Sumário
I - Entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, sendo que, nos termos do disposto no art.1208º do C.C., o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
II - A conduta da A. - ao não responder às solicitações da R. para que eliminasse os defeitos na obra, inclusivamente, deixando de lhe atender o telefone - demonstra, de forma inequívoca, uma intenção de não querer eliminar os defeitos detectados na obra pertencente à R., sendo equiparável, quanto a nós, a uma declaração expressa de não cumprimento, permitindo que este comportamento tácito e omissivo por parte da A. seja qualificado como de incumprimento definitivo e possibilitando à R., por via disso, demandar a A. (como o fez, por via reconvencional) para que lhe seja feito um pagamento indemnizatório, quanto ao valor correspondente à eliminação dos defeitos, sem necessidade de ser realizada uma interpelação admonitória à A. para esse efeito.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Geometria Lírica – Tectos Falsos Unipessoal, Lda. apresentou requerimento de injunção contra Construções Eduardo Costa & Irmão, Lda., posteriormente transmutado em acção declarativa sob a forma comum de processo, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de €33.959,50, acrescida de juros moratórios vincendos calculados à taxa legal sobre €32.496,87 até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, ter fornecido à R., a pedido desta, bens e serviços que não foram integralmente pagos.
Devidamente citada para o efeito veio a R. apresentar a sua contestação, alegando defeitos na obra que, não foram eliminados pela A. e deduzir reconvenção, na qual pede o reconhecimento de um crédito correspondente ao custo da eliminação dos defeitos na dita obra, no valor de €18.200, 00, pedindo, assim, a compensação e redução do crédito reclamado pela A.
Na réplica apresentada a A. subsumiu a conduta da R. ao instituto do abuso de direito.
Foi realizada a audiência prévia, lavrado despacho saneador e fixados os temas de prova.
De seguida, realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que decidiu o seguinte:
a) julgar a acção procedente por provada e, consequentemente, condenar a R. no pagamento à A. da quantia €29.819,71;
b) julgar a reconvenção parcialmente procedente por parcialmente provada e condenar a A. no pagamento à R. da quantia de €15.87100, absolvendo-a do mais peticionado;
c) Operando a compensação de créditos, condenar a R. no pagamento à A. da quantia de €13.948,72, acrescida de juros moratórios contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Inconformada com tal decisão dela apelou a A. para a Relação que, por acórdão datado de 3/10/2024, revogou a sentença quanto às alíneas b) e c) do dispositivo, julgando totalmente improcedente o pedido reconvencional.
Veio agora a R. interpor recurso de revista para o STJ, sendo que, tendo em conta o valor da causa e da sucumbência, a legitimidade da recorrente, a natureza e o conteúdo do acórdão recorrido e, bem assim, a tempestividade da impugnação, conclui-se pela admissibilidade do recurso de revista apresentado, nos termos do disposto nos arts. 629.º nº1, 631.º nº1, 671.º nº1 e 674.º nº 1 alínea a), todos do C.P.C.
Ora, em tal recurso a R. apresentou as suas alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1º- Foi sentenciado em 1ª instância que as partes celebraram um contrato de empreitada, art. 1207º CC;
2º- Assiste ao dono da obra a faculdade de recusar o pagamento enquanto a obra não estiver concluída (exceptio inadimplenti contractus – art. 428.º/1 CC).
3º- O cumprimento defeituoso confere ao dono da obra o direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos, a redução do preço ou a resolução do contrato e indemnização (arts. 1221º, 1222º/1 e 1223º CC);
4º- Provado ficou que tendo a A. colocado tetos falsos e paredes divisórias… em 20 dessas 28 frações apresentavam “defeito” … verificou-se cumprimento defeituoso… e não tendo logrado sua eliminação, assiste à R.,… se o devedor, interpelado para eliminar os defeitos, se recusar a cumprir, o credor pode legitimamente demandar pagamento indemnizatório, sem necessidade de realização de interpelação admonitória;
5º- Demonstrado ficou que a R. denunciou à A. as desconformidades e requereu a sua eliminação sem que esta a tenha efetuado. Igualmente se provou que a A. deixou de responder às solicitações da R.. Antunes Varela classifica como incumprimento definitivo o comportamento do devedor em que este declara não querer cumprir…, a tais declarações são equiparáveis os comportamentos do devedor que manifestem de forma inequívoca essa intenção de não cumprir. A falta de resposta aos contactos… é equiparável a declaração expressa de não cumprimento, legitimando a qualificação da conduta da A. como de incumprimento definitivo e possibilita à R. demandar pagamento indemnizatório, sem necessidade de realização de uma interpelação admonitória;
6º- A indemnização pode respeitar ao valor correspondente à eliminação do defeito que a sentença quantificou equitativamente art. 566º/3 CC, em 15.871,00€;
7º- O Tribunal de recurso delimitou o objeto de recurso em saber se houve interpelação admonitória e recusa do empreiteiro em eliminar os defeitos da obra, conferindo ao dono o direito à indemnização.
8º- Considerando-se provado que a A. aplicou os tetos falsos e divisórias e 20 frações apresentam defeitos, que pela R. foi solicitado à A., por diversas vezes, que eliminasse e minimizasse mas que a A. não eliminou, deiandou de responder às solicitações da R..;
9º- Estando assentes os defeitos e a sua comunicação, a questão é saber se houve recusa em proceder à sua eliminação, após a concessão de prazo razoável para o efeito (interpelação admonitória).
10º- A R. pretende eximir-se ao cumprimento da sua obrigação de pagamento de parte do preço invocando a existência dos defeitos demonstrados, como demonstrada a sua comunicação, com pedido para a sua eliminação.
11º- Decidiu a sentença que a falta de resposta aos contactos é equiparável a« declaração expressa de não cumprimento, qualifica a conduta como de incumprimento definitivo e possibilitando a demanda de indemnização, sem necessidade de uma interpelação admonitória.
12º- Com o que discorda o TRG, se o empreiteiro deixa de efetuar a sua prestação adequadamente, há inadimplemento com a consequente responsabilidade. O dono da obra que deve exercer sequencialmente: exigir a reparação dos defeitos se puderem ser eliminados, ou a realização de obra nova. art. 1221º nº1 e 2 do CC; pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina, art. 1222º nº1 do CC; requerer uma indemnização art. 1223º do CC, com natureza subsidiária;
13º- Não consente ao dono da obra, em administração direta, elimine os defeitos à custa do empreiteiro, visa assegurar a este a oportunidade de os eliminar, e uma vez rejeitada, cessa esse impedimento, por incumprimento.
14º- No caso, o dono da obra comunicou os defeitos ao empreiteiro, que não os eliminou, cumpre saber se configura mora ou de não cumprimento definitivo?
15º- Decorre, no caso, embora o dono da obra tenha solicitado ao empreiteiro que eliminasse as desconformidades, o que este não fez, não foi fixado prazo perentório para o cumprimento, nem advertência de que se não cumprisse a obrigação estava definitivamente não cumprida. Esta interpelação admonitória não se verificou e sem ela a mora não se pode converter em incumprimento definitivo.
16º- O dono da obra tem que dar ao empreiteiro oportunidade de eliminar os defeitos, em prazo razoável, não podendo, sem isso, efetuar essa reparação, por si ou por terceiro e pedir uma indemnização correspondente ao custo reconstrução. Sem admonição não há incumprimento definitivo.
17º- Não havendo incumprimento definitivo, não pode ao dono da obra ver arbitrada indemnização com base nele.
18º- Revogou a sentença, julgou procedente o recurso e improcedente o pedido reconvencional.
19º- Foi intentado recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça para o que se fundamenta no erro de interpretação e de aplicação da norma legal, que carece de coerência lógica com os factos conhecidos e provados e as circunstâncias do caso.
20º- Porque a invocada exceção de não cumprimento, do art. 428º do CC, reconhecida pela 1ª instância, revogada na RG, deve ser julgada aplicável aos factos apurados e quantificados.
21º- A A. intentou, a 1/9/2022 injunção para cobrança de faturas reconhecendo na PI “7. Mais se encetaram negociações extrajudiciais que acabaram por ser infrutíferas” e sem comprovar nos autos as peticionadas interpelações.
22º- A R. deduziu oposição alegando a A. ter aplicado tetos falsos e divisórias, de forma defeituosa, inacabada, abandonou a obra sem terminar, surpreendeu a R. com o, súbito e sem prévio aviso, recurso à via judicial, exigindo a totalidade do preço faturado, sabendo que se não reparasse, teria a R. de ser compensada com esse custo orçado em 18.200,00€, não aceitou a obra defeituosa.
23º- A A. replicou reconheceu em 6. De facto a aqui Autora foi interpelada para a reparação de algumas irregularidades, que se iniciou a colocação de tetos falsos e divisórias em pleno inverno, com chuva, vento, influindo, inevitavelmente no material armazenado na obra.
24º- Quando a sentença em 1ª instância reconheceu os defeitos que pela R. foi solicitado à A., por diversas vezes, que eliminasse / minimizasse e que a A. não eliminou, tendo deixado de responder às solicitações da R;
25º- Reconhecendo a 1ª instância a exceção de não cumprimento (art. 428º CC), por causa dos “defeitos” e do verificado cumprimento defeituoso, cuja eliminação não foi lograda pelas interpelações que conferem à R. direito à indemnização, sem necessidade de interpelação admonitória.
26º- Demonstrado ficou que a R. denunciou à A. as desconformidades e requereu a sua eliminação sem que esta a tenha efetuado e deixou de responder às solicitações da R., comportamento que manifesta de forma inequívoca a intenção de não cumprir que Antunes Varela classifica como incumprimento definitivo e equipara ao comportamento do devedor que declara não querer cumprir. A falta de resposta da A. aos sucessivos contactos da R., é equiparável a declaração expressa de não cumprimento, legitimando a qualificação da conduta da A. de incumprimento definitivo e possibilita à R. demandar indemnização, sem necessitar de interpelação admonitória.
27º- Nas alegações de recurso a A. refere: Repare o douto Tribunal que a Recorrida, pré ação judicial, interpelou a Recorrente para reparação de desconformidades, que foram retificadas no imediato. O último contacto entre as partes ocorreu em junho de 2022 e a ação foi proposta em 1/9/2022.
28º- Ardil engendrado pela A. cuja obra executada por terceiros, viu serem denunciados defeitos e, vendo-se impossibilitada de os eliminar e de suportar os custos da sua correção e minimização, abandonou a obra, deixou trabalhos defeituosos, não fez, nem juntou, interpelação formal cominatória para pagamento à R. que, através da retenção pela exceção ainda esperava pela reparação, pois se tivesse havido interpelação, teria ai sim ripostado com interpelação admonitória formal da R. para a A. reparar os defeitos e avançou a A., para a cobrança judicial do indevido e, assim, sem possibilidade da R. reagir em tempo útil e ser ressarcida dos prejuízos da reparação, que quando foi citada orçamentou, na pendência da ação realizou e suportou, tudo com o beneplácito do TRG que impôs a R. o pagamento integral da obra defeituosa a quem reclamou mas se tem recusado resolver, sem reconhecer à R. o direito de reter, em 16/5/2022 o prejuízo estimado, na ação a 1/9/2022 o prejuízo orçamentado, depois da ação, o sentenciado prejuízo.
29º- Não é justo, nem pode ser lícito entende a recorrente que o empreiteiro execute a obra com defeitos e se imponha ao dono o dever de a pagar na totalidade o preço como se isenta de defeitos, obra que não aceitou, tem de ter direito à exceção de não cumprimento.
30º- Não o é estando assentes os defeitos, a sua comunicação e a recusa em resolver, por causa da natureza da comunicação não corresponder à formal interpelação admonitória e conjugadamente com os comportamentos da A. não poder ser equiparada à declaração expressa de não cumprimento para efeito de incumprimento definitivo e da possibilidade de indemnização, sem interpelação admonitória formal.
31º- Sem a qual considera o TRG, discorda a recorrente, o empreiteiro, apesar de ter intentado ação de cobrança contra o dono de obra, não estar em incumprimento definitivo, mas em mora na reparação dos defeitos.
32º- Face aos factos provados impunha-se aceitação da exceção de não cumprimento, cuja apreciação o TRG omitiu, resultando uma decisão injusta e desproporcional, elaborada em clamoroso erro de direito.
33º- Tem-se de admitir a exceção de não cumprimento no caso de incumprimento defeituoso, tem que justificar a recusa parcial do pagamento do preço porque, objetivamente a obra necessita de reparação, cujo valor a 1ª instância estimou fundamentadamente.
34º- O TRG ao não apreciar a exceção de não cumprimento permite à A. receber o valor total da obra como se isenta de defeitos, configura uma decisão proferida em manifesto abuso de direito.
35º- Se o TRG considera que a A. está em mora e não em incumprimento definitivo, quem tem de ser penalizada pela mora na resolução dos problemas não é a R. com o pagamento integral do preço e onerado com o custo das correções, mas a A. com recebimento parcial, conforme art. 428º nº 1;
36º- Quanto à falta de interpelação admonitória terá de ser equiparada, pois onera irremediavelmente a R. e beneficia a A. infratora, às denúncias com o mesmo resultado e efeito, o incumprimento definitivo da empreitada, pela perceção da A. não concluirá a obra sem vícios, mediante verificação do comportamento omissivo da A. que inequivocamente revela vontade de não cumprir o contratado e não exigir à R., que percorra a via sacra admonitória.
37º- O que se espera do Tribunal é que consiga a valoração do concreto incumprimento e apurar o responsável pelo rompimento contratual, não deverão refugiar-se em formalismos que podem desproteger a parte cumpridora por impor lhe um caminho impraticável e desnecessário, mas deverão analisar se materialmente os comportamentos indiciam incumprimento definitivo.
38º- A R. pretendeu, a 16/5/2002 aquando do pagamento da fatura, na oposição à ação de 1/9/2022 de cobrança dessa fatura e pretende agora ver reconhecido como na 1ª instância, o direito a eximir-se ao cumprimento da sua obrigação de pagamento de parte do preço, invocando a existência dos defeitos, comunicados e pedida a sua eliminação, que a falta de resposta da A. aos contactos da R., seja equiparada à declaração expressa de não cumprimento, legitimando incumprimento definitivo da A. e possibilitando à R. demandar indemnização sem interpelação admonitória que a via judicial inviabilizou ou tornou inútil.
39º- Revelador que a A., Da vontade de não corrigir os defeitos, assim, não cumprir A empreitada dentro dos parâmetros acordados com a R..
40º- Tornando a notificação e a fixação de prazo adicional para cumprimento pela A. e as consequências da sua falta, uma penalização da parte cumpridora em benefício da contraparte infratora.
41º- Por isso entende a recorrente que a 1ª instância percebeu, subsumiu e integrou justa e corretamente ao direito, a existência de um comportamento omissivo concludente por parte da A. substancialmente equiparável a uma recusa expressa de cumprimento definitivo que despoleta o reconhecido direito à indemnização que torna desnecessária outra iniciativa formal da R.. que RG exige mas se impõe que o STJ integre no contexto e equipare aos factos provados.
42º- Nestes termos e nos demais e melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vªs. Exªs. deverá ser concedido provimento ao presente recurso de revista e, em consequência, revogar-se o Acórdão da Relação de Guimarães, nos termos supra expostos Assim, se decidindo, mais uma vez Venerandos Conselheiros, farão Vªs. Exªs. a necessária e estimada Justiça.
Pela A. foram apresentadas contra-alegações de recurso nas quais pugna pela manutenção do acórdão recorrido.
Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões do recurso apresentadas pela R., aqui recorrente, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se, no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre as partes, existiu, por parte da A./empreiteira, uma recusa na reparação dos defeitos denunciados, apta a dispensar a R., na qualidade de dona da obra, da realização de uma interpelação admonitória para cumprimento da obrigação de reparação de tais defeitos.
Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente a factualidade que foi dada como provada nas instâncias, a qual, de imediato, passamos a transcrever:
a) A A. é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de propriedades, empreiteiro/construtor geral de edifícios de construção tradicional, remodelação, reabilitação e conservação de edifícios e espaços, consubstanciando-se na execução de estruturas e elementos de betão, alvenarias, rebocos e assentamentos de cantarias, estuques, pinturas interiores e exteriores e outros revestimentos, trabalhos em perfis não estruturais, instalações sem qualificação específica, demolições, reabilitação e reparação de elementos estruturais de betão ou ferro, impermeabilizações e isolamentos térmicos e acústicos, montagem de andaimes e outras estruturas provisórias, montagem de cofragens, montagem de tectos falsos e divisórias;
b) A R. é uma sociedade que se dedica à indústria de construção civil, construção de edifícios (residenciais e não residenciais), construção de estradas e instalações desportivas, compra e venda de imóveis e preparação dos locais de construção, construção de redes de transporte de águas, de esgotos e de outros fluídos, construção de outras obras de engenharia civil e outras actividades especializadas de construção diversas, arrendamento de bens imobiliários, actividades arquitectura e engenharia, actividades de engenharia e técnicas afins;
c) No âmbito das respectivas actividades comerciais a A. foi contratada pela R. para colocar tectos falsos e paredes divisórias em gesso cartonado, com respectivo barramento/emassamento, em todas as 28 fracções autónomas (incluindo no exterior, nos terraços e varandas respectivos) e nas partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal que a R. se encontrava a edificar na Rua da ..., em ...;
d) O valor orçamentado para a execução dos trabalhos mencionados em c) foi de €195.000;
e) O valor referido em d) foi revisto para a quantia de €227.271,03;
f) A A. aplicou/executou os tectos falso e paredes divisórias em gesso cartonado, com respectivo barramento/emassamento, em todas as 28 fracções autónomas, com excepção das respectivas varandas/terraços;
g) Os tectos falsos e paredes aplicados/executados pela A. e mencionados em f) apresentavam as seguintes características em cerca de 20 fracções autónomas:
- paredes desaprumadas, tortas e onduladas;
- tectos ondulados ou empenados e desnivelados;
- alhetas com espaçamentos diferenciados numa mesma divisão;
- insuficiência de barramento / emassamento das placas;
- fissuração das placas de gesso cartonado e das juntas;
- ranhuras com diferenças de cm de uma ponta à outra;
- sancas com diferenças de cm de uma ponta à outra;
- arestas tortas;
h) Pela R. foi solicitado à A., por diversas vezes, que eliminasse/minimizasse as desconformidades mencionadas em g);
i) A A. não eliminou as desconformidades mencionadas em g), tendo deixado de responder às solicitações da R.
j) A A. não colocou o pladur nas caixas de escadas e nos patamares comuns dos andares;
k) Em 31.03.2022 a A. emitiu a factura FA 2022/71, vencida nessa mesma data, no valor de €42.271,03, referente a “Fornecimento e aplicação tetos, divisórias, sancas e racaidas em placas gesso cartonado BA13. Estrutura de fixação. Isolamento a lã rocha e todos os acessórios e tratamentos de juntas c/ massas apropriadas. Fornecimento e aplicação de reforços em placas O5B nas cozinhas e wc e construção de nichos nos wc Blocos A e B”;
l) No dia 16.05.2022 a R. procedeu à entrega à A. da quantia de €20.000, fazendo a imputação da quantia de €7.548,68 ao pagamento da factura FA2022/54 e o remanescente ao pagamento da factura mencionada em g); (ART. 21.º DO REQUERIMENTO DE 05.03.2023 A A. reconhece o pagamento dos €20.000; contudo, ao contrário do aí alegado, o aviso de lançamento n.º 364 que consubstancia o doc. 1 junto com a oposição, a fls. 22v, especifica a que facturas se destina)
m) Desconhecidos pintaram em letras grandes nas paredes de gesso cartonado de uma das fracções referidas em f) as frases “Geometria pague correcto se não será pior”; “Deus funcionário agradece”, “Empresa de merda até um dia se justo”, “Geometria leis sociais”; e “Não prestas” (seis primeiras fotografias juntas em 08.11.2022, a fls. 23 a 25v).
Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela R., ora recorrente – saber se, no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre as partes, existiu, por parte da A./empreiteira, uma recusa na reparação dos defeitos denunciados, apta a dispensar a R., na qualidade de dona da obra, da realização de uma interpelação admonitória para cumprimento da obrigação de reparação de tais defeitos – importa dizer a tal propósito que, de acordo com o disposto no art.1207º do Cód. Civil, a empreitada, é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
O essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra. Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode é prescindir-se de um resultado material (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 865).
A empreitada é, pois, um contrato bilateral, onde existem como partes o empreiteiro e o dono da obra, oneroso, porque existe um esforço económico que recai sobre ambas as partes, existindo também vantagens para os dois contraentes; é também um contrato consensual, na medida em que a lei dá total liberdade ás partes de estipularem os termos do mesmo (art. 405º do Cód. Civil). Este contrato é também sinalagmático, pois dele emergem obrigações para ambas as partes: a obrigação de realizar a obra tem como correspectivo a obrigação de pagar o preço.
Sendo um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e obrigações para ambas as partes.
Um dos aspectos em que se exprime esse sinalagma – corolário do princípio geral da pontualidade dos contratos (art. 406º do Cód. Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados.
Assim, estatui o art. 1208º do Cód. Civil que:
- “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
Por sua vez, o dono da obra deve efectuar o pagamento do preço, no acto de aceitação da obra, se não houver cláusula ou uso em contrário (art. 1211º nº2 do Cód. Civil), sendo esta a sua principal obrigação, fazendo a retribuição parte da noção legal de empreitada (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit, pág. 790).
O direito do dono da obra a que esta seja feita sem defeitos tem o seu correspectivo no dever do empreiteiro a fazê-la sem defeitos; o direito deste a receber o preço tem o correspectivo no dever do dono da obra a pagá-lo (cfr. Ac. da R.P. de 22/1/1996, in CJ, Tomo I, pág. 203).
A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado – a realização da obra de acordo com o programa estabelecido contratualmente, e sem vícios (art. 1207º do Cód. Civil) – para além das obrigações de fornecimento dos materiais e utensílios necessários à realização da obra (art. 1210º do Cód. Civil); conservação da coisa (art. 1212º do Cód. Civil) e sua entrega ao dono.
Antunes Varela define obrigação de resultado como “aquela em que o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro” (cfr. Direito das Obrigações, 3ª edição, 2º Vol, pág. 72).
O empreiteiro cumprirá a obrigação a que se vinculou, se realizar a prestação a que se obrigou – art. 762º nº1 do Cód. Civil – executando o contrato, ponto por ponto, como exige o art. 406º do citado diploma.
Nas obrigações de resultado, o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação ou do seu sucedâneo, havendo, assim, “perfeita coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do credor” (Antunes Varela, ob.cit, pág. 10).
O referido civilista define, por antinomia, o não cumprimento como a “não realização da prestação debitória, sem que entretanto se tenha verificado qualquer das causas extintivas típicas da relação obrigacional” (ob. cit. pág. 61).
Ora, no caso em apreço, temos como assente que as partes celebraram um contrato de empreitada, mediante o qual a autora, na qualidade de empreiteira, realizou tetos falsos e paredes divisórias em gesso cartonado, com respetivo barramento/emassamento, nas 28 frações autónomas (incluindo no exterior, nos terraços e varandas respetivos) e nas partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal que a R. se encontrava a edificar na cidade de ....
Incontroverso é, por outro lado, que, na execução da obra, foram demonstrados defeitos, os quais foram comunicados à empreiteira, com pedido para a sua eliminação, sendo que a R. pretende exercer o seu direito à indemnização pela reparação de tais desconformidades, compensando este seu crédito com o crédito correspondente à obrigação de pagamento do remanescente do preço que sobre si recai.
Convergindo na identificação dos meios de tutela legal, de exercício sequencial e gradativo, que o dono da obra tem ao seu dispor ante o surgimento de defeitos na obra enquanto manifestação da execução defeituosa do contrato de empreitada - o de exigir a reparação dos defeitos, se puderem ser eliminados, ou a realização de obra nova (art. 1221, n.ºs 1 e 2 do CC), de pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina (art. 1222º, n.º 1 do CC) ; e o de requerer uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes (art. 1223.º do CC) - o acórdão recorrido, tendo por base a valoração da prova por si efectuada, entendeu que se verificava, tão só, uma situação de mora quanto à obrigação da empreiteira, aqui A., na eliminação dos defeitos da obra e, por isso, tinha de lhe ser dada a oportunidade - através duma interpelação admonitória - para efetuar as obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução em prazo razoável.
Em decorrência, considerou o aresto sob censura não se ter verificado uma situação de incumprimento definitivo da obrigação de reparação dos defeitos por banda da A./empreiteira, negando a esta, como dona da obra, a atribuição da indemnização correspondente ao valor necessário para a eliminação dos defeitos e desconformidades detectadas.
Todavia, resulta claro da factualidade apurada nos autos que, pela R., foi solicitado à A., por diversas vezes, que eliminasse/minimizasse as desconformidades mencionadas na alínea g) dos factos provados, o que a A. não fez, tendo deixado de responder às solicitações da R. (cfr. alíneas h) e i) dos factos provados), inclusivamente, deixando de lhe atender o telefone (conforme foi consignado na respectiva fundamentação da sentença da 1ª instância).
Ora, tal conduta da A. demonstra, de forma inequívoca, uma intenção de não querer eliminar os defeitos detectados na obra pertencente à R., sendo equiparável, quanto a nós, a uma declaração expressa de não cumprimento, permitindo que este comportamento tácito e omissivo por parte da A. seja qualificado como de incumprimento definitivo e possibilitando à R., por via disso, demandar a A. (por via reconvencional) para que lhe seja feito um pagamento indemnizatório, quanto ao valor correspondente à eliminação dos defeitos, sem necessidade de ser realizada uma interpelação admonitória à A. para esse efeito.
E, a este propósito, afirma João Cura Mariano que não será necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos se o empreiteiro, desde logo, se recusar a efectuar os respectivos trabalhos, considerando-se então definitivamente incumprida a obrigação - cfr. Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, pág.88.
No mesmo sentido se pronunciou Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, pág.387.
Além disso, também a jurisprudência do STJ tem sufragado o entendimento acima explanado. Assim, neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos (todos publicados in www.dgsi.pt):
Ac. de 4/7/2002 (relator Oliveira Barros)
- Equiparada a incumprimento definitivo a recusa (inequívoca) de cumprimento, inclui-se neste último conceito não só a declaração de não querer cumprir, como, em geral, todo o comportamento do devedor susceptível de indicar que não quer ou não pode cumprir.
Ac. de 12/7/2005 (relator Araújo de Barros):
- A recusa pelo empreiteiro de reparação dos defeitos traduz incumprimento definitivo normativo da sua obrigação.
Ac. de 4/2/2014 (relator Gregório de Jesus):
- É jurisprudência firme a de que, sendo a prestação ainda possível e com interesse para o credor, a manifestação de vontade, por parte do devedor, no sentido de que não cumprirá a obrigação, equivale a incumprimento definitivo.
- Inclui-se na recusa de cumprimento não só a declaração de não querer cumprir, como, em geral, todo o comportamento do devedor susceptível de indicar que não quer ou não pode cumprir, podendo a vontade de não cumprir resultar de uma declaração tácita, dedutível de factos concludentes da parte inadimplente, em função dos deveres contidos na sua prestação da parte inadimplente, em função dos deveres contidos na sua prestação (cf. art. 217.º do CC).
Ac, de 11/11/2020 (relator Abrantes Geraldes), disponível in www.dgsi.pt, no qual é afirmado que:
- A efetivação da interpelação admonitória para verificação de uma situação de incumprimento definitivo é dispensável quando se verifique a recusa antecipada de cumprimento por parte do outro promitente, ou perante a verificação de circunstâncias que, analisadas objetivamente, revelem um comportamento concludente no sentido do incumprimento definitivo do contrato.
Ac. de 8/1/2022 (relatora Clara Sottomayor):
- Equipara-se ao incumprimento definitivo da prestação, possível e com interesse para o credor, a manifestação expressa ou tácita por parte do devedor no sentido de que não cumprirá a obrigação.
Ac. de 9/5/2024 (relator Fernando Baptista):
- Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem, inequivocamente, a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tendo, sequer, de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem tem de o interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação.
Deste modo, e voltando ao caso em apreço, entendemos que o facto da A. ter deixado de responder às solicitações da R., para eliminar os defeitos que lhe foram comunicados - não o tendo feito, de todo, remetendo-se ao mais completo silêncio - deve ser considerado um comportamento que manifesta, de forma inequívoca, uma intenção de não cumprir a obrigação de reparação, sendo apto a converter a mora numa situação de incumprimento definitivo daquela obrigação, tornando desnecessária, por isso, a realização de uma interpelação admonitória para o efeito.
Assim sendo, a verificação de uma situação de incumprimento definitivo da obrigação da R. na eliminação dos defeitos na obra propriedade da A. acarreta forçosamente que o aresto sob censura não poderá subsistir, de todo, revogando-se o mesmo em conformidade.
Todavia, esta revogação do acórdão recorrido implica a determinação da baixa do processo ao Tribunal da Relação para apreciação das (duas) questões suscitadas no recurso de apelação pela A., cujo conhecimento resultou prejudicado em função da solução jurídica que ali foi dada à causa (questões essas relativas: i) à admissibilidade legal da invocação pela R. da excepção de não cumprimento do contrato e ii) ao cálculo da indemnização pela eliminação dos defeitos).
E isto porque, como tem vindo a ser afirmado pela jurisprudência do STJ, a regra da substituição prevista no art.665º do C.P.C. não tem aplicação no recurso de revista, considerando que tal norma surge expressamente excluída da remissão operada pelo art.679º do C.P.C.
Na verdade, não tendo o acórdão recorrido tomado conhecimento das demais questões suscitadas pela apelante e não sendo admissível que o STJ, em primeira e única instância delas conheça (por a remissão para o regime da apelação não incluir o disposto no nº2 do citado art.665º), impõe-se determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das mesmas - cfr., nesse sentido, os Acs. de 23/1/2014 e de 1/10/2015 (relator Maria dos Prazeres Beleza), de 4/4/2017 relator Fonseca Ramos) e de 17/11/2021 (relator Tibério Silva).
Também no mesmo sentido se pronunciou Abrantes Geraldes ao afirmar o seguinte:
- Quando (…) a Relação tiver omitido a apreciação de determinada questão, por considera-la prejudicada pela solução dada às restantes, sendo revogado o acórdão, o Supremo deve determinar a remessa dos autos à Relação para que sejam apreciadas em primeira mão as questões omitidas – cfr. Recursos em Processo Civil, 7ª ed., págs.497/498.
Pelo exposto, atentas as razões e fundamentos supra referidos, concede-se a revista interposta pela R., revoga-se o acórdão recorrido e ordena-se a remessa dos autos à Relação, nos exactos e precisos termos acima explanados.
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Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, sendo que, nos termos do disposto no art.1208º do C.C., o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
- A conduta da A. - ao não responder às solicitações da R. para que eliminasse os defeitos na obra, inclusivamente, deixando de lhe atender o telefone - demonstra, de forma inequívoca, uma intenção de não querer eliminar os defeitos detectados na obra pertencente à R., sendo equiparável, quanto a nós, a uma declaração expressa de não cumprimento, permitindo que este comportamento tácito e omissivo por parte da A. seja qualificado como de incumprimento definitivo e possibilitando à R., por via disso, demandar a A. (como o fez, por via reconvencional) para que lhe seja feito um pagamento indemnizatório, quanto ao valor correspondente à eliminação dos defeitos, sem necessidade de ser realizada uma interpelação admonitória à A. para esse efeito.
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Decisão:
Pelo exposto acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o presente recurso de revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos presentes autos à Relação para apreciação das (duas) questões suscitadas no recurso de apelação pela A., cujo conhecimento resultou prejudicado em função da solução jurídica que ali foi dada à causa (questões essas relativas: i) à admissibilidade legal da invocação pela R. da excepção de não cumprimento do contrato e ii) ao cálculo da indemnização pela eliminação dos defeitos).
Custas pela A., ora recorrida.
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Lx., 30/1/2025
Rui Machado e Moura (Relator)
Maria de Deus Correia (1ª Adjunta)
Maria dos Prazeres Beleza (2ª Adjunta)