Sumário
I. Entre as partes estabeleceu-se uma relação obrigacional que, com grande estabilidade, embora com vários hiatos, remonta ao ano de 2003.
II. Em 10.11.2010, já após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, surge um primeiro contrato escrito celebrado entre as partes, seguido de outro, outorgado em 22.02.2011, intitulados, respetivamente, “Contrato” e “Contrato de prestação de serviços”, nos quais se estipulou a revogação de todos os contratos anteriormente celebrados entre as partes com o mesmo objeto, tudo a evidenciar que o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se foi reconfigurando ao longo do tempo.
III. Neste contexto, à(s) relação(ões) jurídica(s) estabelecida(s) entre as partes a partir de 10.11.2010 é aplicável o Código do Trabalho de 2009.
IV. Encontrando-se verificados os elementos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 12.º deste diploma, presume-se a existência de um contrato de trabalho.
V. Em face do peso global de todos os elementos característicos de uma relação de trabalho autónomo que in casu se provaram, impõe-se considerar ilidida a presunção de laboralidade.
Decisão Texto Integral
Revista n.º 751/21.6T8CSC.L1.S1
MBM/DM/JES
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. AA instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A., pedindo, para além do mais, que se declare que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, devendo a antiguidade da A., enquanto ... e apresentadora de televisão, ser reportada a 01.09.2003.
2. Na contestação, a R. alega, ao invés, que entre as partes foram celebrados sucessivos contratos de prestação de serviço, correspondentemente com a vontade real das mesmas.
3. Na 1ª Instância, a ação foi julgada improcedente.
4. Interposto recurso de apelação pela A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou o assim decidido.
4. A autora interpôs recurso de revista excecional, tendo a R. contra-alegado.1
5. Com fundamento no art. 672º, nº 1, a), do CPC, a revista excecional foi admitida pela formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, relativamente à questão da aplicabilidade ao caso dos autos da presunção de laboralidade constante do art. 12.°, do Código do Trabalho de 2009, e, consequentemente, em caso afirmativo, no tocante aos termos e implicações dessa aplicação.
6. O Ex.m.º Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu a A., reiterando as posições sustentadas na alegação de recurso.
Decidindo.
II.
7. Com relevância para a decisão da revista, o acórdão recorrido considerou provada a seguinte factualidade:
(…)
2- A Autora iniciou a sua carreira profissional ao serviço da Ré, no canal televisivo TVI, em setembro de 2003.
3- Tendo, num primeiro momento, prestado atividade de ... e, posteriormente, de apresentadora de televisão, nos termos, períodos e duração acordados com a Ré e, cumprido pontualmente as obrigações que com esta assumiu.
4- Apresentou ainda emissões solidárias, co-apresentou Galas de Natal, gravou sketches humorísticos para passarem nas Galas, fez actuações ao vivo (de canto, dança e humor) nessas mesmas emissões especiais, bem como emissões de aniversário do canal, ensaios destas performances, interveio em campanhas solidárias do canal com outras marcas envolvidas (v.g. Continente), na sequência de convite para tanto dirigido, que sempre aceitou.
5- Em março de 2003, a Autora iniciou um estágio de 3 meses na área de Informação da Ré.
6- De seguida, em setembro de 2003, iniciou a sua atividade profissional como jornalista ao serviço da Ré e, nesse mesmo ano, integrou, como ..., a equipa fundadora do programa diário “D...”, com os apresentadores BB e CC, atividade que era desenvolvida nos estúdios de televisão da Ré e com equipamentos e instrumentos necessários para o efeito pertença da Ré, encontrando-se o programa sob a alçada da Direção de ....
7- No ano de 2004, a Autora fez a sua estreia na Área ... da Ré, por indicação, sugestão e decisão do então Director..., DD, no programa “F...”, programa esse produzido pela produtora externa E....
8- Tal programa foi emitido no Canal televisivo da Ré, a partir do mês de abril de 2004.
9- A Autora apresentou o referido programa conjuntamente com EE tendo para o efeito partido por 3 meses de gravação na ....
10- A Ré pagou à Autora o valor acordado pela apresentação do programa.
11- No mesmo ano de 2004, a Autora integrou a equipa de Informação do “Eu...”, bem como a equipa que acompanhou o “C...”.
12- O programa “C...”, teve lugar no mês de maio de 2004 e uma duração de 3 dias e 2 noites.
13- O programa “Eu...” teve lugar no mês de junho de 2014 e uma duração de cerca de um mês.
14- A partir de setembro de 2004, a Autora e FF, substituindo os então apresentadores, passaram a apresentar, em direto, o programa “D...”, programa de informação diário, o que fez até junho de 2005.
15- No ano de 2005, a Autora, colaborou com a revista ... (que na altura pertencia ao Grupo Empresarial da R.) e participou como apresentadora no “D...” do programa “1...”, no período compreendido entre setembro de 2005 e Dezembro de 2005.
16- Em 2006, entrou na apresentação do concurso diário "Q...” (um programa que existia desde 2003, apresentado por GG), emitido na estação televisiva da Ré, e manteve-se como apresentadora do mesmo até ao último dia, que ocorreu em ... de setembro de 2010.
17- O referido programa foi produzido pela produtora externa E..., que pagava à Autora os valores acordados como contrapartida pela atividade que a Autora prestava enquanto apresentadora, quantias essas que, inicialmente, estavam dependentes do número de chamadas efetuadas para o programa, tendo a Autora e a E..., em momento posterior, acordado o pagamento de um valor mensal fixo.
18- O referido programa era emitido de segunda-feira a sexta-feira e tinha uma duração de cerca de 30 minutos.
19- Nesse ano de 2006, a Autora participou ainda no programa de horário nobre “P...”, em substituição da apresentadora CC, durante as ausências desta.
20- Participou ainda, nesse ano, como concorrente convidada do programa “Ca...”,
21- Em 2007, apresentou o programa diário “Se...”, programa emitido de segunda-feira a sexta-feira, com duração de cerca de um mês.
22- A TVI pagou à Autora, no final do programa, o valor que entre si acordaram como contrapartida pela apresentação do referido programa.
23- Nesse mesmo ano foi a Autora foi mãe e, durante cinco meses, decidiu não prestar a sua atividade à Ré.
24- Nos anos de 2008 e 2009, a Autora substituiu por várias vezes, a convite da TVI, a apresentadora CC nas suas férias ou dias de ausência, no programa “A...”, o que fez com zelo, empenho e dedicação.
25- Entre setembro de 2003 e ... de janeiro de 2011, a Autora prestou a atividade contratada (verbalmente e/ou por escrito), em local definido pela Ré ou pela produtora externa e com os equipamentos e instrumentos necessários à actividade de apresentadora (v.g. auricular, microfone) pertença destas, bem como em tempo de início e fim dos programas e respetiva emissão definidos e determinados pela Ré ou pela produtora externa.
26- A Autora, assinou em seu nome, pelo menos o acordo que se mostra junto a fls. 20-22v, que as partes denominaram “Contrato” e assinaram em 10.11.2010, cujos conteúdos foram sempre previamente elaborados pela Ré.
27- No que à duração do mesmo concerne, acordaram que:
Cláusula sétima (Termo inicial, termo final e cláusula penal)
1. O presente contrato produz efeitos desde o dia 1 de outubro de 2010 e caducará, sem necessidade de qualquer outra comunicação entre as partes no dia 1 de janeiro de 2011. Caso seja necessária a prestação de serviços de apresentação de um programa de balanço do S... depois desta data, considera-se que a prestação desse serviço já se encontra remunerada ao abrigo do disposto no presente contrato, salvo se a data de prestação desse serviço for posterior a 9 de janeiro de 2011.
2. Em caso de incumprimento definitivo (…), a parte inadimplente (…) fica obrigada a pagar à contraparte uma quantia correspondente ao valor que seria pago ou recebido (…) em caso de execução pontual e integral do presente contrato (…).
28- No âmbito do denominado acordo, as partes acordaram ainda, no que diz respeito à atividade contratada:
Cláusula segunda (Prestação de serviços)
1. (…) a apresentadora obriga-se a:
a) Proceder à apresentação dos programas de televisão relacionados com o formato “S...” que a TVI vier a determinar (…);
b) Participar em spots televisivos ou radiofónicos, cartazes, outdoors, mupis, ou qualquer outra forma de campanha (…) com a finalidade de promoção dos programas em que a apresentadora intervenha;
c) Comparecer com a antecedência adequada aos ensaios preparatórios, provas de maquilhagem e gravação necessárias (…), nos dias, horas e locais a determinar pela TVI;
d) Subordinar-se às regras técnicas e artísticas (…);
e) Manter rigorosa pontualidade na comparência e abster-se de faltas ou ausência a qualquer atividade necessária à produção dos programas (…).
(…)
2. A apresentadora deverá ainda abster-se de adotar qualquer um dos comportamentos seguidamente referenciados, quando não expressamente autorizada pela TVI para o efeito:
(…)
c) Celebrar outros contratos que sejam incompatíveis com o bom cumprimento das obrigações resultantes do presente contrato;
(…)
4. Os programas serão produzidos em local a designar pela TVI.
5. A prestação de serviços objeto do presente contrato terá lugar até ao dia 1 de janeiro de 2011. Caso seja necessária a prestação de serviços de apresentação de um programa de balanço do S... depois desta data, considera-se que a prestação desse serviço já se encontra remunerada ao abrigo do disposto no presente contrato, salvo se a data de prestação desse serviço for posterior a 9 de janeiro de 2011.
6. Durante a vigência do presente contrato (…) é expressamente vedado à apresentadora, em relação a qualquer programa produzido pelas demais operadoras de televisão em atividade em Portugal, ou radiodifundido por estas ou produzido com vista a essa radiodifusão (…), proceder à apresentação, criação de textos ou do próprio programa, ou ceder a sua imagem ou voz, ou mesmo autorizar a referência ao seu nome (…).
29- A título de contrapartida pela atividade prestada, acordaram as partes:
Cláusula terceira (Contrapartidas)
1. Como contrapartida pela prestação de serviços objeto do presente contrato, a TVI pagará (…) a quantia de €18.000, à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor (…) paga em três prestações de igual valor (…).
2. A quantia acima referida será paga em três prestações de igual valor, vencendo-se a primeira no dia 10.11.2010 e as seguintes no dia 1 dos meses subsequentes.
(…)
30- Entre setembro de 2003 e fevereiro de 2011, pela atividade prestada e supra referida, a Autora emitiu recibos, seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente, vulgo “recibos verdes”, obrigando-se à sua emissão por cada quantia recebida por parte da Ré, nos termos e com a periodicidade definidas com a Ré, quer nos acordos reduzidos a escrito, quer verbalmente.
31- Em 22 de fevereiro de 2011, as partes outorgaram o acordo que se mostra junto a fls. 23 a 26v dos autos, previamente elaborado pela Ré, que denominaram “Contrato de Prestação de Serviços”, tendo acordado que, como contrapartida pela atividade prestada, no período de duração de tal acordo, a Autora auferiria a quantia anual de €156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros) paga em 12 prestações mensais de igual valor, ou seja, de €13.000,00 (treze mil euros) cada.
32- O referido acordo foi formalmente outorgado em nome da sociedade L..., Lda.., da qual a Autora é a única sócia e gerente, conforme decorre da sua cláusula primeira, da qual consta que:
Cláusula primeira (Objeto)
1. A TVI contrata a apresentadora para que esta lhe preste, em regime de exclusividade, serviços de apresentação de programas por intermédio da sua única sócia e gerente´, (…), tendo o contrato intuitu personae em relação a esta.
2. O presente contrato revoga todos os contratos anteriormente celebrados entre a TVI e HH com o mesmo objeto.
33- Acordaram as partes na cláusula segunda2 do referido acordo:
Cláusula segunda (Prestação de serviços)
1. Os serviços a prestar pela apresentadora consubstanciar-se-ão na apresentação, por HH, durante 48 semanas por ano, de programas de televisão da TVI, ou de produtora independente a determinar por esta estação de televisão.
2. Os programas que terão a intervenção da apresentadora (…), poderão ter frequência diária ou outra (…), mas inicialmente consubstanciar-se-ão na presentação do programa “Agora é que conta”, ou outro programa diário análogo.
3. A apresentadora deverá (…) aceitar a apresentação dos programas que lhe sejam propostos pela TVI. A apresentadora poderá recusar tal prestação de serviços, desde que o faça de forma fundamentada e com base no respeito pelos valores que tenham norteado oi seu percurso profissional e, bem assim, a sua integridade física, moral, religiosa, a sua imagem pública e o seu desenvolvimento profissional e artístico.
4. A apresentadora deverá apresentar pelo menos 136 programas por ano, durante a vigência do presente contrato.
(…)
6. Os programas serão produzidos em local a designar pela TVI.
7. As partes definirão de comum acordo as 48 semanas durante as quais vigora a obrigação de prestação de serviços.
34- Mais acordaram as partes na cláusula quinta do referido acordo:
Cláusula quinta (Obrigações da apresentadora)
1. (…)
a) Participar em spots televisivos ou radiofónicos, cartazes, outdoors, mupis, ou qualquer outra forma de campanha (…) com a finalidade de promoção dos programas em que a apresentadora intervenha;
b) Comparecer com a antecedência adequada aos ensaios preparatórios, provas de maquilhagem e gravação necessárias (…), nos dias, horas e locais a determinar pela TVI;
c) Subordinar-se às regras técnicas e artísticas (…);
d) Manter rigorosa pontualidade na comparência e abster-se de faltas ou ausência a qualquer atividade necessária à produção dos programas.
2. A apresentadora (…) [deverá] abster-se de adotar qualquer um dos comportamentos seguidamente referenciados, quando não expressamente autorizada pela TVI para o efeito:
(…)
c) Celebrar outros contratos que sejam incompatíveis com o bom cumprimento das obrigações resultantes do presente contrato;
(…)
35- Mais acordaram, na cláusula terceira do referido acordo:
Cláusula terceira (Exclusividade na prestação de serviços)
Durante a vigência do presente contrato (…) é expressamente vedado à apresentadora (…), em relação a qualquer programa produzido pelas demais operadoras de televisão em atividade em Portugal, ou radiodifundido por estas ou produzido com vista a essa radiodifusão, proceder à apresentação, criação de textos ou do próprio programa, ou ao licenciamento de imagem ou voz, ou mesmo autorizar a referência ao seu nome (…).
36- A contrapartida monetária referida em 31) foi regular e integralmente paga à Autora durante os anos de 2011 e 2012.3
37- A Autora apresentou os programas nos termos e com a duração acordados nos contratos referidos em 26) e 31).4
38- A partir do ano de 2013 e até maio de 2020, auferiu a Autora, pelo menos as seguintes quantias, que foram pagas pelas entidades nos meses, valores e pela atividade que infra se descrevem do seguinte modo:
(…)
39- No período compreendido entre março de 2003 e maio de 2020 a Ré não pagou à Autora, qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
40- À Autora não foi paga, por parte da Ré qualquer quantia a título de proporcional correspondente aos subsídios de Natal e de Férias referentes ao ano de 2020.
41- Entre ...de Janeiro e ...de outubro de 2011 a Autora apresentou o concurso televisivo “Ag...”.
42- O referido programa foi produzido pela produtora externa E... e emitido no canal televisivo da TVI.
43- Em ...de Maio de 2011, iniciou a apresentação da primeira edição do programa “Pe...” (um ...) programa que consistiu em, durante 20 dias, um grupo ..., ... de 4, conviver com..., não se tendo a Autora deslocado junto ....
44- O referido programa foi produzido por produtora externa, tendo a Ré pago à Autora por cada emissão que foi para o ar no seu canal televisivo, quantia acordada entre ambas.
45- No mesmo ano de 2011, apresentou igualmente o programa “D...” o que fez até ao ano de 2012, que consistiu num concurso, produzido pela E..., e emitido de segunda-feira a sexta-feira no canal televisivo da Ré.
46- A partir de ...de Agosto de 2011, a Autora co-apresentou pela primeira vez o Programa “So...”, edição “Especial da TVI – ...” a partir de ...” na ....
47- Desde essa data e até ...de Dezembro de 2019, a Autora co-apresentou, com regularidade, o programa “So...”.
48- Por cada apresentação era paga à Autora um valor acordado com a Ré.
49- No ano 2012 a Autora apresentou o programa “...”, conjuntamente com II.
50- Em Janeiro de 2013, apresentou uma edição de “S...”, como apresentadora do “D...” e “S...”, como apresentadora do “Ex...” e, durante o ano de 2013, manteve a co-apresentação do programa “So...”.
51- Em 2014, apresentou os programas televisivos “S...”, como apresentadora do “Ex...”, e “Especial da TVI –...” e manteve a co-apresentação do programa “So...”.
52- A partir de ...de Abril de 2014, a Autora apresentou, o programa “R...”, com duração de cerca de três meses pela apresentação do qual foi acordado o pagamento de um valor, que a Ré pagou.
53- O referido programa era emitido, em directo, na estação televisiva da Ré, aos domingos à noite.
54- O referido programa foi produzido pela produtora externa E....
55- No ano de 2015, a Autora apresentou o programa "T...", na estação televisiva da Ré cuja gravação durou cerca de dois/três meses pela apresentação do qual foi acordado o pagamento de um valor.
56- O referido programa foi produzido pela produtora externa S..., que pagou à Autora o valor acordado como contrapartida pela actividade que realizou.
57- Nesse mesmo ano, embora não contemporaneamente, apresentou ainda o programa "...”, que teve uma duração de três meses e pela apresentação do qual foi acordado com a Ré o pagamento de um valor, que foi pago.
58- Apresentou ainda, ..., o programa “Especial Aniversário TVI”, que teve a duração de 1 dia, produzido pela produtora externa C... e emitido no canal televisivo da Ré.
59- Pela sua apresentação foi acordado com a Ré o pagamento de um valor.
60- Apresentou ainda o ....
61- No ano de 2016 apresentou várias emissões do programa "J...", produzido pela produtora externa C... e emitido no canal televisivo da Ré aos sábados à tarde.
62- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
63- Nesse ano apresentou ainda o programa “N...”, que teve a duração de três dias, pelo qual a Ré lhe pagou a quantia previamente acordada.
64- Em Abril de 2017, apresentou a nova edição do “M...”, com duração de três meses de gravação.
65- O referido programa foi produzido por produtora externa e emitido no canal televisivo da Ré.
66- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
67- Apresentou ainda, nesse ano, o programa “Especial Aniversário TVI”, que teve a duração de 1 dia, produzido pela produtora externa C... e emitido no canal televisivo da Ré.
68- Pela sua apresentação foi acordado com a Ré o pagamento de um valor, que se mostra pago.
69- Nesse ano apresentou ainda o programa “N...”, que teve a duração de três dias, pelo qual a Ré lhe pagou quantia previamente acordada.
70- No ano 2018, a Autora substituiu o apresentador JJ na apresentação do programa “V...”, nas ausências daquele, logo depois da apresentadora KK ter deixado de ser apresentadora da Ré.
71- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
72- Entre 2018 e 2020, a Autora substituiu a apresentadora LL na apresentação do programa “...”, nas ausências daquela.
73- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
74- Em 2019, a Autora apresentou algumas emissões do programa "...", programa esse emitido em directo ao ... à tarde, produzido por produtora externa.
75- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
76- Apresentou ainda, nesse mesmo ano, algumas emissões do programa "...", programa de duração diária.
77- Por cada apresentação a Ré pagou a Autora quantia previamente acordada.
78- Mais apresentou, no ano de 2019, o programa "Ca...".
79- O referido programa foi produzido por produtora externa, E..., que pagou à Autora a quantia entre ambas acordada pela apresentação, no âmbito de contrato entre ambas outorgado.
80- A Ré emitiu o referido programa no seu canal televisivo.
81- Desde 2011, a Autora foi mantendo sempre a co-apresentação do programa “So...”, que apresentava, no máximo, três vezes por mês, pagando a Ré à Autora, por cada apresentação, quantia previamente acordada.
82- A Autora pautou sempre a sua atuação em defesa dos interesses e da salvaguarda da imagem da Ré, com zelo e elevado profissionalismo, mesmo nas circunstâncias mais adversas.
83- Em 2019 a Autora apresentou o programa “...”, cuja estreia foi no dia ...de Março de 2019, programa produzido por produtora externa, emitido no canal televisivo da Ré.
84- O referido programa foi cancelado em ... de Março de 2019.
(…)
88- (…) [A] Autora foi ao programa de DD “...” para um frente a frente com a ... Dra. MM e aí assumiu a defesa do programa “....
89- Pela apresentação do programa “...” foi entre as partes acordado um valor, que a Ré pagou à Autora.
90- Em Fevereiro de 2020, a Autora descobriu pelas redes sociais que não ia apresentar a segunda edição do programa “Ca...”.
91- A Autora padece, desde ..., de ... (perda auditiva) em ouvido ... de grau moderado nas frequências conversacionais e severa a profunda nos agudos.
92- O que a Ré sabia.
93- Tais alterações auditivas interferem com a sua actividade profissional dado que o referido grau de ..., impede uma adequada noção de estereofonia impedindo também a noção de localização da fonte sonora.
94- Em ...Março de 2020 a Autora foi escolhida para apresentar o programa “...”, numa emissão informativa ao lado do ... NN.
95- Nas duas semanas seguintes a Autora substituiu LL no programa “...”, agora adaptado e focado em exclusivo no Covid-19, tendo as emissões sido caracterizadas pela sensibilização para o vírus e para todas as problemáticas sociais daí decorrentes
(…)
97- A Autora dispunha, nos períodos em que desempenhava a sua actividade de apresentadora, de um cartão de colaborador da Ré que lhe permitia estacionar o carro nas instalações e entrar no edifício desta, através do “torniquete”, a qualquer hora.
98- Nessas alturas, usava ainda gratuitamente os serviços da ... OO, tal como se passa com as “caras” da estação televisiva que têm formalmente contrato de trabalho, sem ou com termo, e todos os que são convidados para intervir nos programas da estação e os demais apresentadores da Ré.
99- A imagem da Autora está impressa em tamanho real no corredor da TVI conjuntamente com todas as principais “caras” da estação (Informação e Entretenimento).
100- A Ré sempre enviou, como às restantes apresentadoras, todo o material promocional de diferentes programas daquela, com o objetivo de os fazer promover e publicitar nas redes sociais onde a Autora tem atividade e participação.
101- Desde maio de 2020 que a Autora não presta a sua atividade à Ré.
(…)
106- Alguns apresentadores que prestam a sua actividade à Ré têm um contrato de avença com esta, por períodos mais ou menos longos.
107- Outros são contratados à peça, ou seja, são convidados para participar em determinados programas que vão surgindo, com carácter mais ou menos intermitente, cujo “cachet” depende de inúmeras variantes, mas sobretudo de se tratar de um programa de prime time, day time, entre outras.
108- A Ré TVI tem a liberdade de contratar para um determinado programa “o” ou “os” apresentadores que entenda que são os mais adequados ao programa a apresentar ou que sejam impostos pelo Cliente final.
109- E essa adequação depende de inúmeros fatores, que vão desde a cultura geral, musical, desportiva, a performance física, empatia com o público alvo do programa em questão, capacidade de improviso ou de preparação, entre muitos outros.
(…)
113- A Autora sempre foi contratada “à peça” ou seja, era convidada para a apresentação de um determinado programa e recebia especificamente pelos programas que apresentava.
114- Nos períodos em que a Autora não tinha qualquer programa atribuído não tinha qualquer colaboração com a Ré TVI.
115- Alguns dos programas supra referidos e que foram apresentados pela Autora eram gravados apenas em alguns dias num mês (como sucede por exemplo, com o “So...”, “C...”, “Ca...”, “J...”, “...”, “N...”).
116- E outros apenas durante um dia, como sucedia com as substituições da CC ou da LL, salvo em substituições de férias, que podia ter uma duração máxima de duas semanas, deixando a Autora livre todo o restante mês para dispôr do seu tempo como entendesse.
117- Apenas entre setembro de 2003 e Junho de 2005, outubro de 2010 e ... de janeiro de 2013, a relação foi mais constante.
118- Referente ao período de Outubro de 2010 e ... de Janeiro de 2013, a Ré TVI sentiu a necessidade de celebrar um contrato de avença com a Autora, com vista a conseguir cobrir a apresentação de pequenos programas diários do canal, designadamente, o “S...” (que não integravam o prime time).
119- Durante os períodos em que a Autora não tinha qualquer programa atribuído, a Autora nunca reclamou da Ré TVI qualquer “direito” de lhe ser atribuído algum trabalho.
120- A Actividade contratada pela Ré à Autora não se esgota na apresentação de determinado programa.
121- Existe todo um trabalho de estudo e preparação prévios – v.g. das pessoas entrevistadas, da matéria a entrevistar – que a Autora desempenhava com total autonomia, no tempo, modo e lugar que entendia convenientes.
122- Cada apresentador demora o seu tempo e tem o seu método de preparação dos programas que apresenta, há uns que se preparam mais do que outros, que recorrem mais ao improviso, não tendo a Ré TVI nenhuma autoridade – ou sequer controle - perante a Autora no que tange ao modo, tempo e lugar em que essa preparação é feita.
123- A Ré encomenda à Autora um serviço, a apresentação de um programa, sendo a Autora absolutamente autónoma na forma como prepara essa apresentação.
124- O local e o horário que a Autora tinha que cumprir no momento da apresentação ou gravação do programa que posteriormente viria a ser emitido era definido pela Ré ou por produtora independente contratada pela TVI.
125- A Ré não fornecia à Autora qualquer computador ou telemóvel, como fornece a uma grande parte dos seus trabalhadores, sendo certo que a Autora precisava destes instrumentos para trabalhar.
126- O programa “So...” era emitido em directo, no máximo, 4 dias por mês, aos domingos.
127- Com excepção do referido em 124), a Autora não tinha qualquer horário constante de início e termo da sua actividade, horário esse que não estava definido, nem era cumprido semanal ou mensalmente pela Autora por imposição da Ré.
128- Com os acordos referidos em 26) e 31), a Autora obrigou-se a cobrir a apresentação dos diversos programas relacionados com o formato S..., no período acordado. 5
129- (…)6
130- O programa “So...” contava com a participação de vários apresentadores (3 ou 4, variava), uma vez que se tratava de um direto de 6 horas, passado em vários pontos do País.
131- A distribuição dos apresentadores no programa “So...” era feita mensalmente e era dada a possibilidade aos mesmos de escolher os programas que queriam gravar, podendo optar por não apresentar determinados programas.
132- Caso optassem por não apresentar determinado programa não recebiam qualquer quantia monetária.
133- A partir de um determinado período a Autora comunicou à Ré que, por problemas de saúde, não podia fazer mais do que uma apresentação por mês do programa “So...”.
134- (…)7
135- Para além dessa situação concreta, também noutras ocasiões a Autora informou que não iria participar em determinados programas do “So...”.
136- Nessas alturas a Ré assegurou a substituição da Autora por outro apresentador.
137- Quando a Autora não prestava a sua atividade à Ré, não recebia qualquer montante.
138- A Autora estava sujeita ao cumprimento das regras técnicas e artísticas próprias de uma produção audiovisual para a televisão quando apresentava algum dos programas supra elencados.
139- Nos períodos constantes dos acordos referidos em 25) e 30), não podia a Autora apresentar programas noutros canais de televisão da concorrência, como sucede com a apresentação de programas na concorrência sendo, no entanto, livre para levar a cabo todo o tipo de atividades que entendesse, desde que não diretamente concorrentes,
140- O que efetivamente fez.
141- Finda a duração dos referidos acordos a Autora era livre de aceitar qualquer convite que surgisse da concorrência, não estando vinculada por qualquer obrigação de exclusividade.
142- Em Março de 2020 já se havia iniciado, em Portugal, um período de quarentena obrigatória, pelo risco de propagação da doença do vírus SARS-COV2.
143- Os canais de televisão estavam a ter um embate inicial decorrente das limitações então impostas.
144- Era preciso reinventar a gravação dos programas, entre os quais, o “So...”.
145- Por outro lado, antecipava-se uma quebra de receitas sem precedentes.
146- Neste contexto, a Ré propôs a todos os apresentadores que tinham programas em curso, uma redução dos seus honorários, entre os 10% e os 30%.
147- No que respeita ao programa “So...” a TVI decidiu que, durante dois ou três meses, as gravações seriam feitas por vários apresentadores, como antes, mas estes estariam sozinhos com um auscultador e um microfone, sem público, sem entrevistar ninguém.
148- A TVI convidou, a Autora, para integrar esse elenco de apresentadores, pois considerou que, neste formato especial, o problema de falta de audição não seria um problema.
149- A apresentação desse programa exigiria, em termos auditivos, exatamente o mesmo à Autora do que exige qualquer outro programa.
150- A Autora recusou, porque o valor de honorários que a Ré apresentou como proposta - € 1.000 por cada programa – correspondia a cerca de metade do valor que a Ré já havia pago pela apresentação desse mesmo programa.
151- A Ré explicou que essa redução se impunha, porque o programa teria um formato diferente, adaptado à realidade do momento e as receitas não seriam as mesmas.
152- A Autora era, e sempre foi, livre de recusar as propostas que a Ré TVI lhe apresentou, e já anteriormente havia recusado em participar noutros programas para os quais havia sido convidada.
153- Mesmo quando não era contratada “à peça”.
154- Em Maio de 2020, a Autora solicitou uma reunião com o diretor PP, referindo que queria muito que lhe fosse atribuído um programa só dela, que estava farta de ser contratada para coisas esporádicas, e que estava há mais de cinco meses sem trabalhar.
155- Nessa altura, o diretor PP referiu que não tinha outro programa para lhe atribuir, além do “So...”, tendo-se a Autora alterado profundamente, dizendo que a TVI nunca a valorizava, que esse convite não era uma valorização da sua pessoa, pelo que PP lhe referiu que era livre de procurar outro trabalho sem ser na TVI, uma vez que não tinha exclusividade com esta.
156- A remuneração atribuída a cada programa variava em função do programa apresentado, do horário em que é transmitido, do plafond disponível, dos conhecimentos que tinha a nível de cultura-geral, musical, desportiva, a necessidade ou não de performance física, empatia com o público alvo e a capacidade de improviso ou de preparação.
157- (…)8
158- A Ré TVI fornece, em regra, aos seus trabalhadores com cargos mais elevados, computador, carro, iPad, internet móvel, telemóvel, ou outros instrumentos que sejam relevantes para a prestação da sua atividade.
159- A Autora não tinha nenhum instrumento de trabalho fornecido pela Ré TVI, suportando a aquela diretamente todos os custos decorrentes da aquisição desses equipamentos, os quais eram relevantes para a prestação da sua atividade, com excepção do microfone e/ou auriculares que fazem parte do sistema de som do programa a gravar.
160- A Autora obrigava-se em manter em vigor todos os seguros referentes à atividade profissional independente, suportando os respetivos custos.
161- A Autora não consta dos horários de trabalho que a Ré elaborava para os seus trabalhadores, nem nunca teve qualquer controlo de assiduidade.
162- A Autora não consta do mapa de horários de trabalho e de férias elaborados pela Ré.
163- (…)9
164- A Autora não se encontra sujeita aos regulamentos internos e códigos de conduta da Ré.
165- Pela actividade supra desenvolvida pela Autora, a Ré nunca procedeu a descontos legais, designadamente, para efeitos de Segurança Social.
166- A Autora participou sempre em todas as reuniões periódicas e preparatórias com as equipas dos programas que lhe competia apresentar, recebendo sempre directrizes transmitidas pela Ré ou pela produtora externa.
167- A Autora não tinha qualquer liberdade de conformação dos conteúdos dos programas apresentados, não dispondo, para esse efeito, de qualquer autonomia, encontrando-se sujeita a obedecer a directrizes da Ré TVI ou da produtora externa.
168- Cada programa era antecedido de reuniões preparatórias, realizadas nas instalações da Ré ou em local por esta determinado ou pela produtora externa, em período anterior ao início da respectiva emissão, em horário marcado pela própria Ré ou pela produtora do programa.
169- Cumprindo a Autora sempre horas de início e de termo da sua actividade determinadas pela a Ré TVI ou pela produtora externa.
170- No caso do programa “So...”, por imposição da produtora C..., a respectiva equipa deslocava-se para o local onde iria decorrer o programa em directo no dia anterior, no horário marcado pela produtora, partindo de ... às 15 horas de sábado (o programa, em directo, ocorria sempre ao domingo).
171- A Autora, bem como os demais elementos da equipa do programa, podiam utilizar em total liberdade todos os equipamentos de suporte existentes e disponíveis na sala de produção para o efeito, nomeadamente, telefones, computadores, impressoras, etc., disponibilizados pela Ré.
172- No ano de 2014, a Autora, com conhecimento da Ré, decidiu não prestar a sua actividade à Ré, para acompanhar a fase terminal da vida da sua mãe.
173- Sucedeu, por diversas vezes, que o pagamento do trabalho prestado pela Autora num determinado mês, tivesse sido efectuado conjuntamente com o de outro ou outros meses, mas única e exclusivamente por conveniência de uma ou outra das partes, ou então pelo facto de os programas gravados estarem no ar (“Pe...”, “Ca...”, “...”, “T...),
174- O programa dominical “So...”, apesar de semanal, tem a duração de 6 horas, sempre em directo (o que é mais do que a apresentação diária de um programa de uma hora), a que acresce o tempo despendido com as funções preparatórias sempre iniciadas, neste caso, às 15 horas do dia anterior (sábado).
8. Do mencionado contrato subscrito em 10.11.2010, consta ainda, designadamente, o seguinte:
Cláusula oitava (Seguros)
A apresentadora obriga-se a manter em vigor todos e quaisquer seguros referentes ao desempenho da atividade profissional independente, designadamente um seguro de acidentes de trabalho (…).
Cláusula décima (…)
O presente contrato revoga todos os contratos anteriormente celebrados entre as partes sobre o mesmo objeto.
9. Do mencionado contrato subscrito em 22.02.2011, consta ainda, designadamente, o seguinte:
«CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS entre TVI (…) e L..., Lda.., (…) doravante abreviadamente designada por “APRESENTADORA”, neste ato representada por HH, (…) na qualidade de gerente única da APRESENTADORA, mas também a título pessoal (…);
(…)
IV. A TVI pretende contratar os serviços de HH, para que esta proceda à apresentação de programas de televisão, o que pretende fazer através da sociedade que gere a respetiva carreira profissional e por intermédio da qual se vincula para a prestação de tais serviços;
V. Depois de ponderados os enquadramentos jurídicos possíveis para esta relação contratual, as partes pretendem submeter este contrato ao regime jurídico dos contratos de prestação de serviços, dado que só este permite conferir à relação jurídica (…) o grau de independência, liberdade e flexibilidade de que a apresentadora não abdica (…).»
Cláusula décima (Termo inicial, termo final e cláusula penal)
O presente contrato terá (…) desde o dia 01.02.2011 e caducará, sem necessidade de qualquer comunicação entre as partes, no dia 31.01.2013.
Cláusula décima primeira (Seguros)
A apresentadora obriga-se a manter em vigor todos e quaisquer seguros referentes ao desempenho da atividade profissional de HH, designadamente um seguro de acidentes de trabalho (…).
Cláusula décima segunda (Resolução)
1. Para além das situações especialmente previstas no presente contrato, qualquer das partes poderá resolver o mesmo, com efeitos imediatos, no caso de a outra parte faltar grave ou reiteradamente ao cumprimento das suas obrigações contratuais, bem como no caso de ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual.
(…)
5. Em caso de resolução do presente contrato por incumprimento definitivo da contraparte, a parte inadimplente deverá pagar à contraparte uma indeminização, cujo valor será o maior das seguintes quantias:
a) Valor dos danos sofridos pela contraparte;
b) Montante igual ao determinado nos termos do número um da cláusula seguinte, considerando-se como relevante (…) a data da resolução do contrato.
6. HH é solidariamente responsável com a apresentadora pelo cumprimento da obrigação prevista no número anterior.
Cláusula décima terceira (Revogação unilateral)
1. Cada uma das partes tem o direito de se desvincular unilateralmente e sem justa causa (…), mediante o pagamento à contraparte de uma contrapartida (…) correspondente a:
a) Se exercido no primeiro ano de vigência, 221.000 € (…);
b) Se exercido no segundo ano de vigência ou depois, 195.000 € (…).
(…)
3. HH é solidariamente responsável com a apresentadora pelo cumprimento da obrigação prevista nos números anteriores (…).
III.
a. - Considerações preliminares.
10. Quanto à delimitação do objeto do contrato de trabalho, no seu confronto com o contrato de prestação de serviço, ponderou-se no Ac. de 12.01.2023 (Proc. nº 16978/18.5T8LSB.L2.S1) desta Secção Social:
«(…)
Ao contrário das relações de trabalho autónomo, nas quais se proporciona um resultado do trabalho, nas de trabalho subordinado [que correspondem a uma (mera) obrigação de meios], uma das partes obriga-se a prestar a outra uma atividade (positiva) e heterodeterminada, cujo conteúdo preciso é (em maior ou menor medida) unilateralmente fixado pelo empregador (apresentando, à partida, um certo grau de indeterminação, a prestação vai sendo “potestativamente”10 determinada por este).
(…)
Todavia, são frequentemente inseparáveis a atividade e o seu resultado, pelo que as fragilidades deste critério – que “fazem com que ele deva ser considerado como um critério de mera prevalência” – apenas permitem afirmar que “no contrato de trabalho a atividade tem um valor prevalente para o empregador, enquanto no contrato de prestação de serviço é o resultado dessa atividade que tem mais relevo para o credor” 11.
Sobre esta dificuldade, muito expressivamente, se pronunciou, há já umas décadas Galvão Teles:12
“Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado? Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe. O trabalho integra-se na organização da entidade patronal, é um elemento ao serviço dos seus fins, um fator de produção quando se trate de uma empresa económica. Na outra hipótese promete-se o resultado do trabalho, porque é o prestador que, livre de toda a direção alheia sobre o modo de realização da atividade como meio, a oriente por si, de maneira a alcançar os fins esperados”.
Conexamente, como nota Monteiro Fernandes13, apesar de a obtenção do resultado não estar, em regra, “dentro do círculo do comportamento devido pelo trabalhador”, “esse resultado ou efeito pode, todavia, constituir elemento referencial necessário ao próprio recorte do comportamento devido”, pois, independentemente de o trabalhador conhecer, ou não, o “escopo global e terminal” visado pelo empregador, “o processo em que a atividade (...) se insere é naturalmente pontuado por uma série de objetivos imediatos, (...) fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais (...), se pode exigir – presumir – sejam nitidamente representados pelo trabalhador”.
Também nem sempre é fácil integrar na dicotomia atividade-resultado algumas situações em que, sendo contratualizado o próprio trabalho (e não o seu resultado), ele se desenvolve com elevado grau de independência e autonomia técnica, embora no âmbito do quadro organizativo do outro contraente, que – com maior ou menor nitidez, ainda que apenas potencialmente – orienta/dirige o seu trabalho.
Paradigmáticas destas dificuldades são as múltiplas situações em que a atividade é suscetível de ser levada a cabo, indistintamente, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos, como é o caso das profissões liberais (médicos, enfermeiros, arquitetos, engenheiros, advogados, etc.), dos (foto)jornalistas ou de alguns artistas (v.g. os profissionais de espetáculos, como é o caso dos músicos).
(…)
29. A subordinação jurídica corporiza-se: (i) na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção, em maior ou menor grau, numa estrutura organizacional alheia (estrutura que não se reconduz necessariamente a uma empresa, podendo até ser muito rudimentar14) , dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio do empregador, traduzida na titularidade do poder de direção (que implica o dever de obediência às ordens e instruções do empregador, maxime no tocante ao modo de cumprimento/execução da prestação, bem como às regras organizacionais e de conduta estabelecidas) e do poder disciplinar.
Diferentemente da “atividade” e da “retribuição”, categorias presentes em vários tipos contratuais, é na “subordinação jurídica” – elemento que no essencial o caracteriza e demarca de realidades fronteiriças – que reside a especificidade mais típica do contrato de trabalho.
Não obstante, a nova economia digital (acarretando substituição do trabalho humano por tecnologia, hiperconectividade e teletrabalho e, em geral, exigências organizativas das empresas muito distanciadas do modelo taylorista/fordista) está a provocar profundas mudanças nos modelos de organização do trabalho e do emprego.
Assistimos a toda uma panóplia de manifestações de flexibilidade laboral (temporal e espacial) e de fragmentação e externalização do processo produtivo, ganhando expressão a dependência económica, em face da dependência organizativa. Aumentando muito significativamente as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado, esbate-se a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo.
Deste modo, enquanto fator identificativo do contrato de trabalho, a subordinação perspetiva-se atualmente como elemento dotado de grande plasticidade, munido de “novos rostos”, e, nessa medida, num “identificador problemático”15.
Na verdade, uma vez que “aumentaram, de forma significativamente relevante, por um lado, as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado (...), mas também foi possível verificar, por outro lado, que o próprio domínio do trabalho independente ou autónomo passou a conhecer, de forma crescente, expressões de tutela e enquadramento que são mais próprias do típico trabalho subordinado”, a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo vai-se esbatendo e diluindo, “através de um processo de metamorfose das formas jurídicas de exercício do poder por parte do empregador”.16
Por conseguinte, nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de “geometria variável”, que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que o empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, “no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica (...) e se articula com as aptidões profissionais especificas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da (...) atividade”, sendo, deste modo, consentânea com atividades profissionais altamente especializadas ou que tenham uma forte componente académica ou artística17, tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos inerentes poderes pelo empregador.
Na verdade, como paradigmaticamente refere sobre esta problemática Monteiro Fernandes:18
“A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemática; mas, a final verifica-se que existe, na verdade (...).
[N]ão é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. Isto é tanto mais real quanto mais se avança na sofisticação e diferenciação das qualificações profissionais. Muitos trabalhadores conhecem melhor o trabalho que têm que realizar do que o empregador.
(...)
Neste sentido, observava, já há décadas, Mazzoni: Quanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão (..) que se encontra também na relação de trabalho autónomo (...).
Para além das situações em que, de facto, não ocorrem comportamentos diretivos do empregador, há que considerar aquelas em que constituem objeto do contrato de trabalho (...) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (...). Em tais casos, o trabalhador apenas ficará adstrito à observância das diretrizes mais gerais do empregador em matéria de organização do trabalho (local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares (...).
(...)
Passa a ser necessário, perante cada situação concreta, saber-se ao certo se o médico, o advogado ou o engenheiro atuam (...) como (...) empregados ou (...) como “profissionais livres”, isto é, trabalhadores autónomos. Tendo em consideração a natureza de tais profissões, deve-se presumir que os negócios tendo por objeto atividades próprias delas são contratos de prestação de serviços (...). De resto, persistem, amiúde, nessas mesmas situações [quando] de trabalho subordinado, resquícios do conteúdo tradicional dos contratos de prestação de serviços, em cujos moldes se vazava, com prevalência, o exercício das chamadas profissões liberais. (...) entre elas, o regime de retribuição por tarefa e a correlativa maleabilidade do esquema de duração do trabalho.”
11. Efetivamente, há várias situações profissionais em que é muito estreita a fronteira entre subordinação e autonomia e, nessa medida, entre o contrato de trabalho e outros tipos contratuais (maxime, o contrato de prestação de serviço), realidade que vem suscitando acrescidas dificuldades de enquadramento jurídico no contexto atual, marcado pelas novas tecnologias e por novas formas de organização do trabalho, traduzidas, nomeadamente, nas mais diversas modalidades de flexibilidade e mobilidade laboral, maior autonomia técnica dos trabalhadores e pela diluição de vários dos elementos tradicionalmente presentes numa abordagem rígida do conceito de subordinação jurídica.
Estas zonas cinzentas estão com frequência presentes nas relações que se estabelecem entre as empresas de comunicação social e os seus colaboradores: umas vezes estes desenvolvem a sua atividade como freelancer e noutras integram os quadros da empresa; mas, na sequência das crescentes dinâmicas de flexibilidade organizativa que neste ramo se fazem sentir, a verdade é que as relações de emprego atípicas se vão tornando cada vez mais típicas.
Com frequência, trabalhadores ditos independentes são economicamente dependentes da empresa em que desenvolvem a sua atividade, não raro ao longo de vários anos e em situação de exclusividade. Acresce que em muitos casos eles trabalham nas instalações da empresa, utilizam equipamentos desta e executam tarefas semelhantes às dos seus “colegas” formalmente assalariados, relativamente aos quais nem sempre se evidencia uma diferença nítida em termos de inserção na estrutura organizativa.
Vale dizer que o trabalho baseado em projetos (muito comum em televisão), realizada por conta de um empregador específico, consistente em tarefas definidas e com objetivos e resultados previamente estabelecidos, tanto pode ser realizado por trabalhadores realmente independentes (freelancer), por trabalhadores economicamente dependentes ou por trabalhadores assumidamente detentores de um vínculo laboral. Todo um campo privilegiado, pois, para relações de trabalho pouco claras, ambíguas ou encobertas.19
b. – Se a presunção de laboralidade consagrada no art. 12.º, nº 1, do CT de 2009, é aplicável ao caso dos autos e em que medida.
12. In casu, as instâncias decidiram, coincidentemente, que a Autora não beneficia da presunção de laboralidade atualmente consagrada no art. 12.º, do CT de 2009; e, considerando (assim) que lhe incumbia a alegação e prova da existência dos elementos constitutivos do contrato de trabalho (art. 342.º, n.º 1, do CC), concluíram não ter a mesma logrado atingir tal desidrato.
A questão que agora se coloca é a de saber se a eventual aplicação ao caso vertente daquela presunção levaria a concluir no sentido da existência de um contrato de trabalho e, previamente, se o recurso a tal instrumento probatório é legalmente admissível e em que termos.
13. No caso vertente evidencia-se que entre as partes se estabeleceu uma relação obrigacional que, com grande estabilidade, embora com vários hiatos, remonta ao ano de 2003.
Porém, à luz da factualidade provada, é em 10.11.2010, já após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, que surge um primeiro contrato escrito celebrado entre as partes, seguido de outro, outorgado em 22.02.2011, intitulados, respetivamente, “Contrato” e “Contrato de prestação de serviços”, nos quais expressivamente se estipulou a revogação de todos os contratos anteriormente celebrados entre as partes com o mesmo objeto (cláusulas 10ª e 1ª, nº 1, respetivamente).
Todo um circunstancialismo, pois, a evidenciar que o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se foi reconfigurando ao longo do tempo.
Ora, como decidiu esta Secção Social, [e]stando em causa uma relação contratual iniciada em 01.10.2007, no domínio da vigência do Código do Trabalho de 2003, e resultando da matéria de facto provada que as partes vieram a alterar, nada menos do que 12 vezes, os termos da sua relação, outorgando sucessivos contratos que foram denominados de “prestação de serviços”, ocorrendo a última alteração em 01.09.2019, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho de 2003 aos contratos outorgados até 01.09.2008, inclusive, e o regime jurídico do Código do Trabalho de 2009 aos contratos outorgados após 01.09.2009, inclusive, e designadamente a presunção estipulada nos respetivos artigos 12.º de cada um desses códigos” (Ac. de 19.06.2024, Proc. nº 368/22.8T8VRL.S1).
À luz desta jurisprudência, que por inteiro se reitera, à(s) relação(ões) jurídica(s) estabelecida(s) entre as partes a partir de 10.11.2010 é aplicável, pois, o Código do Trabalho de 2009.
c. – Se os factos provados impõem presumir a existência de um contrato de trabalho.
14. A presunção de laboralidade pressupõe a verificação de pelo menos duas das características tipificadas nas cinco alíneas integrantes do nº 1 do sobredito art. 12º, a saber: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Desta presunção legal emerge a inversão do ónus da prova, ficando o trabalhador dispensado de fazer a prova dos elementos constitutivos da relação laboral (art. 350º, nº 1, do C. Civil), embora seja admitida prova em contrário para a ilidir (nº 2 do mesmo artigo), mediante a prova pela contraparte de “factos positivos excludentes da subordinação”20, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho21 [elementos que, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica].
Prova em contrário consistente, numa formulação feliz de um Acórdão do TRL de 11.02.2015, citado por Milena da Silva Rouxinol e Teresa Coelho Moreira,22 na ocorrência de (contra)indícios que, “pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”.
Explicitando o seu pensamento sobre o funcionamento desta presunção, referem ainda as mesmas autoras:23
«Importa assinalar as diferenças que permitem distinguir o método indiciário do presuntivo. Com efeito, não obstante os elementos constantes das diversas alíneas do art. 12º serem, frequentemente, chamados de indícios (…) as duas técnicas (…) devem (…) distinguir-se. Sobretudo, digamo-lo claramente, se a presunção de laboralidade for aplicável, então terá de o ser em termos tais que, metodologicamente, o processo qualificativo se distinga, realmente, do subjacente ao método indiciário.
(…) [À] consagração da presunção de laboralidade subjaz uma intenção político-legislativa, de resto em linha com preocupações crescentemente manifestadas no plano internacional e europeu: em última análise, facilitar a demonstração do carácter laboral das relações jurídicas entre o prestador da atividade a outrem e o respetivo credor – o que se traduz no reforço do combate aos “falsos recibos verdes” e, bem assim, ao aclaramento de uma mais significativa área cinzenta. Em vista da concretização dessa intenção político-legislativa, impõe-se ao julgador firmar o resultado a que a presunção conduza, logo que verificados dois ou mais dos elementos enumerados no art. 12º, nº 1. Por certo que não se põe em causa (…) a necessidade de o julgador apreciar, a título de indícios de autonomia, os elementos que lhe sejam apresentados [para ilidir a presunção] (…). Nesse sentido, isto é, por força dos elementos de facto levados ao processo pela parte interessada na demonstração de que o contrato não tem natureza laboral, (…) o julgador será chamado a apreciá-los enquanto (…) indícios de sinal contrário aos elementos que hajam feito funcionar a presunção e firmar, prévia, embora provisoriamente, a natureza laboral do contrato. Numa palavra, a apreciação de índole tipológica própria do (…) método indiciário ocorrerá, então, se e na medida em que o sujeito a quem caiba iludir a presunção leve ao processo elementos passíveis de a abalar. A análise dos mesmos, em correlação com os elementos também provados e capazes de a fazer operar, determinará se são ou não suficientes para se ter como demonstrado o contrário do que se presumira.»
15. Tendo em conta a natureza da atividade desenvolvida pela autora, incompatível com um posto de trabalho fixo e com um horário de trabalho com horas de início e termo pré-definidos, é patente que no caso em apreço, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, não podem deixar de considerar-se local de trabalho todos os locais pertencentes ao beneficiário da prestação ou às produtoras externas dos programas, ou seja, todos os locais onde, para além da emissão dos programas, eram realizadas as necessárias atividades preparatórias, complementares ou acessórias.
Ora, focando-nos nos factos posteriores a 10.11.2010, constata-se que a atividade da Autora era desenvolvida nos estúdios de televisão da Ré, ou em local definido por esta ou pela produtora externa (cfr. nºs 53, 55, 57, 58, 60, 61, 63 a 65, 67, 69, 70, 72, 74, 76, 78, 79, 80, 81, 83, 85, 88, 94, 95, 120, 121, 124 e 126 da matéria de facto).
16. Conexamente, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, há que incluir nas horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo seu beneficiário, as que foram observadas para levar a cabo – para além dos programas, que tinham lugar em dias e horários pré-determinados – todo o sobredito conjunto de atividades (cfr. nºs 53, 57, 58, 60, 61, 63 a 65, 67, 69, 70, 72, 74, 76, 78, 79, 80, 81, 83, 85, 88, 94, 95, 120, 121, 124, 120, 121, 124 e 126, da matéria de facto).
17. Em suma, encontram-se verificados os elementos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, pelo que se presume a existência de um contrato de trabalho entre as partes.
Todavia, não pode deixar de sinalizar-se que, na situação em análise, pese embora constituam base suficiente para o funcionamento da afirmada presunção, os factos atinentes ao local de trabalho e ao horário da prestação são compatíveis com qualquer das modalidades de vínculo obrigacional em confronto, uma vez que o circunstancialismo apurado neste âmbito é o caracteristicamente verificado na atividade em causa, independentemente da natureza do contrato.
Já quanto ao condicionalismo previsto na alínea b) da mesma disposição legal, de forma alguma se pode considerar preenchido, uma vez que “a A. não tinha nenhum instrumento de trabalho fornecido pela Ré TVI, suportando aquela diretamente todos os custos decorrentes da aquisição desses equipamentos, os quais eram relevantes para a prestação da sua atividade, com exceção do microfone e/ou auriculares que fazem parte do sistema de som do programa a gravar” (facto nº 159).
d. – Se, em face dos indícios em sentido contrário, deve considerar-se ilidida a presunção de laboralidade.
18.1. No sentido de uma relação jurídica de carácter autónomo aponta, desde logo, a vontade real das partes no tocante ao tipo contratual e algumas dimensões do conteúdo dos dois escritos aludidos em supra nº 13.
O contrato de trabalho é “um produto da autonomia privada, resultando do encontro de uma proposta e uma aceitação”24, inserindo-se a sua disciplina legal no direito privado, pelo que “estamos fora de um modelo de mera execução ou de aplicação da lei, mas [num âmbito] em que se toma sobretudo como referência a autonomia [privada]”25, “com as suas componentes de autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio de liberdade”26.
Nos casos duvidosos – sendo que quando “o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida” (art. 236º, nº 2, C. Civil) –, um dos elementos fundamentais a atender é, pois, a vontade real das partes relativamente ao tipo contratual.
Com efeito, embora o nomen juris utilizado pelas partes na titulação formal dada ao contrato não seja fator decisivo quanto à sua qualificação (e muito menos, naturalmente, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica), ele é um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial.
18.2. Do contrato subscrito em 10.11.2010, apenas intitulado “Contrato”, decorre que o seu objeto é referenciado como prestação de serviços (cfr. cláusulas primeira, segunda, terceira e sétima), sendo o documento datado de 22.02.2011 denominado “Contrato de prestação de serviços.
É de presumir que uma pessoa como a autora, naturalmente dotada de padrões culturais diferenciados, tivesse consciência do significado/alcance dos documentos assim assinados e que conhecesse a diferença existente entre os contratos de trabalho e de prestação de serviço, bem como as implicações jurídicas e práticas inerentes à seleção de uma ou outra destas categorias, sendo certo que o clausulado inserto em tais documentos é no essencial característico de uma relação jurídica de carácter autónomo.
Com efeito, em comum aos dois contratos, há neste sentido a considerar, em especial: (i) o facto de se encontrarem associados a um conjunto específico de programas (formato “S...” e programa “Ag...” ou análogo) e atividades conexas; (ii) o regime de resolução/incumprimento definitivo e de cessação unilateral do vínculo obrigacional, e correspondentes cláusulas penais, manifestamente incompatíveis com o regime legal do contrato de trabalho; (iii) e a obrigação de a autora manter em vigor seguros referentes ao desempenho da atividade profissional independente, designadamente um seguro de acidentes de trabalho.
Quanto ao primeiro contrato, há ainda a considerar o acordado em matéria de remuneração (valor único, pré-definido, pago em três prestações), o regime fiscal (pagamento de IVA) e o facto de pela atividade prestada a A. emitir recibos verdes (nº 30 da matéria de facto), assim seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente, embora este elemento não assuma especial significado, uma vez que nos autos está em causa, no fundo, a questão de saber se não se estará perante um quadro de falsos recibos verdes.
E, relativamente ao segundo contrato, pesa ainda a circunstância de na relação entre A. e R. ter sido interposta a sociedade L..., Lda., da qual aquela é única sócia e gerente.
18.3. Ao invés, a favor de uma relação de subordinação, embora com peso globalmente não determinante, há a considerar:
Especificamente quanto ao segundo contrato, que vigorou durante cerca de 2 anos, a intensidade da atividade contratada, consubstanciada em 136 programas durante 48 semanas por ano (cfr. nº 33 da matéria de facto).
Em comum aos dois contratos, apesar do curto prazo do primeiro (escassos três meses), o facto de no seu conjunto terem vigorado entre 01.10.2010 e 31.01.2013, apenas com um hiato de um mês (entre 01.01.2011 e 01.02.2011), período durante o qual, não obstante, a autora não interrompeu a sua atividade (pelo menos, entre 3 de janeiro e 14 de outubro de 2011, a mesma apresentou o concurso televisivo “Agora é que Conta” – nº 41 da matéria de facto), bem como o regime de exclusividade acordado entre as partes (cfr. nºs 28, 32 e 35 da matéria de facto), sendo patente, por conseguinte – apesar de se ter provado que a A. era “livre para levar a cabo todo o tipo de atividades que entendesse, desde que não diretamente concorrentes [com a R.], o que efetivamente fez” (nºs 139 e 140 da matéria de facto) –, uma considerável dependência económica da A. relativamente à R., neste período.
19. Fora do estrito âmbito destes dois contratos, impõe-se ter em conta, desde logo, a duração dos sucessivos vínculos obrigacionais em que se estrutura a relação globalmente estabelecida entre a autora e a ré (ou com outros órgãos de comunicação social, como a revista ..., pertencentes ao Grupo Empresarial da R., ou com produtoras externas vinculadas à R., como a E...” ou a “S...”), ao longo de cerca de 17 anos, ou, reportando-nos apenas ao momento a partir do qual é aplicável no caso vertente a presunção de laboralidade (10.11.2010), de cerca de nove anos e meio: depois de um estágio de 3 meses na área de ... da R., a A. iniciou a sua carreira ao serviço da TVI em setembro de 2003, relação profissional que – sofrendo vicissitudes e reajustes ao longo do tempo – perdurou até maio de 2020 (cfr. nºs 2, 5 e 101 da matéria de facto).
Todavia, apesar da longevidade desta ligação, constata-se que a mesma conheceu sofreu várias interrupções e períodos de descontinuidade, fator que na solução do litígio assume relevância determinante, dada a sua incompatibilidade com a permanência suposta numa relação laboral.
Na verdade, posteriormente ao período abrangido pelos dois contratos escritos já analisados, constata-se, em face do teor do nº 38 da matéria de facto27, que o trabalho desenvolvido pela A. e/ou os correspondentes pagamentos efetuados pela R. tiveram lugar: em cinco meses do ano de 2013; em 9 meses de 2014; em todos os meses de 2015, 2016, 2017 e 2018; em 9 meses de 2019; e em janeiro, abril e maio de 2020, altura em que cessou a relação profissional entre as partes.
A este propósito, conexamente, importa ainda considerar que nos períodos em que à A. não estava atribuído qualquer programa ela não tinha qualquer colaboração com a R. TVI (nº 114 dos factos provados); que durante os períodos em que a A. não tinha qualquer programa atribuído nunca reclamou da R. qualquer “direito” a que lhe fosse atribuído algum trabalho (nº 119 dos factos provados); que quando a A. não prestava a sua atividade à R. não recebia qualquer montante (nº 137 dos factos provados); e que a A. era livre de não aceitar as propostas que a R. lhe apresentava, tendo recusado participar em programas para os quais havia sido convidada (cfr. nº 152 dos factos provados).
Associado a esta intermitência, acresce, também muito significativamente, que “a A. sempre foi contratada “à peça” ou seja, era convidada para a apresentação de um determinado programa e recebia especificamente pelos programas que apresentava” (nº 113 dos factos provados e ainda, no mesmo sentido, v.g. os nºs 44, 48, 56, 57, 59, 62, 63, 66, 68, 71, 75, 77, 79, 81 e 89), sendo certo que “o contrato de prestação de serviço tem habitualmente uma remuneração calculada em função do resultado atingido [ou da atividade desenvolvida], ao passo que no contrato de trabalho a retribuição é usualmente calculada em função do tempo de trabalho”28.
Por fim, também no sentido da autonomia, refira-se ainda que: a R. nunca pagou à A. qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal (nºs 39 e 40 dos factos provados); revela-se uma reduzida inserção da A. na organização empresarial da R., como decorre da conjugação dos nºs 97 a 100 e 171 da matéria de facto (estes em sentido afirmativo), com, por outro lado (em sentido negativo), os nºs 25, 125, 158/159 (propriedade dos equipamentos e instrumentos necessários à atividade da A.), 161/162 (a A. não constava dos mapas de horários de trabalho férias e não era controlada a sua assiduidade) e 164; a A. obrigava-se a manter em vigor todos os seguros referentes à atividade profissional independente, suportando os respetivos custos (nº 160 dos factos provados); pela atividade por si desenvolvida, a R. nunca procedeu a descontos legais, designadamente, para efeitos de Segurança Social (nº 165 dos factos provados).
20. Tudo ponderando, em face do inequívoco e concludente peso global de todos os sobreditos elementos característicos de uma relação de trabalho autónomo, impõe-se, no caso em apreço, considerar ilidida a presunção de laboralidade.
IV.
21. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.
Custas da revista a cargo da autora.
Lisboa, 15-01-2025
Mário Belo Morgado (Relator)
Domingos Morais
José Eduardo Sapateiro
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1. Todos os sublinhados e destaques constantes do presente acórdão são nossos.↩︎
2. E não “quinta”, como por manifesto lapso material consta do acórdão recorrido.↩︎
3. Redação do TRL.↩︎
4. Redação do TRL.↩︎
5. Redação do TRL.↩︎
6. Eliminado pelo TRL.↩︎
7. Eliminado pelo TRL.↩︎
8. Eliminado pelo TRL.↩︎
9. Eliminado pelo TRL.↩︎
10. “Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 125”.↩︎
11. “Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 25” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição).↩︎
12. “Contratos Civis, BMJ 83/165”.↩︎
13. “Ob. cit., p. 111” (Direito do Trabalho, 16ª edição)↩︎
14. “Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 39”.↩︎
15. “Cfr. Rui Assis, ob. cit., p. 44 e 176”.↩︎
16. “Rui Assis, ob. cit., p. 176 – 177, invocando Alain Supiot”.↩︎
17. “Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 36”.↩︎
18. “Ob. cit., p. 115 - 116”.↩︎
19. Cfr. Les relations d’emploi dans les industries des médias et de la culture GDFMCS/2014, editado pela OIT, seguido de muito perto, https://www.ilo.org/sites/default/files/wcmsp5/groups/public/%40ed_dialogue/%40sector/documents/publication/wcms_240702.pdf↩︎
20. Na expressão de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª edição, p. 155.↩︎
21. Cfr. ainda Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 9ª edição, p. 53.↩︎
22. Direito do Trabalho, Relação Individual, 2ª edição, Almedina, 2023, p. 100.↩︎
23. Ibidem, pp. 98 – 99.↩︎
24. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª edição, p. 272.↩︎
25. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Procedimentos laborais na empresa, 2009, p. 88.↩︎
26. Ibidem, p. 81.↩︎
27. Nesta parte, remete-se para o acórdão recorrido, uma vez que, dada a sua extensão, nos dispensamos de reproduzir a listagem aí inserida.↩︎
28. Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 9ª edição, p. 31.↩︎