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Jurisprudência
Sumário

I – A causa de pedir será o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que pretende fazer valer.

II – O atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º/1 do CPCivil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.

III – A convolação do pedido há de respeitar um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

IV – A alienação fiduciária em garantia consiste na situação que se verifica quando o devedor ou um terceiro procede à alienação de um bem para garantia do cumprimento de uma obrigação, vinculando-se o credor a apenas utilizar esse bem para obter a realização do seu crédito, devendo o mesmo ser restituído ao alienante em caso de cumprimento da obrigação que serve de garantia.

V – A simulação pressupõe um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganar terceiros.

VI – O negócio ofensivo dos bons costumes é, essencialmente, o que tem por objeto atos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou repugnar à consciência moral apenas pelo nexo que se cria entre eles e a prestação da outra parte.

VII – Dá causa às custas a parte vencida, na respetiva proporção, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, em termos absolutos.

Decisão Texto Integral
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,58790/18.8T8LRS.L1.S1
RECORRENTE6AA

RECORRIDA7TARGET CONSTELLATION – REAL STATE, LD.ª


***


SUMÁRIO8,9


I – A causa de pedir será o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que pretende fazer valer.

II – O atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º/1 do CPCivil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.

III – A convolação do pedido há de respeitar um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

IV – A alienação fiduciária em garantia consiste na situação que se verifica quando o devedor ou um terceiro procede à alienação de um bem para garantia do cumprimento de uma obrigação, vinculando-se o credor a apenas utilizar esse bem para obter a realização do seu crédito, devendo o mesmo ser restituído ao alienante em caso de cumprimento da obrigação que serve de garantia.

V – A simulação pressupõe um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganar terceiros.

VI – O negócio ofensivo dos bons costumes é, essencialmente, o que tem por objeto atos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou repugnar à consciência moral apenas pelo nexo que se cria entre eles e a prestação da outra parte.

VII – Dá causa às custas a parte vencida, na respetiva proporção, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, em termos absolutos.



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ACÓRDÃO10



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra TARGET CONSTELLATION – REAL STATE, LD.ª, pedindo que seja declarada a anulabilidade do contrato de compra e venda de um imóvel de que era proprietária, ordenado o cancelamento do registo da compra a favor da ré e, ainda que seja declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré relativo ao mesmo imóvel.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou improcedente a ação e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos contra a mesma formulado pela autora.

A autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que, com voto de vencido, negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Inconformada, veio a autora interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentou as seguintes


CONCLUSÕES13:


1. A Recorrente beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, todavia foi condenada a pagar as custas judiciais do processo pelo Tribunal da Relação de Lisboa em consequência da improcedência do recurso.

2. Esta decisão, salvo o devido respeito, viola a Lei de Proteção Jurídica e Acesso aos Tribunais, pelo que o douto Acórdão condenatório deve ser revogado nesta parte.

3. Além do mais, a Recorrente, salvo o devido respeito, considera que o douto Acórdão deve ser revogado porque viola a lei, na medida em que podendo e devendo revogar a Sentença recorrida, por não ter declarado a nulidade dos contratos celebrados entre as partes sobre o seu imóvel, não o fez, com a fundamentação de que estava impedido por lei a convolar o pedido de anulação para a declaração de nulidade, ex-officio, de todos os negócios praticados pelas partes, designadamente, o alegado contrato de compra e venda, de mútuo e de arrendamento todos eles tendo como objeto o imóvel sub judice.

4. Ao manter a situação jurídico-formal que resulta dos referidos contratos, está-se a violar a lei substantiva, designadamente o art. 604°, n° 2 do Código Civil, que fixa o numerus clausus das garantias reais tipificadas, porque na verdade o alegado contrato de compra e venda do imóvel da recorrente mais não é do que uma garantia real do empréstimo que lhe foi concedido pela Recorrida.

5. A convolação do pedido de anulação em pedido de declaração de nulidade dos negócios celebrados no âmbito dos factos que integram a presente ação era obrigatória para os tribunais que julgaram o processo, nos termos do disposto no art. 193°, n° 3, que determina que o erro de qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

6. Nada obsta à convolação oficiosa do processo nos termos requeridos, nem sequer o princípio da substanciação o impede, porque, tal como resulta da matéria de facto dada como provada (ponto O) a Autora vendia "informalmente" a sua habitação, por 12.000,00 Euros, ficando nela a residir ( ...), "e que logo que a Autora liquidasse o empréstimo de 5.000,00 Euros, fariam nova escritura a passar a propriedade em causa para a posse da mesma".

7. Logo, a convolação através da qual será declarada a nulidade do contrato "informal" de compre e venda, não irá violentar a vontade primária das partes, pelo contrário, a manutenção da situação tal como está, com validação da suposta compra e venda, essa sim é extremamente violenta a Recorrente, porque não foi essa a base do negócio, embora fictício, celebrado entre as partes.

8. A causa de pedir, no processo sub judice, não era nem é impeditiva da convolação requerida, porque resulta com linear clareza que as partes nunca pretenderam celebrar um contrato de compra e venda da fração da Autora, que no seu perfeito juízo nunca iria vender um bem essencial para a concretização do seu projeto de vida, como é a casa de habitação própria permanente, com o valor patrimonial de 73.020,00 Euros por meros 5.000,00 Euros e passar a viver na rua.

9. Aliás, basta ver que neste momento a Recorrente está numa situação de autêntica penúria, dai estar a beneficiar de apoio judiciário para poder litigar neste processo.

10. A Recorrente acompanha integralmente o douto Voto de vencido do Sr. Desembargador, Jorge Almeida Esteves, pela clareza, concisão e argúcia argumentativa que dele emana.

Termos em que deve o presente Recurso de Revista ser julgado e ser considerado procedente e em consequência o processo ser convolado para processo de declaração de nulidade de todos os negócios jurídicos praticados entre as partes e, a Recorrente reintegrada no seu direito de propriedade sobre o imóvel sub judice14.

A recorrida não contra-alegou.

Colhidos os vistos15, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO16,17,18

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber se o tribunal a quo deveria conhecer da invocada nulidade da sentença do tribunal de 1ª instância por este não ter procedido à convolação dos factos provados.

2.) Saber se a alienação fiduciária em garantia é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório.

3.) Saber se deve ser alterada a condenação em custas proferida pelo tribunal a quo.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

A. Por escritura pública datada de 23.12.2014, a Autora declarou vender à Sociedade Ré, representada no ato por BB e CC, que declarou comprar, pelo preço de doze mil euros, a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao primeiro andar C – quinto piso, destinado à habitação do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...00, da dita freguesia, afeto ao regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz da União das Freguesias de ..., sob o art. ...17, com o valor patrimonial de 73 020,00 €, sobre o qual pendia hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., cujo cancelamento se encontra assegurado.

B. Por escrito particular, designado de “Contrato de Arrendamento para Habitação”, a Ré19 declarou ceder o gozo da fração autónoma referida em A., à Autora, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Janeiro de 2015, prorrogável por igual período, pelo valor de € 300,00 mensais.

C. Por carta datada de 12.07.2018, enviada pela Mandatária da Ré para a Autora, foi-lhe solicitado o pagamento de rendas em atraso no valor de € 9790,00 (nove mil setecentos e noventa euros).

D. Por declaração Judicial Avulsa, foi a Autora notificada, no dia 28.08.2018, da resolução do contrato referido em B., por parte da Ré.

E. Por escrito particular, datado de 23.12.2014, denominado de “Declaração Unilateral Para Opção de Compra de Imóvel”, a Ré declarou que “na vigência do contrato de arrendamento a arrendatária terá o direito de optar pela compra do locado pelo valor de 5000,00 (cinco mil euros). Opção de compra só será validamente exercida se, se tiver verificado o pagamento mínimo de 12 (doze) rendas mensais, rendas essas que não são consideradas como pagamento do preço acima estipulado”.

F. Por despacho, datado de 19.01.2018 e proferido no processo de inquérito n.º 4017/15.2..., o Ministério Público deduziu acusação contra as pessoas identificadas em A., imputando-lhes, entre outros, a prática de um crime de burla, pelos factos aí constantes.

G. Por despacho datado de 16.05.2018 no processo n.º 4017/15.2..., foram as pessoas identificadas em A. despronunciadas dos crimes que lhe foram imputados.

H. A Ré pagou o certificado energético; imposto municipal de transmissões e imposto de selo; a escritura e os emolumentos registrais; registo de aquisição na respetiva Conservatória e procedeu registo do contrato de arrendamento nas finanças, pagando o respetivo imposto de selo.

I. Antes de celebrar os contratos referidos em A. e B., a Autora consultou uma advogada para a aconselhar.

J. Na sequência do contrato referido em A., a Ré pagou à Autora a quantia de € 5000 (cinco mil euros).

K. A Autora tem dificuldades financeiras

L. Em meados de 2007, a Autora foi vítima da burla designada de “Cartas da Nigéria”.

M. A Autora procurou através da internet entidades que lhe concedessem um empréstimo.

N. Em Novembro de 2014, a Autora recebeu um e-mail de uma sociedade de nome Dignus Capital.

O. Em contacto com a Dignus Capital foi feita à Autora a seguinte proposta pelo Sr. CC como representante daquela: como contrapartida da concessão de um mútuo no montante de € 5000, a Autora vendia ‘’informalmente’’ a sua habitação pelo preço € 12 000, ficando nela a residir, como arrendatária, pelo período de 1 ano, prorrogável por igual período, mediante o pagamento de uma renda de € 300 mensais, depositados numa conta do banco Millenium BCP e que logo que a Autora liquidasse o empréstimo de € 5000, fariam nova escritura a passar a propriedade da habitação em causa novamente para a posse da mesma20.

P. Foi ainda proposto pelo Sr. CC a inexistência de qualquer taxa de juro para o mútuo, bastando que a Autora fosse pagando a renda de € 300 mensais e, logo que liquidasse os € 5000 de empréstimo, se celebraria nova escritura para passar a propriedade da casa novamente para o seu nome.

Q. Este acordo nunca foi reduzido a escrito.

R. Não foi a Autora que estipulou o preço da habitação.

S. A Autora participou os factos em causa nestes autos ao Ministério Público que deu origem ao processo com o n.º 4017/15.1... e que correu termos no Tribunal Judicial de Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal, Juiz ....

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

a. As dificuldades financeiras comprometem a capacidade de sustento da Autora.

b. Por ter sido vítima da referida burla, a Autora perdeu todas as suas poupanças, socorrendo-se de mútuos bancários com vista a suprir as suas necessidades mais básicas e a dos seus familiares que habitam consigo sem quaisquer rendimentos.

c. No referido período (2007), a Autora tinha um encargo mensal de aproximadamente € 800,00 para pagamento das dívidas que contraiu junto de várias instituições financeiras, nomeadamente Barclays, Co…, C… e Caixa Geral de Depósitos.

d. As prestações mensais acima se referem eram as seguintes: Barclays € 375,00; Co… € 286,00; C… € 241,00 e Caixa Geral de Depósitos 149,00.

e. Atendendo ao atraso generalizado no pagamento dos encargos acima mencionados, a Autora recorreu à DECO na procura de alguma solução para os seus problemas financeiros, tendo-lhe sido aconselhado o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento - PERSI.

f. A DECO elaborou, por conta e em nome da Autora, uma proposta de regularização de dívida que apresentou aos diversos credores desta, que veio a ser rejeitada.

g. A procura de entidades na internet para concessão de empréstimo efetuada pela Autora foi devido às suas dificuldades financeiras e à inviabilidade da proposta que foi apresentada às entidades credoras, e destinava-se à regularização das suas dívidas.

h. A Autora não efetuou qualquer pedido de contacto à D….

i. O primeiro contacto presencial ocorreu no mês de Novembro do mesmo ano, no escritório da D…, em …, em que estiveram presentes os respetivos representantes, Sr. DD e Sr. CC e a Autora, que se deslocou ao local sozinha.

j. Nesta reunião, a Autora transmitiu aos representantes da Ré a sua aflitiva situação económico-financeira.

k. A proposta apresentada por CC foi feita com conhecimento da situação financeira em que se encontrava a Autora.

l. A proposta apresentada por CC foi feita com conhecimento da situação financeira em que se encontrava a Autora.

m. A Autora encontrava-se, nesse momento, com os seus créditos vencidos e absolutamente desesperada para a resolução da sua situação financeira, razão pela qual, aceitou a proposta.

n. A Autora receava que lhe fossem penhorados todos os rendimentos e, nesse sentido, não conseguir suportar financeiramente as suas necessidades mais básicas e do seu agregado familiar.

o. A Autora não dormia a pensar em tais possibilidades.

p. A escritura publica em apreço não chegou a ser lida, tendo apenas sido perguntado pela Sr.ª Notária se todos se encontravam de acordo, não lhe tendo sequer sido entregue uma certidão ou cópia da mesma, apesar de ter sido pedido.

q. A Autora nunca tinha ouvido falar na Ré.

r. Logo após receber o dinheiro, a Autora utilizou-o para liquidar alguns dos seus mútuos já vencidos.

s. A habitação da Autora encontra-se avaliada em € 85 000,00.

t. Volvidos quase 4 anos da celebração da escritura, a Autora viu a sua situação financeira ainda mais degradada.

u. A Autora permanece sem conseguir regularizar a sua situação financeira.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso21 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE O TRIBUNAL A QUO DEVERIA CONHECER DA INVOCADA NULIDADE DA SENTENÇA DO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA POR ESTE NÃO TER PROCEDIDO À CONVOLAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS.

A recorrente alegou que “o Acórdão deve ser revogado porque viola a lei, na medida em que podendo e devendo revogar a Sentença recorrida, por não ter declarado a nulidade dos contratos celebrados entre as partes sobre o seu imóvel, não o fez, com a fundamentação de que estava impedido por lei a convolar o pedido de anulação para a declaração de nulidade, ex-officio, de todos os negócios praticados pelas partes, designadamente, o alegado contrato de compra e venda, de mútuo e de arrendamento todos eles tendo como objeto o imóvel sub judice”.

Mais alegou que “A causa de pedir, no processo sub judice, não era nem é impeditiva da convolação requerida, porque resulta com linear clareza que as partes nunca pretenderam celebrar um contrato de compra e venda da fração da Autora, que no seu perfeito juízo nunca iria vender um bem essencial para a concretização do seu projeto de vida, como é a casa de habitação própria permanente, com o valor patrimonial de 73.020,00 Euros por meros 5.000,00 Euros e passar a viver na rua”.

Assim, concluiu que “nada obstava à convolação oficiosa do processo”.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, indeferindo a sua verificação, argumentando que “não constitui causa de nulidade de sentença uma eventual abstenção por parte do tribunal em convolar “…factos dados como provados, isto é, a vontade das partes para celebração de contrato de mútuo e não de compra e venda, para o regime de nulidade ao invés da anulabilidade erradamente requerida pela Autora”.

Vejamos a questão.

Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – art. 5º/1 do CPCivil.

É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art. 615º/1/d ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil.

Na petição inicial deve o autor indicar a causa de pedir (arts. 552-1-d e 581-4), isto é, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer – ou, no caso da ação de simples apreciação da existência dum facto (art.10-3-a), os elementos que o integram, tratando-se do facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido22.

Causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão deduzida, isto é, o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido23.

A causa de pedir constitui um dos elementos indispensáveis da petição inicial. Representando o fundamento da pretensão de tutela jurisdicional formulada, a causa de pedir tem de ser invocada na petição, sem o que faltará a base, isto é, o suporte da ação. E acrescente-se que não basta uma menção genérica da situação factual, é necessário o relato concreto e específico dos factos cuja verificação terá feito nascer o direito invocado pelo autor24,25.

Temos, pois, que a causa de pedir será o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que pretende fazer valer.

Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença em que o faça26.

Encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que não sejam do seu conhecimento oficioso (art. 608º/2, 2º segmento)27.

Quando a lei se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as exceções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada28.

Trata-se de nulidade relacionada com a 2ª parte do nº 2 do art. 608º, onde se proíbe ao juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso.

Porém, nos termos do disposto no art. 5º/3, do CPCivil “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (“jura novit curia”).

No âmbito deste princípio, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça tem admitido a convolação da configuração jurídico-normativa atribuída pelo autor ao pedido ou à causa de pedir. Ou seja, e no que respeita ao pedido formulado, a errada qualificação jurídica do mesmo não impede o juiz de, observado o princípio do dispositivo, declarar pedido diferente, conforme a referida norma prevista no art. 5º/3 do CPCivil.

Como exemplos desta jurisprudência, salienta-se, desde logo, o Assento do STJ n.º 4/95 de 28/3/9529, no qual se uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil”30.

A mesma orientação foi seguida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/200131, no qual se uniformizou a jurisprudência no sentido de que: “Tendo o autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do ato em relação ao autor (nº1 do art. 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar a ineficácia, como permitido pelo art. 664º do CPC.”.

O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.

É lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o autor procurava obter através da pretensão que efetivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.

A convolação do pedido há de respeitar um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia32,33,34,35.

O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, toma inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º/1, do CPCivil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação36,37.

Reportando-nos ao caso dos autos, a recorrente invocou um negócio usurário como causa de anulabilidade do negócio de compra e venda e subsequente nulidade do contrato de arrendamento celebrado.

Assim, caso o tribunal entendesse que havia alguma nulidade podia convolar oficiosamente a anulabilidade em nulidade.

O que identifica a pretensão material da recorrente, o efeito jurídico que visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico.

O efeito prático-jurídico pretendido pela recorrente na presente ação é que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da recorrida, pelo que, seria lícito ao tribunal, convolar oficiosamente a anulabilidade em nulidade, caso entendesse que se verificavam os respetivos requisitos legais e, estivessem alegados e provados factos que levassem a tal conclusão.

Ora, no recurso de apelação, a recorrente limitou-se a alegar que “A Sentença é nula por ter feito errada interpretação e aplicação do direito, ao não proceder à convolação dos factos dados como provados, isto é, a vontade das partes para celebração de contrato de mútuo e não de compra e venda, para o regime de nulidade ao invés da anulabilidade erradamente requerida pela Autora”.

Assim, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “ainda que se entendesse como possível conhecer oficiosamente de um vício de nulidade, a verdade é que os factos provados, que a recorrente não impugnou em sede de recurso (e nem igualmente os factos não provados) não permitem essa conclusão sem dúvidas nestes autos”.

E contrariamente ao entendimento da recorrente, não entendemos que o tribunal de 1ª instância tenha concluído que houve um contrato de compra e venda simulado a coberto de um contrato de mútuo e de arrendamento e, como tal, pudesse conhecer de um vício de nulidade de tal contrato.

Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado (art. 240º/1, do CCivil).

Ora, os factos alegados e provados não são de forma nenhuma suficientes para que se conclua que houve divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros38,39.

O princípio de que o negócio usurário é, tão só, anulável só poderá ser derrogado em casos excecionalmente graves, em que o preenchimento dos pressupostos ou dos requisitos do art. 282º deva representar-se como ofensa aos bons costumes, no sentido do art. 280º do CCivil — logo, de nulidade do negócio jurídico.

Destarte, improcedem as conclusões 5) a 8), do recurso de revista.

2.) SABER SE A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA É COMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO PACTO COMISSÓRIO.

A recorrente alegou que “Ao manter a situação jurídico-formal que resulta dos referidos contratos, está-se a violar a lei substantiva, designadamente o art. 604°, n° 2 do Código Civil, que fixa o numerus clausus das garantias reais tipificadas, porque na verdade o alegado contrato de compra e venda do imóvel da recorrente mais não é do que uma garantia real do empréstimo que lhe foi concedido pela Recorrida”.

Assim, concluiu que “o Tribunal a quo em lugar de se abster de o conhecer, dele conheceu e, assim, a sentença enferma de nulidade por haver conhecido de questão de que não devesse – V artº 615º, nº1, d), do Cód. de Processo Civil”.

Vejamos a questão.

Está provado que:

– Por escritura pública datada de 23.12.2014, a Autora declarou vender à Sociedade Ré, representada no ato por BB e CC, que declarou comprar, pelo preço de doze mil euros, a fração autónoma designada pela letra “I” (…), com o valor patrimonial de 73 020,00 €, sobre o qual pendia hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., cujo cancelamento se encontra assegurado – facto provado A).

– Por escrito particular, designado de “Contrato de Arrendamento para Habitação”, a Ré declarou ceder o gozo da fração autónoma referida em A., à Autora, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Janeiro de 2015, prorrogável por igual período, pelo valor de € 300,00 mensais – facto provado B).

– Por escrito particular, datado de 23.12.2014, denominado de “Declaração Unilateral Para Opção de Compra de Imóvel”, a Ré declarou que “na vigência do contrato de arrendamento a arrendatária terá o direito de optar pela compra do locado pelo valor de 5000,00 (cinco mil euros). Opção de compra só será validamente exercida se, se tiver verificado o pagamento mínimo de 12 (doze) rendas mensais, rendas essas que não são consideradas como pagamento do preço acima estipulado” – facto provado E).

– Na sequência do contrato referido em A., a Ré pagou à Autora a quantia de 5000€ (cinco mil euros) – facto provado J).

Assim, perante tais factos, poder-se-á concluir que as partes pretenderam, primeiramente, transmitir a propriedade da fração autónoma da recorrente/autora para a recorrida/ré para garantir o reembolso de um empréstimo de 5000,00€.

E, uma vez cumprido o empréstimo e esvaziada de sentido útil a garantia constituída, pretenderam assegurar a retransmissão da propriedade do imóvel novamente para a recorrente/autora (facto provado E).

A alienação fiduciária em garantia consiste na situação que se verifica quando o devedor ou um terceiro procede à alienação de um bem para garantia do cumprimento de uma obrigação, vinculando-se o credor a apenas utilizar esse bem para obter a realização do seu crédito, devendo o mesmo ser restituído ao alienante em cas de cumprimento da obrigação que serve de garantia40,41.

Na vigência do atual Código Civil a validade do negócio fiduciário é dominante na doutrina e baseia-se: (i) no disposto nos arts. 405º e 1306º/1, do CCivil, o primeiro, por consagrar o “princípio da autonomia da vontade”, o segundo, por prever que aos direitos reais se aportem, por negócio jurídico, restrições de natureza obrigacional, prevendo assim como legítima a fidúcia; (ii) no apelo à confusão do argumento central da tese contrária entre a questão da divergência entre a causa (função) concreta do contrato e a causa (função) típica do tipo de referência, que tem como consequência a negação da qualificação do contrato fiduciário como correspondente ao tipo de referência (compra e venda), e a questão da apreciação da tutela jurídica da causa (função) concreta do contrato fiduciário, juízo de mérito relativo à licitude do mesmo, e (iii) no acolhimento expresso pelo DL n.º 105/2004, de 08-05, enquanto modalidade dos contratos de garantia financeira, da alienação fiduciária em garantia, espelho da abertura do ordenamento jurídico a tal realidade negocial, por princípio, axiologicamente neutra42.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça também se tem pronunciado no sentido de que a alienação fiduciária em garantia é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório — e, em consequência, válida43,44,45,46,47,48,49,50,51,52.

Assim, também subscrevemos o entendimento de que a celebração de negócios jurídicos fiduciários enquanto negócios atípicos é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no art. 280º do CCivil, em particular, na vertente de fraude à lei.

Ainda que se admita que há uma alienação em garantia, ou uma alienação fiduciária em garantia, deve chamar-se a atenção para duas coisas53:

Em primeiro lugar, para a diferença entre a alienação em garantia e a simulação — a alienação em garantia pressupõe que a transmissão da propriedade do vendedor para o comprador seja querida pelas partes, que a transmissão corresponda à vontade real das partes, e a simulação pressupõe que a transmissão não tenha sido querida, não corresponda à vontade real54.

Em segundo lugar, deverá chamar-se a atenção para a validade da alienação em garantia ou alienação fiduciária em garantia: “a celebração de negócios jurídicos fiduciários é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no artigo 280.º do CC, em particular, na vertente de fraude à lei” 55.

Assim, por um lado, nos autos, não estão provados factos para se concluir que o contrato celebrado entre a recorrente e recorrida seja nulo por simulação.

Isto é, os factos alegados e provados não são de forma nenhuma suficientes para se concluir que houve divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros56,57,58.

Por outro lado, apesar de não ser nulo por simulação, vejamos se o contrato poderá ser nulo por ofensivo dos bons costumes59,60,61.

A recorrente alegou que o negócio era usurário, pois existiu uma situação de estado de manifesta necessidade causado pela insuficiência económica, quer pelo manifesto beneficio económico da recorrida, consubstanciado na aquisição de um bem imóvel e recebimento de rendas, com uma contraprestação de 5000,00 €.

Como entendeu o tribunal de 1ª instância, “não só a autora poucos factos alega que possam enquadrar os pressupostos da existência de negócio usurário (diz de forma conclusiva e vaga que transmitiu aos representantes da Ré a sua aflitiva situação económico-financeira, sem dizer concretamente o que transmitiu; afirma que receava não conseguir suportar financeiramente as suas necessidades mais básicas e do seu agregado familiar, mas não refere quais necessidades e nem sequer alega a composição do seu agregado familiar) como nem sequer os poucos factos que alegou conseguiu provar de forma a configurar a situação como sendo usura”.

O princípio de que o negócio usurário é, tão-só, anulável só poderá ser derrogado em casos excecionalmente graves, em que o preenchimento dos pressupostos ou dos requisitos do art. 282.º deva representar-se como ofensa aos bons costumes, no sentido do art. 280.º do CCivil — logo, de nulidade do negócio jurídico62,63.

O negócio ofensivo dos bons costumes é, essencialmente, o que tem por objeto atos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou repugnar à consciência moral apenas pelo nexo que se cria entre eles e a prestação da outra parte64.

A contrariedade aos bons costumes não pode, assim, ser invocada sem referência ao princípio ético ou moral violado. O aproveitamento de uma situação de debilidade de outem ou a sua sujeição a situações ou práticas comummente entendidas como inaceitáveis podem constituir indícios da violação de um principio ético ou moral fundamental65.

No caso sub judice, a recorrente, não conseguiu provar, nem que se estivesse perante um caso comum, nem (muito menos) que se estivesse perante um caso excecionalmente grave.

Concluindo, não estão provados factos suficientes para se concluir que o contrato celebrado entre as partes seja anulável por usura ou nulo por violação dos bons costumes (Como referido pelo tribunal a quo nada obsta a que a recorrente, se assim o entender, instaure uma nova ação com outra causa de pedir).

Destarte, improcedem as conclusões 3) e 4), do recurso de revista.

3.) SABER SE DEVE SER ALTERADA A CONDENAÇÃO EM CUSTAS PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO.

A recorrente alegou que “beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, todavia foi condenada a pagar as custas judiciais do processo pelo Tribunal da Relação de Lisboa em consequência da improcedência do recurso”.

Assim, concluiu que “Esta decisão, salvo o devido respeito, viola a Lei de Proteção Jurídica e Acesso aos Tribunais, pelo que o douto Acórdão condenatório deve ser revogado nesta parte”.

Vejamos a questão.

A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.

Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for – art. 527º/2, do CPCivil.

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – art. 529º/1, do CPCivil.

Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais – art. 533º/1, do CPCivil.

A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte, os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior e, os valores pagos a título de honorários de agente de execução – art. 26º/3/a/b/c/d, do RCProcessuais.

Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. – art. 26º/6, do RCProcessuais.

A base do regime geral da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas aos recursos consta no art. 527.º do CPCivil, estruturada na envolvência do princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio do proveito.

Dele resulta que dá causa às custas a parte vencida, na respetiva proporção, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, em termos absolutos.

O conceito de custas a que se reporta cinge-se ao seu sentido estrito, ou seja, o abrangente dos encargos e das custas de parte, previstos no art. 529.º/3/4, do mencionado Código.

Não abrange a taxa de justiça, porque a responsabilidade pelo respetivo pagamento pelas partes em geral deriva do impulso processual, nos termos do art. 529.º/2 e do disposto no art. 530.º/1 do mesmo Código.

Sendo a recorrente responsável pelo pagamento das custas atinentes ao recurso interposto para o tribunal a quo, não pode, no entanto, ser condenada no pagamento de encargos, cujo âmbito consta no art. 532.º do aludido Código, porque não os houve no recurso.

Nesse caso só devia ser condenada no pagamento de custas de parte, nos termos dos arts. 533.º/1/2/3, do CPCivil e 26.º/3, do RCProcessuais.

Mas como a recorrente beneficia do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária – dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – nos termos do art. 16.º/1/a, da Lei n.º 34/2004, importa equacionar sobre se isso exclui ou não a sua responsabilização pelo pagamento das custas do recurso.

O conceito de encargos a que o referido normativo do art. 16.º/1/a, da Lei n.º 34/2004 está utilizado em sentido amplo, abrangendo, por um lado, os encargos tal como são definidos no art. 529.º/3 e, por outro, as custas de parte, previstas no art. 533.º/1/2, ambos do supramencionado Código.

Isso mesmo, no que concerne às custas de parte, decorre implicitamente do disposto no art. 26.º/6 do RCProcessuais, segundo o qual, se a parte vencida gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária, a parte vencedora só pode exigir ao Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, I.P. o reembolso das taxas de justiça que ela tenha pagado.

Em suma, decorre das referidas normas que a parte vencida que goze do benefício de apoio judiciário na aludida modalidade não está sujeita à obrigação de pagamento de encargos ou de custas de parte à parte vencedora.

Concluindo, apesar de a recorrente ter ficado vencida no recurso de apelação, mas gozando do benefício de apoio judiciário, não está sujeita à obrigação de pagamento de encargos ou de custas de parte à parte vencedora, pelo que, a decisão recorrida deverá ser revogada neste segmento.

Destarte, procedendo as conclusões 1) e 2), do recurso de revista, altera-se o segmento respeitante às custas, as quais não são devidas, por beneficiar a recorrente do regime de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido no segmento respeitante às custas nos seguintes termos: “As custas não são devidas, por beneficiar a recorrente do regime de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.

3.2. REGIME DE CUSTAS

As custas não são devidas, por beneficiar a recorrente do regime de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo66.

Lisboa, 2024-12-1067,68

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Maria João Vaz Tomé) – 1º adjunto

(Anabela Luna de Carvalho) – 2º adjunto

_____________________________________________

1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎

2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎

3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎

4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎

15. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

16. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

17. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

18. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎

19. Há lapso ao referir-se “autora” em vez de “ré” – V. contrato de arrendamento para habitação.↩︎

20. A Ré, na ampliação do objeto do recurso, requereu a eliminação da matéria de facto dada como provada nos pontos O, P, Q e R, a qual não foi objeto de pronúncia por parte do tribunal a quo, por ter ficado prejudicado o seu conhecimento pela improcedência do recurso.↩︎

21. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

22. LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª edição, p. 374.↩︎

23. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., p. 369.↩︎

24. MONTALVÃO MACHADO – PAULO PIMENTA, O Novo Processo Civil, 11ª edição, p. 109.↩︎

25. A omiss ão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-01-31, Relator: JOÃO CAMILO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

26. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 383.↩︎

27. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 437.↩︎

28. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2018-01-09, Relator: MOREIRA DO CARMO, http://www.dgsi.pt/jtrc.↩︎

29. Diário da República, I Série-A, de 17-05-1995.↩︎

30. O que estava em causa na controvérsia jurisprudencial dirimida pelo citado assento era a questão da admissibilidade de convolação pelo tribunal da configuração jurídico - normativa que o A. dava à causa de pedir em que fundava a respetivas pretensão, passando a sustentá-la, não no cumprimento de certa relação contratual, mas antes nas consequências legais da declaração oficiosa da nulidade do negócio jurídico invocado como base da pretensão do demandante – envolvendo ainda tal reconfiguração jurídica da «causa petendi» uma alteração na configuração jurídica do próprio pedido, da pretensão material deduzida, que deixava de assentar na obtenção de uma prestação por via do contrato, para passar a incidir sobre a obtenção de determinado bem ou quantia pecuniária como mera decorrência da declaração oficiosa de nulidade dessa relação contratual. Subjacente ao assento está, pois, não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades da ato jurídico - mas também a admissibilidade de uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático-jurídico que este pretende alcançar (só assim se explicando que o tribunal possa atribuir o bem, valor ou montante pecuniário pedido, não em consequência ou a título de cumprimento do contrato em que se consubstanciava a causa de pedir, mas através da figura do dever de restituir tudo aquilo que se obteve em consequência de um negócio oficiosamente tido por nulo) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-04-07, Relator: LOPES DO REGO, Revista 842/10.9 TBPNF.P2.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

31. Diário da República, I Série-A, de 2001-02-09.↩︎

32. LOPES DO REGO, O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 789.↩︎

33. A restante doutrina nacional tem também seguido a mesma orientação: VAZ SERRA, Anotação ao acórdão do STJ de 15/10/1971, in RLJ, ano 105, págs. 217 e ss.; MIGUEL MESQUITA, A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC – anotação ao Ac. Rel. Porto de 08-07-2010, in RLJ, ano 143, págs. 129 e segs.; MANUEL TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, texto da intervenção nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ que decorreram em Lisboa, em Janeiro de 2014, destacando-se as páginas 44 a 46; TEIXEIRA DE SOUSA, Comentário ao Acórdão do STJ de 4/10/2016 (processo 762/04.6TYLSB.L1.S1), publicado em 25-01-2017 no Blog do Instituto Português do Processo Civil; JOSÉ LEBRE DE FREITAS - ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed. Reimpressão, Coimbra, Almedina, 2021, anotação ao artigo 609.º; ABRANTES GERALDES - PAULO PIMENTA - PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed, Coimbra, Almedina, 2022, anotação ao artigo 609.º.↩︎

34. A título exemplificativo, na jurisprudência do STJ, vem admitindo a possibilidade de convolação oficiosa do pedido, respeitados que sejam os limites enunciados, os seguintes acórdãos: de 17-06-1992 (Processo 82428, BMJ/418, Julho/1992, pp. 710 e ss.), de 23-09-1999 (Revista 510/99 - 7.ª Secção), de 18-11-2004 (Agravo 2640/04 - 2.ª Secção), de 14-05-2009 (Revista 162/09.1YFLSB - 1.ª Secção), de 05-11-2009 (Revista 308/1999.C1.S1 - 7.ª Secção), de 02-03-2011 (Revista 823/06.7TBLLE.E1.S1 - 7.ª Secção), de 18-01-2018 (Revista 1005/12.4TBPVZ.P1.S1 - 2.ª Secção), de 08-02-2018 (Revista 633/15.1T8VCT.G1.S1 - 2.ª Secção), de 04-10-2018 (Revista 588/12.3TBPVL.G2.S1 - 2.ª Secção), e mais recentemente os acórdãos do STJ de 08-03-2022 (Revista 21074/18.2T8PRT.P1.S1 - 7.ª Secção), de 02-03-2023 (Revista 21025/19.7T8PRT.P1.S1 - 2.ª Secção) e de 09-01-2024 (Revista 95/16.5T8ARC.P1.S1 - 1.ª Secção), todos publicados em www.dgsi.pt.↩︎

35. O Tribunal Constitucional também decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 610º/b, e 616.º, ambos do CCivil, e do art. 661º/1, do CPCivil antigo (correspondente ao atual art. 609º/1, do CPC), quando interpretadas no sentido de permitirem que uma decisão jurisdicional condene em algo qualitativamente diverso do pedido formulado – Ac. do Tribunal Constitucional nº 33/2000 , de 2000-01-12, Relator: VÍTOR NUNES DE ALMEIDA, https://www.tribunalconstitucional.pt/.↩︎

36. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-10-04, Relatora: ROSA TCHING, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

37. A diferente qualificação jurídica feita pelo tribunal arbitral, sem qualquer subversão do pedido ou da causa de pedir, da indemnização peticionada pela demandante pela via do interesse contratual negativo (dano da confiança) e não pela invocada via do art. 289º do CC, não consubstancia condenação em objeto diverso do pedido, nem decisão surpresa por violação do princípio do contraditório, não se verificando, portanto, os fundamentos de anulação da sentença arbitral previstos no art. 46º/3/a, pontos ii) e v), por referência ao art. 30º/b/c/, da LAV – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-02-22, Revista n.º 598/15.9YRLSB.S1 - 2.ª Secção, não publicado.↩︎

38. São requisitos essenciais da simulação a divergência entre a vontade declarada e a vontade real, o acordo entre as partes sobre essa divergência e a intenção de enganar terceiros, sendo que, no presente caso, desde logo não ficou demonstrado o intuito de enganar terceiros – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-28, Relator: ROQUE NOGUEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

39. É pressuposto da simulação o intuito de enganar terceiros, o que não se verifica quando o procurador, a coberto da procuração, outorga uma escritura de compra e venda que, apesar de ocultar um contrato de doação, visa satisfazer o direito de crédito sobre os representados, nos termos acordados – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-28, Relator: ABRANTES GERALDES, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

40. LUÍS MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, 6ª edição, pp. 261/62.↩︎

41. A alienação em garantia, ou alienação fiduciária em garantia, define-se como um “negócio fiduciário nos termos do qual um sujeito (prestador da garantia) transmite a outro (beneficiário da garantia) a titularidade de um bem ou de um direito com a finalidade de garantia de um crédito, ficando o beneficiário da garantia obrigado, uma vez extinta esta finalidade, a retransmitir-lhe aquela mesma titularidade” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-26, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, Processo 2037/13.0 TBPVZ.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

42. Vide, entre outros, PEDRO PAES DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, 1995, pág. 280; CASTRO MENDES, Direito Civil (Teoria Geral), III, 1973, pág. 296; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed, pág. 349; PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, 2.ª Edição, pág. 568 e, LUÍS MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, 6ª edição, p. 265.↩︎

43. A estrutural diversidade jurídica entre as figuras da constituição de direitos reais de garantia ( ainda que a oneração do bem seja acompanhada de uma inadmissível estipulação do pacto comissório) e da venda fiduciária em garantia, imediatamente geradora de um efeito transmissivo do direito de propriedade, obsta à direta subsunção desta segunda categoria normativa no âmbito do art. 694º do CC, cujo programa normativo se dirige – e confina - ao plano das garantias reais das obrigações, vedando ao credor a autotutela que resultaria da faculdade de apropriação da «coisa onerada» no caso – e no momento - em que o devedor não cumprir a obrigação garantida. Não é de admitir a «extensão teleológica» da proibição contida no citado art. 694º, determinante do vício de nulidade, à venda fiduciária em garantia de bens imóveis, por tal envolver restrição desproporcionada do princípio fundamental da segurança e confiança no comércio jurídico, ao facultar aos outorgantes a invocação e a consequente oponibilidade da nulidade a terceiros de boa fé, subadquirentes do imóvel alienado, nos termos do art. 291º do CC, mesmo nos casos em que o pacto fiduciário estivesse oculto e dissimulado, relativamente às cláusulas contratuais integradoras do negócio formal de alienação e do teor do respetivo registo, de modo a afetar a consistência jurídica dos direitos que aqueles fundadamente supunham ter adquirido – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-03-16, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

44. A respeito da validade dos negócios fiduciários, na vigência do atual CC, é dominante, na doutrina e na jurisprudência, a tese da sua admissibilidade. Acolhendo esta tese, entende-se por acertado o entendimento de que a celebração de negócios jurídicos fiduciários é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no artigo 280.º do CC, em particular, na vertente de fraude à lei Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-26, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, Processo 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

45. Nessa linha, como se assume no acórdão do STJ, de 26-04-2018, proferido no processo n.º 2037/13. 0TBPVZ.P1.S1, tem vindo a ser considerado acertado o entendimento de que “a celebração de negócios jurídicos fiduciários enquanto negócio atípico é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no art. 280.º do Código Civil, em particular, na vertente de fraude à lei – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

46. A doutrina portuguesa corrente é hoje favorável, em termos gerais, à admissibilidade da figura do negócio fiduciário com o credor – fidutia cum creditore –, o qual terá, em princípio, de se considerar válido, enquanto emanação do princípio fundamental da autonomia da vontade dos contraentes. No caso da venda fiduciária em garantia, o credor/comprador adquire imediatamente a propriedade do bem, através do ato de alienação, documentado por escritura pública e suscetível de imediata inscrição no registo predial, podendo passar a apresentar-se no comércio jurídico como legítimo proprietário do prédio. Mas se ulteriormente for cumprida a obrigação que se pretendia indiretamente garantir através da venda fiduciária realizada ou mostrando-se, de qualquer outra forma, exaurido o fim de garantia do crédito, é lícito ao interessado invocar o «pactum fidutiae» informalmente acordado com o credor, onde se estipulou uma verdadeira obrigação pessoal de revender a coisa que lhe foi alienada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-28, Relator: ROQUE NOGUEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

47. No contrato de fidutia cum creditore há um sujeito (prestador da garantia) que transmite a outro (beneficiário da garantia) a titularidade de um bem ou de um direito, com a finalidade de garantia de um crédito, ficando o beneficiário da garantia obrigado, uma vez extinta esta finalidade, a retransmitir-lhe aquela mesma titularidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-03-07, Relator: ROQUE NOGUEIRA, Processo 3585/14.0TBMAI.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

48. É válida a transferência da propriedade reservada do vendedor para o terceiro mutuante, como garantia do crédito concedido por este ao comprador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-09-30, Relatora: CLARA SOTTOMAYOR, Processo 844/09.8TVLSB.L1. S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

49. No negócio indireto recorre-se a um tipo contratual fora da sua função normal ou habitual, sendo legítima a sua outorga desde que o fim prosseguido não represente fraude à lei – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-28, Relator: ABRANTES GERALDES, Processo 873/05.0TBVLN.G1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

50. O negócio jurídico indireto de garantia, cuja origem remonta “fiducia cum creditore” do Direito Romano, acabou por se impor progressivamente no Direito moderno tendo em linha de conta o seu relevo como garantia, aliado ao reconhecimento da sua neutralidade axiológica e ao princípio da liberdade contratual; é pelo fim que é conferido a tal negócio que se aquilata da sua licitude ou ilicitude – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-02-23, Relator: TÁVORA VICTOR, Processo 1942/06.5TBMAI.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

51. 3. O negócio fiduciário, atípico, é aquele pelo qual as partes, mediante a inserção de uma cláusula obrigacional - pactum fiduciae - adequam o conteúdo de um negócio típico à consecução de uma finalidade diversa, por exemplo a de garantia – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-05-11, Relator: SALVADOR DA COSTA, Processo 06B1501, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

52. A alienação fiduciária em garantia é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-30, Relator: PINTO OLIVEIRA, Processo 456/15.7T8ESP.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

53. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-30, Relator: PINTO OLIVEIRA, Processo 456/15.7T8ESP.P1.S1, https://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎

54. O contrato fiduciário, que não se confunde com a simulação relativa (art. 241º do CC), visto a transmissão da propriedade do bem do vendedor para o comprador ser querida, tem associado o risco de abuso do fiduciário em resultado da evidente desproporção entre o meio, em abstrato excessivo para o fim considerado, mas necessário, e o fim visado Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-26, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, Processo 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

55. A celebração de negócios jurídicos fiduciários enquanto negócio atípico é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no art. 280.º do Código Civil, em particular, na vertente de fraude à lei – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

56. São requisitos essenciais da simulação a divergência entre a vontade declarada e a vontade real, o acordo entre as partes sobre essa divergência e a intenção de enganar terceiros, sendo que, no presente caso, desde logo não ficou demonstrado o intuito de enganar terceiros – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-28, Relator: ROQUE NOGUEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

57. É pressuposto da simulação o intuito de enganar terceiros, o que não se verifica quando o procurador, a coberto da procuração, outorga uma escritura de compra e venda que, apesar de ocultar um contrato de doação, visa satisfazer o direito de crédito sobre os representados, nos termos acordados – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-28, Relator: ABRANTES GERALDES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

58. A simulação pressupõe um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganar terceiros – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-06-24, Relator: AZEVEDO RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

59. Estão aqui em causa regras de comportamento no domínio de relações familiares e sexuais (logo, de moral social) e regras deontológicas. Há abuso, por violação de tais regras, se o exercício do direito exceder manifestamente os limites por ela impostos – CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, p. 620.↩︎

60. Há que distinguir os bons costumes dos maus costumes. Esta distinção é ética e, por isso, pode ser aqui entendido, como no artigo 280º, que o limite do exercício lícito do direito se encontra na Moral, mais exatamente na não contrariedade à Moral. O Direito faz parte da Ética e nada pode valer como Direito se for contrário à Ética, à Moral, aos bons costumes – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 243.↩︎

61. Os bons costumes constituem a segunda limitação ao exercício de um direito: estamos perante uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (que não, longe disso, necessariamente sexuais, religiosos ou ético-individuais) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringindo, os económicos – ANA PRATA, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, Ana Prata (Coord.), p. 441.↩︎

62. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-30, Relator: PINTO OLIVEIRA, Processo 456/15.7T8ESP.P1.S1, https://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎

63. Para se concluir que um contrato de arrendamento é contrário aos bons costumes e, portanto, nulo, não bastaria que determinadas cláusulas fossem “abusivas e inaceitáveis”; seria necessário que o contrato, na sua globalidade, se traduzisse na utilização de meios imorais ou eticamente reprováveis para proporcionar ao inquilino o gozo do imóvel e ao senhorio a retribuição correspondente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-11-27, Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

64. PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, pp. 258/59.↩︎

65. JORGE MORAIS CARVALHO, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, Ana Prata (Coord.), pp. 376/77.↩︎

66. A base do regime geral da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas aos recursos consta no artigo 527.º do Código de Processo Civil, estruturada na envolvência do princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio do proveito. Dele resulta que dá causa às custas a parte vencida, na respetiva proporção, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, em termos absolutos. O conceito de custas a que se reporta cinge-se ao seu sentido estrito, ou seja, o abrangente dos encargos e das custas de parte, previstos no artigo 529.º/3/4, do mencionado Código. Não abrange a taxa de justiça, porque a responsabilidade pelo respetivo pagamento pelas partes em geral deriva do impulso processual, nos termos do artigo 529.º/2 e do disposto no artigo 530.º/1 do mesmo Código. Sendo a recorrente responsável pelo pagamento das custas atinentes ao recurso, não pode, no entanto, ser condenada no pagamento de encargos, cujo âmbito consta no artigo 532.º do aludido Código, porque não os houve no recurso. Nesse caso só devia ser condenada no pagamento de custas de parte, nos termos dos artigos 533.º/1/2/3, do aludido Código e 26.º/3, do Regulamento das Custas Processuais. Mas como a recorrente beneficia do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária – dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – nos termos do artigo 16.º/1/a, da Lei n.º 34/2004, importa equacionar sobre se isso exclui ou não a sua responsabilização pelo pagamento das custas do recurso. O conceito de encargos a que o referido normativo do artigo 16.º/1/a, da Lei n.º 34/2004 está utilizado em sentido amplo, abrangendo, por um lado, os encargos tal como são definidos no artigo 529.º/3 e, por outro, as custas de parte, previstas no artigo 533.º/1/2, ambos do supramencionado Código. Isso mesmo, no que concerne às custas de parte, decorre implicitamente do disposto no artigo 26.º/6 do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, se a parte vencida gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária, a parte vencedora só pode exigir ao Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, I.P. o reembolso das taxas de justiça que ela tenha pagado. Em suma, decorre das referidas normas que a parte vencida que goze do benefício de apoio judiciário na aludida modalidade não está sujeita à obrigação de pagamento de encargos ou de custas de parte à parte vencedora. Vejamos, pois, a responsabilidade pelo pagamento das custas relativas a este recurso de revista em que a recorrente ficou vencida. A dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo decorrente da concessão do apoio judiciário sem qualquer condição ou limite a que o artigo 16.º/1/a, da Lei n.º 34/2004, já aponta no sentido de que a parte beneficiária daquele apoio, enquanto o for, está dispensada do pagamento das custas, seja as das ações, seja as dos recursos. Concedido o referido apoio judiciário em qualquer das suas espécies, se não for cancelado no decurso do processo em função do qual tenha sido concedido, pelos fundamentos previstos no artigo 10.º/1, da Lei n.º 34/2004, mantém-se eficaz até ao trânsito em julgado da decisão final. Decorre, pois, implicitamente, das referidas normas que as partes beneficiárias do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo à data das sentenças e dos acórdãos, vencidas nas ações ou nos recursos, não estão sujeitas ao pagamento de custas lato sensu. Esta solução legal é, aliás, confirmada pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, é dispensado ato de contagem sempre que o responsável pelas custas beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – SALVADOR DA COSTA, Condenação do recorrente no pagamento das custas do recurso no caso de beneficiar de apoio judiciário, Blogue do IPPC, publicado em 2020-10-20.↩︎

67. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

68. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎