconformada, a Ré veio interpor recurso de revista, tendo elaborado as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo do Trabalho de ... (J1) - julgou a acção instaurada pela A. totalmente improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos contra si formulados.
2. Não se conformando com o sentido dessa decisão, a A. apresentou recurso de Apelação, com vista à revogação integral da douta sentença proferida, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado parcialmente procedente a apelação, condenando a R. (ali apelada) a reconhecer que
i. “o gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5.º turno, abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias”
ii. “o trabalho prestado e a prestar pelos trabalhadores do 5.º turno, no período das 0 h às 6 h dos dias feriados, lhes confere direito a um acréscimo retributivo ou a descanso compensatório nos termos previstos no n.º 2 do art. 269.º do CT”
3. Face à inexistência da “dupla conforme”, e à violação das normas substantivas aplicáveis, por erro de interpretação, aplicação e determinação, designadamente dos artigos 198º (Período normal de trabalho); 199º (Período de descanso), 200º (horário de trabalho), 212º (elaboração de horário de trabalho); 214º/1(descanso diário); 220º (trabalho por turnos); 232º(descanso semanal), 233º (cumulação e descanso semanal e diário); 236º (regime de feriados) e 238º (duração do período de férias) do Código do Trabalho, e artigos 9º/1 (Interpretação da Lei) e 3 e 279º (cômputo do termo), al. d) do Código Civil por parte do Tribunal da Relação de Guimarães, cabe Revista para o Supremo Tribunal de Justiça do aludido acórdão, nos termos previstos no art. 671º/1 e do CPC
4. Conforme resulta do douto acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que “o gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5.º turno, abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias” porque o artigo 232º (descanso semanal), n.º 1, do Código do Trabalho reporta-se a um “dia de semana completo, entre as 00h horas e as 24 horas do mesmo”, e não a 24 horas seguidas, interpretação que – o TRG - entende que deve valer também para o artigo 238.º (duração das férias) do CT e dias de feriado.
5. Nessa medida, condenou a R./recorrente a reconhecer que os dias de férias e de feriado têm de ser gozados em dias completos – das 00:00 às 24:00 horas – e não em «dias compostos», mesmo que o período de descanso/não trabalho de 24 horas seguidas esteja salvaguardado.
6. O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães entende que essa conclusão/decisão é que se coaduna melhor com o “espírito da lei”, embora simultaneamente afirme - salvo o devido respeito, de forma totalmente incongruente: “até porque a situação normal, padrão, é a dos horários de trabalho com o início e o fim da jornada no mesmo dia de calendário (sublinhado nosso).
7. É caso para perguntar: Então se o “espírito da lei” tem como padrão os horários de trabalho que se iniciam e terminam no mesmo dia, quando o intérprete/julgador é chamado a julgar um caso que foge a esse “padrão”, a que deve atender preferencialmente o julgador? Á “letra da lei” - que prevê expressamente desvios ao horário padrão e consente, portanto, uma interpretação/integração específica (art. 200º/3)? Ou ao “espírito da lei” inerente ao regime dos horários padrão?!
8. Salvo o devido respeito, e melhor opinião, a resposta afigura-se-nos bastante óbvia, e não coincide com a que resulta do douto acórdão recorrido.
9. Contrariamente à opção (irrepreensível) do Tribunal de 1ª instância, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães optou por desconsiderar precisamente as especificidades do horário de trabalho do 5º turno parcial – que o diferenciam de um horário padrão – e interpretar/aplicar as normas legais aplicáveis a este, as quais, para além de trazerem desvantagem aos trabalhadores, complicam e dificultam (gratuitamente) o exercício do poder de direcção/gestão da R.
10. E ignora a realidade subjacente à fixação dos referidos horários, incluindo o facto de na área de produção da R. vigorar um sistema de turnos encadeados, destinado a garantir a continuidade ininterrupta da laboração.
11. A decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães põe em causa o funcionamento do regime de turnos em vigor da R. há vários anos, permitido pela ACT, o qual não põe, nem nunca pôs em causa, o direito a férias, o direito ao descanso e/ou as festividades dos trabalhadores do 5º turno parcial, como resulta aliás reconhecido no último parágrafo da pág. 22 do douto acórdão recorrido.
12. Não obstante, e apesar das características específicas do horário de trabalho/período normal de trabalho diário do 5º turno parcial – cuja jornada de trabalho se inicia num dia e termina no outro – o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que o mesmo deve ficar sujeito (no que respeita ao gozo de férias e de feriados) ao mesmo regime de um horário normal de trabalho – cujo início e o termo se concentra no mesmo dia de calendário.
13. Ao contrário do que decidira, e bem, o Tribunal de 1ª instância, que face “ao regime específico de trabalho em turno parcial, dividido por quatro dias semanais (de quinta a domingo), em que o respectivo período normal de trabalho/jornada de trabalho se inicia num dia e termina já noutro, existindo assim dias consecutivos de trabalho com determinadas horas num e noutro outras, e às normas aplicáveis [que não o impedem], é lógico que os correspondentes dias de férias ou feriados coincidam com dias de trabalho que abranjam esses mesmos períodos” (sublinhado nosso) – cfr. pág. 20 da sentença do Tribunal de 1ª instância
14. A única limitação existente à marcação de dias de férias quanto a trabalhadores que exercem a sua prestação em turnos, é a que decorre do n.º 3 do art. 238.º do Cód. Do Trabalho em vigor (Lei n.º 7/2009 de 12 Fevereiro).
15. No caso, os trabalhadores do 5.º turno parcial folgam à terça-feira e à quarta-feira, pelo que só estes dias não podem ser contabilizado como dias de férias, isto é, nem o início nem o termo do período de férias pode coincidir com estes dias.
16. Não existe qualquer “perda efectiva de horas” (no caso de os dias de férias e feriado dos trabalhadores do 5º turno parcial não serem correspondentes com o dia de calendário – 00h às 24h), como revelam os dias de férias 30.07.2022 e 24.12.2022 (sábados): os trabalhadores embora saiam às 6h da manhã (em cumprimento do período normal de trabalho de 6ª feira) não trabalham das 0h às 6h de Domingo (visto este período integrar à jornada de sábado - que, se fosse dia de trabalho, se iniciaria às 19h30m e terminaria às 06h do dia seguinte).
17. E o mesmo sucede nos feriados que sejam ao Domingo (17.04.2022 - Domingo de Páscoa e 01.05.2022 - Domingo – Dia do trabalhador), cuja jornada de trabalho/período normal de trabalho teria início às 19h30 e terminaria às 06h00 do dia seguinte (2ª feira), o que significa que, apesar de ser feriado (apenas) no Domingo, os trabalhadores não trabalham das 00h00 às 06h00 de segunda-feira (apesar de já não ser feriado).
18. Como muito bem realçado pelo Tribunal da 1ª instância: Seria, aliás, absurdo que os trabalhadores do 5.º turno, admitindo-se o gozo do feriado das 0 h às 24 h de domingo, fossem obrigados a deslocar-se à R. para executar a jornada de trabalho dos sábados que antecede esses feriados (16.04.2022 e 30.04.2022, respectivamente), e que se inicia às 19h30, por 4,5h (das 19h30 às 24h00), uma vez que os trabalhadores a partir da 00h00 de domingo (feriado) já não trabalhariam.
19. O que se torna ainda mais acintoso quando falamos dos feriados de 10.06.2022 – Dia de Portugal e 24.06.2022 - S. João (Sextas-feiras), em que os trabalhadores teriam sido obrigados a deslocar-se à R. para executar apenas 1 hora da jornada de trabalho da 5ª- feira anterior (15.06.2022 e 23.06.2022, respectivamente), das 23h às 24h, uma vez que a partir da 00h00 de 6ª feira (feriado) já não trabalhariam.
20. Donde, atentas as especificidades do horário de trabalho dos trabalhadores do 5.º turno parcial - cujas jornadas de trabalho se iniciam num dia e terminam no outro – entendemos que nada obsta a que os dias de férias, e os feriados desses trabalhadores possam ser gozados tendo em conta aquela especificidade, ou “transição”, desde logo porque a lei não obriga a que – no caso de horários fora do padrão normal - os dias de férias/feriado sejam delimitados/gozados entre as 00h e as 24 horas (como acontece nos horários padrão - que iniciam e terminam no mesmo dia de calendário).
21. E não se diga, como diz o Tribunal da Relação de Guimarães que a exigência da observância dessa “regra” (dia de descanso (férias/feriado = dia de calendário completo) decorre da conveniência de fazer coincidir o dia de descanso com o “ciclo circadiano, de molde a que, respeitando o seu ritmo natural, o trabalhador possa ter efectivamente um período repousante”, porquanto, a ser assim, então não seria legítima – como é – a prestação de trabalho que contraria esse “ciclo circadiano” (trabalho noturno, trabalho suplementar e/ou o próprio trabalho por turnos).
22. Ao conceder o gozo dos dias de feriado e de férias aos trabalhadores do 5º turno parcial tendo em conta as especificidades do horário de trabalho diário desses trabalhadores (que se inicia num dia e termina no dia seguinte, ou seja, repartido por 2 dias) – que assegura aos mesmos 24 horas de descanso (ainda que sem correspondência integral ao “dia completo de calendário”), a R. dá integral cumprimento à lei, visto garantir aos trabalhadores do 5º turno parcial o gozo do descanso legal devido (férias e feriados).
23. Mais, o facto de o horário de trabalho diário desses trabalhadores ser repartido por 2 dias não significa que o mesmo período de um dia vale para o preenchimento de dois dias de férias diferentes – a cada jornada corresponde um dia de férias, igualmente repartido por 2 dias (isto é, com início num dia e término no dia subsequente).
24. Não há qualquer razão (factual ou jurídica) que justifique a obrigação de R. fazer coincidir o gozo dos dias de férias e feriados dos trabalhadores do 5º turno parcial com dias de calendário (das 00h às 24h00), ao invés de o gozo desses dias ser assegurado de acordo com a especificidade do horário de trabalho em apreço – cujo início e termo ocorrem em dias consecutivos), sobretudo quando essa imposição e alteração não resulta da lei e complica a gestão e organização de trabalho, obrigando a R. a medidas desnecessariamente penalizadoras, como, por exemplo, iniciar o funcionamento da linha de produção apenas para 1 hora de laboração.
25. Sendo que tal imposição e alteração (também) não traz - aos trabalhadores visados e à R. - quaisquer benefícios.
26. A decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães - de que o “gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5º turno, abrange o período das 0h às 24h de cada um desses dias”, constitui uma violação do disposto nos artigos 198º (Período normal de trabalho); 199º (Período de descanso), 200º (horário de trabalho), 212º (elaboração de horário de trabalho); 214º (descanso diário); 220º (trabalho por turnos); 232º(descanso semanal), 233º (cumulação e descanso semanal e diário); 236º (regime de feriados) e 238º (duração do período de férias) do Código do Trabalho, e nos artigos 9º/1 (Interpretação da Lei) e 3 e 279º (cômputo do termo), al. d) do Código Civil.
27. Deve por isso o douto acórdão recorrido ser parcialmente revogado, substituindo-se a decisão tomada relativamente ao gozo dos dias de férias e feriados dos trabalhadores do 5º turno parcial, no sentido de ser coincidente com o espaço temporal de um dia (das 00h às 24h00), por outra decisão que permita à R. fazer corresponder o gozo desses dias com o horário de início e termo da jornada de trabalho, jornada essa que tem a particularidade de se iniciar na noite de um dia e prolongar-se até à madrugada do dia seguinte”.
1.3. A Autora apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte:
1.ª - Dispõe o n.º 1 do art. 238.º do CT que o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis, e por “dia de férias” há-de entender-se o período inteiro entre as 0 horas e as 24 horas de um dia, de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural, segundo o n.º 4 do art.º 237.º do mesmo código.
2.ª - No mapa de férias elaborado pela recorrente, existem férias marcadas para os dias 30 de Julho e 24 de Dezembro, em que os trabalhadores prestam serviço desde o dia de véspera até às 6 horas desses dias, pelo que tais dias não podem ser contabilizados como férias.
3.ª -Seforem considerados como férias, os trabalhadores, em vez de gozarem 24 horas de descanso, gozarão apenas 18 horas por dia, ou seja, perderão 6 horas de férias em cada um dos referidos dias.
4.ª - Quanto aos feriados, reitera-se a antecedente conclusão 1.ª, de que por “dia feriado”, em que os trabalhadores estão legalmente dispensados de prestar serviço, se deve entender o período inteiro entre as 0 horas e as 24 horas de um dia feriado; não visando reparar o esforço de trabalho, mas permitir a toda a população associar-se à celebração oficial de um facto histórico ou de homenagem inerente ao dia feriado.
5.ª - Tal como o mapa de feriados se encontra elaborado pela recorrente, nos dias 17 de Abril (Domingo de Páscoa), 25 de Abril, 1 de Maio, 10 e 24 de Junho (feriado municipal de S. João), os trabalhadores do 5.º turno parcial, porque o seu horário se inicia na noite de um dia e se prolonga pela madrugada do dia seguinte, são forçados a desempenhar a sua actividade durante as primeiras seis horas dos feriados apontados, enquanto nos dias 16 de Junho (Corpo de Deus), 1 e 8 de Dezembro, são obrigados a exercer a sua actividade das 23 h às 24 h desses feriados.
6.ª - O exercício da actividade laboral, ainda que por algumas horas de um dia feriado, acaba por frustrar o gozo de um feriado inteiro, motivo por que os trabalhadores devem gozar os feriados das 0 horas às 24 horas dos respectivos dias.
7.ª - Considerando que nos dias de férias e nos dias feriados os trabalhadores não estão obrigados a prestar serviço, a actividade por eles desempenhada nesses dias, por ordem terminante da recorrida, confere-lhes o direito a descanso compensatório, previsto no art. 229.º do CT, e à remuneração específica consagrada nos arts. 268.º e 269.º do mesmo código.
8.ª -Este éoentendimentoquesealicerçanos artigos 212.º, 226.º, n.º 1,229.º, 234.º, n.ºs 1 e 2, 236.º, 237.º, n.º 4, 238.º, n.º 1, 268.º e 269.º do CT, e no artigo 279.º do Cód. Civil, e que o douto acórdão recorrido perfilha.
9.ª - Nas conclusões do recurso de revista interposto, a recorrente não apresenta um único fundamento de direito que permita afirmar a violação, pela Veneranda Relação de Guimarães, de qualquer das normas legais indicadas na precedente conclusão.
10.ª - A recorrente limita-se a expor questões de conveniência, de interesse para a produção industrial, de vantagem para a organização horária dos regimes de turnos aplicados na empresa, sem as especificar, para que o gozo de férias e feriados pelos trabalhadores não coincida com as 24 horas inteiras que compõem esses dias.
11.ª - Porém, as normas da secção do Código do Trabalho que disciplinam a duração e organização do tempo de trabalho (artigos 197.º a 247.º) não se destinam a garantir que o empregador possa ajustar o horário de trabalho e os períodos de descanso como bem lhe aprouver.
12.ª - Pelo contrário, considerando a situação de dependência económica e subordinação jurídica do trabalhador, destinam-se precisamente a protegê-lo, enquanto parte mais fraca da relação contratual, das conveniências absolutas do empregador, impondo a este último limites – vide arts. 212.º, 234.º e 236.º do CT, que contêm normas legais imperativas. 13.ª -Aenumeração legal dos feriados é taxativa, sendo nulas as cláusulas do contrato individual de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que estabeleçam feriados diferentes ou gozos de feriados em dias ou períodos do dia diferentes.
14.ª - Devem ser julgadas improcedentes as conclusões 6. a 27. do recurso de revista.
Termos em que,
Deve ser negada a revista e confirmado o douto acórdão recorrido, com o que se fará Justiça!
1.4. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil - CPC). Deste modo, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber;
- Se iniciando-se o horário de trabalho diário dos trabalhadores do 5.º turno num dia e terminando no dia seguinte, o gozo de dias de férias e feriados deve abranger o período das 0h às 24 h;
3. Fundamentação de facto
Encontram-se provados os seguintes factos:
1.A Autora é um órgão do colectivo dos trabalhadores da empresa aqui R., “Bosch Car Multimedia Portugal, S.A.”, sediada na Rua ..., ..., designado eleitoralmente, investido e controlado por eles para o exercício das atribuições, competências e direitos reconhecidos na Constituição da República Portuguesa, no Código do Trabalho e noutras normas legais aplicáveis, e nos respectivos estatutos.
2.Os seus estatutos foram registados em 17/07/2014, no serviço competente do ministério responsável pela área laboral, sob o n.º 68, a fls. 5 do livro n.º 2, e publicados no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 29, de 08/08/2014, com alterações registadas em 25/05/2015, sob o n.º 43, a fls. 10 do livro n.º 2, e em 08/06/2022, sob o n.º 61, a fls. 54 do livro n.º 2, publicadas, respectivamente, no BTE, n.º 21, de 08/06/2022, e n.º 28, de 29/07/2022, com a rectificação constante do BTE, n.º 35, de 22/09/2022.
3.A R. é uma sociedade comercial anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º ... que tem por objecto social, o fabrico, comércio, e venda de aparelhos de recepção, emissão, gravação e ou reprodução de som para veículos automóveis, nomeadamente de autorrádio e de gravadores e ou reprodutores de fitas magnéticas ou de disco, assim como peças e acessórios.
4.Na área de produção da R. vigora um sistema de turnos encadeados, de forma a garantir a continuidade da laboração, os quais estão organizados da seguinte forma:
- 1º turno fixo (das 06h00 às 14h30, de 2ª a 6ª);
- 2º turno fixo (das 14h30 às 23h00, de 2ª a 6ª);
- 3º turno fixo (das 22h30 às 7h00, de 2ª a Sábado);
- 3º turno parcial (das 23h00 às 6h00, de 2ª a 5ª, e das 23h00 às 08h30 à 6ª);
- 4º turno parcial (das 23h00 às 6h00, de 2ª a 4ª e das 06h00 às 15h30 no Sábado e Domingo);
- 5º turno parcial (5ª e 6ª das 23h00 às 6h00 e Sábado e Domingo das 19h30 às 06h00);
- 9º turno parcial (2º, 3ª e Domingo das 22h30 às 07h00 e sábado das 22h30 às 08h00);
- Laboração contínua (4 turnos em escala rotativa nas 52 semanas do ano).
5.Para além dos horários/turnos referidos (atribuídos aos chamados “trabalhadores directos”), vigora ainda – para os “trabalhadores indirectos” (administrativos) - os chamados internamente “horário de escritório” (das 08h30 às 17h30), “horário normal” (das 07h30 às 16h30) e o “horário flexível” (das 07h00 às 20h00, com presença obrigatória entre as 09h00 e as 11h30).
6.Nas negociações prévias à elaboração do mapa de férias para 2022, a A. e a R. não alcançaram acordo.
7.Em 12.01.2022, a A. recebeu da R. uma comunicação escrita subordinada ao assunto: “Mapa de férias 2022 do horário de trabalho 5.º turno parcial”.
Mediante esse escrito, a R. anunciou à A. que, na falta de acordo com os trabalhadores do 5.º turno parcial quanto à marcação dos dias de férias a gozar em 2022 (ao contrário do que sucedeu com os restantes trabalhadores), a empresa elaborou o mapa de férias do referido turno em anexo, que remeteu para efeitos de consulta, nos termos e para os efeitos do art. 241.º, n.º do Código do Trabalho.
8.A A. pronunciou-se, ao abrigo do n.º 2 do art. 241.º do Código do Trabalho, em sentido desfavorável ao aludido mapa.
9.A R. não atendeu as razões apresentadas pela A., e manteve o mapa de férias e feriados elaborado, sem qualquer alteração, o qual foi aplicado durante o ano de 2022.
10. No mapa de férias elaborado pela R., foram marcadas férias para os dias 30.07 e 24.12, em que os trabalhadores prestam serviço desde o dia de véspera até às 6 horas desses dias.
11.Quanto aos feriados, no mapa elaborado pela R., a Sexta-Feira Santa, dia 15.04, não foi contemplada.
12.A R. fixou a segunda-feira após a Páscoa, dia 18.04, como feriado substitutivo daquele, sem acordo dos trabalhadores do 5.º turno parcial.
13. Quanto aos feriados dos dias 17.04 (Domingo de Páscoa), 25.04, 1.05, 10.06 e 24.06 (feriado municipal de S. João), os trabalhadores do 5.º turno parcial, porque o seu horário se inicia na noite de um dia e se prolonga pela madrugada do dia seguinte, têm de desempenhar a sua actividade durante as primeiras seis horas dos feriados apontados.
14. E nos dias 16.06 (Corpo de Deus), 1.12 e 8.12, os trabalhadores exercem a sua actividade das 23 h às 24 h desses feriados.
15. À excepção de 2019, desde 2012 que os trabalhadores da R. gozam o feriado da Sexta-Feira Santa na Segunda-feira de Pascoela.
4. Fundamentação de Direito
4.1. De o gozo de dias de férias e feriados dos trabalhadores do 5.º turno dever abranger o período das 0h às 24 h de cada dia
O Tribunal da Relação decidiu que o gozo de dias de férias e feriados, pelos trabalhadores do 5.º turno, abrange o período das 0 h às 24 h de cada um desses dias.
Entende a Recorrente que a decisão recorrida desconsidera as especificidades do horário de trabalho do 5.º turno parcial em que o período normal de trabalho se inicia num dia e termina no dia seguinte, complicando o exercício do seu poder de direcção/gestão e trazendo desvantagens para os trabalhadores.
Defende ainda que a única limitação existente à marcação de dias de férias quanto a trabalhadores que exercem a sua prestação em turnos, é a que decorre do n.º 3 do artigo 238.º do Código do Trabalho e que impede, no caso dos autos, que sejam contabilizados como férias as terças e quartas feiras (dia de folgas dos trabalhadores) e que o início e o termo das férias coincidam com estes dias.
Mais defende que a solução por si preconizada não põe em causa o direito a férias, o direito ao descanso e/ou as festividades dos trabalhadores, nem implica qualquer “perda efectiva de horas” e que evita que os trabalhadores tenham de se deslocar ao local de trabalho para executar apenas uma hora de jornada de trabalho à quinta ou sexta feira quando os feriados são à sexta ou ao sábado respectivamente.
Vejamos se lhe assiste razão.
Da factualidade apurada resulta que a Ré é uma sociedade que tem por objecto social o fabrico, o comércio e venda de aparelhos de recepção, emissão, gravação e ou reprodução de som para veículos automóveis, nomeadamente de auto-rádio e de gravadores e ou reprodutores de fitas magnéticas ou de disco, assim como peças e acessórios (facto n.º 3). Na sua área de produção vigora um sistema de turnos encadeados, de forma a garantir a continuidade da laboração (facto n.º 4). Um dos turnos é o designado 5.º turno parcial, cujo horário de trabalho é às 5.ª feira e 6.ª feira das 23h00 às 6h00 do dia seguinte e aos sábado e domingo das 19h30 às 06h00 do dia seguinte.
O horário de trabalho do 5.º turno é um horário parcial (por ter menos 2h30m semanais do que os horários fixos), concentrado (os trabalhadores prestam o seu trabalho semanal em quatro turnos, tendo dois deles mais de 8 horas) e nocturno. Apresenta ainda a especificidade de os turnos se iniciarem num dia e terminarem no dia seguinte.
Inexiste norma legal que regule especificamente os horários de trabalho quando a jornada de trabalho “diária” abranja mais do que um dia. O paradigma do Código do Trabalho é o período normal de trabalho que se inicia a uma determinada hora de um dia e termina no mesmo dia, sendo o descanso diário que se prolonga de um dia para o outro.
No entanto, a questão tem sido abordada pela jurisprudência e pela doutrina a propósito do descanso semanal previsto no art.º 232.º do Código do Trabalho. Estabelece este preceito que o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.
O Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 19.02.1997, citado pelo Ministério Público no seu parecer, considerou que “O dia de descanso semanal (obrigatório nas empresas de laboração contínua, (que implica uma organização do trabalho por turnos) deverá cobrir um dia de calendário, ou seja, um período de tempo iniciado às 0 horas e terminado às 24. Na verdade, o descanso semanal só preenche plenamente a sua finalidade (que visa não só a regeneração da capacidade laboral do trabalhador mas também a recuperação da sua própria disponibilidade, sem cair em faltas) se corresponder na íntegra ao ciclo biológico do dia normal (cfr. Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", I, 9. edição página 341)” – proferido no processo n.º 96S145, disponível em www.dgsi.pt.
A este respeito, Monteiro Fernandes refere que “A regra contém-se no art. 232.º/1 CT: seja qual for o tipo de trabalho, a modalidade de vinculação ou modo de organização da actividade, o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. Esse período de repouso deverá cobrir um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às zero horas e terminado às 24 horas do mesmo dia” – in Direito do Trabalho, Almedina, 22.ª Edição, 2023, pág. 528.
Também Francisco Liberal Fernandes se pronuncia no mesmo sentido: “O descanso semanal obrigatório deve ser gozado em dias de calendário (‘no domingo’) e não em períodos de vinte e quatro horas (art. 232º, n.ºs 1 e 2) — o que significa que o tempo que medeia entre o fim da jornada de trabalho e as 24 horas do mesmo dia não pode ser considerado descanso semanal, mas sim descanso diário. O seu conteúdo mínimo legal é de um dia completo (das 00 h às 24 h), podendo a sua duração ser ampliada” – in O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Biblioteca RED, 2018, pág. 333.
Em sentido idêntico Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, em anotação ao artigo 232.º Código do Trabalho: “o direito ao descanso semanal obrigatório deve cumprir-se em dias de calendário e não em períodos de vinte e quatro horas. O descanso semanal imposto por lei exige verdadeiro período de interrupção semanal da prestação de trabalho, traduzido na determinação de um dia de calendário durante o qual não é prestado trabalho” - in Código do Trabalho Anotado, 2013 – 9.ª edição, pág. 597.
É certo que no caso sub judice não está em causa o descanso semanal, mas sim as férias e os feriados.
Sucede que é semelhante o escopo que preside ao descanso semanal e às férias.
Na verdade, o direito ao repouso e aos lazeres previsto no art.º 59.º n.º1 alínea d) da CRP, implica a limitação da jornada de trabalho, descanso semanal e férias pagas. Os “créditos de repouso” daí decorrentes assumem, contudo, uma dimensão que vai além da mera recuperação da capacidade para o trabalho. Não menos importante que isso, as paragens obrigatórias da actividade permitem outrossim que o trabalhador recupere a sua disponibilidade, disponha de si próprio, sem que isso ponha em causa a continuidade do seu emprego – o que manifestamente preside à consagração do direito a férias.
Não é, pois, somente o repouso que está na base das férias, “mas sim a disponibilidade pessoal do trabalhador em ordem à sua integração na vida familiar e à sua participação social” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho”, Almedina, 19.ª Edição, pág. 324).
Conforme refere o acórdão recorrido “se na observância do dia de descanso semanal se justifica que esse dia corresponda a um «dia natural»/«um dia de calendário completo» pela exigência de fazer coincidir esse período de descanso com o ciclo circadiano, de molde a que, respeitando o seu ritmo natural, o trabalhador possa ter efectivamente um período repousante, não se vê porque não há-de essa justificação colher também no caso das férias, conquanto se reconheça que o que está aqui em causa é um período de descanso anual, em que o trabalhador gozará por regra 22 dias úteis de descanso (cf. art. 238.º/1 do CT), e não um período tão curto como o do descanso semanal”.
O descanso semanal visa permitir ao trabalhador recuperar física e mentalmente da semana de trabalho, bem como participar em actividades sociais, culturais e familiares.
Por seu turno, o direito a férias, nos termos do artigo 237.º, n.º 4 do Código do Trabalho, “deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural”.
As razões subjacentes ao entendimento de que o descanso semanal deve ser gozado em dia de calendário (das 00h às 24h) são, por isso, em nosso entender, transponíveis para o gozo das férias. Na realidade, é manifestamente diferente para aquele desiderato o trabalhador gozar férias segundo o ciclo normal do dia ou nas suas últimas horas (noite) e nas primeiras (madrugada), tanto mais que se trata de trabalhadores particularmente onerado em termos de descanso e disponibilidade normais em virtude trabalharem em regime de turnos.
Não se argumente que, sendo as férias de 22 dias, a questão é apenas relevante quanto ao primeiro e ao último dia e que o gozo dos vários dias consecutivos permite facilmente a reposição do ritmo natural do corpo humano.
Para além disso, os 22 dias úteis de férias não são necessariamente gozados de forma consecutiva. O artigo 241.º, n.º 8 do Código do Trabalho impõe apenas o gozo de 10 dias úteis consecutivos, podendo os restantes ser gozados de forma interpolada. Aliás, no caso sub judice, a Ré fixou dois períodos de férias.
Por outro lado, a unidade do sistema jurídico (um dos elementos interpretativos previstos no artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil) aponta no sentido da contabilização dos diversos períodos em que o trabalhador está dispensado de prestar a sua actividade (descanso semanal, férias e feriados) ser efectuada de modo coerente. Até porque estes períodos sucedem-se frequentemente uns aos outros: o período de férias que é intercalado por dias de descanso semanal, que se inicia após ou termina antes do descanso semanal, os feriados que ocorrem durante o período de férias.
Só assim não será se houver razões objectivas que imponham solução distinta.
Acresce que os argumentos apresentados pela Ré, salvo o devido respeito, não são suficientes para afastar este entendimento.
Desde logo, os inconvenientes para os trabalhadores (terem de se deslocar ao local de trabalho para trabalharem pouco tempo) são claramente compensados pelas vantagens de conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal. A solução defendida permite, como já antevisto, aos trabalhadores iniciarem as férias às 00h e poderem gozar plenamente logo esse primeiro dia de férias, o que não aconteceria se tivessem de fazer um turno a acabar às 6h.
As maiores dificuldades ao nível da organização/gestão do tempo de trabalho não são, conforme refere o Ministério Público no seu parecer, “suficientemente graves que coloquem em causa o equilíbrio entre os direitos das partes em confronto – direito de organizar o tempo de trabalho versus direito ao gozo de dias de férias e de feriados –, e muito menos que daí resulte qualquer impossibilidade em manter os referidos turnos”.
Aliás, não demonstrou a Ré o regime de organização dos turnos no período de férias, i.e., que turnos substituem o 5.º turno parcial quando os trabalhadores estão de férias. Não sendo, por isso, possível sequer aferir dos concretos constrangimentos que a solução preconizada acarreta para a organização dos turnos.
Por último, contrariamente ao defendido pela Ré, a solução por si preconizada, ou melhor a forma como a Ré marcou as férias do ano de 2022, implica a “perda efectiva de horas” por parte dos trabalhadores. Com efeito, no ano de 2022 a Ré marcou ao 5.º turno parcial férias nos seguintes períodos: de 30.07 a 22.08 e de 24.12 a 31.12. Excluídos os feriados (15.08 e 25.12) e os dias de descanso semanal (terças e quartas), a Ré marcou 22 dias de calendário. Só que nos dias 30.07 e 24.12 (sábados) os trabalhadores trabalharam até às 6h00, tendo iniciado as suas férias apenas às 19h30m de domingo.
Relativamente aos feriados, a solução não pode ser distinta.
Desde logo pela própria coerência do sistema, visto os feriados apresentarem especificidades que, por si só, apontam no mesmo sentido.
Com efeito, contrariamente às férias, a previsão de dias feriados não tem na sua génese o direito ao descanso dos trabalhadores, nem a tutela da saúde e segurança destes.
Os feriados são dias comemorativos de carácter político, religioso e cultural, que o legislador entendeu terem especial relevância, que justificam o encerramento da laboração das actividades económicas (com excepção das que estão autorizadas a laborar ao Domingo), de modo a permitir aos cidadãos participar nas celebrações públicas ou privadas desses dias.
Mesmo os feriados facultativos (artigo 235.º do Código do Trabalho), cujo o gozo está dependente de previsão do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou do contrato de trabalho, são dias com relevância local (terça-feira de carnaval e feriado municipal da localidade).
Os dias de feriado encontram-se definidos na lei (artigos 234.º, n.º 1 no caso dos feriados obrigatórios e 235.º no caso de feriados facultativo, ambos do Código do Trabalho), não podendo ser alterados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho (artigo 236.º, n.º 2 do Código do Trabalho).
O gozo dos dias feriados, com a dispensa da prestação do trabalho, está assim intimamente ligado ao acontecimento político, social ou religioso que justificou a consagração daquela data específica como feriado.
É certo que a lei admite que o feriado de Sexta-feira Santa possa ser gozado noutro dia do período da Páscoa, que legislação especifica venha a permitir que determinados feriados obrigatórios possam ser observados na segunda-feira da semana subsequente (artigo 234.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho).
Contudo, até à data não foi publicada a legislação específica e a alteração do feriado de Sexta-feira Santa tem subjacente o reconhecimento de que em determinadas áreas do país existem outros dias do período da Páscoa com maior significado e tradição.
Deste modo, atendendo à ratio da consagração da dispensa da prestação do trabalho em dia feriado, importa assegurar que os trabalhadores possam, se assim o entenderem, participar, efectivamente, nas respectivas comemorações.
Ora, tal apenas poderá ocorrer se for permitido ao trabalhador gozar a totalidade do dia feriado, ou seja, desde as 0 horas até às 24 horas. O trabalhador não gozará verdadeiramente o Domingo de Páscoa, nem estará em condições de participar plenamente nas comemorações públicas dos feriados políticos ou religiosos se tiver de trabalhar até às 6 horas da manhã do próprio dia.
Improcede, deste modo, a presente questão.
5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Ré.
Lisboa, STJ, 2024.11.27
Albertina Pereira (Relatora)
Mário Morgado (1.º Adjunto)
José Eduardo Sapateiro (2.º Adjunto)