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Jurisprudência
Sumário

I - Na punição do crime de Violência Doméstica, prevê o art. 152.º, n.os 4 e 5 do CP, a par da pena de prisão, a possibilidade de aplicação ao agente, da pena acessória de proibição de contacto com a vítima (que deve incluir o afastamento da residência).

II - A sua aplicação depende da pena principal que, cumulativamente, acompanha ou pode acompanhar (se se mostrar necessário), completando-a, reforçando o efeito desta.

III - A pena acessória não integra, enquanto tal, os critérios legais da recorribilidade dos acórdãos da Relação, proferidos em recurso.

IV - A razão de ser do acesso a um terceiro grau de jurisdição é a existência de discordância quanto à responsabilidade penal do arguido.

V - Mantém-se a irrecorribilidade nos casos em que não haja divergência entre o Tribunal da Relação e a primeira instância quanto à existência de responsabilidade criminal do arguido, isto é, quando ambas as decisões sejam condenatórias, mesmo que a pena seja agravada em recurso, desde que em medida não superior a 5 anos.

VI - Não cabe recurso para o STJ, a decisão da Relação, que, em recurso, confirma a condenação do arguido na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova, com apoio e fiscalização a cargo da DGRSP, e o condena, ainda, na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, com o afastamento da residência, e estabelece que esta proibição de contactos e afastamento da residência constitui, também, um dever a observar no período de suspensão da pena.

Decisão Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de ..., sob acusação do Ministério Público, foi submetido a audiência de julgamento o arguido AA, devidamente identificado nos autos e, no final da mesma, por sentença de 18 de Julho de 2024, foi condenado:

- pela prática, entre 1998 e 10 de Janeiro de 2024, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, com apoio e fiscalização a cargo da DGRSP;

- no pagamento à ofendida BB da quantia de 2 000 € (dois mil), a título de arbitramento oficioso de reparação dos prejuízos sofridos com o crime de violência doméstica, nos termos do artigo 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Janeiro, e do artigo 82.º-A, n.º 1, do Código do Processo Penal;

(…)

1.2. Inconformados com esta decisão, dela recorreram, o arguido e a assistente BB, para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 18 de Dezembro de 2024, decidiu (transcrição):
1. conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido na parte atinente à impugnação da matéria de facto, nos moldes acima referidos;

2. conceder parcial provimento ao recurso interposto pela assistente e em consequência condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência - art. 152º, nºs 4 do Código Penal.

3. E estabelece-se que esta proibição de contactos e afastamento da residência também constitui um dever a observar no período de suspensão da pena.

1.3. Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação, dele vem, agora, o arguido AA, interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, a final, as seguintes conclusões: (transcrição)

“1.ª – A interposição deste Recurso é admissível, nos termos do disposto na al. c), por analogia e al. e) do CPP, porquanto, foi aplica ao Recorrente, de forma “inovadora” a pena acessória, de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência, pena esta a que o Tribunal de 1.ª Instância decidiu não condenar o Recorrente, não obstante ter sido requerida pela Assistente.

2.ª – O presente recurso incide sobre o segmento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que decidiu “conceder parcial provimento ao recurso interposto pela assistente e em consequência condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência - art.º 152º, nºs 4 do Código Penal,” constituindo tal condenação o objeto do presente Recurso.

3.ª - O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão, para além do mais, na alegada afirmação do arguido, em declarações, de que teria para onde ir caso saísse de casa, assim como, no facto de logo após a prolacção da acusação a Assistente ter dado notícia aos autos de “novo” episódio de 06.02.2024, contudo, salvo devido respeito, tal fundamentação encontra-se completamente lavrada em erro, porquanto:

4.ª - O arguido em momento algum, em declarações, afirmou que teria para onde ir residir caso saísse de casa, desde logo, porque efectivamente não tem, por isso, caso se mantenha a decisão recorrida, teria de se socorrer do arrendamento de algum imóvel ou, da ajuda de familiares, sendo certo, no entanto, que ambas das hipóteses se mostram muito gravosas e incomportáveis para o Recorrente, porque se encontra a suportar a prestação do empréstimo habitação da sua casa conjuntamente com a Assistente, motivo pelo qual, não consegue fazer face a outra despesa para habitação.

5.ª - Quanto ao alegado facto de a Assistente ter dado notícia nos autos de “novo” episódio de 06.02.2024, que terá dado lugar à extracção de certidão para processo autónomo, tal referência feita pela Assistente mostra-se totalmente inócua, desde logo, porque tal processo mostra-se arquivado, para além do mais, face ao silêncio da Assistente e do Recorrente, pelo que, não merece relevo tal circunstancialismo, pois nada consta dos autos quanto ao mesmo, nada se conhecendo a respeito do mesmo.

6.ª – Do elenco da matéria de facto dada como provada, não resulta, nem que o arguido tenha para onde ir residir caso venha a sair de casa, nem tão pouco, que tenha havido nos autos notícia de novos factos que sejam imputáveis ao Recorrente após Janeiro de 2024, motivo pelo qual, ainda que tal factualidade se verificasse, que não se verifica, não podia o Douto Tribunal a quo, socorrer-se dela para fundamentar a sua decisão, pelo que, salvo melhor e douto juízo, estamos diante do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

7.ª - Ao contrário do constante no Acórdão recorrido, a Assistente e o Recorrente não se encontram divorciados desde 18.10.2020, aliás, consta dos factos dados como provados, factualidade que infirma tal alegação, desde logo nos pontos 82. a 85.

8.ª – Só em finais de 2024, transitou em julgado o divórcio entre a Assistente e o Recorrente, divórcio este, requerido pelo próprio Recorrente e que foi protelado no tempo pela Assistente, pelo que, todos os factos descritos nos autos, a teremocorrido, o que por mera hipótese académica se equaciona, sempre o teriam sido antes de decretado o divórcio do ex-casal.

9.ª – Nos termos do disposto no art.º 152.º, n.ºs 4 e 5, a aplicação das penas acessórias não é obrigatória no caso de condenação pela prática de crime de violência doméstica, sendo que a apreciação da sua necessidade atendendo às circunstâncias do caso concreto se afirma como um poder-dever do julgador, pelo que, tais penas acessórias apenas são de aplicar nas situações mais graves, em que as necessidades de prevenção e a protecção da vítima exigem uma tutela penal reforçada.

10.ª - Nos termos do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que “a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.”

11.ª - Tal circunstância torna os princípios da imediação e da oralidade fulcrais no momento de ponderar entre a protecção e segurança da vítima e a diminuição do risco de revitimização e, neste caso concreto, o direito à habitação constitucionalmente consagrado no art.º 65.º da CRP.

12.ª - “É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em primeira instância e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto. Pelo que em caso algum possa servir para obter um novo julgamento, agora em segunda instância. O objecto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dita. E óbvias razões existem para que assim seja.

Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de primeira instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade e o da imediação.

E com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador.

O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem, sendo esses depoimentos que irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

E é precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em primeira instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que de todo em todo o tribunal do recurso não dispõe.

Há na verdade que atender e valorar factores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal ou não verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.

Por isso é que quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade numa uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode exercer censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado ofende as regras da experiência comum.

O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo. A menos que a convicção formada pelo julgador contrarie as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.

Tanto mais assim é que a alteração do decidido em primeira instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do a art.º 412.º do Código de Processo Penal, se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas já não se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.

Em suma, sempre que a convicção do julgador em primeira instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso (…)” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17.09.2014, proferido no âmbito do Processo n.º 409/11.4GBTMC.P1 -.

12.ª – No caso dos autos, o Douto Tribunal de 1.ª Instância entendeu que considerando o regime de prova e plano de reinserção social, a elaborar e fiscalizar pela DGRSP, a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, se afigura suficiente a ameaça do cumprimento efectivo da pena de prisão em caso de incumprimento, nomeadamente, porque a assistente e arguido moram na mesma residência, mas fazem vidas separadas entre si e desde então que não existe notícia da prática, pelo arguido, de factos da mesma natureza dos autos, sendo certo, que tal convicção só foi possível de formular atento o princípio da imediação e da oralidade, não resultando dos autos que tal convicção formada pelo julgador do Tribunal de 1.ª Instância, contraria as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.

13.ª – Também o Ministério Público na 1.ª Instância, na resposta às alegações da Assistente, posicionou-se no sentido de ser de manter a decisão recorrida e, por isso, não ser de colher a aplicação da sanção acessória de que se recorre, porquanto, o Tribunal de 1.ª Instância respeitou e ponderou de forma adequada os critérios que presidem à determinação e escolha da pena, entre o mais, e sopesando devidamenteas exigências de prevenção geral e especial, fundamentando de forma lógica a aplicação ao arguido da pena de 3 anos de prisão e a suspensão da sua execução mediante regime de prova.

14.ª - Na fixação da pena em 3 (três) anos de prisão o Tribunal de 1.ª Instância teve em conta todos os critérios ínsitos no artigo 71.º, do Código Penal. Isto é, teve em consideração o grau de culpa do Recorrente, o grau de ilicitude, as condições de vida do arguido que demonstraram a integração social e familiar, e o facto de o arguido ter 67 anos e não possuir registo de antecedentes criminais, pelo que, situando-se a pena fixada já acima da metade da moldura penal abstracta aplicável, se afigura justa, adequada e proporcional, suportada pela medida da culpa do Recorrente.

15.ª – Além do que, residindo o Recorrente e a Assistente na mesma residência, ainda que fazendo vidas separadas, a aplicação de qualquer medida de afastamento sempre será inexequível, sem que seja determinada também a ausência do Recorrente da habitação, o que seria demasiado excessivo face aos factos dados como provados.

16.ª - Inexiste notícia recente da prática, pelo Recorrente, de factos da mesma natureza da dos autos, pelo que, a terem sido praticados os factos dados como provados, o que por mera hipótese académica se equaciona, mostra-se suficiente a ameaça do cumprimento efectivo da pena de prisão em caso de incumprimento, pois os elementos carreados para os autos, não denotam circunstâncias susceptíveis de “revogar” a concreta pena de prisão aplicada, a suspensão da sua execução nos moldes em que o foi, nem a não aplicabilidade de pena acessória, nesta última parte, porque as concretas circunstâncias do caso não nos parecem susceptíveis de afastar aquele regime regra.

17.ª - No mesmo sentido foi o Douto Parecer do Ministério Público da Relação ..., resultando do mesmo, que a pena aplicada ao Recorrente respeita osrequisitos de adequação, justeza e proporcionalidade que assentaram numa criteriosa avaliação conjunta da gravidade do ilícito ligada à prática do crime em apreço e do percurso de vida do arguido.

18.ª – Quanto à aplicação da pena acessória requerida pela Assistente, o Parecer foi no sentido de sufragar integralmente a resposta do Ministério Público na 1.ª Instância, no entanto, não deixou de destacar, em jeito de conclusão, que das alegações de recurso interpostas, a “assistente parece pretender um despejo imediato do arguido e a resolução neste processo crime de assuntos relacionados em outras áreas do jurídico, como a atribuição exclusiva para uso pessoal da casa onde ambos residem. Não obstante a penhorada deferência e elevadíssimo respeito que devemos sempre assumir por opinião diferente e do qual os nossos adversários opinativos são seguramente credores, também nesta parte a recorrente não tem razão,” o que aliás, já havia sido alegado pelo Recorrente nas sua contra-alegações.

19.ª – O Recorrente não pode deixar de reiterar o que em sede de contra-alegações já aventou a respeito do recurso da Assistente, em particular, no que à pena acessória diz respeito.

20.ª - Correu termos no Juízo de Família e Menores de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, sob o n.º 358/23.3..., processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, interposto pelo arguido contra a Recorrente, em 26 de Maio de 2023, o qual veio a ser decretado em 24 de Outubro de 2023.

21.ª- Tal decisão só transitou em julgado em finais de 2024, porque a Recorrente esgotou todos os expedientes legais possíveis para protelar no tempo o seu casamento, nomeadamente, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença, apresentou recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi rejeitado, e bem assim, apresentou reclamação de tal rejeição, tudo conforme consta dos factos dados como provados.

22.ª - Daqui resulta, claramente, que a Assistente, de livre vontade, pretendeu manter o vínculo conjugal que tinha com o Recorrente, sendo certo que tal atitude não se coaduna com a de uma vítima que tenha medo do alegado agressor e, bem assim, de coabitar com ele.

23.ª - Nunca foi pretensão da Assistente, divorciar-se do Recorrente, porém, avistando tal resultado como sério e eminente, claramente que a mesma não deixou de “utilizar” o presente processo crime para tentar a ficar a residir na casa de morada de família, através da invocada necessidade de aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contactos, tentando subverter completamente os desígnios do direito.

24.ª – Tal convicção do Recorrente saí reforçada com a mudança de comportamento da Assistente, que até então apresentava queixas e depois exercia do direito que a lei lhe confere de não prestar declarações, incutindo tanto no Recorrente, como na filha de ambos, a ideia de que deveriam adoptar igual postura e só quando percebe que o Recorrente vai efectivamente avante com o divórcio e já nada pode fazer para reverter essa situação, é que muda o seu comportamento.

25.ª - Independentemente do que possa constar dos autos imputado ao Recorrente, a verdade é que desde que a Assistente e o Recorrente fazem vidas separadas apesar de residirem na mesma habitação, que não existe nos autos a notícia de qualquer alegada conduta ilícita praticada pelo mesmo, pelo que, resulta evidente a importância que a separação do Recorrente e da Assistente, e, consequentemente, o fazerem vidas separadas, teve na ponderação da aplicação ou não de pena acessória ao Recorrente, pelo Tribunal de 1.ª Instância, porquanto, a ter sido praticada alguma conduta ilícita, o que por mera hipótese académica se equaciona, a mesma cessou com essa nova “dinâmica” do ex-casal. 26.ª - Estando em “discussão” a eventual aplicação de uma pena que afronta totalmente o direito à habitação constitucionalmente consagrado, no art.º 65.º da CRP, claramente que o Tribunal tem de se socorrer dos princípios da imediação e da oralidade.

27.ª - As medidas de afastamento são de aplicar nas situações mais graves e em que as necessidades de prevenção e protecção da vítima exigem uma tutela reforçada, pelo que, a ponderação adequada sobre os critérios que presidem à determinação e escolha da pena, sopesadas devidamente as exigências de prevenção geral e especial, muitas vezes só se mostra possível com um contacto directo e pessoal entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem, pois há que valorar factores como a “linguagem que utilizam, verbal ou não verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.”

28.ª – Assim, não podemos concordar, nem tão pouco entender a fundamentação do Douto Tribunal a quo, no sentido de que, alegadamente, só a aplicação ao Recorrente de uma pena a acessória de proibição de contactos com a Assistente, incluindo o afastamento da residência, satisfará as exigências de prevenção geral e especial que sobre este o caso concreto, alegadamente, impendem.

29.ª - O próprio Tribunal a quo, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Recorrente e, consequentemente, deu como não provados factos que haviam sido dados como provados, designadamente, os pontos 36., 41., 60., 61., 62. e 63., bem como, a regularidade com que o arguido proferiu as expressões referidas em 50. e a regularidade com que o arguido efectuava o controlo referido em 51.

30.ª - E, deu como não escrito o facto constante do ponto 17.

32.ª – Assim, ainda que o Douto Tribunal a quo, tenha entendido que a alteração da matéria de facto provada não influencia no preenchimento do tipo de crime pelo qual o Recorrente foi condenado – o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. a) e n.º 2, al. a) do CP -, parece estranho que entenda ser de aplicar a pena acessória que o Tribunal de 1.ª Instância decidiu afastar, porquanto, com a prolacção do Douto Acórdão em crise, temos menos matéria de facto dada como provada.

33.ª – Resulta evidente, que na hipótese académica de o arguido ter praticado o crime dos autos, a aplicação ao arguido da pena de 3 anos de prisão e a suspensão da sua execução mediante regime de prova.

34.ª – Na fixação da pena em 3 (três) anos de prisão (situada já acima de metade da moldura penal abstracta aplicável) suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, o Tribunal de 1.ª Instância teve em conta todos os critérios ínsitos no artigo 71.º, do Código Penal, ou seja, o grau de culpa do Recorrente, o grau de ilicitude, as condições de vida do arguido que demonstraram a integração social e familiar, o facto de o arguido ter 67 anos e não possuir registo de antecedentes criminais.

35.ª - Nesta conformidade, resulta claro, que impor que o Recorrente, no 1.º contacto que tem com o sistema judiciário, aos seus 67 anos, que tenha de sair da sua residência, sem ter para onde ir, não obstante, tenha de continuar a pagar o seu empréstimo habitação a ela inerente, pois, a aplicação de uma pena acessória de proibição de contactos com a Assistente, só se mostra exequível se for também determinado o seu afastamento da residência da mesma que também é a sua, mostra-se completamente desajustado, desproporcional, não sendo compatível com as exigências de prevenção especial que este caso concerto impõe.

36.ª – Importa ter presente, que a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, sujeita a regime de prova, pode a qualquer momento ser revogada, caso haja notícia nos autos de factos de igual natureza praticados pelo Recorrente, o que o levaria a ter de cumprir a pena aplicada em estabelecimento prisional, pelo que, a imposição desde logo, de afastamento da habitação por parte do Recorrente, constitui uma medida bastante gravosa, pois posterga um direito fundamental, como é o direito à habitação e, pode afectar profundamente a socialização do Recorrente, nomeadamente quando não tenha meios económicos que lhe permitam ir residir noutro local, como é o caso dos autos, pelo que, os direitos fundamentais da vítima que comportam igual valor devem ser minuciosamente analisados por forma a concluir-se da justa necessidade de afastamento do arguido da sua residência.

37.ª – No Acórdão em crise, aquando da poderação sobre a utilização de fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, é possível ler-se que neste caso concreto, as “sucessivas análises de risco situam-no no patamar mais baixo” e a própria Assistente não identifica essa necessidade, motivo pelo qual foi decidido não se justificar a utilização de tais meios técnicos de fiscalização à distância.

38.ª - Forçoso é de concluir que a aplicação ao Recorrente da sanção acessória de proibição de contactos com a Assistente, pelo período de três anos, incluindo o de afastamento da residência se ostra totalmente desproporcional de injustificado, tanto mais, que da fundamentação constante no Acórdão em crise, não se alcança porque motivo tal pena acessória deve ter a duração da pena principal aplicada, quando, na verdade, nos termos do art.º 152.º, n,.º 4 do CP a mesma poderia vigorar pelo período de 6 meses a 5 anos, não vinculando o período da mesma à medida da pena principal.

39.ª - Tudo isto, torna o Acórdão em crise, no que à pena acessória diz respeito merecedor de reparo e, por isso, deve ser revogado por Douta decisão superior, que decida pela desproporcionalidade da aplicação ao caso do autos de pena acessória, tal como havia sido decido em 1.ª Instância, o que se requer.

40.ª - Ao decidir da forma como o fez, o Douto Acórdão recorrido violou os princípios constitucionais do direito à garantia dos direitos (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) em conformidade com os princípios da garantia de todos os direitos de defesa e a salvaguarda dos direito constitucionalmente consagrados (artigos 2.º, 18.º e 32.º, n.º 1 da CRP), o direito à habitação (art.º 65.º da CRP), do princípio do processo leal e justo (artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 da CEDH e 47.º da CDFUE), do princípio da proibição da discriminação e da proibição do abuso do direito (artigos 14.º e 17.º da CEDH e 53.º e 54.º da CDFUE), o direito a uma boa administração da justiça (artigo 41.º da CDFUE).

Termos em que, no integral provimento do presente recurso, requer-se a Vossas Excelências se dignem revogar o segmento do Douto Acórdão de que ora se recorre, na parte em que condena o Recorrente na pena acessória de proibição de contactos com a Assistente, pelo período de 3 anos, incluindo o afastamento da residência, substituindo-o por outro que julgue procedente o recurso apresentado e, em consequência, mantenha a decisão proferida em 1.ª Instância quanto a este segmento do Acórdão, por assim ser de Lei e de inteira Justiça!” (fim de transcrição).

1.4. A assistente BB, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, finalizando com as seguintes conclusões: (transcrição)

I- A decisão proferida pelo TRP não é suscetível de recurso e, desse modo, deve o mesmo ser rejeitado;

II- Ainda que possa o recurso ser admitido, o que se admite por dever de ofício, sempre o mesmo não merece provimento, uma vez que, além de estar demonstrado e provado que o arguido cometeu os factos, é elevadíssima a sua culpa, assim como intenso o seu dolo, não reconhecendo o arguido qualquer desvalor à sua ação, tão pouco qualquer arrependimento, pelo contrário, pretendeu, outrossim, fazer crer que a assistente é que é uma provocadora, estão, ainda, documentados outros episódios;

III- Como tal, não tendo sido tomada qualquer medida de proteção da vítima e, cedendo os diretos fundamentais, como o direito à habitação, em caso de salvaguarda de bens maiores, como é a reposição contra fática de bens jurídicos violados com a prática de crime, o afastamento do arguido da residência comum, onde está a residir com a assistente, importa para aquele o transtorno de não poder continuar a viver na habitação onde até então residia, mas esse incómodo é, indiscutivelmente, menor do que o cumprimento efetivo da pena de prisão que lhe foi aplicada ou do que a circunstância da assistente condicionar a sua vida dentro da sua habitação, de fechar a porta do quarto quando ali se encontra;

IV- Não violou, assim, a decisão sob censura qualquer princípio ou norma legal.

Termos em que, nos melhores de direito cujo proficiente suprimento de V.ªs Ex.ªs se invoca, deve o recurso interposto pelo arguido ser rejeitado e, em todo o caso, julgado improcedente.

1.5. Respondeu ao recurso, também, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto, não apresentando conclusões, mas manifestando-se pela procedência do recurso.

1.6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer, concluindo que,“… deverá o recorrente ser notificado para formular as conclusões de acordo com os ditames legais, sob pena de rejeição do recurso.

Se assim não se entender:

-Deverá ser rejeitado o recurso interposto, por irrecorribilidade da decisão recorrida;

-Deverá, se assim não se entender, o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida.”

1.7. Notificados deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, respondeu o recorrente pugnando pela procedência do recurso e manutenção da decisão da 1ª instância, neste segmento, e a assistente, manifestando concordância, nada tendo a acrescentar.

1.8. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Decidindo,

2 - Fundamentação

2.1. De Facto.

A matéria de facto apurada constante do acórdão recorrido é a seguinte:

2.1.1. Factos provados.

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em data não apurada, mas a anterior a ... de 1992, o arguido AA e a ofendida BB iniciaram uma relação de namoro.

2. No dia ... de ... de 1992, o arguido e a ofendida casaram.

3. A partir desse momento, o arguido e a ofendida viveram numa habitação sita na Rua ... – ..., sendo que, desde ... de ... de 2003, passaram a viver numa habitação sita na Rua das ..., concelho de ....

4. O arguido e a ofendida ainda vivem na mesma habitação.

5. No ano de 2023, o arguido deu entrada no Tribunal de acção de divórcio, todavia, o arguido e a ofendida ainda não se encontram divorciados.

6. O arguido e a ofendida têm uma filha em comum: CC nascida em ... de ... de 1993.

7. Desde data não apurada, mas próximo do mês de ... de 2023, a filha do casal deixou de estar habitualmente na habitação, passando os dias e noites em casa do namorado.

8. Desde data não apurada, mas anterior ao ano de 2019, a ofendida padece de depressão e de fibromialgia, o que lhe causa dores e cansaço crónicos e dificuldades em dormir.

9. Devido a isso, diariamente, a ofendida toma medicação para tais doenças.

10. A ofendida reformou-se, por invalidez, em Janeiro de 2019, sendo a sua incapacidade descrita como “perturbação depressiva recorrente”.

11. Desde, pelo menos, o ano de 1998, sendo que, com maior frequência a partir do ano de 2011, o arguido e a ofendida encontram-se desentendidos e, por qualquer motivo, iniciam discussões, muitas delas relacionadas com a filha e, outras, com o vencimento mensal auferido pela ofendida, o qual era superior ao do arguido, situação que não era aceite por ele.

12. Desde o ano de 2023, o arguido e a ofendida discutem também devido à questão da partilha da habitação.

13. Desde data não apurada do mês de Fevereiro de 2023, o arguido e a ofendida deixaram de fazer as refeições juntos e de dormir no mesmo quarto.

14. Em data não apurada do ano de 1998, no interior da habitação do casal, na sequência de uma discussão, o arguido desferiu uma bofetada no rosto da ofendida, a qual provocou a queda da mesma no chão.

15. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

16. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida medicamente no Hospital 1 (anteriormente Clínica I.......).

17. Posteriormente, em datas não apuradas, mas situadas entre o ano de 1998 e 2023, no interior da habitação, na sequência de discussões, o arguido molestou por diversas vezes, fisicamente, o corpo da ofendida.

18. Em data não apurada, mas situada entre o ano de 1998 até 2011, no interior da habitação, o arguido disse, em tom de voz elevado, à ofendida “eu vou buscar uma arma e vais tu e vai a casa… tudo à frente”, pretendendo com isso amedrontar a ofendida.

19. Em data apurada, mas situada perto do ano de 2011, a ofendida deslocou-se ao interior do veículo do arguido, que se encontrava junto da habitação, a fim de analisar os documentos do casal, que ali estavam armazenados.

20. O arguido compareceu no local e iniciou uma discussão com a ofendida, em virtude da mesma estar a mexer nos documentos.

21. A dado momento, o arguido puxou os cabelos da ofendida com força e empurrou a cabeça dela na direcção do volante, embatendo-a no mesmo.

22. Perante isso, a ofendida gritou, saiu do veículo e foi para casa da sua irmã DD.

23. Com tal conduta, o arguido deixou a ofendida amedrontada e com dores no corpo.

24. Em data não apurada do final do ano de 2015, no interior da habitação do casal, o arguido desferiu um murro na cabeça e na zona do ouvido direito da ofendida.

25. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

26. Devido a tal agressão, cerca de 2 dias depois, a ofendida foi assistida medicamente no Hospital (CH...), onde disse ter sofrido um acidente, para proteger e evitar denunciar o arguido.

27. No dia 16 de Setembro de 2018, pelas 23h30m, no interior da habitação do casal, o arguido desferiu murros na cabeça da ofendida.

28. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

29. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida pelos bombeiros e, depois, no Hospital 2.

30. No dia 11 de Julho de 2021, pelas 21h30m, no interior da habitação, o arguido apertou o braço esquerdo da ofendida e, de seguida, desferiu-lhe vários murros na cabeça perto do ouvido esquerdo.

31. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

32. No dia 12 de Julho de 2021, pelas 21h30m, no interior da habitação, o arguido cerrou os punhos e desferiu dois murros no pescoço da ofendida.

33. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

34. Em data não apurada do Verão de 2021, o arguido, com os demais herdeiros do seu falecido pai, negociou a venda de um imóvel, tendo o arguido requerido à ofendida que desse o seu consentimento ao negócio, o que a mesma negou, tendo tal situação deixado o arguido revoltado.

35. Na sequência disso, o arguido passou a contribuir, apenas, para as despesas fixas documentadas da habitação (luz, seguro da casa e prestação bancária).

36. A partir desse momento, quase semanalmente, o arguido acusou a ofendida de se considerar superior por auferir um rendimento mais elevado do que o dele

37. E passaram a dormir em quartos separados.

38. Na noite de 7 para 8 de Agosto de 2022, pelas 22h00m, no interior da habitação, o arguido desferiu vários murros na cabeça da ofendida, e mesmo tempo, “se eu sair de casa tu também não a ficas a gozar”, pretendendo com isso intimidar a ofendida.

39. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

40. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 3, tendo sido depois transferida para o Hospital 2.

41. Em Setembro de 2022, arguido e ofendida reataram a relação e passaram, novamente, a dormir no mesmo quarto.

42. No dia 20 de Fevereiro de 2023, entre as 23h30m e as 00h20m, no interior da habitação, na sequência de um desentendimento quanto ao aniversário da mãe do arguido, este aproximou-se da ofendida e desferiu-lhe dois socos por baixo do queixo com as duas mãos e deu-lhe uma cotovelada no tórax.

43. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores e hematomas no corpo, bem como sofreu no pescoço: equimose amarela no terço superior da face ântero-lateral direita medindo 2 centímetros de diâmetro e no tórax: equimose amarela no terço proximal da face anterior do hemitórax esquerdo (para-esternal) medindo 3,5 centímetros de diâmetro.

44. Tais lesões demandaram um período de cura de 3 dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

45. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 3.

46. No dia 15 de Março de 2023, pelas 20h30m, na sequência de uma discussão motivada pelo facto da ofendida estar ao telefone com EE, o arguido disse à ofendida, em tom de voz elevado, “desliga o telefone”, “se ela cá vier, solto-lhe os cães, desliga o telemóvel” e, de seguida, desferiu dois murros com os punhos fechados no peito da ofendida.

47. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores e hematomas no corpo, bem como sofreu equimose arredondada de 2 cm de diâmetro, de cor acastanhada, na parte mediana, externa e esquerda do tórax.

48. Tais lesões demandaram um período de cura de 15 dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

49. A partir desse momento, devido ao receio do arguido, a ofendida passou a dormir com a porta do quarto fechada à chave.

50. Pelo menos uma vez por semana, desde esse momento até 10 de Janeiro de 2024, o arguido disse, em tom de voz elevado, à ofendida “trancas a porta do quarto, mas vai tudo pela frente”, “eu arrombo a porta e vai tudo pela frente”, “não tens o direito de aí estar” e “já devias estar enterrada”, pretendendo, com isso, rebaixá-la e amedrontá-la.

51. Desde, pelo menos, o ano de 2023 até 10 de Janeiro de 2024, quase diariamente, o arguido controlou os contactos telefónicos da ofendida, quer as chamadas recebidas, quer as efectuadas, bem como o dinheiro gasto nas compras para a família.

52. No dia 8 de Abril de 2023, pelas 14h10m, na habitação, o arguido e a ofendida tiveram uma discussão e, a dado momento, o arguido, sem que nada o fizesse prever, desferiu um soco no pescoço da ofendida.

53. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no pescoço, bem como sofreu no pescoço dores à mobilização da coluna cervical e no tórax equimose de cor negra de 4 por 5 cm, na parte inferior do esterno.

54. Tais lesões demandaram um período de cura de 12 dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

55. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 3.

56. No dia 11 de Maio de 2023, no interior do quarto da filha, na habitação, na sequência de uma discussão, o arguido e a filha agarraram a ofendida, que se segurava nas grades da cama, puxaram-na até a mesma a ter largado e colocaram-na no exterior da divisão.

57. De seguida, o arguido com os punhos fechados encostou as mãos ao pescoço da ofendida, exerceu força e desferiu algumas pancadas no pescoço daquela até a ofendida conseguir fugir e refugiar-se no seu quarto.

58. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no pescoço.

59. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 3.

60. No dia 13 de Julho de 2023, cerca das 15h00m, na habitação, mais concretamente na sala, o arguido questionou a ofendida sobre o motivo da chamada que aquela tinha estado a realizar no quarto, dado que estava com a porta trancada e, sem que nada o fizesse prever, o arguido desferiu-lhe murros no pescoço e no peito, tendo atingido o lado direito do corpo e o braço direito.

61. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

62. No dia 20 de Julho de 2023, ao final da tarde, na habitação, na casa de banho, o arguido entrou e agarrou a ofendida por trás, apertou-lhe os braços e desferiu-lhe um murro no pescoço.

63. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores no corpo.

64. No dia 24 de Julho de 2023, entre as 20h30m e as 21h00m, na habitação do casal, na sequência de uma discussão, o arguido apertou os braços da ofendida, bem como lhe desferiu murros e empurrões no corpo, sendo que um desses empurrões provocou o embate da ofendida com a parte de trás da cabeça na esquina de uma prateleira de móvel de madeira.

65. De seguida, a ofendida refugiou-se no seu quarto.

66. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores na cabeça e no corpo, bem como equimoses nos membros superiores.

67. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 2.

68. Em data não apurada, posterior ao dia 24 de Julho de 2023, quando a ofendida se encontrava ao telefone com FF, o arguido, referindo-se à mesma, disse “anda para aqui esta puta do caralho”.

69. No dia 6 de Outubro de 2023, pelas 22h30m, na sequência de uma discussão, o arguido apertou o pescoço da ofendida por breves momentos e, de seguida, desferiu-lhe um murro na zona do queixo e outro murro na cabeça.

70. De seguida, a ofendida refugiou-se no seu quarto.

71. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores na cabeça, no pescoço e no corpo.

72. Devido a tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital 3.

73. No dia 5 de Dezembro de 2023, pelas 21h30m, no interior da habitação, na sequência de uma discussão, o arguido agarrou a ofendida com força e desferiu-lhe um pontapé na coxa e murros na cabeça.

74. De seguida, a ofendida refugiou-se no seu quarto.

75. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores e hematomas nos braços, na cabeça e na perna direita, bem como no membro inferior esquerdo sofreu duas equimoses esverdeadas no terço distal da face anterior da coxa, uma com 1cm de diâmetro e outra com 3 cm por 2 cm.

76. Tais lesões demandaram um período de cura de 8 dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

77. Além disso, desde a primeira agressão física, ocorrida no ano de 1998, até 10 de Janeiro de 2024, pelo menos, semanalmente, em diversas situações e discussões e acompanhadas, ou não, de agressões, o arguido disse à ofendida que “não vales nada”, “não fazes nada”, “já devias estar enterrada”, “já devias ter ido”, “foste sempre má mãe”, “és veneno” e “só queres mal às pessoas” e apodou-a de “malandra” e “mentirosa”, pretendendo, com isso, rebaixá-la e humilhá-la.

78. Tais expressões proferidas pelo arguido, atenta a seriedade com que foram proferidas, deixaram a ofendida receosa de que o arguido pudesse vir a atentar contra a sua vida.

79. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.

80. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito alcançado de molestar física e psicologicamente a ofendida, sua mulher, ofender a sua honra e consideração e a sua dignidade e anunciar actos atentatórios da sua vida sabendo que dessa forma violava os deveres de respeito que lhe incumbem, não se coibindo de o fazer na presença da filha, quando ainda menor de idade, e no domicílio comum do casal.

81. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Da contestação

82. Nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que correu termos no Juízo de Família e Menores de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, sob o n.º 358/23.3..., foi decretado o divórcio entre arguido e ofendida, em ... de Outubro de 2023,

83. Decisão da qual a ofendida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença.

84. A ofendida apresentou recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi rejeitado,

85. Tendo, ainda, a ofendida, apresentado reclamação de tal rejeição.

86. Em virtude do quadro psiquiátrico de que sofre a ofendida, esta esteve vários períodos sem trabalhar.

87. A ofendida esteve internada, voluntariamente e na ala de psiquiatria, pelo menos, três vezes.

88. A ofendida já teve vários procedimentos cirúrgicos, do foro ortopédico.

89. A ofendida tentou o suicídio, pelo menos, uma vez.

Mais resultou provado que,

90. O arguido não possuiu antecedentes criminais.

91. As discussões havidas entre ofendida e arguido, quanto à casa de morada de família, relacionam-se com o facto de a primeira haver aí investido a herança recebida por óbito dos seus pais e pretender obter a compensação correspondente do arguido, no âmbito do divórcio, razão pela qual referiu não pretender integrar uma casa-abrigo.

92. A ofendida preocupa-se com o bem-estar da filha, o que origina, por vezes, discussão entre ambas.

93. Até cerca de ... de 2023, a ofendida e a filha tinham uma relação de proximidade e cumplicidade, que se tem vindo a deteriorar.

Condições sócio-económicas do arguido

94. O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

95. Reside na casa de morada de família, juntamente com a ofendida, fazendo, cada um, vidas separadas.

96. Encontra-se reformado, exercendo, anteriormente, funções de operador fabril.

97. Recebe, a título de pensão, o valor de 827 €, não auferindo quaisquer outros rendimentos.

98. Mensalmente, despende cerca de 20 €, a título de medicação, e de 333 €, para pagamento de empréstimo constituído sobre a casa de morada de família.

Condições sócio-económicas da ofendida

99. A ofendida tem o (antigo) 7.º ano de escolaridade.

100. Reside na casa de morada de família, juntamente com o arguido.

101. Encontra-se reformada por invalidez, exercendo, anteriormente, funções de escrivã adjunta.

102. Recebe, a título de pensão, o valor de 1 325 €, não auferindo quaisquer outros rendimentos.

103. Mensalmente, despende cerca de 50 €, a título de medicação, e de 330 €, para pagamento de empréstimo constituído sobre a casa de morada de família.

2. O tribunal a quo considerou não provados os factos que se elencam (transcrição):

Mais nenhum outro facto se provou com relevância para a decisão da causa, nomeadamente, não se provou que,

a. a. No dia 12 de Julho de 2021, pelas 21h30m, no interior da habitação, o arguido apertou o pescoço da ofendida com as duas mãos.

  b. Desde, pelo menos, o ano de 2023 até 10 de Janeiro de 2024, quase diariamente, o arguido controlou os movimentos da ofendida.

a. c. Desde a primeira agressão física ocorrida no ano de 1998 até 10 de Janeiro de 2024, pelo menos, semanalmente, em diversas situações e acompanhadas, ou não, de agressões, o arguido apodou a ofendida de “fraca”, pretendendo, com isso, rebaixá-la e humilhá-la.

  d. Em data não apurada, posterior ao dia 24 de Julho de 2023, quando a ofendida se encontrava ao telefone com a testemunha FF, o arguido apelidou a ofendida de “filha da puta”.

  e. A ofendida é seguida, na especialidade de psiquiatria, no privado, por perturbação bipolar.

  f. A ofendida é possessiva para com a filha.

  g. O arguido só ainda não saiu de casa para a sua filha continuar a poder aí pernoitar.

2.2. De Direito

2.2.1. O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal da Relação, no segmento em que condenou o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência, estabelecendo que esta proibição de contactos com a assistente e afastamento da residência, também constitui um dever a observar no período de suspensão (art.º 152º, nºs 4 do Código Penal).

Limita-se ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP).

É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

2.2.2. Levando em conta as conclusões do arguido, da assistente e MP, são questões a decidir, as seguintes:

1ª. (In)admissibilidade de recurso;

2ª. Ónus de alegar e formular conclusões;

3ª. (Im)procedência do recurso.

2.2.2.1. (In)admissibilidade de recurso.

Defendem a assistente e o Exm.º Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça – STJ - que a decisão do Tribunal da Relação – TR - não admite recurso para o STJ.

O arguido vem recorrer, invocando, como refere, os termos do disposto no art.º 399.º e ainda do art.º 400.º, n.º 1, al. c) (por analogia) e al. e), e do art.º 432.º, n.º 1, al. b) todos do Código de Processo Penal.

O artigo 399º do CPP prevê e consagra o princípio geral de recorribilidade quer seja de acórdãos, sentenças ou despachos, conquanto a irrecorribilidade não esteja prevista na lei.

O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º - art.º 434º do CPP.

No artigo 432º preveem-se as decisões de que pode recorrer-se para o STJ, dispondo a alínea b) do numero 1, invocada, que, para o Supremo Tribunal de Justiça, recorre-se :

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;


Remetendo para o art.º 400º, al. b), prevê este preceito, taxativamente, as decisões que não admitem recurso, determinando, as invocadas alíneas c) (por analogia) e e), do n.º 1 do art.º 400º do CPP, que:

1 - Não é admissível recurso:

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

Porém, o presente caso, em recurso, não preenche nenhuma destas hipóteses previstas nas alíneas invocadas, as alíneas c) e e), do n.º 1 do art.º 400º, do CPP.

Não integra a alínea c) pois que o acórdão proferido pela Relação conhece, a final, do objecto do processo e, prevendo especificamente esta alínea a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, não é o caso dos autos/em recurso.

E não é possível, também, lançar mão da “analogia”, pois que as medidas de coação e de garantia patrimonial, podendo depender da moldura penal e da natureza do crime cometido, não são reacções criminais, não são penas previstas para a condenação pela sua prática (de crimes).

As medidas de coação e garantia patrimonial destinam-se apenas a garantir a presença do arguido em julgamento e outros actos processuais, bem como a garantir o cumprimento da condenação.

No caso a pena acessória é uma reacção criminal prevista, a par da pena de prisão, para a condenação do agente pela prática do crime de Violência Doméstica.

Com efeito determina o art.º 152º do CP, sob a epígrafe, “Violência doméstica”, que:

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:

a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou

b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6 - …

Assim, caracterizando a situação em análise, verifica-se que estamos em presença de um acórdão da Relação, que para além de confirmar a condenação do arguido/recorrente na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, também o condena na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência - art.º 152º, nºs 4 e 5, do Código Penal - e estabelece que esta proibição de contactos e afastamento da residência também constitui um dever a observar no período de suspensão da pena.

A pena acessória, cuja autonomia se manifesta por (i)a sua aplicação depender da alegação e prova de pressupostos autónomos, relacionados com a prática do crime, (ii)a sua aplicação depender da valoração dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e (iii)a pena ser graduada no âmbito de uma moldura autónoma fixada na lei1, é também, a pena acessória, “a consequência jurídica do crime aplicável ao agente imputável em cumulação com uma pena principal”, isto é, acompanha ou pode acompanhar, cumulativamente, a pena principal2.

Penas acessórias são as que só podem ser aplicadas como acompanhantes de uma pena principal (art.º 66º a 69º do CP).

São as que o juiz pode aplicar na sentença condenatória, conjuntamente com uma pena principal e destinadas a reforçar o efeito desta3 dependem da aplicação de uma pena principal e devem ser aplicadas na sentença, tudo dependendo de a sua aplicação se revelar ou não, necessária face ao caso concreto.

Embora a aplicação da pena acessória, não seja automática, mas apenas uma possibilidade não deixa de ser uma reação criminal uma pena que pode acrescer à pena de prisão, à pena de prisão suspensa ou outra, nos casos dos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 152º do CP.

E, havendo uma decisão condenatória da 1ª instância como é o caso, esta pode ser reduzida ou aumentada, ou aditada a condenação em pena acessória, nos termos dos n.ºs 4 e 5, do art.º 152º, sem hipótese de recurso para o STJ, conquanto que a pena de prisão (suspensa ou não), não seja superior a 5 anos.

“A decisão do Tribunal da Relação que, em recurso interposto pela acusação, agravar a condenação de 1ª instância desde que em medida não superior a 5 anos é irrecorrível para o STJ.”4 E, ainda que “continuam irrecorríveis os casos em que não haja divergência entre o Tribunal da Relação e a primeira instância quanto à existência de responsabilidade criminal do arguido, isto é, ambas as decisões sejam condenatórias, mesmo que a pena seja agravada em recurso, desde que em medida não superior a 5 anos5.

A ratio do acesso a um terceiro grau de jurisdição é a existência de dissenso quanto à responsabilidade penal do arguido.

Ficam de fora da recorribilidade os casos em que em recurso é revogada a suspensão da pena de prisão (Ac. do TC 690/20, 650/20), assim como os casos em que é agravada pela Relação, mas não é aplicada pena de prisão superior a 5 anos.”6.

E, sendo aplicada cumulativamente com a pena principal depende da aplicação desta.

Não sendo a pena acessória critério definidor de admissão ou não de recurso.

Na verdade, a este propósito refere a lei apenas a pena de prisão, penas não privativas da liberdade (onde inclui a suspensão de execução da pena), medidas de coação e de garantia patrimonial (art.º 400º), sem que se refira a pena acessória.

Como pode ler-se na Decisão Sumária de Reclamação, nos termos do art.º 405º do Código de Processo Penal, de 14.02.20257, …, face ao disposto nas mencionadas alíneas f) e e), o acórdão questionado é insuscetível de recurso, não assumindo, para este efeito, qualquer autonomia o acessório da condenação (de proibição do exercício de funções de administrador de insolvência pelo período de 2 anos e 6 meses), que o reclamante pretende igualmente impugnar em recurso ordinário em 2.º grau.

Com efeito, a pena acessória, que depende da pena principal e cuja aplicação está condicionada por uma pluralidade de fatores, não integra, enquanto tal, os critérios legais da recorribilidade dos acórdãos da Relação, proferidos em recurso.

Aqui tem aplicação o disposto no artigo 427.º, 2.ª parte, do CPP, ou seja, da decisão da 1.ª instância apenas cabia recurso para a Relação. Direito que o reclamante já exerceu.”8.

Embora não constitua um efeito automático da pena principal e mantenha alguma autonomia, a aplicação de pena acessória, se necessária, acompanha a pena principal, completando-a, como refere o n.º 4 do art.º 152 do Código Penal, “nos casos referidos nos números anteriores”, a ser aplicada na sentença, tudo dependendo de a sua aplicação se revelar ou não, necessária face ao caso concreto.

No caso, entendeu a 1ª instância que a aplicação da pena acessória de proibição de contactos e afastamento da residência, não era necessária, bastando a condenação em pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova com apoio e fiscalização a cargo da DGRSP, e a ameaça do cumprimento efectivo desta pena de 3 anos de prisão em caso de incumprimento.

Pelo contrário entendeu o Tribunal da Relação ser necessária, e, por isso, condenou também o arguido recorrente na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de três anos, incluindo o afastamento da residência - art.º 152º, nºs 4 e 5 do Código Penal - e estabeleceu-se que esta proibição de contactos e afastamento da residência também constitui um dever a observar no período de suspensão da pena.

A decisão do Tribunal da Relação inova quanto à pena acessória, efectivamente, mas sempre dentro da moldura penal abstracta aplicável ao crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º do Código Penal. A pena acessória depende da aplicação da pena principal, completando-a.

E quanto à pena principal – de 3 anos de prisão suspensa na execução – ambas as decisões (1ª instância e Relação) estão de acordo.

A decisão do Tribunal da Relação não é antecedida de uma decisão absolutória, mas sim condenatória.

A decisão do Tribunal da Relação não reverteu uma decisão absolutória da 1ª instância, antes “agravou” a condenação da 1ª instância.

Ambas as decisões assentam e estão de acordo quanto à responsabilidade criminal do arguido recorrente e quanto à pena principal aplicada.

Apenas diferem quanto à condenação em pena acessória de proibição de contactos e afastamento da residência, entendendo a 1ª não ser necessária esta condenação e concluindo o Tribunal da Relação que é necessária.

E, a final acabou o arguido recorrente condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução acompanhada de regime de prova com apoio e fiscalização a cargo da DGRSP, por igual período, e também, na pena acessória de proibição de contactos com a assistente pelo período de 3 anos, incluindo o afastamento da residência e estabeleceu-se que esta proibição de contactos e afastamento da residência também constitui um dever a observar no período de suspensão.

Pena esta que não sendo superior a 5 anos de prisão, é irrecorrível para o STJ. Como já dito ficam de fora da recorribilidade os casos em que em recurso, a pena, é agravada pela Relação, mas não é aplicada pena de prisão superior a 5 anos.

Assim, por irrecorribilidade da decisão, rejeita-se o recurso do acórdão do Tribunal da Relação interposto pelo arguido AA.

III – Decisão

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça - 3ª secção criminal -, acorda em:

- Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido, AA.

- Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art.º 513º, 1, e 3, do CPP, e art.º 8º, n.º 9, e Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Judiciais).

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Supremo Tribunal de Justiça, 09 de Abril de 2025,

António Augusto Manso (relator)

Antero Luis (1º Adjunto)

Carlos Campos Lobo (2º Adjunto)

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1-como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal à luz da CRP e DEDH, UCE, 6ª edição, p. 392 (nota 2),

2-v. M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, Almedina Coimbra, p. 356.

3-Simas Santos e Leal Henriques, citados por M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, Almedina Coimbra, p. 356.

4-5-6-Como refere António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, vol. V, p. 68/70.

7-8-Decisões Sumárias de Reclamação, nos termos do art.º 405º do CPP, do Exmo. Vice-Presidente do STJ, Conselheiro Nuno Gonçalves, de 14.02.2025, proferida no processo n.º 6482/16.1T9PRT.P1-A.S1, e de 25.11.2024, proferida no processo n.º 171/23.8PFBRG.G1-A.S1, ambas in www.dgsi.pt.