Logótipo STJ
Jurisprudência
Sumário

I – A normação contante dos artigos 432º, nº 1, alínea b) e 400º, nº 1, alíneas e) e f) , ambos do CPPenal, ao que pacificamente se entende, delimita que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância.

II- Neste alinhamento não se exige que o Tribunal da Relação confirme na totalidade a decisão de 1ª Instância, cabendo todos os casos de uma mera divergência quantitativa, para menos, da medida da pena, a denominada confirmação in mellius, bem como todas aquelas situações em que houve alteração da matéria de facto conducente à diminuição do número de crimes, abaixamento de penas parcelares e, consequentemente, da pena única.

III – Deste modo, ocorrendo uma eliminação dos factos provados advinda da impugnação dos mesmos no recurso para a Relação tal não impede a dupla conforme, sendo que a alteração da matéria de facto e a sua nova integração jurídica, menos gravosa, não permite deixar de considerar que se está perante um caso de dupla conformidade entre a decisão de 1ª instância e a decisão do Tribunal da Relação.

Decisão Texto Integral

Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal

I – Relatório

1.No processo comum coletivo nº 894/04.0GAVNF da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., foi proferido acórdão, em 1 de julho de 2022, com o seguinte dispositivo:

- Condenar os arguidos AA1, BB2, CC3, DD4, pela prática, como coautores de nove (9) crimes de escravidão, p. e p. pelos artigos 159º, nº1, alínea a), 26º, 30º, nºs 1 e 2, 14º, nº 1, 11º, nº 2, alínea a), todos do CPenal, nas pessoas das ofendidas EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, nas seguintes penas parcelares:

a) Pela prática do referido crime, na pessoa da ofendida HH:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 9 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

b) Pela prática do referido crime, na pessoa de GG:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 9 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

c) Pela prática do referido crime, na pessoa de EE:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 9 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

d) Pela prática do referido crime, na pessoa da ofendida II:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 9 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

e) Pela prática do referido crime, na pessoa de LL:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos de prisão;

f) Pela prática do referido crime, na pessoa de FF:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos de prisão;

g) Pela prática do referido crime, na pessoa de JJ:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos de prisão;

h) Pela prática do referido crime, na pessoa da ofendida KK:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 6 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 5 anos de prisão;

i) Pela prática do referido crime, na pessoa de MM:

- Condenar a arguida BB, numa pena de 10 anos de prisão;

- Condenar o arguido AA, numa pena de 8 anos de prisão;

- Condenar a arguida CC, numa pena de 7 anos de prisão;

- Condenar a arguida DD, numa pena de 6 anos de prisão;

Em cúmulo Jurídico, condenar:

BB numa pena única de 17 (dezassete) anos de prisão;

AA, numa pena única de 15 (quinze) anos de prisão;

CC, numa pena única de 14 (catorze) anos de prisão;

DD, numa pena única de 12 (doze) anos de prisão;

*

Condenar o Centro ..., nas seguintes penas parcelares de multa:

a) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida EE, a pena de 900 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

b) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida HH, a pena de 900 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

c) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida GG, a pena de 900 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

d) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida II, a pena de 900 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

e) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida MM, a pena de 1000 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

f) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida FF, a pena de 700 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

g) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida JJ, a pena de 700 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

h) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida KK, a pena de 700 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

i) Pela prática de um crime de escravidão praticado na pessoa da ofendida LL, a pena de 700 dias de multa, à taxa diária de 200,00 Euros;

Em cúmulo jurídico, condenar o Centro ... na pena única em 2 000 dias de multa, à taxa diária de 200,00 euros, no montante global de 400 000,00 Euros.

*

- Julgar parcialmente procedente o pedido cível formulado pela Assistente EE, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 175 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Julgar parcialmente procedente o pedido cível formulado pela Assistente GG, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 176 020, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Julgar parcialmente procedente o pedido cível formulado pela Assistente II, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 170 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Julgar totalmente procedente o pedido cível formulado pela Assistente HH, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 50 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Julgar totalmente procedente o pedido cível formulado pela Assistente JJ, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 50 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Julgar totalmente procedente o pedido cível formulado pelos herdeiros da ofendida MM, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à Assistente a quantia global de 335 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- Arbitrar oficiosamente uma indemnização a:

- FF, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à ofendida a quantia global de 30 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

- KK, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à ofendida a quantia global de 30 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

- LL, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à ofendida a quantia global de 30 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

- NN, condenando solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e Centro ... a pagar à ofendida a quantia global de 160 000, 00 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

*

2. Inconformados com o decidido, os arguidos CC, AA, DD, BB e Centro ..., recorreram para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, suscitando as seguintes questões:

i) Arguidos CC e AA

a - Nulidade do acórdão recorrido por condenação dos recorrentes por factos diversos dos descritos na acusação pública, sem que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no artigo 358º, nº1, do CPPenal - artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPPenal.

b - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à existência de consentimento relevante das ofendidas - artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPPenal.

c - Insuficiência da factualidade apurada para a decisão final condenatória - artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPPenal.

d - Contradição insanável entre a fundamentação (de facto e de direito) e a decisão final - artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPPenal.

e - Erro de julgamento quanto aos pontos 1, 2º, 6º a 8º, 10º, 13º, 16º a 18º, 20º a 24º, 27º a 34º, 41º, 44º a 47º, 49º, 50º, 54º, 55º a 58º, 63º, 64º, 78º, 79º a 83º, 85º, 86º, 87º, 93º, 94º, 98º, 100º, 102º, 105º, 107º, 110º, 112º, 113º, 122º, 123º, 141º a 163º, 164º a 181º e 182º a 184º.

f – Inexistência, ao nível objetivo, de imputação do resultado à conduta dos arguidos recorrentes, não se verificando coautoria.

g – Ausência de verificação do dolo do tipo do crime de escravidão, que exige o conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, não admitindo o dolo eventual.

h – Existência de consentimento relevante das ofendidas como causa de exclusão da ilicitude (tipo justificador).

i – Falta de consciência da ilicitude – erro previsto no art. 17º, nº1, do CP ou erro censurável nos termos do previsto no nº 2 do mesmo normativo - atenuação especial das penas a aplicar, nos termos do artigo 73º do CPenal.

ii) Arguida DD

a - Nulidade do acórdão recorrido por condenação dos recorrentes por factos diversos dos descritos na acusação pública, sem que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº1, al. b), do CPPenal - artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPPenal.

b - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à existência de consentimento relevante das ofendidas - artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPPenal.

c - Insuficiência da factualidade apurada para a decisão final condenatória - artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPPenal.

d - Contradição insanável entre a fundamentação (de facto e de direito) e a decisão final - artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPPenal.

e - Erro de julgamento quanto aos pontos 5º, 6º, 13º, 15º a 18º, 20º a 24º, 33º, 44º a 47º, 49º, 50º, 54º, 55º a 58º, 63º, 64º, 78º a 83º, 86º, 87º, 93º, 94º, 98º, 100º, 102º, 105º, 107º, 112º, 113º, 122º, 123º, 141º a 163º, 164º a 181º e 182º a 184º.

f – Inexistência, ao nível objetivo, de imputação do resultado à conduta da arguida recorrente, não se verificando coautoria.

g – Ausência de verificação do dolo do tipo do crime de escravidão, que exige o conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, não admitindo o dolo eventual.

h – Existência de consentimento relevante das ofendidas como causa de exclusão da ilicitude (tipo justificador).

i – Atuação da arguida recorrente a coberto de estado de necessidade subjetivo ou desculpante, como causa de exclusão da culpa, nos termos do artigo 35º, nº1, do CPenal.

j – Falta de consciência da ilicitude – erro previsto no art. 17º, nº1, do CP ou erro censurável nos termos do previsto no nº 2 do mesmo normativo - atenuação especial das penas a aplicar, nos termos do artigo 73º do CPenal.

iii) Arguida BB

a – Erro de julgamento em relação a pontos da matéria de facto provada.

b – Desconsideração como “factos” dos pontos 185 a 190, por serem conclusivos.

c – Errada subsunção dos factos provados ao direito – inexistência do crime de escravidão.

d – Atuação sem culpa da arguida recorrente, por falta, não censurável, de consciência da ilicitude do facto – artigo 17º, nº 1, do CPenal – possibilidade de atenuação especial da pena – artigo 17º, nº 2, do CPenal.

e – Verificação de um crime único, punível nos termos do artigo 79º do CPenal, e não de uma pluralidade de crimes de escravidão.

iv) Entidade Arguida Centro ...

a – Desconsideração da matéria contida nos pontos 20, 186 e 189, por ser conclusiva, genérica e indefinida (violando os princípios da inocência e do contraditório – artigos 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP).

b – Não verificação do pressuposto da responsabilização penal do recorrente Centro ... vertido no artigo 11º, nº 2, do CPenal, que exige que os arguidos tivessem atuado no exercício das suas funções, em nome e no interesse daquele.

c – Errada subsunção dos factos provados ao direito – inexistência do crime de escravidão.

d – Violação das normas dos artigos 71º, nº 2, alínea d) e 90º-B, nº5, ambos do CPenal, por falta de apuramento da condição económico-financeira do arguido Centro ..., o que determina a ineficácia da decisão nessa parte.

e - Excessividade da pena de multa, quanto à medida e quantificação do seu valor diário.

f – Inexistência dos pressupostos legais para atribuição de indemnizações às ofendidas (dano e/ou nexo causal entre o facto e o dano).

g – Inaplicabilidade do disposto no art. 82º-A do CPPenal quanto às compensações erradamente atribuídas às vítimas KK, LL e NN, por crimes já prescritos, relativamente aos quais houve despacho de arquivamento em fase de inquérito e inexistiu condenação dos arguidos.

h – Revogação das indemnizações oficiosamente atribuídas por não se verificarem danos patrimoniais que justifiquem a sua atribuição.

i – Atribuição das compensações operada sem que fosse permitido aos arguidos exercer o contraditório, tendo assim sido impedido o direito de defesa, o que constitui irregularidade de conhecimento oficioso.

3. Por Acórdão datado de 25 de junho de 2024, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, pronunciando-se sobre as questões supra notadas, decidiu da seguinte forma:

a) Rejeitar o recurso deduzido pela arguida / recorrente BB quanto ao invocado erro de julgamento da matéria de facto – artigo 420º, nº 1, alínea a) do CPPenal.

b) Julgar parcialmente procedentes os recursos deduzidos pelos arguidos / demandados recorrentes CC, AA, BB, DD e Centro ... e, consequentemente:

- Julgar parcialmente procedentes as impugnações amplas da decisão sobre a matéria de facto formuladas pelos arguidos / recorrentes CC, AA e DD e, em conformidade, nos termos conjugados dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), do Código de Processo Penal, modificar a decisão de primeira instância de acordo com o exposto nos itens III.2.1.5.b, III.2.1.6 e VII.1 do presente aresto.

- Revogar a decisão recorrida, absolvendo-se os arguidos da imputada prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 9 (nove) crimes de escravidão, previstos e punidos pelo art. 159º, nº1, alínea a), do Código Penal, com a responsabilização criminal da arguida pessoa coletiva a decorrer do disposto no artigo 11º, nº2, do mesmo diploma legal.

- Convolar a subsunção jurídica da factualidade provada e condenar: a arguida BB pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 30º, nº 1, e, à data dos factos, 152º, nº 1, alínea a), e, ulteriormente, 152º-A, nº 1, alínea a), todos do CPenal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 4 (quatro) anos de prisão por cada um deles; a arguida CC pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 30º, nº 1, e, à data dos factos, 152º, nº 1, alínea a), e, ulteriormente, 152º-A, nº 1, alínea a), todos do CPenal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um deles; o arguido AA pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 30º, nº 1, e, à data dos factos, 152º, nº 1, alínea a), e, ulteriormente, 152º-A, nº 1, alínea a), todos do CPenal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um deles.

- Em cúmulo jurídico das penas supra referidas condenar: a arguida BB na pena única de 5 (cinco) anos de prisão; a arguida CC na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão; o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.

- Suspender a execução da pena única de 5 anos de prisão aplicada à arguida BB e das penas únicas de 4 anos e 9 meses de prisão cominadas aos arguidos AA e CC, por igual período de tempo ao das respetivas durações, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, mediante o cumprimento das seguintes regras de conduta (artigos 50º, nºs 2 e 3 e 52º, nº 2, alíneas a) e b), ambos do CPenal):

- Proibição de os arguidos CC, BB e AA exercerem qualquer atividade relacionada com a vocação / formação religiosa de terceiros;

- Proibição de a arguida BB frequentar as instalações da F... e do Centro ....

- Condenar a entidade arguida Centro ..., ao abrigo do art. 11º, nº2, do CP, por referência à prática do sobredito crime de maus tratos em que é ofendida KK, p. e p. pelo art. 152º-A, nº1, al. a), do CPenal, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 200 (duzentos) euros, o que perfaz a quantia global de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros).

c) Declarar extinto, por prescrição, desde 13 de junho de 1996, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos pela prática sobre a ofendida HH de um crime de maus tratos, previsto e punido, à data dos factos, pelo art. 153º do Código Penal de 1982, versão originária.

d) Revogar o acórdão recorrido no que tange à decisão proferida sobre os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes EE, GG e herdeiros da ofendida MM, absolvendo-se os demandados dos respetivos petitórios.

e) Revogar o acórdão recorrido no que tange à decisão proferida de arbitrar reparações oficiosas às alegadas ofendidas FF, LL e NN.

f) Revogar a decisão recorrida quanto ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pela Assistente II, julgando-o parcialmente procedente e, em conformidade, condenar os demandados BB, CC e AA a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, desde a prolação do presente acórdão, à taxa legal anual vigente a cada momento, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

g) Absolver os demandados DD e Centro ... do pedido de indemnização civil contra si formulado pela Assistente II.

h) Revogar a decisão recorrida quanto ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pela Assistente HH, julgando-o parcialmente procedente e, em conformidade, condenar os demandados BB, CC e AA a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, desde a prolação do presente acórdão, à taxa legal anual vigente a cada momento, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

i) Absolver os demandados DD e Centro ... do pedido de indemnização civil contra si formulado pela Assistente HH.

j) Revogar a decisão recorrida quanto ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pela Assistente JJ, julgando-o parcialmente procedente e, em conformidade, condenar os demandados BB, CC e AA a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, desde a prolação do presente acórdão, à taxa legal anual vigente a cada momento, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

k) Absolver os demandados DD e Centro ... do pedido de indemnização civil contra si formulado pela Assistente HH.

l) Atribuir oficiosamente à ofendida KK, a título de reparação de prejuízos não patrimoniais sofridos, a quantia de 20.000,00 (vinte mil euros), a pagar solidariamente pelos arguidos BB, CC, AA e Centro ... - artigos 67º-A, nº 1, alínea b), 82º-A, ambos do CPPenal, e artigo 16º, nº2, da Lei nº 130/2015, de 4 de setembro.

4. Discordando deste decidido, vieram recorrer, para este Supremo Tribunal de Justiça, as Assistentes EE (doravante EE), GG (doravante GG)5, OO (doravante OO)6 e os arguidos AA e CC7, questionando o aresto prolatado, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

i) Assistentes EE e GG8

1ª- São fundamentos do presente recurso:

A) A Alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação/pronúncia de modo a considerá-los não susceptíveis de preencherem os crimes (nove) de escravidão, previstos e punidos pelo art. 159º, nº1, al. a), do Código Penal, pela prática dos quais, em co-autoria, foram condenados, mas antes, quanto aos arguidos AA, CC e BB, a prática, em co-autoria, de 4 (quatro) crimes de maus-tratos, cometidos sobre a pessoa de cada uma das ofendidas II, JJ, HH e KK, enquanto Menores, no caso das três primeiras p. e p., à data dos factos, pelo art. 152º do Código Penal de 1982, na redacção conferida pelo DL 48/95, de 15.03, e ulteriormente pelo art. 152º-A, nº1, al. a), do mesmo Código, preceito aditado pela Lei nº 59/2007, de 04.09, com entrada em vigor em 15.09.2007, e no caso da então Menor KK, previsto e punido unicamente ao abrigo deste atual regime.

B) No que tange aos factos perpetrados pelos arguidos AA, CC, BB e DD sobre as ofendidas EE, MM, FF, GG e LL, a respetiva factualidade integrar a prática de crimes únicos, de execução plúrima ou de trato sucessivo de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, nº1, e 188º, do Código Penal.

2ª- O Tribunal da Relação reapreciou expressamente os pontos 16, 18, 20 e 21, 24, 27 a 34, 44 e 45, 47, 49, 55 e 56, 63 e 64, 78 e 79, 81, 83, 85, 87, 98, 102, 105, 107, 110, 102, 123, 140, 142, 163, 181 e 183 a 190 – cf. o ponto III.2.1.5 do acórdão recorrido.

3ª- No que às assistentes/recorrentes diz respeito decidiu a 1ª Instancia julgar totalmente procedente a pronuncia e, em consequência condenou os arguidos AA, BB, CC, DD, pela prática, como co-autores de nove (9) crimes de escravidão, p. e p. pelo art. 159º/1 a), 26º, 30º/1 e 2, 14º/1, 11º/2 a) do C.P., nas pessoas das ofendidas EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM.

4ª- Já no dia 01.03.2024, após deliberação dos Juízes Desembargadores que integram o Tribunal da Relação, foi proferido o seguinte despacho [referência ...93]:

«Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 424º, nº3, do Código de Processo Penal, comunica-se à defesa dos arguidos que, em parte, na sequência de modificação da decisão da matéria de facto da primeira instância, poderá ocorrer alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação/pronúncia de modo a considerá-los não susceptíveis de preencherem os crimes (nove) de escravidão, previstos e punidos pelo art. 159º, nº1, al. a), do Código Penal, pela prática dos quais, em co-autoria, foram condenados, mas antes, quanto aos arguidos AA, CC e BB, a prática, em co-autoria, de 4 (quatro) crimes de mau-stratos, cometidos sobre a pessoa de cada uma das ofendidas II, JJ, HH e KK, enquanto Menores, no caso das três primeiras p. e p., à data dos factos, pelo art. 152º do Código Penal de 1982, na redacção conferida pelo DL 48/95, de 15.03, e ulteriormente pelo art. 152º-A, nº1, al. a), do mesmo Código, preceito aditado pela Lei nº 59/2007, de 04.09, com entrada em vigor em 15.09.2007, e no caso da então Menor KK, previsto e punido unicamente ao abrigo deste atual regime.

A responsabilização jurídico-penal do arguido Centro ..., IPSS, mantém-se reportada ao disposto no art. 11º, nº2, do Código Penal.

Sem prejuízo de eventual ocorrência de prescrição do procedimento criminal no que tange ao crime de maus tratos perpetrado sobre a então Menor HH, atenta a data dos respetivos factos.

No que tange aos factos perpetrados pelos arguidos AA, CC, BB e DD sobre as sobreditas ofendidas II, JJ e HH após a sua maioridade, outrossim sobre as ofendidas EE, MM, FF, GG e LL, comunica-se o entendimento deste tribunal ad quem de que a respetiva factualidade poderá integrar a prática de crimes únicos, de execução plúrima ou de trato sucessivo de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, nº1, e 188º, do Código Penal.

Todavia, atenta a natureza semi-pública do crime de ofensa à integridade física simples e à natureza particular do crime de injúria, o que implica, em ambos os casos, o exercício tempestivo do direito de queixa e, no segundo caso, também a dedução de acusação particular – cf. artigos 49º e 50º do Código de Processo Penal e 113º, 114º, 115º e 117º, todos do Código Penal –, adiantamos a possibilidade de faltar no caso a verificação desses pressupostos processuais, por serem extemporâneas as respectivas queixas – no caso da ofendida JJ, nem se vislumbra ter sido apresentada queixa – e inexistirem acusações particulares e, assim, se encontrar extinto o procedimento criminal por tais ilícitos criminais.”

5ª- Se o pensou, o Tribunal à quo, melhor o fez e, efectivamente, acabou por decidir a final em desfavor das assistentes recorrentes, fazendo cair todos os crimes de escravidão de que os arguidos vinham acusados.

6ª- Foi entendimento do Tribunal à quo que:

a) A matéria de facto dada como provada permite afirmar que relativamente aos factos praticados sobre todas as ofendidas na sua maioridade, em especial as aqui recorrentes GG e EE, os mesmos são susceptíveis de integrar a tipicidade objectiva de diversos crimes de injúrias e de ofensas à integridade física simples, previstos e punidos nos termos dos sobreditos normativos legais;

b) Que, a factualidade dada por provada, nomeadamente a contida nos pontos

185 a 190, não corporiza o necessário elemento subjectivo dos crimes em questão;

c) Que tal omissão é absoluta e, neste momento processual, insusceptível de ser suprida, designadamente através dos mecanismos legais previstos nos artigos 358º e 359º, ambos do CPP, onde se prevê a alteração de factos, não substancial ou substancial, respectivamente;

d) Que o crime de ofensas à integridade física simples assume, em regra e como acontece no caso vertente, natureza semi-pública, o que significa que a instauração do respectivo procedimento criminal necessita de apresentação de queixa do ofendido perante as autoridades legalmente competentes – art. 143º, nº 2, do CP;

e) Que o crime de injúria assume natureza particular, ou seja, o procedimento criminal por tal crime depende não só de queixa (tempestiva e válida) do respetivo titular, bem assim da sua constituição como assistente e dedução de acusação particular – art. 188º, nº1, e 117º, ambos do CP, e art. 50º do CPP;

f) Que nenhum dos titulares do direito de queixa constituídos nos autos como assistentes deduziu acusação particular pelos eventuais crimes de injúrias;

g) Que, no caso da ofendida EE, os factos relativos às ofensas à integridade física a que foi sujeita foram por si denunciados ao Ministério Público no dia 03.07.2015 – auto de denúncia de fls. 2 a 4 do Apenso A, tornando extemporânea a apresentação da queixa, porquanto não formulada no prazo de 6 meses a contar da data em que a ofendida teve conhecimento dos factos e dos seus autores – cf. art. 115º, nº1, do CP;

h) Relativamente à ofendida e assistente GG, concluiu também a Relação pela extemporaneidade da queixa por si formulada, uma vez que a declaração de vontade de instauração de procedimento criminal contra os arguidos (exceto a arguida CC) por ela proferida aquando da inquirição daquela como testemunha pela Polícia Judiciária sucedeu em 19.11.2015 (cf. auto de fls. 401 a 415 do Apenso A), ou seja, muito após o decurso do prazo de 6 meses sobre as condutas adoptadas pelos arguidos, incluindo por referência à prática do último dos actos ofensivos da sua integridade física – cf. art. 115º, nº1, do CP.

7ª- O Tribunal à quo conclui que, em todas as descritas situações em que está em causa a prática pelos arguidos de crimes de natureza semi-pública ou particular, faltam as condições de procedibilidade de existência de queixa tempestiva por banda dos respetivos titulares, bem assim, quanto aos crimes de injúrias, de dedução de acusação particular, pressupostos processuais que obstam ao conhecimento sobre o mérito da causa e conduzem à extinção do procedimento criminal, com o seu consequente arquivamento.

8ª- Nada mais errada concluir assim, qual milagre bíblico da transformação da água em vinho – ou mais concretamente - o contrário.

9ª- É entendimento das assistentes/recorrentes que o Tribunal à quo não julgou bem, mesmo levando em linha de conta a reapreciação da matéria de facto operada.

10ª- A matéria de facto provada e não provada nos autos é mais que suficiente para levar à condenação dos arguidos nos crimes de escravidão, nos termos constantes da acusação e pronúncia e decidido em 1ª Instância.

11ª- Estatui o art. 159º do Código Penal, na redacção introduzida pelo DL nº 48/95, de 15/03: Quem: reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo; ou alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação prevista na alínea anterior; é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

12ª- O citado preceito legal, prevendo o crime de escravidão, visou consagrar a que tal respeito se dispõe na Convenção de Genebra sobre a escravatura, assinada em 25/09/1926, pelo que o tipo legal deve ser interpretado e aplicado à luz dos conceitos e princípios constantes desse texto de Direito Internacional, conforme ditame constitucional expresso nos art.s. 8º e 29º, nº2, da Constituição da República Portuguesa. A definição de «escravatura» encontra-se vertida no art. 1º, §1, da mencionada Convenção nos seguintes termos: «o estado ou condição de um individuo sobre o qual se exercem todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade».

13ª- A proibição da escravatura está prevista em vários diplomas internacionais, nomeadamente no art. 4º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 4º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art. 8º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

14ª- Segundo a Convenção Suplementar de Genebra relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, de 1956, são condições análogas à escravidão todas as situações em que uma pessoa é reduzida à «categoria de mero objecto, coisa ou mercadoria». São elas a servidão por dívidas, a servidão da gleba, a alienação ou aquisição a qualquer título, do direito de disposição total sobre mulher ou menor. Tais estados e condutas subsumemse na descrição da alínea b) do art. 159º.

15ª- O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, I Volume, Academia das Ciências de Lisboa, 2001, Verbo, pág. 1504, atribui à palavra “escravo” os seguintes significados:

(…)

16ª- Como é referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/01/2013, Processo nº 1231/09.3JAPRT.P1 (…)

17ª- Também no aresto do Tribunal da Relação do Porto de 09.12.2015, Processo nº 9238/13.0TDPRT.P1 (…)

18ª- Com esta incriminação, o ordenamento jurídico quer reprimir a constituição ou manutenção de relações de senhorio/sujeição que, considerando a pessoa análoga a um animal ou a uma coisa, não a tratam de acordo com a sua natureza humana. Objecto da tutela é o interesse da sociedade no reconhecimento e salvaguarda da personalidade individual. Mais que a liberdade, objecto de tutela é a pessoa humana.

19ª- A condição análoga à escravidão em sentido estrito vem a ser a condição de um indivíduo que – por meio da actividade aplicada por outrem sobre a sua pessoa – se venha a encontrar (embora conservando nominalmente o status de sujeito do ordenamento jurídico) reduzido à exclusiva senhoria do agente, o qual materialmente o utiliza, apropria-se do seu rendimento, de modo similar aquele que – segundo o conhecimento histórico, reunido no actual património sócio-cultural dos membros da colectividade – o «senhor», em tempos, exercia o seu poder sobre o escravo.

20ª- Observa-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.11.2013, Processo nº 322/04.1TAMLG.P1 (…)

21ª- No sentido em que o conceito de escravidão está contido no art. 159º, al. a), do CP, contempla também os casos de servidão para a exploração do trabalho, veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.11.2014, Processo nº 978/07.3PAESP.P1 (…)

22ª- Relativamente ao tipo objectivo do crime, considera Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2008, UCE, anot. 4 ao art. 159º, págs. 428/9 (…)

23ª- Reforça ainda esta questão o acórdão do Supremo Tribunal de 06.11.2014, proferido no Processo n.º 161/05.2JAGRD.C2.S1 (…)

24ª- O elemento subjectivo do tipo é consubstanciado pelo dolo em qualquer das suas modalidades previstas no art. 14º do CP, sendo que no que respeita à conduta prevista na alínea b) não basta o dolo eventual, exigindo-se ainda um elemento subjectivo do ilícito ou dolo específico materializado na particular intenção de, pelo menos, ao apossar-se de alguém o fazer para a manter com o status de escravo.

25ª- A abominável prática da escravatura afecta sobremaneira e, frequentemente, de modo irreversível, a própria dignidade da pessoa humana, pelo que o bem jurídico protegido pela incriminação é a «dignidade ou personalidade humana individual» (cf. Taipa de Carvalho, idem, e Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in “Código Penal Anotado e Comentado”, 2ª Edição, anot. 3 ao art. 159º, p. 465; na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2017, Processo nº 355/15.2T9VFR.P1.S1 (…)

26ª- Actualmente, as formas de escravidão são mais dissimuladas (normalmente, a escravidão ocorre em espaços mais fechados como quintas nas quais os escravos dos novos tempos trabalham horas a fio sem quaisquer condições de salubridade, vendo a sua liberdade de movimentos seriamente suprimida, sendo a sua alimentação claramente deficitária), uma vez que os agentes tentam ocultar o fenómeno, a todo o custo, para fugir a responsabilidades.

27ª- A redução da pessoa humana à condição de objecto, de coisa (escravidão) é muito mais grave do que um atentado à liberdade física de movimento em que se consubstanciam o sequestro e o rapto, pois que implica e significa a negação não apenas desta espécie de liberdade ou das outras manifestações de liberdade (v.g. de decisão, de acção, sexual, religiosa, etc.) mas a negação da raiz de todas as expressões da personalidade humana, que é a dignidade humana (cf. Américo Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, Coimbra Editora, 1999, p. 422).

28ª- Constituem traços característicos da escravidão: o trabalho forçado ou obrigatório, mediante a prática ou ameaça de qualquer tipo de castigo, ainda que ab initio o trabalho resulte de burla relativa a promessa de trabalho e emprego; o exercício de um direito de propriedade sobre a pessoa escravizada por parte de outrem, recorrendo a castigos ou a ameaças da sua prática; a desumanização; e a limitação da liberdade de movimentos.

29ª- Sujeito passivo do crime de escravidão pode ser qualquer pessoa, seja homem ou mulher, adulto ou criança, imputável ou inimputável. Quanto ao grau de lesão do bem jurídico, o crime de escravidão é qualificado como um crime de dano (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in op. cit., p. 490), isto é, pressupõe a efetiva lesão do bem jurídico.

30ª- Perante a dimensão dos valores fundamentais que se visam acautelar, não se suscitam quaisquer dúvidas relativamente à gravidade do crime de escravidão, repercutida, desde logo, na moldura penal consignada no artigo 159.º do Código Penal - este crime é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, numa moldura muito próxima à prevista para o crime de homicídio.

31ª- A redução ao estado de escravidão, tratando-se de vítimas imputáveis, pressupõe, no geral, a prática de coações (físicas ou psíquicas) ou a exploração de uma dependência económica, sendo embora certo que, como se expendeu, não existe qualquer exigência típica relativamente aos meios (cfr. Américo Taipa de Carvalho in op. cit., p. 424).

32ª- Para que se preencha o crime de escravidão será necessária ainda, à partida, que este cativeiro seja acompanhado de maus tratos, físicos ou psíquicos, de ameaças, ou de limitação da liberdade de movimentos, suficientemente intensos para podermos concluir que o cerne da dignidade humana está a ser violado.

33ª- Face ao atrás referido, importa agora voltar à situação dos autos, a fim de analisar e decidir se os factos dados como demonstrados permitem a condenação dos arguidos BB, AA, CC e DD, pela prática dos nove crimes de escravidão de que se encontram pronunciados nos autos, na pessoa das vitimas, em especial as ora recorrentes.

34ª- Como vimos, na previsão normativa se pretende integrar, entre outras formas de “escravidão”, a laboral, em que a vítima seja sujeita a uma situação de servidão, sendo objecto de uma completa relação de domínio por parte dos agentes, vivenciando um permanente “regime de medo”, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho e não recebendo qualquer parte da sua retribuição. O trabalho efectuado em tal situação de servidão ter-se-á de considerar trabalho realizado em condições análogas às de escravo, em que a vítima, colocada sob o domínio do agente, é destituída de toda a dignidade inerente ao ser humano, estabelecendo-se “uma relação tal que os arguidos se apoderam totalmente da liberdade pessoal das ofendidas, ficando estas reduzidas a um estado de passividade idêntica àqueles que viviam em cativeiro.

35ª- No caso dos autos, é ostensiva essa situação de domínio sobre os agentes, que se manifesta através do desapossamento da documentação das ofendidas; esbulho do salário, com a consequente privação do mesmo por parte das vítimas; domínio do modo e horários da prestação de trabalho, que se estendiam por extensos períodos; domínio e controle contínuos da movimentação das vítimas, com confinamento a espaços, privadas de condições de higiene e com alimentação deficiente; obrigadas a dormir no exterior, com um cão doente, proibição de usar telefone e ver televisão, proibição ou restrição da sua comunicação com o exterior, nomeadamente com a família; isolamento social e geográfico; sujeição a maus-tratos físicos e psíquicos, castigos e privações, coação e ameaças; disposição das vítimas como se de “coisas” se tratasse, ao ponto de não lhes ser permitido sequer comemorar o seu aniversário.

36ª- Como vimos, quando as Assistentes e ofendidas eram angariadas para integrar a F..., muitas delas ainda menores, estavam completamente desenraizadas, longe da família, num ambiente que não era o delas – convencidas de que estavam a corresponder a um chamamento Divino e a seguir a sua vocação religiosa - sendo progressivamente conduzidas a um estado de passividade idêntico àqueles que vivem em cativeiro, sob a ameaça e a sujeição a maus-tratos, sobre as mesmas tendo sido exercida coação, ameaças e ofensas físicas e verbais tendo em vista a prática ou omissão de actos, obedecendo sempre a ordens que lhe eram dadas, e não se encontrando um único acto que se pudesse reconduzir à sua vontade.

37ª- As ofendidas foram, por isso, reduzidas à condição de escravas – escravas dos novos tempos - pois que foram obrigadas a permanecer em regime de quase cativeiro, integradas numa quinta, cujo portão não estava fechado por dentro, mas cuja saída não autorizada era fortemente punida com grandes coças que desmotivavam mesmo as mais audazes.

38ª- Por isso, os arguidos, molestaram física e psicologicamente as ofendidas, bem sabendo que algumas delas eram ainda menores, cerceando a sua liberdade, obrigando-as, por meio de agressões físicas e verbais, ameaças à sua integridade física, a sujeitar-se a trabalhos forçados e, bem assim, obrigando-as, por aqueles meios, a sujeitar-se à servidão doméstica, provocando-lhes dores, privação da liberdade, profunda tristeza, agonia, desespero e insegurança, e submetendo-as a tratamentos degradantes, desrespeitosos da sua dignidade enquanto seres humanos, da sua personalidade e auto-estima e reduzindo-as à condição de escravas.

39ª- O seu involuntário isolamento, a impossibilidade de acesso à “civilização” – impedindo o contacto com a família, o acesso a televisão e a quaisquer meios de comunicação - e ajuda que lhes permitisse sair dessa situação de aviltamento, a forma indigna como foram tratadas, traduzida, por exemplo, nas agressões físicas e verbais, castigos e privações constantes a que eram sujeitas, violam tão intensamente a dignidade da Pessoa Humana, que nos afigura adequado reconduzir a submissão do caso ao crime de escravidão, com recurso a exploração económica, por ocorrer nesta situação o nível de desumanização das vítimas que o crime de escravidão requer.

40ª- As ofendidas não tinham, pois, liberdade, estavam sujeitas à vontade dos arguidos que dela dispuseram como entenderam, sem vontade própria, não podendo decidir sobre a sua própria pessoa, foram obrigadas a trabalhar horas a fio, sem condições de higiene e alimentação deficitária, encontrando-se numa relação de domínio por parte dos arguidos, sujeitas à vontade dos arguidos, tendo-lhes sido negada a raiz de todas as formas de expressão da personalidade que é a dignidade humana.

41ª- Foram objecto de uma completa relação de domínio por parte dos arguidos, vivenciando um permanente regime de medo, não tendo disposição sobre o modo e tempo da prestação de trabalho e não receberam qualquer retribuição. As ofendidas encontravam-se privadas de qualquer tipo de património, sendo, no essencial, elas próprias, tratadas como sendo património dos exploradores.

42ª- Perante estes elementos, tem de se concluir que as ofendidas viram-se esbulhadas de toda a dignidade inerente à pessoa humana, sendo tratadas como “entes” sobre as quais podiam ser exercidas faculdades similares às do direito de propriedade sobre coisas ou animais.

43ª- Nos termos expostos, impõe-se concluir que a conduta dos arguidos preenche a tipicidade objectiva e subjectiva do art. 159º, al. a), a título de dolo directo, na pessoa de cada uma das vitimas acima identificadas.

44ª- De acordo com o art. 30º/1 do C.P. “ o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou, pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”, tendo o Tribunal de 1ª Instância decidido, e bem, que foram praticados tantos crimes quantas as vitimas que foram objecto da relação de domínio e reduzidas à condição de escravas.

45ª- Crimes que foram praticados pelos arguidos em co-autoria, nos termos do art.º 26.º, do Código Penal, dispõe, na parte que nos interessa, que “É punível como autor quem (...) tomar parte directa na (...) execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (...)”.

46ª- São pressupostos da punição a título de co-autor, de acordo com a disposição supracitada, a intervenção na fase de execução do facto e a existência de um encontro de vontades entre todos os participantes. Quanto ao primeiro pressuposto da punibilidade por co-autoria, exprime-se o mesmo pela locução “tomar parte directa na execução”, com a qual se exprime a indispensabilidade, para a punição do agente como co-autor, de que este actue na fase executiva do delito, não bastando, para tal, uma mera intervenção na fase dos actos preparatórios, ainda que se trate do “cérebro” do grupo delinquente.

47ª- Tendo presente o disposto no artigo 26º do Código Penal, que manda punir como autor quem tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro/s, para verificação de tal execução conjunta não se exige que todos os agentes intervenham em todos os actos delitivos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, destinados a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actividade de cada um dos agentes seja parcela do conjunto da acção, desde que indispensável à produção do fim e do resultado a que o acordo se destina, valendo o princípio da imputação objectiva recíproca, no sentido da imputação da totalidade do facto típico a cada um dos comparticipantes, independentemente da concreta fração do iter delitivo que cada um haja realizado.

48ª- Em suma, todos estes arguidos prestaram um contributo na fase de execução, contributo esse absolutamente essencial para a obtenção do resultado pretendido, que era a exploração laboral e doméstica das vitimas, com vista à incrementação do património do Centro ....

49ª- Quanto ao segundo pressuposto da punibilidade a título de co-autor, encontra-se este expresso na fórmula “...por acordo ou juntamente com outro ou outros...”. Pretende o legislador exprimir a necessidade de algo que unifique a actuação dos vários co-autores, para além do resultado da soma atomística dos vários contributos, afastando-se, deste modo, a punição nos termos da co-autoria de situações de autorias paralelas ou de colaboração dolosa no plano criminoso de outrem sem que este se aperceba – neste caso os demais não actuam juntamente com o colaborante, dado que nem se apercebem do seu contributo, sendo absurdo dizer que este actua juntamente com os demais, dado que não se pode dizer que uma pessoa exerce uma actividade juntamente com outra quando não pode afirmar-se o mesmo desta última em relação à primeira.

50ª- Em suma, exige-se que todos os co-autores tenham, reciprocamente, consciência e vontade de cada um dos contributos, quer seja porque preexiste um acordo expresso, nos termos do qual são repartidas as tarefas e definido o quando o onde e o como de cada contributo, quer seja porque, em momento posterior surgiu um entendimento tácito quanto à colaboração na realização do facto.

51ª- No caso dos autos, a actuação dos arguidos BB, AA, CC, DD desenrolou-se de acordo com um plano expresso ou tácito, que passava pela instrumentalização do Ideário/Carisma da F..., para angariar jovens, criando-lhes a ideia de que foram objecto de um chamamento divino, para explorarem o resultado da sua prestação de trabalho, sujeitando-as a trabalhar horas a fio, sem remuneração, através da implementação de um clima de medo e terror, implementado com recurso a agressões físicas, verbais, ameaças, castigos e privações degradantes, por forma a sujeitarem as vitimas a uma relação de domínio.

52ª- Deve-se concluir, assim, que os arguidos BB, Padre AA, CC e DD, incorreram na prática, como co-autores, de nove crimes de escravidão p. e p. pelo art. 159º/1 a) do C.P., na pessoa das ofendidas EE, FF, GG, HH, II, KK, LL, JJ e MM.

53ª- Não havendo matéria de facto ou de direito para o decidido pelo Tribunal à quo, de aplicar aos factos praticados pelos arguidos os crimes de maus-tratos e/ou injúrias e ofensas à integridade física simples, com as inerentes consequências.

54ª- Acresce ainda que, a condenação atrás referida deve ser extensível ao Centro ..., porquanto constam dos autos documentos dos quais resultam que os arguidos fazem parte do governo da fundação que é constituído pela direcção colegial e um órgão de vigilância e apoio, razão pela qual se concluí que o arguido Centro ... é dirigido pelos arguidos Padre AA, BB, CC e DD

55ª- É incontornável que os factos foram praticados quando os arguidos ocupavam uma posição de liderança no âmbito do Centro ..., sendo quem exercia o controlo da actividade deste ente e quem tinha poderes de vinculação e que os mesmos actuaram formalmente no exercício das suas funções e no âmbito da sua competência, no que ao Centro ... respeita. Ademais, os factos criminosos foram praticados pelos arguidos, no interesse do Centro ..., pois que, a exploração do resultado da prestação de trabalho das ofendidas, tinha em vista garantir a organização e funcionamento das instalações pertença do Centro ... e redundou na incrementação do património do Centro ..., na modalidade de poupança de despesa, visando produzir um beneficio para este ente colectivo.

56ª- Assim, duvidas não subsistem que o Centro ..., é também criminalmente responsável pelos nove crimes de escravidão praticados pelos arguidos BB, AA, CC e DD, pois que os aludidos crimes, foram cometidos no seu interesse directo, pelos arguidos, que ocupavam posições de liderança no âmbito do referido ente colectivo – art. 11º/2 a), 4 e 5 do C.P.

57ª- Termos em que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação deve ser revogado, repondo-se integralmente o decidido no acórdão do Tribunal da 1ª Instância, para o qual e por brevidade processual se remete, com todas as consequências legais daí decorrentes.

58ª- O Tribunal à quo violou, assim, o disposto nas normas constantes do disposto nos artigos 159º, n.º 1 alínea a), 26º, 30º, nºs 1 e 2, 14º, n.º 1, 11º, n.º 2 alínea a), todos do Código Penal.

ii) Assistente OO

1- Salvo o devido respeito por opinião contrária, ao ter absolvido os arguidos da prática do crime de escravidão perpetrado contra a ofendida MM, bem como do pedido de indemnização cível deduzido pelos respectivos herdeiros, cremos que a douto acórdão ora recorrido não procedeu a uma correcta interpretação do direito processual e substantivo aplicável à situação sub judice;

2- Cumpre-nos, no entanto e antes de mais, averiguar se o douto acórdão ora apreço padecerá da nulidade a que se alude no artº 379, nº1 al c) do CPP ( ex vi artº 425º, nº4), porquanto, tal nulidade poderá e deverá constituir fundamento para o presente recurso ( vd artº 379º, nº2 do CPP);

3- Ora, é o que sucede, cremos, no que á ofendida MM diz respeito, com a (não) convolação da subsunção jurídica da factualidade dada como provada no tipo legal de crime de maus tratos;

4- Porquanto, o douto acórdão recorrido é totalmente omisso quanto á imputação aos arguidos do crime de maus tratos no que diz á factualidade referente á ofendida MM (primeiro, previsto e punido pelo artº 153º, nº1 e 2 do CP na sua versão originária e, depois, pelo artº 152º, nº1 do CP revisto pelo DL 48/95);

5- Sendo certo que, resulta claramente da matéria de facto provada (principalmente dos respectivos itens 54, 417 e 423) que a ofendida MM «ficou progressivamente num estado depressivo profundo» que a levou ao suicídio no dia ... de ... de 2024;

6- Estado esse que, quanto a nós, cabe na previsão dos conceitos de «pessoa fraca de saúde» e de «pessoa diminuída por doença» a que se alude nos dispositivos legais citados no supra item 4;

7- Pelo que, ao não ter efectuado a referida convolação, nem ter justificado porque não a fez, o tribunal recorrido cometeu a nulidade de omissão de pronúncia a que se alude no artº 379º, nº1 c) do CPP ( ex vi artº 425º, nº4) e que, por isso, desde já, se deixa aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais;

-sem prescindir –

8- Em qualquer caso, não obstante a modificação operada na decisão sobre a matéria de facto, sempre se dirá que , salvo melhor opinião, as considerações tecidas pelo tribunal recorrida sobre a não subsunção da factualidade dada provada no tipo legal de crime de escravidão p. e p. no artº 159º do CP não colhem quanto á ofendida

MM;

9- Porquanto, resulta inequivocamente da matéria de facto dada como provada que a ofendida MM «ficou progressivamente num estado depressivo profundo» que, inclusive, a levou ao suicídio no dia ... de ... de 2024;

10- E, por isso, cremos que é manifesto que a ofendida MM estava, de facto, totalmente privada a sua liberdade e da sua capacidade de autodeterminação e completamente amputada do seu discernimento e desprovida de quaisquer direitos, de afectos e era tratada como um objecto, do qual os arguidos dispunham a seu belo prazer, desprezando totalmente os interesses e a vontade daquela;

11- E que, na verdade, devido á sua debilidade psíquica ( que os arguidos nunca cuidaram de tratar eficazmente), a ofendida MM não tinha qualquer poder de decisão sobre o seu tempo e modo de trabalho e muito menos para recusar as ordem que lhe eram dadas pelos arguidos e /ou de reagir contra os severos castigos que lhe eram infligidos;

12- Em conclusão: no caso especifico da ofendida MM os arguidos exerciam, de facto, uma completa relação de domínio sobre a mesma, toldando-lhe efectivamente o discernimento ( de tal forma grave que a levaram ao suicídio), coarctando-lhe totalmente a sua liberdade de movimentos e decisões, restringindo-lhe voluntariamente o acesso á alimentação e á higiene pessoal ( como se de um animal doméstico se tratasse), ou seja, despindo-a do mínimo de dignidade humana;

13- E, assim sendo, como de facto é, encontram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de Escravidão p. e p. pelo artº 159º do C P, bem como, todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícitos a que de alude no artº 483º do Código Civil , ou seja, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;

14- Em qualquer caso, mesmo em caso absolvição e no que diz apenas respeito á ofendida MM, sempre teria o tribunal recorrido de manter a condenação dos demandados cíveis por imperativo do artº 377º, nº 1 do CPP, porquanto, como se referiu, verificam-se in caso todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos;

15- Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre estaríamos perante um caso de responsabilidade contratual decorrente de um contrato atípico verbal ou, pelo menos, tacitamente celebrado entre a ofendida MM e os demandados cíveis com direitos e obrigações decorrentes para ambos e que estes últimos não cumpriram, devendo por isso indemnizar a ora demandante cível nos exactos termos do acórdão da 1ª instância;

16- Finalmente, no que diz respeito á absolvição do demandado Centro ... aderimos na integra á argumentação que foi aduzida na motivação do seu recurso

pelas recorrentes EE e GG;

17- porquanto, cremos também que a condenação deve ser extensível ao Centro ..., pois constam dos autos documentos donde resulta com manifesta evidência que os arguidos faziam parte da respectiva gestão, que é constituído pela direcção colegial e um órgão de vigilância e apoio, razão pela qual se concluí que o arguido Centro ... era dirigido pelos arguidos Padre AA, BB, CC e DD

18- É, por isso, incontornável que os factos foram praticados quando os arguidos ocupavam uma posição de liderança no âmbito do Centro ..., sendo eles que exerciam o controlo efectivo da actividade deste ente e quem tinha poderes de vinculação e que os mesmos actuaram formalmente no exercício das suas funções e no âmbito da sua competência, no que ao Centro ... respeita.

19- Ademais que , os factos foram praticados pelos arguidos no interesse do Centro ..., porquanto a exploração do resultado da prestação de trabalho da ofendida MM tinha em vista s e r v i r a organização e o normal funcionamento das instalações pertencentes ao Centro ... e redundou na manutenção, conservação e melhoramento do património deste e em poupança de despesa, visando produzir um beneficio para este ente colectivo;

20- Assim, duvidas não subsistem de que o Centro ..., deverá ser também criminal e civilmente responsável pelos actos praticados pelos arguidos BB, AA, CC e DD no seu interesse directo, p o i s e s t e s , ocupavam posições de liderança no âmbito do referido ente colectivo – art. 11º/2 a), 4 e5 do C.P.

21- Pelo que, ao ter decidido como decidiu, o douto acórdão recorrido violou as normas contidas nos artºs 11º. nº2, al a), 129º e 159º do Código Penal, 153º, nº1 e 2 do CP na sua versão originária, 152º, nº1 do CP revisto pelo DL 48/95, 377º, nº1 do Código de Processo Penal e 483º do Código Civil;

iii) Arguidos AA9 e CC

1. O presente recurso tem por objeto a discordância jurídica dos fundamentos da Douta Decisão expendidos no seu ponto III.2.1.11, pela prescrição do procedimento criminal atinente aos crimes de maus tratos perpetrados sobre as ofendidas JJ, II e KK.

2. Na medida em que o crime de maus-tratos passou, desde a revisão do Código Penal de 1995, a ser punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, o prazo de prescrição passou a ser de 10 anos, conforme alínea b) do n.º 1 do art.º 118.º, do C.Penal.

3. De acordo com o Despacho de Alteração Não Substancial dos Factos, proferido a 29/02/2024, sob a Ref.: ...93, e entendimento perfilhado pela aqui Recorrente, relativamente à ofendida JJ, o prazo de prescrição conta-se desde 23.07.2006 (dia da prática do último ato de execução), quanto à Ofendida II conta-se desde 10/05/2007, e relativamente à Ofendida KK desde 13/05/2009.

4. Na medida em que houve várias causas de interrupção, o prazo de prescrição de 10 anos tem como limite 15 anos, conforme n.º 3 do art.º 121.º, do C.Penal.

5. Importa verificar também se houve causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

6. Dispõe a alínea e) do n.º 1 do 120.º do C.Penal, introduzida pela Lei 19/2013 de 21/02:

“ 1- A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

“2 - A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado”

7. No entanto, a alínea supra não se aplica aos crimes em apreço, na medida em que só entrou em vigor em data posterior à prática dos factos imputados à Recorrente, porquanto a Lei que vigorava no momento era mais favorável, nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do C.Penal.

8. Na redação anterior à Lei 19/2013, prescrevia a alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º que a prescrição do procedimento criminal suspende-se, durante o tempo em que:

“O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo”

9. Assim, nos termos do art.º 120.º n.º 1, alínea b), e n.º 3, do C.Penal, o período de suspensão do procedimento criminal, devido pela notificação da acusação à Arguida/Recorrente (25/05/2019) é de apenas 50 (cinquenta) dias, em virtude da apresentação aos autos do Requerimento de Abertura de Instrução deduzido pela Arguida Centro ... (15/07/2019).

10. Entendemos que a suspensão do procedimento criminal ocorrida com a notificação da acusação termina com a abertura de instrução ou a notificação do despacho que designa dia para a audiência.

11. Deve entender-se como suspensão da prescrição do processo, o que se retira do ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, reimpressão de 2005, a pág. 711, § 1149:

“O instituto da suspensão da prescrição – uma novidade introduzida pelo artigo 119º do Código Penal de 1982 no direito penal português – radica na ideia seguindo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada a causa de suspensão – o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr (artigo 119º, nº 3)”( sublinhado nosso).

12. É na expressão “estiver pendente”, constante da actual redacção, da alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º, do C.Penal, que se concentra a controvérsia.

13. Interpretar tal expressão, dando-lhe o sentido comum, literal, da linguagem não jurídica: “Pendente” é algo que se mantém no tempo. Se assim fosse, depois da notificação da acusação, o processo mantinha-se sempre pendente, durante 3 (três) anos.

14. O processo está pendente até que haja a prática de um acto jurídico por forma a fazê-lo prosseguir o seu curso normal, de acordo com as regras processuais.

15. Causa da suspensão, é o obstáculo que impede o procedimento de continuar (“uma vez eliminado o obstáculo, o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr – art.º 119.º-3)” – conforme Prof. Figueiredo Dias, obra citada, § 1149, página 711).

16. Destarte, considerando o prazo de prescrição de 10 anos acrescido de metade (5 anos), acrescido de 50 dias, desde a prática do último facto incriminador do crime de maus-tratos perpetrado sobre a Ofendida JJ, a 23/07/2006, a prescrição do procedimento criminal instaurado contra a Recorrente pelo crime de maus-tratos, previsto e punido pelo art.º 152.º, do C.Penal na redacção então vigente, ocorreu em 11 de Setembro de 2021.

17. Sem prescindir, caso se entenda que o período de suspensão é de 3 anos, defendido pelo Acórdão Recorrido, a prescrição ocorreu em 23 de Julho de 2024 (10 anos + 5 anos + 3 anos).

18. Relativamente à Ofendida II, na medida em que a Recorrente não perfilha a interpretação que o período de suspensão é sempre de 3 anos, desde a prática do último facto incriminador do crime de maus tratos, a 10/05/2007, decorrido o prazo máximo da interrupção (10 anos) acrescido de metade (5 anos) e do período de suspensão (50 dias), temos que concluir que o procedimento criminal se encontra prescrito desde 29/06/2022, e assim deveria ter sido declarado.

19. No que diz respeito à Ofendida KK, desde a prática do último facto incriminador do crime de maus tratos, a 13/05/2009, decorrido o prazo máximo da interrupção (10 anos) acrescido de metade (5 anos) e do período de suspensão (50 dias), o procedimento criminal encontra-se prescrito desde 02/07/2024, e assim deveria ter sido declarado.

20. O n.º 4 do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa estatui que todos têm direito a que a causa em que intervenham seja objeto de discussão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

21. Ora, 10 (dez) anos é, para este concreto crime, um prazo mais que razoável para que o processo seja tramitado e julgado definitivamente. Por outro lado, diz o

22. O art.º 32.º, n.º 2 da mesma lei fundamental, diz que o arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

23. Afigura-se inconstitucional a interpretação da norma da alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º, do C.Penal, no sentido de que a partir da acusação, ou do despacho de pronúncia, a suspensão do procedimento criminal ocorre sempre pelo prazo de 3 anos, porque durante esse tempo não se verifica nenhuma causa da cessação dessa mesma suspensão.

24. A interpretação conducente com o espírito da lei é aquela em que o procedimento criminal considera-se “pendente” e, nessa medida, suspenso, se alguma causa impedir o seu normal prosseguimento, ora se o processo depois daquelas fases – notificação da acusação e do despacho de pronúncia – prosseguir, cessa a suspensão.

25. Pelo exposto, o Acordão Recorrido violou o artigo 120.º n.º 1, alínea b), e n.º 3 do C.Penal. e ainda os artigos 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2, estes da Constituição daRP

Termos em que, e nos demais de direito,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele:

Ser revogado o Acordão Recorrido e, em consequência, ser declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra a aqui Recorrente pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punido, à data dos factos, pelo art.º 152.º, e art.º 152.º-A, ambos do C.Penal, nas redacções então vigentes, e sobre:

– a Ofendida JJ, desde 11 de Setembro de 2021;

– a Ofendida II, desde 29 de Junho de 2022;

– a Ofendida KK, desde 02 de Julho de 2024.

Sem prescindir:

– a Ofendida JJ, desde 23 de Julho de 2024, se contabilizada a suspensão do procedimento criminal pelo período de 3 (três) anos, na interpretação do Acordão Recorrido.

Ser declarada a inconstitucionalidade da norma do art.º 120.º, n.º 1 alínea b) e do n.º 3, do C.Penal, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, interpretada no sentido que a suspensão do procedimento criminal ocorre sempre pelo prazo de 3 (três) anos, a contar da notificação da acusação ou da pronúncia aos arguidos, porque durante esse tempo não se verifica nenhuma causa de cessação dessa mesma suspensão.

5.O Digno Ministério Público, junto do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, respondeu aos recursos, concluindo: (transcrição)

1) Pugnam, em síntese, os recorrentes arguidos pela declaração de inconstitucionalidade do art.º 120.º, n.º b) e n.º 3, do Código Penal, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no sentido em que deve correr o prazo de três anos a contar da notificação da acusação porque durante esse prazo não ocorre qualquer circunstância que faça cessar a suspensão e, consequentemente, reclamam a declaração de extinção, por prescrição, do procedimento criminal contra si instaurado relativamente às três ofendidas, II, JJ e KK;

2) Não obstante, a solução que propugnam – ou seja, a não contagem desse prazo - é definitivamente contra legem, ou seja, não só não encontra apoio na lei, como vai contra o seu sentido e alcance.

3) Na verdade, o intérprete não pode, em face da letra da lei, ousar uma interpretação que não tenha qualquer correspondência com o seu teor e, por outro, deve admitir/presumir que o legislador adotou as soluções mais acertadas – cf. art.º 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.

4) O compromisso legal contido no referido inciso tem em vista evitar o arrastamento dos processos em tribunal, acautelando, simultaneamente, que o tempo decorrido até aí seja contabilizado para efeitos da prescrição.

5) Este sentido do preceito não contende, obviamente, com qualquer das normas constitucionais invocadas.

6) O art.º 120.º, n.ºs 1, al. b) e 2, do Código Penal estabelece um adequado equilíbrio entre a perspetiva de que o Estado não renuncia ao seu “ius puniendi” e a perspetiva de que o Estado, a partir de certa altura, reconhece que não exerceu, de forma eficaz e tempestiva, esse direito.

7) Para além do que se deixou dito, ousamos sugerir que não foi tomada em linha de conta uma nova causa de suspensão da prescrição surgida com a situação de emergência devida à pandemia.

8) Na verdade, a resposta legal dada pelo Estado nas circunstâncias de emergência que todos conhecemos não implicou a violação das expetativas comunitárias no funcionamento da justiça.

9) Tal significa, salvo melhor entendimento, que ao período de suspensão dos prazos prescricionais que vigorou durante dois períodos temporais – 74 dias e 86 dias – num total de 160 dias de suspensão, deve acrescer igual período, ou seja, mais 160 dias, o que perfaz um total de 320 dias de suspensão.

10) E, assim sendo, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos/recorrentes pela prática dos crimes de maus tratos relativamente às três ofendidas II, JJ e KK ainda não se encontra prescrito, designadamente no que tange ao crime de que foi vítima JJ e que, de acordo com a doutrina do Acórdão recorrido, seria o primeiro a prescrever - 23/07/2024 – pois que, atendendo ao que se deixou exposto, a prescrição apenas ocorrerá no mês de junho de 2025 (10 anos + 3 anos do período de suspensão + 5 anos do acréscimo de metade + 320 dias de suspensão excecional por força da pandemia).

11) Impugnam, todas as restantes recorrentes, o Acórdão recorrido no sentido da desadequação da alteração da qualificação jurídica ali operada e da absolvição dos arguidos dos nove crimes de escravidão

de que vinham condenados, devendo o Acórdão ser revogado e reposta, na sua integralidade, a decisão da primeira instância.

12) Com desacerto! Pela análise da matéria dada como provada e assente, facilmente se percebe que, no caso em apreço, não estamos perante um crime de escravidão, crime que pressupõe uma desumanização total do ser humano.

13) Na verdade, a escravidão tem que ser mais do que aquilo que ficou provado, ou seja, tem que significar “o estado de condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos e quaisquer atributos do direito de propriedade” (parágrafo 1.º da Convenção de Genebra sobre a Escravatura assinada em 25/09/1926), o que manifestamente, não está provado.

14) A Assistente OO, invoca, ainda, a nulidade do Acórdão por omissão de pronuncia quanto à não convolação dos factos imputados aos arguidos num crime de maus tratos relativamente à ofendida MM, por ter resultado assente, quanto a esta, que ficou progressivamente num estado depressivo profundo que a levou ao suicídio.

15) Erradamente, quanto a nós. Não se verifica qualquer nulidade porque o Acórdão não deixou de pronunciar-se sobre as matérias que tinha que apreciar.

16) Acresce que o estado de depressão da ofendida, já falecida, foi consequência da ação típica praticada pelos arguidos e não uma condição preexistente como exige o preceito incriminador. A MM não era uma pessoa particularmente indefesa, ficou particularmente indefesa em consequência dos factos de que terá sido vítima.

17) Por isso, também improcede a pretensão da recorrente de ver efetuada a imputação do crime de maus tratos aos arguidos relativamente a esta ofendida.

18) O Acórdão criticado pronunciou-se exaustivamente, sobre todas as questões que lhe foram colocadas e fez, no nosso entendimento, uma correta avaliação e decisão da matéria de facto à qual aplicou, de forma irrepreensível, o adequado Direito.

6. A arguida CC, respondendo aos recursos interpostos pelas Assistentes EE, GG e OO, sem apresentar quaisquer conclusões, vem defender, em síntese que deverá (…) ser negado provimentos aos recursos interpostos pelas Assistentes EE e GG, e OO em representação dos herdeiros de MM (…) e ser (…) declarado extinto, por prescrição, desde 28 de Agosto de 2022, o procedimento criminal instaurado contra os Arguidos pela alegada prática sobre a Ofendida MM JJ de um crime de maus tratos, previsto e punido, pelo art.º 152.º- A, do C.Penal.

7. Por sua vez, a entidade arguida Centro ..., respondendo aos recursos das Assistentes EE e GG e OO, concluindo: (transcrição)

1 – Nos Recursos ora em resposta, os aí Recorrentes, EE e GG e OO, procuram colocar em crise o Acórdão proferido pela Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em razão da operada alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos Arguidos na Acusação/Pronuncia de modo a considera-los não suscetíveis de preencher os 9 (nove) crimes de escravidão pelos quais aqueles vinham acusados/pronunciados e pelos quais acabaram por ser absolvidos;

2 - Solicitando a reposição integral do Acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância e, em consequência, a condenação tanto dos Arguidos (enquanto agentes singulares) como do “Centro ...” – aqui Respondente – pelos referidos 9 (nove) crimes de escravidão;

3 – Condenação que, no que à aqui Respondente diz respeito, solicitam ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do CP - por entenderem resultar dos autos documentos que demonstram que o “Centro ...” era dirigido pelos Arguidos Padre s, BB, CC e DD;

4 – Sucede que, para que a ora Respondente pudesse ser penalmente responsabilizada seria imprescindível não só demonstrar que o suposto crime foi cometido por quem nela ocupa uma posição de liderança (pressuposto formal do normativo contido no n.º 2 do artigo 11 do CP);

5 – Como também demonstrar que os seus Órgãos e/ou Representantes atuaram no seu nome e interesse;

6 – Pressupostos que não se bastam com a mera invocação de que os Arguidos atuavam no nome das duas Instituições – “F...” e “Centro ...” – mostrando-se imperativo, para efeitos de responsabilização do “Centro ...”, que ao atuar aqueles manifestassem, de forma inequívoca, a vontade da pessoa coletiva que efetivamente pretendiam vincular;

7 – Acresce que para que uma determinada Pessoa Coletiva responda pelos atos praticados pelos seus Órgãos Sociais e/ou Representantes é sempre necessário, em primeira linha, demonstrar a responsabilização daqueles enquanto agentes singulares10;

9 – Responsabilização que– salvo o devido respeito por melhor opinião – não ficou demonstrada, como, de resto, facilmente se concluiu pela simples análise da matéria de facto dada como provada, a qual é claramente insuficiente para concluir que as “vítimas” tenham sido esbulhadas de toda a dignidade inerente à pessoa humana, ao ponto de serem reduzidas a simples objetos;

10 - E muito menos concluir que o trabalho por aquelas realizada – que deve sempre ser entendido no contexto em que era praticado (no âmbito de um “convento” onde impera a máxima do “ora” e “labora”) – fosse realizado em condições análogas à de

escravo;

11 – Pelo que, só por aí já cairia a responsabilização criminal do “Centro ...”;

12 – Mas ainda que assim não fosse, sempre aquela estaria dependente do preenchimento e verificação dos pressupostos materiais da norma contida no n.º 2 do artigo 11.º do CP, ou seja, da demonstração de que os seus órgãos e/ou Representantes Legais agiram em seu nome e no seu interesse;

13 - Ora, para que se entenda que o agente atua em nome da Pessoa Coletiva é necessário que aquele “atue formalmente no exercício das suas funções e no âmbito das suas competências”, ou seja, é necessário que aquele pratique um ato funcional – vide Germano Marques da Silva in “Responsabilidade Penal das Sociedades” – pág. 248 e ss;

14 – Sendo que, fora do referido âmbito funcional, os atos praticados pelos agentes singulares são, quando muito, atos pessoais, não tendo a virtualidade de vincular a pessoa coletiva;

15 - Tendo por base tal pressuposto, basta debruçarmo-nos sobre o ponto 19 da matéria de facto dada como provada – a qual descreve as funções nas quais os Arguidos (agentes singulares) se encontravam investidos quando praticaram os atos aqui em destaque - para perceber que essas nenhuma ligação têm com os cargos que aqueles ocupam no “Centro ...”, tratando-se de funções claramente associadas à “Comunidade Religiosa” da qual os mesmos faziam parte;

16 – Atentemos a esse propósito, designadamente, nas funções em que a principal Arguida dos Autos - BB - se encontrava investida aquando da prática dos atos aqui em apreço: responsável por dirigir as tarefas da “F...” e a orientação vocacional das Consagradas;

17 – Funções que, à semelhança das desempenhadas pelos demais Arguidos, estão claramente relacionadas com a atividade desenvolvida não pelo “Centro ...” - a qual, de resto, era inexistente – mas com a atividade desenvolvida pela “F...”, em nome da qual a redita Arguida dirigia as correspondentes tarefas e a Arguida CC, designadamente, a tipografia;

18 – Refira-se que ainda que se equacionasse, como os Recorrentes invocam e defendem, que o “Centro ...” foi constituído para servir de suporte jurídico à atividade económica da “F...” – o que, de resto, não ficou demonstrado;

19 – Seria sempre imperativo – até porque, como melhor resulta da matéria de facto dada como provada, aquelas duas Instituição eram autónomas e distintas entre si – demonstrar que os Arguidos (agentes singulares) atuaram de molde a vincular o “Centro ...”, manifestando (de forma inequívoca) a vontade deste último e não da “F...” - o que, salvaguardando uma vez mais o devido respeito por melhor opinião, não ficou provado; -

20 – De facto (e em bom rigor) a única ligação do “Centro ...” com a “F...” prende-se com o facto daquele ser proprietário dos imóveis onde aquela tem a respetiva sede, imóveis que lhe servem de instalações e onde a mesma desenvolve toda a sua atividade (incluindo a atividade de tipografia, as atividades religiosas e a preparação das atividades de evangelização junto aos Estabelecimentos Prisionais de Portugal);

21 – O que nos permite contextualizar a referida relação como uma típica relação de usufruto ou comodato, pois que apesar dos imóveis serem do “Centro ...”, quem efetivamente os fruía e neles desenvolvia toda a sua atividade era a “F...”, mantendo-se o “Centro” totalmente inativo (tendo, apenas, existência formal);

22 – Daí no ponto 186 da matéria de facto dada como provada se concluir que os trabalhos desenvolvidos pelas Assistentes/Ofendidas visavam o normal funcionamento da “F...” e não do “Centro ...”;

23 - Pelo que a ter daí decorrido uma qualquer vantagem económica na modalidade de poupança de despesas essa beneficiou, não o “Centro ...”, mas a “F...”, já que era essa quem, efetivamente, fruía o espaço;

24 – Refira-se que o espaço em questão era conhecido por “Convento de ...” e não por “Centro ...” o que confirma e demonstra a sua total conexão com a “obra” da F...;

25 – Circunstância que associada a todas as demais acima explanadas demonstram que toda a atuação dos Arguidos (agentes singulares) foi perpetrada não em nome e no interesse do “Centro ...”, mas em nome e no interesse da “F...”;

26 – Saliente-se a este propósito que, tal como a ora Respondente fez questão de salientar em sede de Recurso, o grande móbil para a suposta “angariação” das Assistentes/Ofendidas, não era (nem nunca foi) o alegado incremento patrimonial do “Centro ...” - que à data de entrada de algumas das Ofendidas - como a Ofendida MM e a Ofendida NN que ingressaram na obra na década de 70 - ainda nem sequer existia;

27 – Mas a fixação do número mínimo de elementos para que a “F...” – que não passava de uma simples “Associação de Fiéis” e, enquanto tal, não podia obter a validação episcopal dos “votos” necessários à consagração dos respetivos Membros - fosse reconhecida como “Ordem Religiosa”;

28 - O que igualmente confirma que, a ter existido alguma “angariação”, os Arguidos (Agentes Singulares) agiam não no interesse do “Centro ...” – cujo cariz era meramente social - mas da “F...”;

29 - Circunstâncias que somadas a todas as demais acima expendidas, por colocarem em evidência o não preenchimento dos pressupostos a que alude a norma contida no n.º 2 do artigo 11.º do CP, afastam a responsabilização criminal da aqui Respondente e determinam a improcedência do pedido formulado pelos Recorrentes nesse sentido.

8. Entretanto, por despacho proferido em 20 de janeiro de 2025, antes da remessa dos autos a este STJ, foi declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido AA, em virtude do óbito deste – cf. Referência Citius ...34 -, sendo que na sequência da notificação do despacho em questão, a Assistente OO veio apresentar requerimento onde (…) tendo sido notificada do douto despacho de 20/01/2025 e não obstante o óbito do arguido/demandado AA, vem requerer (…) o prosseguimento dos presentes autos também quanto ao falecido no que ao pedido de indemnização cível diz respeito11.

9. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)12

(…)

Suscita-se a questão prévia da irrecorribilidade da decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, afigurando-se deverem ser rejeitados os recursos, no que à parte criminal concerne, como a seguir se analisará.

Como já se referiu, o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão ora objecto de recurso para este Supremo Tribunal, condenou a arguida BB pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 30.º, n.º 1, e, à data dos factos, 152.º, n.º 1, alínea a), e, ulteriormente, 152.º-A, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 4 (quatro) anos de prisão, por cada um deles; condenou a arguida CC pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 30.º, n.º 1, e, à data dos factos, 152.º, n.º 1, alínea a), e, ulteriormente, 152.º-A, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada um deles, e condenou o arguido AA pela prática, em coautoria e em concurso efetivo, de 3 (três) crimes de maus-tratos, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 30.º, n.º 1, e, à data dos factos, 152.º, n.º 1, alínea a), e, ulteriormente, 152.º-A, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, cometidos sobre as ofendidas II, JJ e KK, enquanto menores de idade, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada um deles.

Em cúmulo jurídico das penas acabadas de referir resultaram condenadas as arguidas BB na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, e CC na pena única de 4 (quatro anos e 9 (nove) meses de prisão e o arguido AA na pena única de 4 (quatro anos e 9 (nove) meses de prisão, qualquer destas penas únicas suspensa na sua execução por igual período de tempo ao das respetivas durações, mediante o cumprimento das seguintes regras de conduta:

- Proibição de os arguidos CC, BB e AA exercerem qualquer atividade relacionada com a vocação/formação religiosa de terceiros;

- Proibição de a arguida BB frequentar as instalações da F... e do Centro ....

Já o arguido Centro ..., ao abrigo do artigo 11.º, n.º 2, do CP, por referência à prática do sobredito crime de maus tratos em que é ofendida KK, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, foi condenado na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 200 (duzentos) euros, o que perfaz a quantia global de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros).

Como se vê, nenhuma das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, parcelares e únicas, excedem os 5 anos de prisão, foram ademais suspensas na sua execução todas elas, e a pena aplicada ao recorrente Centro ... foi a de multa.

Ora, dispõe o artigo 432.º do C.P.P., com a epígrafe Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e no que ora releva:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

(…)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

(…)

Por seu turno, o artigo 400.º do C.P.P., estabelece o seguinte regime relativo a decisões que não admitem recurso, sua epígrafe, também no que ora importa considerar:

1 - Não é admissível recurso:

(…)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…)

Daqui resulta, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que os poderes de cognição do nosso mais Alto Tribunal estão, nos casos das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P., delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação.

No caso da alínea e), se a pena aplicada não for superior a 5 anos, ou se se tratar de pena não privativa de liberdade, não é admissível recurso, a menos que se trate de caso em que tenha havido decisão absolutória em 1ª instância.

No caso da alínea f), não é admissível recurso se ocorrer uma situação de verificação de dupla conforme, isto é, se as penas aplicadas, em confirmação da decisão da 1ª instância, não forem superiores a 8 anos de prisão.

Da conjugação das referidas disposições resulta, assim, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso da prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.

Na situação dos autos, verifica-se a causa de irrecorribilidade da decisão prevista no artigo 400.º n.º 1, alínea e), do C.P.P., que estabelece não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”.

In casu, não ocorre a excepção prevista na parte final deste preceito legal já que qualquer dos arguidos foi condenado em 1ª Instância, sendo que nenhuma das penas aplicadas excede os 5 anos de prisão, sendo ademais não privativas de liberdade.

O regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República (C.R.P.), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais).

O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

E a irrecorribilidade da decisão abrange toda a matéria que se prenda com as infracções penais em causa, “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.”

É basta a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que consagra tal entendimento, de forma pacífica e reiterada ao longo do tempo.

Considere-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão de 16-12-2021 (Processo n.º 321/19.9JAPDL.L2.S1):

(…)

Resultam claras, afigura-se, as razões legais que impedem o conhecimento dos recursos interpostos para este Supremo Tribunal pela arguida CC e pelas assistentes EE, GG e OO, relativamente às condenações pelos assinalados crimes nas apontadas penas parcelares, e, também, porque é que a sua insubsistência não atenta contra qualquer garantia constitucional que lhes fosse devida , sendo que a circunstância de os mesmos terem sido admitidos não obsta a tal desfecho, já que de acordo com a norma do n.º 3 do artigo 414.º do C.P.P., “a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”.

(…)

Assim, só a impugnação da decisão proferida em sede de indemnização civil será passível de apreciação e decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos nos números 2 e 3 do artigo 400.º do C.P.P.

Ora, a este respeito, competindo a composição do litígio aos interessados, por intermédio dos respectivos mandatários judiciais, não há lugar à intervenção processual do Ministério Público, por não lhe assistir legitimidade para o efeito nem ter interesse em agir.

(…)

Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de os recursos interpostos pela arguida CC e pelas assistentes EE, GG e OO deverem ser rejeitados, por inadmissibilidade legal, nos sobreditos termos (na parte criminal), em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do C.P.P.

Não foi apresentada qualquer resposta a este Parecer.

10. Os arguidos recorrentes, peticionaram a realização de audiência, a qual de acordo com o despacho proferido nos autos em 24 de fevereiro de 2025 – cf. Referência Citius ...74 – e pelos fundamentos do mesmo constantes foi indeferida.

11. Convidada a arguida recorrente CC a corrigir o seu articulado recursivo por forma a que o mesmo contivesse conclusões, em respeito ao que estatui o disposto no artigo 417º, nº 3 do CPPenal, veio a mesma apresentar requerimento cumprindo o determinado – cf. Referência Citius ...24 -, tal como se retira do atrás enunciado.

12. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 199513, bem como a doutrina dominante14, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir15.

Isto posto, e vistas as conclusões dos instrumentos recursivos trazidos pelas Assistentes e arguidos recorrentes, considerando uma ordem preclusiva, e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir, as seguintes questões:

i) Assistentes EE e GG

- admissibilidade recursiva e sua dimensão;

- qualificação jurídica dos factos provados, praticados pelos arguidos, e se estes preenchem a tipicidade objetiva e subjetiva do crime de escravidão, p. e p. pelo artigo 159º do CPenal;

- atuação dos arguidos em coautoria;

- responsabilidade criminal da arguida Centro ..., pela prática do referido ilícito.

ii) Assistente OO

- admissibilidade recursiva e sua dimensão;

- nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPPenal;

- qualificação jurídica dos factos provados, praticados pelos arguidos, e se estes preenchem a tipicidade objetiva e subjetiva do crime de escravidão, p. e p. pelo artigo 159º do CPenal, relativamente à ofendida MM;

- condenação dos demandados no pedido de indemnização civil, por se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º do CCivil;

- subsidiariamente, condenação dos demandados no pedido de indemnização civil, por responsabilidade civil contratual;

- responsabilidade criminal e civil da arguida Centro ...;

iii) Arguida CC

- prescrição do procedimento criminal instaurado contra a Recorrente pela prática do crime de maus tratos sobre as ofendidas JJ, II e KK;

- inconstitucionalidade da norma do artigo 120º, nº, 1 alínea b) e do nº 3, do CPenal.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição16)

A matéria de facto provada é a seguinte:

2.1.a) Factos provados oriundos da Acusação Publica/Pronúncia:

1. A arguida Centro ... é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), criada por iniciativa da P..., denominada “F...”, esta ultima, ereta por decreto de 24 de Janeiro de 1978, emitido por D. PP, com sede provisória no lugar e Santuário do ... e, mais tarde, com sede definitiva na Rua do ..., em ....

2. A arguida Centro ..., por seu turno, foi ereta como pessoa jurídica canónica em 22 de Agosto de 1985 e constituída como IPSS em 05 de Dezembro de 1985.

3. Resulta do texto dos Estatutos originários do Centro ..., de 22 de agosto de 1985, que:

“Art. 1 – O Centro ..., é uma fundação de solidariedade social, criada por iniciativa da P..., denominada “F...”. O Centro tem a sua sede em ....

Art. 2 – O Centro ... tem por objetivos principais o apoio a adolescentes e jovens, apoio ás famílias, apoio à integração social e comunitária e a educação e formação profissional dos cidadãos, com espirito cristão. Como objetivos secundários, desenvolve atividades de orientação para pais, professores e demais responsáveis pela juventude, de formação destes responsáveis, através dos principais meios de comunicação social, como a imprensa, o cinema, o teatro e sessões culturais – poesia e musica. (…)”.

4. A arguida, desde a sua constituição, tem a sua sede na Rua do ..., em ....

5. Por Decreto datado de 3 de Junho de 2014, emitido pela competente Autoridade Eclesiástica Diocesana, foram aprovados os novos Estatutos da F..., bem como foi proferido o despacho que os aprovou.

6. Nessa mesma data, foi emitida a Provisão dos seus corpos gerentes, nos termos que constam da Ata nº 4, datada de 22 de Maio de 2014:

Assembleia Geral:

-Presidente: Irmã HH;

- Secretaria: irmã EE;

- 2º Secretária: Irmã GG;

Direção:

Presidente: Irmã CC;

Secretária: irmã BB;

Tesoureira: DD;

Órgão Assessor ( “Conselho de Assistência”)

Presidente: QQ – Advogada;

Vogais: RR – TOC

SS – Oficial de Justiça,

7. Dos Estatutos revistos da F..., aprovados em 3 de Junho de 2014, consta:

- art. 1º: “ A F..., nasceu como P...-

- Art. 2º: A F... é uma Associação Pública de Fieis, ereta em pessoa jurídica canónica pela Autoridade competente, com Estatutos aprovados em 24 de Janeiro de 1978;

- Art. 4º: Os objetivos da F... são:

Consagrar-se totalmente, no ser e no ter, aos jovens como principal e fundamental meio de apostolado.

Dedicar-se a uma vida de piedade, intimidade e amizade com Deus, através da oração e testemunho de espirito, num carisma de fraternidade contemplativa na ação;

A salvação do Mundo Jovem pela conversão e orientação para cristo, ajudando a descobrir e viver a extraordinária riqueza da sua vocação cristã, em qualquer dos estados de vida ou perfeição cristã.

Consagrar-se a um verdadeiro movimento de conversão cristã dos jovens, desejando corresponder a um generoso primeiro passo, na sua consciente e cada vez mais crescente realização cristã, por uma vida apostólica incarnada e vivida no seu meio ambiente próprio, tanto familiar, como social, religioso e vocacional, através das suas atividades próprias.

Assumir a vida contemplativa como expressão máxima da consagração, tendo apenas como intenção fiel a salvação dos jovens;

Manter atividade própria e especifica: organização e realização de cursos especializados ( cursos de conversão, cursos de orientação para a vida), convívios de oração, intimidades, Betânias, sessões culturais ou artísticas.

Realizar edições de carater formativo e informativo sem fins lucrativos;

Visitar todas as cadeias de Portugal, em espirito de missão evangelizadora, dando apoio aos mais carenciados sobretudo os jovens vitimas do flagelo da droga;

zelar pelo património da instituição;

Art. 14: Os membros dos corpos gerentes são responsáveis perante a lei eclesiástica e estatal, civil e criminalmente, pelas faltas ou irregularidade cometidas no exercício do mandato

(…)”

8. À F..., foi atribuído o número de identificação de pessoa coletiva canónica nº ...10;

9. Segundo consta da credencial datada de 27 de Janeiro de 2015, emitida pelo Cónego Dr. TT, as Edições ... e ... são pertença da F....

10. Era a F..., principalmente através dos arguidos AA e CC quem desenvolvia um trabalho de evangelização dos reclusos junto dos estabelecimentos prisionais de Portugal.

11. Por seu turno, por Decreto de 25/11/2014 e despacho da mesma data, foram aprovados os novos Estatutos do Centro ..., tendo sido emitida a provisão de corpos gerentes que nomeia:

Direção:

Presidente: Irª CC;

Secretária: Irª BB;

Tesoureira: Irª DD;

Conselho Fiscal:

Presidente: Dr. UU;

Vogais: Eng. VV;

WW;

Órgão de Vigilância:

P.e AA.

12. Dos novos estatutos do Centro ... consta:

“- Art. 2 – O centro ... é uma fundação ereta em pessoa jurídica canónica publica por decreto da autoridade competente, em 22 de agosto de 1985.

O Centro, segundo o D.L. nº 119/83, fica integrado na ordem civil como Instituição Particular de Solidariedade social (IPSS).

- (…)

- Art. 4 – O Centro ... em por objetivo o apoio:

- a adolescentes e jovens;

- às famílias;

- à integração social e comunitária;

- á educação e formação profissional dos cidadãos com espirito cristão.

Como objetivos secundários, o centro desenvolve atividades:

- de orientação para pais, professores e demais responsáveis pela juventude;

- de formação destes responsáveis através dos principais meios de comunicação social (imprensa, cinema, teatro, sessões culturais, poesia e musica).

No exercício destas atividades, o Centro terá sempre presente.

- o conceito unitário e global da pessoa humana e respeito pela sua dignidade;

- o aperfeiçoamento cultural, espiritual e moral de todos os participantes;

- o espirito de convivência e de solidariedade social como fator decisivo de trabalho comum, tendente à valorização integral dos indivíduos, das famílias e demais agrupamentos;

- que é um serviço da Igreja, devendo assim proporcionar, com respeito pela liberdade de consciência, formação cristã aos seus utentes e não permitir qualquer atividade de se oponha aos princípios cristãos.

- o centro procurará dar resposta a todas as forma de pobreza exercendo assim a sua finalidade sócio-caritativa.

Art. 5 – Para a realização dos seus objetivos, o Centro Mantém uma atividade de tipografia sem fins lucrativos, que produz publicações para a atividade de evangelização do mundo juvenil.

Na medida em que a prática o aconselhe e os meios disponíveis o permitam, o Centro procurará exercer outras atividades de caracter sócio cultural, educativo, recreativo, de assistência, de saúde e de atendimento/acompanhamento social, e designadamente:

- a promoção do culto mariano, fomentando assim um verdadeiro Movimento de Conversão Cristã dos Jovens;

- a organização e realização de cursos especializados (cursos de conversão, cursos de orientação para a vida), convívios, sessões culturais ou artísticas;

- evangelização dos presos nas cadeias.

(…)

Art. 17º - Os membros dos órgãos de gestão são responsáveis perante a lei eclesiástica e estatal, civil e criminal, pelas faltas ou irregularidades cometidas no exercício do mandato.

(…)”

13. Apesar do que consta dos Estatutos do Centro ..., na prática, ele foi criado pelos arguidos, para ser o suporte jurídico da atividade económica levada a cabo pela F..., para ser recetora de financiamentos para a obra desenvolvida pela F... e para absorver todo o património gerado por esta.

14. Encontra-se descrita na CRP de ..., sob as descrições nº ... e ..., a aquisição por parte do Centro ..., Fundação de Solidariedade Social, de dois terrenos rústicos respetivamente com a área de 30 700 m2 e 7200 m2, inexistindo quaisquer ónus registados sobre os aludidos imoveis e, que se encontram inscritos em nome do Centro ..., na respetiva matiz, a propriedade de três prédios rústicos ( nº ..., ... e ...) sitos na freguesia de ..., bem como o registo provisório da propriedade do artigo Urbano nº ..., inscrito oficiosamente pelo serviço de Finanças por se encontrar omisso na matriz;

15. A instalação que constituí a sede, quer da F..., quer do Centro ... é constituída por mais de 20 compartimentos, possui 8 quartos, uma Capela, uma tipografia, uma sala denominada de “Rosa Mística”, a Capela denominada de “Capela da Clausura”, composto por várias bouças, com 4800 m2, 7200 m2 e 30.700m2 e um jardim.

16. Porém, nenhuma das pessoas jurídicas canónicas atrás mencionadas é considerada uma congregação religiosa, mas apenas associação pública de fiéis e Fundação, respetivamente, ambas geridas pelos arguidos AA, BB e CC, à margem da igreja Católica, pelo menos até 2014.17

17. Apesar de se apelidarem como “irmãs”, de envergarem o hábito, as arguidas, na realidade não são freiras pois não têm votos reconhecidos pela igreja Católica.

18. Desde a constituição da arguida e até ao dia 12 de Janeiro de 2016, os arguidos AA e CC foram os representantes legais e de facto da IPSS, bem como da F..., aos quais competia gerir entre si toda atividade das instituições, conjuntamente com a arguida BB, desde a organização, planeamento e atribuição de tarefas até às exigências “espirituais” que impunham18.

19. Cada um dos arguidos tinham as suas próprias funções, ao arguido AA competia direção espiritual da obra, com supremacia sobre os

demais, à arguida CC a gestão financeira, administrativa e tinha a seu cargo a tipografia, à arguida DD auxiliar nas tarefas e à arguida BB dirigir as tarefas da F... e a orientação vocacional das “consagradas”.

20. Assim, os arguidos AA, BB e CC, desde a constituição do Centro ... (IPSS) e da F... e início das respectivas funções, em conjugação de esforços e vontades, resolveram servir-se do Carisma/Ideário da F... para angariar jovens tementes a Deus e convencidas da sua vocação religiosa para ali exercerem tal vocação e, entre o mais, executarem tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações propriedade do Centro ..., sem qualquer contrapartida financeira, mediante a adoção das condutas a que se alude no ponto 2419.

21. Os arguidos AA, CC e BB tinham como alvos jovens com pretensões a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus20.

22. Deste modo, conforme plano previamente por todos gizado, sempre que jovens com o referido perfil visitavam as instalações da arguida ou aí permaneciam por alguns dias para auxiliar em tarefas da F..., em regime de voluntariado, os arguidos afirmavam que tinham sido escolhidas por Deus, convencendo-as que deviam escolher a vida religiosa, pois que caso negassem as suas vocações daí advinham castigos “divinos”, problemas familiares, mortes na família.

23. Mais lhes transmitiam que se fossem infiéis a Deus tal traria igualmente consequências para a eternidade.

24. No período temporal desde pelo menos 05 de Dezembro de 1985 até ao início do ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em conjugação de esforços e vontades, puseram em concretização o esquema previamente delineado e, individualmente e em conjunto, no interior das instalações da arguida, perpetraram sobre jovens que angariavam e aí residentes os comportamentos descritos nos pontos 50 a 18421.

25. Tais atuações visaram várias jovens que permaneceram acolhidas na F..., por períodos longos e outras mais curtos, jovens essas que aí ingressaram com o objetivo de seguirem uma vida religiosa.

26. Assim tais condutas foram perpetradas contra, além de outras, com as seguintes ofendidas:

• MM (que ingressou na F... desde data não concretamente apurada até ao dia .../.../2004);

• HH (que que ingressou na F... em 1990 com 15 anos de idade e aí permaneceu até ao dia 18 de Novembro de 2015) – onde esteve durante 25 anos;

• GG (que que ingressou na F... em 24 de Março de 2005 e saiu no dia 18 de Novembro de 2015), onde esteve durante 10 anos, 7 meses e 25 dias;

• EE (que que ingressou na F... no dia 04 de Abril de 2004 com 20 anos de idade e saiu no dia 18 de Novembro de 2015), onde esteve durante 10 anos, 9 meses e 17 dias;

• II (conhecida por XX que que ingressou na F... em Agosto de 2004, com 15 anos de idade, e fugiu no dia 21 de Novembro de 2013), onde esteve durante 9 anos e 3 meses;

• LL (que que ingressou na F... no ano de 2012, com 19 anos de idade e saiu no dia 08 de Dezembro de 2013), onde esteve durante cerca de um ano;

• FF (que que ingressou na F... em 21 de Outubro de 2013, com 22 anos de idade, e saiu no dia 16 de Maio de 2015), onde esteve durante um ano e sete meses;

• JJ (que que ingressou na F... em Abril de 2005, com 16 anos de idade, e saiu no dia 06 de Janeiro de 2007), onde esteve durante um ano e oito meses;

• KK (que que ingressou na F... em Junho de 2008, com 14 anos de idade e saiu em 13 de Maio de 2009), onde esteve durante quase um ano;

27.. Para prosseguir com os seus objetivos os arguidos AA, CC e BB, principalmente a arguida BB agrediam fisicamente as ofendidas, desferindo nas ofendidas bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelo, pancadas com enxadas, ancinho, ferros, mangueira, paus, vassouras, chinelos, sapatos e com um chicote com corda – designado como disciplina – obrigando-as, por vezes, a agredirem-se mutuamente com o referido chicote, mas sempre com o conhecimento e acordo dos demais arguidos, tendo a arguida DD agido, por si, nos termos plasmados nos pontos 58, 129 e 130 dos factos provados22.

28. No referido período temporal mencionado em 26), principalmente a arguida BB, com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC impunham ainda castigos nas ofendidas que consistiam em:

Proibição de tomarem o pequeno-almoço;

Proibição de tomarem banho durante vários dias e até semanas;

Proibição de beberem água durante todo o dia no verão quanto estavam a trabalhar ao sol durante várias horas

Proibição de usarem roupa interior durante vários dias e mesmo semanas, factos que ocorreu por diversas vezes

Obrigação de se despirem e de permanecerem nuas em frente umas das outras na capela da clausura

Obrigação de se despirem e permanecerem deitadas nuas no jardim da instituição

Obrigação de dormirem no chão durante várias noites e, por vezes, meses, na companhia de um cão, mesmo encontrando-se doentes

Obrigação de permanecerem de joelhos com as mãos debaixo dos mesmos ou com os braços esticados em cruz ao lado do tronco durante várias horas;

Obrigação de permanecerem fechadas numa determinada dependência

Obrigação de se autoflagelarem com recurso ao referido chicote, muitas vezes em frente das restantes ofendidas

Obrigação de andarem com os objetos que partiam junto de si, atados à cintura, durante todo o dia

Obrigação de transmitirem recados a todas as demais ofendidas e que consistiam no que se tinham esquecido ou que haviam feito mal

Obrigação de dormir com um saco de garrafas vazias a servir de almofada durante vários meses e de dormir com um saco de folhas de magnólia a servir de almofada durante 15 dias

Obrigação de andar todo o dia com um saco plástico na cabeça a substituir o lenço

Obrigação de andar um dia inteiro com dejetos de cão no bolso da bata

Obrigação de jantar de joelhos no chão e com o prato em cima da mesa

Obrigação de rezarem o terço às 03h00 da madrugada no interior do quarto de banho de joelhos e ao frio23.

29. No referido período temporal mencionado em 26), em particular a Arguida BB e o arguido AA, pontualmente a arguida CC, mas sempre com o conhecimento de todos, com excepção da Arguida DD que agiu, por si nos termos plasmados nos pontos 112., 181. e 183. dos factos provados, proferiam insultos e agressões verbais tais como:

São um monte de carne

São um monte de sexo

São umas inúteis

São um monte de esterco

São umas porcas

São umas mentirosas

São um monte de merda

São umas sujas

Vocês não fazem falta nenhuma

Vocês não têm educação nenhuma

Vocês não têm família

Caras de cú

Filhas da puta

A tua mãe é um monstro

Só ficava satisfeita se um boi de cobrição vos fodesse24

30. No período temporal aludido em 26, principalmente a arguida BB, mas sempre com o conhecimento e anuência dos demais arguidos AA e CC:

privaram as vítimas de cuidados médicos e medicamentosos, os quais praticamente não existiam, mesmo quando eram agredidas e ficavam com feridas sangrantes tinham que se tratar sozinhas e às escondidas, chegando mesmo a colocar terra para assim as estancarem;

privavam as ofendidas de cuidados de higiene, apenas lhes permitindo um banho semanal, num período de 15 minutos para todas, a quem era permitido fazê-lo, sendo que muitas vezes os castigos passavam pela privação deste banho;

privavam as ofendidas de alimentação, que, já era em pouca quantidade atenta a carga de trabalho e horas a que estavam sujeitas, sendo que muitos dos castigos passavam também pela privação da alimentação, estando as vítimas ainda sujeitas a dois dias semanais de jejum, às quartas e sextas;

privavam as ofendidas das visitas aos seus familiares, visitas essas que apenas ocorriam nos dias de convívios mensais da instituição (segundo domingo de cada mês), alturas em que apenas podiam permanecer com os familiares que aí se deslocavam cerca de 30 minutos a 1h00 e quase sempre acompanhadas por uma das arguidas, sendo que as visitas fora destes dias não eram bem aceites e mesmo que solicitadas muitas vezes não ocorriam dando os arguidos

justificações infundadas aos familiares, sendo que as deslocações à casa da família não eram permitidas e apenas ocorreram após a saída da ofendida II, em Novembro de 2015, por ter denunciado tal facto às entidades eclesiásticas;

privavam as ofendidas de outros tipos de contacto com os familiares, não lhes sendo permitido o uso de telefone da instituição sem autorização expressa (sendo que se fossem apanhadas a usá-lo eram sujeitas a castigos físicos e verbais) e as cartas que escreviam eram sempre sujeitas a leitura prévia por parte da arguida BB;

privavam as ofendidas de acesso a informação, não lhes sendo permitido ver televisão, nem sequer os noticiários, nunca lhes tendo sido ministrada qualquer informação eclesiástica ou académica adequada;

privavam as ofendidas dos seus documentos pessoais e de identificação, sendo que os documentos de todas elas permaneceram sempre na posse dos arguidos, concretamente, da arguida BB e CC25;

31. No que concerne ao plano espiritual os arguidos AA, BB e CC, aproveitando-se da fé das ofendidas, apresentavam-lhes um Deus como alguém que castiga, oprime e envia para o inferno impondo, em consequência, um rigor espiritual opressivo sobre as mesmas para que elas, aterrorizadas, lhes devessem total obediência, tornando o seu plano mais eficaz26.

32. Para as pressionar a permanecer na F..., a arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, aos Domingos com recurso à leitura de uns livros, relatava passagens de pessoas que tinham saído de conventos e que passado pouco tempo tinham sido condenadas referindo que “tinham acontecido desgraças”, tendo a arguida DD agido, por si, nos termos plasmados no ponto 83. dos factos provados27.

33. E, através do identificado esquema, logravam os arguidos AA, BB e CC impor às ofendidas jornadas diárias de trabalho que chegavam a atingir as 14 horas e que compreendiam a limpeza de toda a casa e divisões que compunham a propriedade do Centro ..., fazer as refeições, tratar de todos os jardins, cuidar dos animais, carregarem esteios, carregarem lenha, carregarem tratores de estrume, lixarem e envernizarem as madeiras, executarem pinturas exteriores, carregarem pedras, construírem muros, substituírem pedras da calçada, cortar o mato, queimar e apanhar folhas e fitas, apanhar pinhas, arrancar silvas, trabalhar na tipografia, imprimindo livros, revistas folhetos, calendários, posters, estampas e postais, tratar dos aviários, entre outras28.

34. As tarefas que eram obrigadas a executar eram impostas às ofendidas, principalmente pela arguida BB, com o conhecimento dos demais arguidos e anuência dos AA e CC, de forma aleatória pelo período de uma semana de acordo com a conveniência dos arguidos BB, AA e CC e após trocavam de tarefas29.

35. As ofendidas levantavam-se entre 06h30/6h45, acendiam as capelas e reuniam-se todas na Capela da Clausura, local onde rezavam o terço, depois o ofício litúrgico.

36. Depois, pelas 8h00 tomavam o pequeno-almoço e regressavam à Capela para a “adoração do evangelho” pelas 8h45 rezavam novamente o terço, assistiam à missa, realizavam a “Adoração do Santíssimo” até 12h30m.

37. Pelas 13h00 almoçavam e durante a tarde tinham que executar as tarefas que lhe tinham sido atribuídas.

38. Pelas 20h00 rezavam o ofício litúrgico e jantavam pelas 20h45 e após realizavam várias tarefas de limpeza na cozinha, lavandaria, casas-de-banho e capela.

39. Pelas 22h00 tinham que comparecer novamente na capela, onde voltavam a rezar e regressavam aos seus quartos, normalmente partilhados, tinham 15 minutos para se arranjar no único quarto de banho que lhes estava atribuído e tinham ainda que ler algum livro que lhes era imposto e deitavam-se pelas 23h00/23h30m.

40. Às sextas-feiras, dia de limpeza completa do jardim, ou quando existia uma revista para imprimir, de carácter mensal, sendo necessário três dias para o efeito, levantavam-se pelas 05h00, eliminavam algumas orações e trabalhavam seguido, parando apenas para as refeições.

41. Desde pelo menos 04 de Abril de 2004 até o dia 15 de Janeiro de 2015, foram uma vez ao médico de família e quando estavam doentes (com constipações ou dor de cabeça) apenas podiam tomar ben-u-ron ou Brufen que só lhes era fornecido pela arguida CC.

42. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que as ofendidas permaneceram na instituição, o arguido AA, entre outras aleivosias, no período das refeições e no decursos das homilias, chamava-lhes “palermas e parvas”, “porcas”, “infiéis”, filhas da puta”, “monos” e dizia-lhes que tinha o Diabo no corpo.

43. Assim em relação à ofendida MM, esta permaneceu na F... durante pelo menos 20 anos até ... de ... de 2004, data em que se suicidou no interior das Instalações da F....

44. Para além do trabalho exaustivo a que estava sujeita esta ofendida, imposto principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas, era constantemente perseguida pela arguida BB, que lhe desferia empurrões, arrancava-lhe o lenço durante orações, dava-lhe pontapés nas pernas joelhos e bofetadas na cara30.

45. Principalmente durante as refeições, MM era humilhada pelos arguidos BB e AA, com o conhecimento e anuência da arguida CC, que lhe diziam “és uma porca, mentirosa, bêbeda, uma maluca da cabeça, um aborto, um tampão para a fraternidade, por tua causa as vocações não vêm para a nossa casa, tu tens de ser outra não podes continuar assim, és preguiçosa e escolhes todos os trabalhos, cara de cú, filha da puta, monte de carne31.

46. MM era constantemente chamada atenção pelos arguidos AA, BB, CC e DD em todos os lugares do “convento”, na cozinha, jardim, tipografia, capela, durante o Terço, a Eucaristia e, conforme já referido, durante as refeições.

47. Na Capela da Clausura durante a Adoração do Evangelho e na revisão de vida, a ofendida MM sofria constantes agressões físicas e verbais perpetradas principalmente pela arguida BB, mas com o conhecimento e anuência dos demais, com exceção da arguida DD32.

48. Em data não concretamente apurada, a ofendida MM ficou doente, com febre, permanecendo na cama.

50. Na noite anterior ao falecimento de MM, na presença dos restantes arguidos, e como aquela olhou para a televisão, a arguida BB disse-lhe que não era permitido ver televisão, chamando-lhe: “desobediente, besta, não prestas para nada, és uma infiel já não sei o que hei-de fazer, porque não aprendes, és um mau exemplo para as mais novas e prejudicas a entrada no convento”.

51. Perante esta repreensão a ofendida MM pediu desculpa.

52. Após o jantar foram todos para a Capela da Clausura, local onde foram rezar o Ofício, e seguidamente a Revisão de Vida.

53. Esta oração consistia numa espécie de confissão perante todos, tendo a MM descrito o seu comportamento daquele dia, momento em que a arguida BB disse-lhe “Foste desobediente, infiel, és uma besta” e, em seguida, desferiu-lhe um pontapé, encontrando-se MM sentada no chão apoiada pelos joelhos e a arguida sentada numa cadeira.

54. Em consequência da conduta dos arguidos AA, BB e CC, a ofendida MM ficou progressivamente num estado depressivo profundo, o que por sua determinação, no dia ... de ... de 2004, afogou-se num tanque existente no interior das instalações da arguida33.

55. No que respeita à ofendida EE, as agressões físicas e verbais e bem assim o trabalho exaustivo imposto principalmente pela arguida BB, com o conhecimento dos arguidos AA, CC e DD e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas, iniciaram-se 4 meses após o seu ingresso na instituição, ou seja, desde Agosto de 2004 e prolongou-se até o dia 15 de Janeiro de 201534.

56. As agressões verbais, físicas e os castigos perpetrados impostos principalmente pela arguida BB, com o conhecimento dos arguidos AA, CC e DD e anuência dos arguidos AA e CC, contra EE eram praticamente diárias, tendo esta emagrecido 30 quilos em escassos meses35.

57. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o ano de 2005/2006, no interior da “Capela da Clausura”, na presença da CC, a arguida BB desferiu na ofendida EE, que se encontrava ajoelhada, várias bofetadas na cara, o que lhe causou a perda temporária de audição, bem como pancadas com a bíblia na cabeça.

58. Simultaneamente, a arguida BB incentivou a arguida DD e obrigou a ofendida HH a bater na EE, ao que estas anuíram, desferindo-lhe murros nas costas.

59. Em seguida a arguida BB munida com um sapato desferiu-lhe várias pancadas nas nádegas e pontapés nas costas, braços, pernas e cabeça, causando-lhe dores físicas e um sangramento na boca.

60. Depois, a ofendida foi forçada pela arguida BB a dizer o que pensava de todas as restantes “irmãs”, ao mesmo tempo que a arguida lhe puxava os cabelos e lhe levantava a blusa e munida com o chicote desferiu-lhe várias pancadas e obrigou-a a repetir as suas expressões, o que a ofendida fez, apesar de não julgar as “irmãs” daquela forma.

61. Em consequência da conduta da arguida, a ofendida ficou com pisaduras, a sangrar e sofreu dores de cabeça, nas costas e no resto do corpo, sem que lhe fosse permitido pelos arguidos qualquer tipo de assistência médica ou administração de medicamentos.

62. Após, a arguida BB informou o arguido AA do sucedido, o qual avalizando a atuação da arguida BB, se dirigiu à ofendida e disse: “se alguém está fora do sítio, tem que se colocar no sítio, o tempo passa o tempo cura, o Santíssimo está dentro do Sacrário e precisa de quem o Ame”.

63. Em dia não concretamente apurado de Agosto do ano de 2007, a ofendida EE, juntamente com a GG, acompanhadas de um vizinho, foram obrigadas a trabalhar principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, cerca de 14 horas seguidas a amontoar lenha, tendo estes apenas permitido às ofendidas parar para almoçar por breves instantes36.

64. As ofendidas EE, GG, II e HH, em data não concretamente apurada mas situada nos períodos mencionados em 26), por determinação principalmente da arguida BB, com o conhecimento dos arguidos AA, CC e DD e anuência dos arguidos AA e CC tiveram que dormir no chão em cima de um colchão com um canídeo que estava doente, o que perdurou durante meses, por vezes, apenas logravam dormir uma hora e não tinham qualquer compensação no dia seguinte, tendo que executar todas as tarefas que lhe tinham sido atribuídas37.

65. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2010, encontrando-se a ofendida EE a trabalhar junto das estufas, a arguida BB muniu-se de uma enxada desferindo-lhe uma pancada que a atingiu na face.

66. Em consequência de tal conduta, a ofendida sangrou da boca e ficou com uma cicatriz na parte interior da mesma, não lhe tendo sido permitido qualquer tipo de assistência médica ou administração de medicamentos.

67. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2011, encontrando-se a ofendida EE à porta da entrada da cozinha, a arguida BB, munida com um ferro do cabo de um sacho, desferiu-lhe várias pancadas nas costas e pernas, causando-lhe dores, hematomas e equimoses.

68. Em data não concretamente apurada mas situada entre o ano de 2010/2011, a propósito de umas flores, encontrando-se as ofendidas EE e GG junto das mesmas, a arguida BB muniu-se com uma mangueira e com ela desferiu várias pancadas nas ofendidas, com a ponta da mangueira, na zona da anca, pernas e mãos, causando-lhes dores e diversos hematomas e equimoses.

69. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2011, quando a ofendida EE encontrava-se na bouça, a arguida BB, muniu-se de uma pá e desferiu-lhe uma pancada nas costas, mais concretamente na omoplata esquerda, causando-lhe dores.

70. No período compreendido entre o ano de 2005 e até 2013, pelo menos por 10 vezes, quando a ofendida EE estava lavar os passeios, na dispensa, a lavar o chão da casa da madeira, a lavar o patamar, a arguida BB muniu-se de uma vassoura desferindo-lhe várias pancadas na cabeça, costas, pernas ao mesmo tempo que lhe ordenava “para acelerar o motor”.

71. Em consequência da conduta da arguida, a ofendida teve dores e pisaduras no corpo.

72. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2011, encontrando-se a ofendida EE a preparar os sacos para levarem a reclusos, a arguida BB, munida com um pau, desferiu-lhe uma pancada na face, causando-lhe uma ferida no lábio superior, com sangramento, dores físicas e uma cicatriz na zona atingida.

73. Entre os anos de 2005 e 2013, encontrando-se a ofendida EE na cozinha a fazer limpeza e a preparar as refeições, por várias vezes, a arguida BB desferiu-lhe consecutivas bofetadas, com chinelos de sola grossa, atingindo-a, na cara, cabeça, costas, causando-lhe dores físicas e, por vezes, pisaduras na face.

74. Nos períodos em que as ofendidas EE, GG e HH permaneceram na instituição, foram, com uma frequência praticamente diária, agredidas ao longo dos anos pela arguida BB, que lhes puxava os cabelos até ao chão e raspava-lhes a cabeça no chão e nas paredes.

75. No dia 13 de Março de 2013, a arguida BB, por motivos fúteis, decidiu castigar a ofendida EE, trancando-a no interior de um quarto de banho composto por sanita e bidé, espaço completamente exíguo, durante 10 horas, sem qualquer tipo de alimentação.

76. Em data não concretamente apurada, mas situada entre os anos de 2011 a 2013, encontrando-se a ofendida EE junto de uma pequena construção tipo churrasqueira, a arguida BB muniu-se de uma vara e desferiu-lhe várias pancadas na cabeça e braços, causando-lhe dores, tendo-lhe afetado provisoriamente a visão.

77. Com frequência praticamente diária a arguida BB durante todo o tempo que a ofendida EE permaneceu na F..., desferiu-lhe bofetadas, murros na cara, costas e braços e obrigou-a a auto flagelar-se com o referido chicote.

78. Em consequência da conduta perpetrada pelos arguidos AA, BB e CC, a ofendida EE sofreu sequelas permanentes traduzidas numa cicatriz obliqua e de forma irregular localizada na metade direita do maxilar superior, aproximadamente com 20 cm posterior do lábio superior, joelho direito escuro, pisado e macerado, joelho esquerdo escuro, pisado e macerado38.

79. A ofendida FF foi incitada pela arguida BB a permanecer na instituição, convencendo-a de que tinha uma vocação, e aconselhou-a a redigir uma carta aos seus pais, segundo as orientações daquela, a mencionar que estava a sentir uma vocação e que pretendia ficar, o que foi aceite e realizado pela ofendida39.

80. A ofendida acabou por ingressar na F... no dia 21 de Outubro de 2013 e abandonou-a, por sua iniciativa, no dia 16 de Maio de 2015.

81. No período em que permaneceu na F... foi obrigada principalmente pela arguida BB, com o conhecimento dos arguidos AA, CC e DD e a anuência dos arguidos AA e CC, a trabalhar por várias horas seguidas, tendo-lhe sido fornecido pouca alimentação, tomava banho uma vez por semana, por vezes de água fria, não lhe foi permitido visitar os seus familiares, foi por várias vezes objeto dos insultos supra descritos e obrigada a autoflagelar-se.

82. A ofendida FF na sequência dos castigos que eram implementados, por vezes, só podia tomar banho de 15 em 15 dias.

83. No período em que permaneceu na instituição a ofendida sentiu-se obrigada a executar todas as tarefas e submeter-se às condições da instituição, pois os arguidos afirmavam que, caso não fizessem conforme ordenado, seria uma “Infiel a Deus”.

84. Após 21 de Janeiro de 2015, data em que a ofendida EE abandonou a F..., a FF foi agredida, pelo menos, duas vezes, uma na sala de jantar e outra na garagem pelo facto de ter falado ao mesmo tempo que a arguida BB, a qual lhe desferiu bofetadas na cara e nas nádegas, em ambas ocasiões.

85. No período em que permaneceu na instituição, não lhe foi permitido ver televisão fazer chamadas telefónicas e foi-lhe retido pela arguida CC, quando do seu ingresso, os seus documentos de identificação.

86. A ofendida KK, após algumas visitas, ingressou na F..., em Junho de 2008 e permaneceu até ao dia 13 de Maio de 2009, data em que foi expulsa da Istituição.

87. No período em que permaneceu na F... foi obrigada a trabalhar imposto principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas, tendo-lhe sido fornecido pouca alimentação, tomava banho uma vez por semana, por vezes de água fria e não lhe era permitido ir ao médico, visitar os seus familiares e foi por várias vezes objeto dos insultos supra descritos40.

88. Em Julho de 2008, quando um das outras ofendidas estava a limpar o corredor que dá acesso à tipografia, a arguida BB ordenou à KK que fosse à tipografia.

89. Por que a ofendida manchou o chão que estava a ser limpo, a arguida BB, munida com uma vassoura, desferiu-lhe uma pancada nas costas partindo a vassoura, ao mesmo tempo que lhe disse “É bem feito para aprenderes a fazer bem”.

90. Pouco tempo depois desta agressão, a arguida BB por entender que a ofendida era muito tímida obrigou-a a transmitir-lhe, antes de cada tarefa, o que ia fazer em seguida.

91. Nesse contexto e porque estava atrasada para uma oração, a ofendida limpou o corredor que dá acesso à cozinha sem antes o mencionar à arguida BB.

92. No final da oração, a ofendida pediu desculpa à arguida BB, porém, esta, sem nada o fizesse prever, desferiu-lhe cinco bofetadas em cada lado da face, causando-lhe dores.

93. No dia 08 de Dezembro de 2008, quando estava na cozinha, a arguida BB ordenou-lhe que cortasse um frango, porém, a ofendida KK com apenas 15 anos nunca o tinha feito.

94. Assim, a ofendida pegou numa faca para cortar o frango no entanto sempre que pegasse mal na faca ou fizesse um corte no sítio errado, a arguida BB, na presença da DD, desferia-lhe bofetadas, tendo-lhe desferido mais de 10 bofetadas na cara, causando-lhe dores.

95. Dias depois, a ofendida estava no exterior da casa a arranjar uma alface ou espinafre deixou cair uma folha ao chão, baixando-se para a apanhar.

96. No momento em que se estava a levantar, a arguida BB desferiu-lhe uma bofetada com as costas da mão, atingindo-a no nariz que de imediato começou a sangrar, tendo a arguida dito “Isso não é nada vai limpar o nariz”.

97. Para além das referidas agressões, no período em que permaneceu na instituição sofreu outras, com frequência praticamente diária, que lhe causou dores e humilhação.

98. A ofendida, em data não concretamente apurada, mas situada no período em que permaneceu na F..., foi obrigada a trabalhar principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas de beber água durante todo o dia, foi obrigada a jantar de joelhos no chão e com o prato em cima da mesa, um vez por semana, e foi, por várias vezes, impedida de tomar o pequeno-almoço e dormir por duas noites no chão41.

99. Em Março de 2009, numa das vezes que a ofendida estava a carregar estrume para o trator caiu e magoou-se no pulso da mão direita, porém, a arguida BB mandou-a continuar a trabalhar e só, posteriormente, foi levada a um “endireita” e durante todo esse tempo cerca de 4 semanas continuou a trabalhar, bem como quando foi visitada pelos seus pais foi obrigada a retirar as ligaduras e a esconder o pulso.

100. A ofendida padece de asma tendo-lhe sido sempre negado ir ao médico à exceção de uma vez que teve uma crise muito forte, porém, só ao fim de três dias.

101. A arguida BB obrigou-a ainda, assim como à ofendida EE, a carregar, à mão, um saco com folhas com cerca de 30 quilos até ao local onde devia ser depositado.

102. No período em que permaneceu na instituição foi obrigada a trabalhar principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas, tendo-lhe sido fornecido pouca alimentação, tomava banho uma vez por semana, por vezes de água fria, não lhe foi permitido visitar os seus familiares, foi por várias vezes objeto dos insultos supra descritos, impedida de fazer e receber chamadas telefónicas, impedida de ver televisão e foram-lhe retirados os seus documentos de identificação42.

103. A ofendida HH ingressou na F... com 15 anos de idade no ano de 1990 permanecendo até o dia 18 de Novembro de 2015, tendo voltado a ingressar em 7 de Janeiro de 2016, onde ainda permanece.

104. À ofendida ao longo de tempo foram sendo atribuídas tarefas cada vez mais complexas e pesadas.

105. Em data não concretamente apurada, mas situada alguns meses após Agosto de 2004, foi obrigada pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, a dormir no chão pelo menos durante cinco dias43.

106. Durante todo o período que permaneceu na F... sofreu os castigos supra descritos, bem como tomava uma vez por semana banho, os contactos telefónicos eram esporádicos e trabalhava cerca de 15h00 diárias, incluindo os ritos espirituais que eram impostos.

107. No início da sua permanência na F..., a arguida BB, com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, desferia-lhe pancadas com vassouras, instrumentos de lavoura ou com mangueiras, ficando com hematomas e tendo mesmo sangrado da testa, numa dessas ocasiões44.

108. Num determinado dia, a ofendida perdeu uma chave na relva, nessa sequência a arguida BB desferiu-lhe várias bofetadas e bateu-lhe com um chinelo.

109. Em dia não concretamente determinado, mas situado no período em que permaneceu na F..., encontrando-se no armazém do papel, a arguida BB esbofeteou-a várias vezes, causando-lhe sangramento do nariz, tendo-lhe sido negado qualquer tipo de assistência médica e medicamentosa.

110. Nos primeiros anos em que permaneceu na F..., por que alegadamente os visitantes olhavam para si, a arguida BB, com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, obrigou-a a deitar-se nua no jardim do convento e a arguida CC chegou a dizer-lhe: “só pensas em sexo” e desferiu-lhe quatro chapadas45.

111. Com o passar dos anos, a ofendida tornou-se das mais velhas naquela instituição pelos que os castigos foram sendo mais amenizados.

112. Porém, durante todo o tempo que ali permaneceu foi objeto dos insultos supra descritos proferidos pelos arguidos AA e BB46.

113. A ofendida GG deu entrada na F..., com vinte anos de idade, no dia 24 de Março de 2005 tendo ali permanecendo até ao dia 18 de Novembro de 2015, tendo voltado a ingressar em 7 de Janeiro de 2016, tendo abandonado a Instituição definitivamente em 18 de Novembro de 2018.

114. Nessa altura a ofendida padecia de depressão facto que foi dado conhecimento pelos seus pais aos arguidos que asseveraram que iam cuidar dela.

115. No ano de 2006, a seguir ao período menstrual e passados alguns dias do mesmo, a ofendida teve várias perdas de sangue, queixando-se à arguida BB que falou com um naturista que arranjava medicamentos naturais para a F... e forneceu-lhe um frasco de medicamento denominado M45, que a ofendida tomou durante cerca de duas semanas.

116. Em Agosto de 2012 a ofendida sentiu um incómodo na zona do útero, intestinos e bexiga, o que lhe causava dores.

117. A ofendida relatou, por diversas vezes, à arguida BB os seus sintomas no entanto esta desvalorizava-as.

118. Em Maio de 2013, face às insistências da ofendida foi-lhe permitido dirigir-se ao centro de saúde de ... e, nessa sequência, uma outra na especialidade de genecologia no Hospital de ..., porém, nada lhe foi detetado.

119. Em Agosto de 2014, por insistência dos seus pais e contra a vontade da arguida BB, foi agendado uma consulta num médico particular, tendo-lhe sido diagnosticado uma inflamação nos intestinos, bexiga e útero, bem como varizes pélvicas que lhe causavam dores.

120. Em finais de Outubro de 2014, mais uma vez por insistência dos seus pais, foi internada, por dois dias, na casa de saúde da ..., no ..., porém, quando regressou à instituição continuou com dores.

121. Em Junho de 2015, por que o seu quadro de saúde se agravou, a ofendida, após várias insistências deslocou-se novamente ao centro de saúde tendo tomado um antibiótico durante cerca de duas semanas.

122. Sempre que a ofendida se dirigiu a instituições de saúde foi acompanha pela arguida DD que não permitia que aquela pudesse contar o que se passava no interior da instituição, nem queixar-se verdadeiramente da sua patologia, controlando sempre o que relatava.

123. No período em que permaneceu na instituição foi obrigada principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, a trabalhar por várias horas seguidas, tendo-lhe sido fornecido pouca alimentação, tomava banho uma vez por semana, por vezes de água fria, não lhe foi permitido visitar os seus familiares, apenas por três vezes e sempre acompanhada por uma das arguidas, foi por várias vezes objeto dos insultos supra descritos, impedida de fazer e receber chamadas telefónicas, impedida de ver televisão e foram-lhe retirados os seus documentos de identificação47.

124. Poucos meses após Março de 2005, a arguida BB desferiu na ofendida, com frequência praticamente diárias, várias bofetadas, agressões essas que se foram agravando com tempo.

125. Assim, entre o ano de 2007/2008, encontrando-se a ofendida a lavar umas pedras à saída da cozinha salpicou algumas gotas de água para os pés da arguida BB.

126. A arguida, desagrada com o sucedido, muniu-se de uma vassoura e com a ponta metálica que suporta a piaçaba desferiu-lhe várias pancadas que a atingiram na cabeça, junto ao olho esquerdo, partindo o cabo, causando-lhe hematomas e dores.

127. No período compreendido entre os anos de 2007 a 2008, encontrando-se a ofendida na cozinha e após ter fatiado o pão, por entender que não fez corretamente, a arguida BB pegou na tábua de madeira e desferiu-lhe uma pancada nos braços, causando-lhe hematomas e dores.

128. Entre o ano de 2007/2008, por que a ofendida não compreendeu bem um recado da arguida BB, esta muniu-se de uma mangueira e, com a parte metálica, desferiu-lhe várias pancadas nos braços e pernas.

129. No período compreendido entre os anos de 2010 a 2011, quando a ofendida se atrasou a fazer uma tarefa, a arguida DD desferiu-lhe uma bofetada na face, causando-lhe dores.

130. Nesse mesmo período, a arguida DD, quando a ofendida se atrasou a fritar batatas, agrediu-a com vários socos na cabeça, causando-lhe dores.

131. Ato seguido, a arguida BB desferiu-lhe vários estalos, causando-lhe dores.

132. Entre o ano de 2011/2012, quando a GG encontrava-se na horta, a arguida BB muniu-se com uma estaca de jardim e desferiu-lhe várias pancadas no pescoço, pernas e braços, causando-lhe hematomas e dores.

133. No ano de 2011, a arguida BB, aproveitando-se da existência de rivalidades entre as ofendidas, ordenou às ofendidas EE, HH e

II que agredissem GG com recurso ao chicote denominado de “Disciplina.

134. As ofendidas, contrariadas mas com receio da arguida BB desferiram na GG várias chicotadas no fundo das costas, causando-lhe hematomas e dores.

135. No ano de 2013, a arguida, por entender que a ofendida estava a calcar umas flores de violeta, muniu-se de uma mangueira e, com a parte metálica, desferiu-lhe várias pancadas atingindo-a principalmente no braço direito, causando-lhe hematomas e dores.

136. Nesse mesmo dia, a arguida munida com uma mangueira de maior calibre da que já tinha agredido anteriormente à ofendida, desferiu-lhe uma pancada na zona dos braços, causando-lhe hematomas e dores.

137. Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2010 e 2015, na zona da Capela da “Clausura”, a arguida BB desferiu-lhe várias chicotadas nas pernas.

138. No final do ano de 2013, quando a ofendida estava, juntamente com FF, junto a umas laranjeiras a limpar folhas, a arguida BB, por entender que não estava a fazer corretamente, muniu-se com um cabo de um ancinho agrediu-a atingindo-a nas pernas, causando-lhe dores.

139. No ano de 2014, no momento em que a ofendida estava juntamente com a arguida BB plantar relva, por entender que não estava a fazer bem, a arguida muniu-se com sacho e desferiu-lhe duas a três pancadas nos braços, causando-lhe dores.

140. No período em que a ofendida permaneceu na instituição, foi agredida fisicamente castigada e negada assistência médica e medicamentosa adequada, ao longo dos anos principalmente pela arguida BB, com o conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC e insultada por todos os arguidos48.

141. A ofendida II ingressou na F... em 08 de Agosto de 2004, com 15 anos de idade, permanecendo até ao dia 21/22 de Novembro de 2013, altura em que encetou fuga durante a noite.

142. No período em que permaneceu na F... foi obrigada a trabalhar principalmente pela arguida BB com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, por várias horas seguidas por várias horas seguidas, tendo-lhe sido fornecido pouca alimentação, tomava banho uma vez por semana, por vezes de água fria, não lhe foi permitido visitar os seus familiares, foi por várias vezes objeto dos insultos supra descritos, impedida de fazer e receber chamadas telefónicas, impedida de ver televisão e foram-lhe retirados os seus documentos de identificação49.

143. Em dia não concretamente apurado do ano de 2005, no momento em que II estava a lavar com a varanda de uma casinha de madeira com uma vassoura e água tocou numa planta.

144. A arguida BB apercebendo-se do sucedido desferiu-lhe uma bofetada, causando-lhe dores.

145. No ano de 2007, quando estava na cozinha, a arguida BB, na presença da DD e com o posterior conhecimento da CC, ordenou-lhe que cortasse um frango, porém, a II, fruto da sua ainda tenra idade nunca o tinha feito.

146. Assim, a ofendida pegou numa faca para cortar o frango no entanto sempre que pegasse mal na faca ou fizesse um corte no sítio errado, a arguida desferia-lhe bofetadas, tendo-lhe desferido mais de 10 bofetadas na cara, entortando-lhe a haste dos óculos, pisando-lhe o olho esquerdo e causando-lhe dores.

147. No dia de Natal do ano de 2007, encontrando-se a arguida BB a virar umas postas de bacalhau chamou pela II que não foi de imediato ao seu encontro.

148. Por essa razão, a arguida BB desferiu-lhe pelo menos dois estalos na face, causando-lhe dores.

149. No ano de 2008, chegou ao conhecimento da arguida BB, por denúncia da arguida DD, que II se tinha queixado que nunca comia as alheiras que a sua mãe oferecia.

150. Por essa razão, no dia seguinte, a arguida BB chamou todas as “irmãs” à cozinha, exceto a arguida CC, e agrediu-a com diversas bofetadas na face e com um chinelo nas nádegas, causando-lhe dores.

151. No ano de 2012, dois dias antes do convívio mensal com os familiares, no interior da capela, a arguida BB munida com um chinelo desferiu-lhe com ele na cara da ofendida, provocando-lhe marcas na cara e dores, que a ofendida teve que justificar aos seus familiares como sendo uma alergia.

152. Em dia não concretamente apurado do ano de 2013, II, que estava, naquela semana, responsável pela cozinha, esqueceu-se de que tinha acabado a compota para o pequeno-almoço, facto que não relatou à arguida BB porque esta estava a ver televisão e não permitia que ninguém falasse.

153. No dia seguinte, II relatou tal facto à arguida BB que lhe desferiu quatro bofetadas na face e de seguida disse “ e agora diz lá porque é que eu te bati”.

154. Em consequência da conduta da arguida, a ofendida sentiu dores.

155. Em 2013, numa altura em que a ofendida estava a lavar a roupa, no tanque, a arguida BB abeirou-se dela e desferiu-lhe vários estalos e questionou-a “não te disseram nada? ” pois supostamente a ofendida deveria ter ido retirar flores da capela denominada “Nossa Senhora Menina”.

156. Entre o ano de 2008/2009, fruto do cansaço que sentia, II acabou por adormecer no interior de uma capela.

157. A arguida BB apercebendo-se do sucedido acordou-a e agrediu-a com estalos na face, causando-lhe dores.

158. Em data não concretamente apurada, mas situada no período mencionado em 26), por não ter levado uma saia à arguida BB para arrumar, esta obrigou-a a ir de joelhos desde a entrada principal da casa até ao portão, facto que lhe causou quistos nos joelhos.

159. Em data não concretamente apurada, mas situada no período em que permaneceu na instituição, II cortou dois dedos com uma serra no entanto não lhe foi permitido que desinfetasse a ferida e colocasse um curativo, obrigando a arguida BB a colocar terra na ferida para estancar o sangue.

160. Na semana anterior à sua fuga, a propósito de um saco de pães para dar às galinhas e de uma camisa do arguido, objetos que não estariam no sítio correto segundo a arguida BB, esta encontrando-se com a ofendida numa garagem nova, juntamente com a arguida DD, desferiu na ofendida vários estalos e, em seguida, muniu-se com uma esfregona, de cor verde com cabo

metálico e agrediu-a no braço esquerdo, perna esquerda e nádegas, partindo a cabo da esfregona.

161. Simultaneamente, a arguida BB proferia as seguintes expressões “vais fugir como a puta da tua mãe, agora sai e arranja um homem que te parta o focinho, se quiseres sai também do convento”.

162. Em consequência de tal conduta, a ofendida sofreu hematomas e dores não lhe foi administrado qualquer medicamento.

163. No período em que a ofendida permaneceu na F..., foi agredida fisicamente e castigada, principalmente pela arguida BB com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, com uma frequência praticamente diária, puxões de cabelo, com pancadas com vários objetos e foi objeto dos referidos insultos protagonizados por todos os arguidos50.

164. A ofendida LL ingressou na instituição no dia 22 de Novembro de 2012, com 19 anos de idade, e ali permaneceu até ao dia 08 de Dezembro de 2013, data em que foi expulsa da instituição.

165. Em data não concretamente apurada mas aludida em 26), queixando-se LL de que estava com dores de cabeça, a arguida BB chamou a EE, a II, a HH e a GG que a rodearam a rezar ao mesmo tempo que a arguida lhe disse que estava com o diabo no corpo, atirou-lhe água benta e, em seguida, desferiu-lhe vários estalos na face, incentivando que as restantes também o fizessem.

166. Em data não concretamente apurada, mas situada pouco tempo antes de ter saído da F..., a ofendida misturou alguns livros inadvertidamente na sequência de estar cansada e com sono.

167. A arguida BB apercebendo-se do sucedido, no interior da tipografia, deu-lhe várias bofetadas, causando-lhe dores.

168. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que a ofendida permaneceu na instituição, na zona do corredor do armário dos sapatos, a arguida BB agrediu a ofendida com vários estalos e, posteriormente chicoteou-a.

169. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que a ofendida permaneceu na instituição, porque LL se esqueceu de levar o lixo a horas, na casinha que tem uma construção tipo churrasqueira, puxou-lhe com força uma orelha, causando-lhe dores.

170. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que a ofendida permaneceu na instituição, na altura do inverno, a arguida, com recurso a uma mangueira, encharcou a ofendida que teve que permanecer durante todo o dia a roupa molhada.

171. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que a ofendida permaneceu na instituição, na sequência de uma discussão com o arguido AA e a II, aquele disse-lhe “vou-te dar um murro que nunca mais vais esquecer, sua parva “.

172. Em seguida, o arguido AA, no interior da cozinha ordenou à ofendida que desse várias cambalhotas em frente das restantes ofendidas e arguidas, o provocava que ficasse desnudada, com o intuito de a humilhar.

173. Em data não concretamente apurada mas situada no período mencionado em 26), a arguida BB por várias vezes ordenou que LL se autoflagelasse 19 vezes de cada vez, por ser os anos que tinha.

174. No dia 07 de Dezembro de 2013, a FF terá inadvertidamente deixado cair um armário ao chão.

175. Porque LL a não auxiliou, a arguida BB, à noite, na cozinha, reuniu a EE, a GG, a HH, a II, as arguidas CC e DD e ordenou que ofendida pedisse desculpas e que dissesse que tinha ciúmes da FF.

176. A LL recusou-se a fazê-lo, então a ofendida HH por ordem da BB arrancou-lhe a roupa e desferiu-lhe bofetadas e chicoteou-a.

177. Em seguida, a arguida ordenou que a LL se autoflagelasse e, como a ofendida se recusou, ordenou que a ofendida HH o fizesse, a qual, com receio da arguida, desferiu-lhe várias chicotadas nas nádegas e costas ao mesmo tempo que as restantes a insultavam.

178. Em consequência das agressões perpetradas, LL sofreu hematomas e dores, o que determinou que saísse da instituição.

179. Em data não concretamente apurada mas situada no período em que a ofendida permaneceu na instituição, na sequência de uma tentativa de visita da sua mãe e irmão, a arguida BB obrigou a ofendida a redigir uma carta aos seus pais fazendo-a constar expressões tais como “não venham cá mais, não vos quero ver mais”, o que a ofendida fez por receio.

180. Em data não concretamente apurada mas situada no período referido em 26), o arguido AA durante a homilia chamou-lhe “ parva, pateta e palerma”.

181. No período em que a ofendida permaneceu na instituição, foi agredida física e castigada principalmente pela arguida BB com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, com uma frequência praticamente diária, com puxões de cabelo, com pancadas com vários objetos e foi objeto dos referidos insultos e castigos supra descritos, protagonizados por todos os arguidos51.

182. Em relação à ofendida JJ a mesma ingressou na instituição em Abril de 2005, com 16 anos de idade, ali permanecendo até ao dia 06 de Janeiro de 2007, data em que fugiu da instituição.

183. No período em que aí permaneceu a ofendida, a arguida BB, com conhecimento e anuência dos arguidos AA e CC, com uma frequência praticamente diária, puxou-lhe os cabelos e desferiu-lhe pancadas com vários objetos, e foi objeto dos referidos insultos protagonizados por todos os arguidos52.

184. Em consequência da conduta dos arguidos BB, CC e AA, a ofendida JJ sofreu dores e pisaduras e passou a padecer de problemas psíquicos53.

185. Todas as ofendidas, face à atuação conjugada dos arguidos BB, CC e AA ficavam predispostas a aceder à vontade destes, pelo temor, quer pelas ofensas físicas e verbais e castigos de que eram vítimas quer pelas que presenciavam e bem assim pelo rigor espiritual que lhes era imposto54.

186.. Deste modo, os arguidos AA, BB e CC, com as referidas condutas, logravam que as ofendidas executassem, em parte por temor, os trabalhos necessários para o normal funcionamento da F..., incrementando o património do Centro ..., na modalidade de poupança de despesa, sem qualquer contrapartida monetária, vivenciando as ofendidas um permanente “regime de medo”, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho55.

187. Os arguidos AA, BB e CC sujeitaram as ofendidas a trabalhos que eles não queriam executar, mediante a prática dos supra descritos insultos, agressões e castigos56.

188. As ofendidas viram-se coarctadas na sua liberdade de autodeterminação, nomeadamente, de abandonar a F... ou em não proceder conforme lhes era ordenado pelos arguidos AA, BB, CC e DD face ao poder que estes tinham em ambas as instituições e com receio de retaliações dos arguido57s.

189. Os arguidos AA, BB, CC atuaram enquanto gerentes de facto e de direito da F... e do Centro ..., servindo-se do Carisma/Ideário da primeira, que dirigiam como queriam, também com o objetivo de, à custa do trabalho das ofendidas, incrementarem o património do Centro ..., na modalidade de poupança de despesas, atuando em termos de exprimir e vincular tal IPSS58.

190. Agiram os arguidos CC, AA e BB em conjugação de esforços e vontades, de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por Lei59.

b) FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DOS PEDIDOS CÍVEIS

FACTOS RELATIVOS AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL DA EE

191. A ofendida EE, aqui demandante, por ser pessoa de fé e pretender consagrar a sua vida a Cristo, integrou a F..., em 04/04/2004, aí tendo permanecido de forma ininterrupta até 21/01/2015, ou seja, durante 10 anos, 9 meses e 17 dias.

192. A Demandante, à data da entrada para a Instituição contava com 20 anos de idade.

193. Assim, sob o manto ou aparência de uma entidade religiosa capaz de proporcionar à demandante os seus anseios e realização espiritual, a fraternidade acolheu-a também para, sob um clima de inaceitável e repudiável terror (físico e psíquico) executar diariamente tarefas e trabalhos cuja real e efetiva beneficiária sempre foi a Instituição aqui arguida “Centro ...”.

194. Tudo, ao longo de mais de 10 anos e de forma ininterrupta, se passou no interior as instalações da Instituição aqui arguida.

195. Durante o tempo em que a demandante passou na Instituição foi sujeita a um tratamento de dor, opressão, intimidação e violação da sua liberdade física e intelectual.

196. Por diversas ocasiões, de forma violenta e gratuita, foi a demandante agredida em várias partes do seu corpo com vários objetos, tais como: com um chicote (“Disciplina”), com uma enxada, com um cabo de ferro do sacho, com paus, com uma mangueira, com bofetadas e puxões de cabelo.

197. Tudo lhe causando sofrimento, dores intensas e pânico, sem qualquer possibilidade de tratamento médico adequado. Ficando, inclusive, a sangrar e com sequelas permanentes como resulta do relatório médico junto aos autos, tendo emagrecido cerca de 30 Kg.

198. Por inúmeras ocasiões, e tantas foram que a demandante não consegue concretizar, foi injuriada pelos arguidos BB, AA e CC com as expressões melhor descritas e identificadas na douta acusação pública,

199. Tudo lhe causando vergonha, humilhação, vexame e um forte abalo mental e psíquico.

200. Foi a demandante sujeita a castigos puramente medievais e abomináveis, tais como: flagelações e autoflagelações que, para além da enormíssima dor física, lhe causaram um sentimento de total submissão aos arguidos.

201. Para além do mais, foi também a demandante obrigada a dormir no chão, durante vários meses, na companhia de um canídeo doente, bem como, fechada numa casa de banho durante cerca de 10 horas consecutivas sem qualquer tipo de alimentação.

202. Como se não bastasse, a demandada trabalhava, esporadicamente, 14 horas por dia, sendo que, por vezes, não lhe era, sequer, permitido beber água durante todo o dia, não lhe era permitido ver televisão, não lhe foi permitido qualquer contacto com a família durante mais de 9 anos, viu os seus documentos apreendidos.

203. Tudo numa inequívoca violação da dignificação da condição humana.

204. Quiçá mais grave do que as agressões e castigos físicos, foi a constante agressão e tortura psicológica infligida à demandante através da deturpação completa da doutrina cristã.

205. E foi assim durante, pelo menos, 10 anos!!!

206. Período em que a demandada foi manipulada e ameaçada psicologicamente pelos demandados, fazendo-a crer em castigos divinos, problemas e mortes de familiares.

207. Neste contexto de clausura e reclusão viveu diariamente a demandante numa completa sujeição aos caprichos e ordens dos arguidos.

208. Os arguidos BB, AA e CC sabiam e tinham perfeito conhecimento dos factos praticados contra a demandante, agindo todos quer por ação, quer por omissão.

209. A demandante para além de vivenciar e sentir os males a si infligidos pelos arguidos, presenciou, de igual modo, comportamentos de violência física e psíquica dirigida às demais ofendidas.

210. Circunstância que também se traduz em temor, medo e inquietação.

211. A demandante viveu durante anos a fio num completo calvário e sofrimento que jamais esquecerá e que se mantêm e manterão bem vivos na sua memória.

212. Viu a sua dignidade humana diminuída, viu a sua honra, consideração, bom nome e integridade física e psíquica irremediavelmente abaladas.

213. Jamais a ofendida apagará da sua memória as ofensas de que foi alvo.

214. Viu a demandante a sua liberdade e autodeterminação limitadas pelos arguidos que, em comunhão de esforços e de forma consciente lhe impuseram num permanente regime de medo e terror.

215. Para além do que vem dito, e como resulta claro dos presentes autos, a demandante trabalhou esporadicamente, 14 horas por dia.

216. E fê-lo a mando dos arguidos em claro e inequívoco proveito da Instituição aqui arguida.

217. Trabalhava a demandante todos os sete dias da semana, sem direito a qualquer remuneração, subsídio ou direito social.

218. De forma objetiva e clara a Instituição aqui arguida, mediante a imposição dos restantes arguidos que a representavam de facto e de direito, beneficiou do trabalho árduo da demandante durante mais de 10 anos.

219. E em condições que se traduziam muitas das vezes em escassa alimentação, subtração de água, agressões físicas e proibição de tomar banho.

220. Num absoluto estado de temor e terror a demandante foi obrigada, durante mais de 10 anos, a executar trabalhos cuja verdadeira beneficiária era a Instituição aqui arguida.

221. Tudo sem qualquer contrapartida monetária ou material.

222. Nunca a demandante teve a possibilidade de decidir ou escolher o modo e o tempo da prestação de trabalho pois, a tudo era obrigada fazer mediante insultos, agressões e castigos.

223. Como se deixou dito, durante 10 anos, 9 meses e 17 dias, a demandante trabalhou e exerceu tarefas diárias exigidas para a manutenção e conservação das instalações da Instituição e prossecução da sua atividade sem qualquer retribuição.

225. A Demandante trabalhou, esporadicamente, 14 horas diárias, sem que alguma vez que lhe fosse pago qualquer salário, subsídio de Férias e de Natal, e sem que alguma vez tivesse gozado férias.

226. Nos termos supra referidos e melhor descritos na douta acusação pública, a Instituição, aqui arguida, beneficiou de mão de obra gratuita.

227. No caso concreto, e quanto à situação laboral da demandante, para além da mesma não ter tido qualquer poder de decisão sobre o número de horas de trabalho, nem qualquer decisão sobre o tipo de trabalho e o modo de o efetuar, não beneficiou de qualquer retribuição ou direito.

228. Durante mais de 10 anos a demandante debateu-se com uma nítida impossibilidade de mudar a sua condição, concretizada em ameaças, males à própria e á família, castigos, e sujeição absoluta a imposições dos arguidos.

FACTOS RELATIVOS AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL DA OFENDIDA GG

230. A demandante deu entrada na F..., com sede na Rua do ... no dia 24 de 2306

Março de 2005, tendo aí permanecido até ao dia 18 de Novembro de 2015, ou seja, durante 10 anos, 7 meses e 25 dias.

231. A demandante, quando entrou para a referida Instituição, tinha 20 anos de idade e, quando daí saiu, tinha 31 anos de idade.

232. Como consta da douta acusação pública, durante o referido período de tempo, a demandante foi obrigada a trabalhar por várias horas seguidas, teve acesso a pouca alimentação, tomava banho apenas uma vez por semana, por vezes de água fria, não podia visitar os seus familiares, foi impedida de fazer e receber chamadas telefónicas, impedida de ver televisão, foi objeto de insultos e foram-lhe retirados os seus documentos de identificação.

233. No referido período de tempo, a demandante foi ainda agredida, insultada e castigada, com uma frequência praticamente diária, e foi-lhe negada assistência médica e medicamentosa adequada, nos termos melhor descritos na acusação e que aqui se dão por reproduzidos.

234. Os demandados BB, AA e CC, com a referida conduta, logravam que a demandante executasse, por temor, todos os trabalhos necessários para o normal funcionamento da F..., sem qualquer contrapartida material e espiritual que desejava, que vivenciava um permanente regime de medo, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho.

235. Os demandados BB, AA e CC sujeitaram a demandante a trabalhos que eles não queriam executar, mediante a prática de insultos, agressões e castigos melhor descritos na douta acusação pública, e limitação da sua liberdade de movimentos e ações.

236. Humilhando-a constantemente e sujeitando-a a uma verdadeira tortura física e psicológica, incutindo-lhe medo em relação a Deus e à sua ira e o dever de obediência a tudo que os demandados BB, AA e CC lhe diziam e mandavam fazer.

237. A demandante, face à conduta dos demandados BB, AA e CC melhor descrita na douta acusação pública, ficou totalmente subjugada, pelo temor, às suas vontades, quer pelas ofensas físicas e verbais e castigos de que era vítima, quer pelas que presenciava em relação às demais ofendidas, e bem assim, pelo clima de terror e rigor espiritual que lhe era imposto, a si e às demais ofendidas.

238. A demandante viu-se coartada na sua liberdade de autodeterminação, nomeadamente em abandonar a Instituição ou em não proceder conforme lhe era ordenado pelos demandados BB, AA e CC, face ao poder que estes tinham na Instituição e com receio de retaliações dos demandados BB, AA e CC

239. Em consequência da conduta dos demandados BB, AA e CC, a demandante sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de que deve ser ressarcida.

240. Desde logo, em consequência das agressões e dos castigos físicos de que foi vítima, a denunciante sentiu dores, não só no momento das agressões, mas também nos dias que se seguiam e ao longo de mais de dez anos.

241. Com a agravante de que a demandante não podia socorrer-se de ajuda médica ou medicamentosa com vista a, pelo menos, atenuar as dores e hematomas resultantes das referidas lesões, por tal lhe ser expressamente vedado pelos demandados BB, AA e CC

241. Por outro lado, disfarçou muitas vezes a dor para proteger a sua integridade física e psicológica e com tantas dores ao longo de tantos anos acabou por aprender a viver com a dor, suportando-a já muitas vezes sem queixume.

242. Até porque se assim não fizesse, bem sabia que as agressões seriam maiores.

243. Além das dores físicas, as aludidas lesões causaram ainda um profundo desgosto, vergonha, tristeza e revolta na demandante.

244. Com o seu comportamento, de absoluta coação e aniquilação da demandante, os denunciados BB, AA e CC visavam ainda humilhá-la, atingi-la na sua integridade física e diminuí-la à condição de uma mera coisa.

245. E conseguiram fazê-lo, na medida em que criaram na demandante, ao longo dos anos, sentimentos de baixa autoestima, ansiedade, medo e terror.

246. E determinando, necessariamente, uma diminuição de liberdade de deambulação e de autodeterminação da demandante.

247. Em consequência dessas agressões e a falta de cuidados médicos, a demandante ficou a padecer de vários problemas de saúde.

248. Com efeito, durante o período de tempo em que esteve na Instituição, a demandante não podia lavar os dentes após as refeições, tinha, muitas vezes, uma alimentação deficitária e não lhe era permitido consultar o dentista com regularidade.

249. Por via desses factos, os seus dentes estão com caries e outros problemas, que precisam de ser tratados.

250. Desde que saiu da Instituição, a demandante tem vindo a realizar vários tratamentos dentários, tendo já gasto, até à presente data, a quantia de 1.020,00€.

251. De acordo com vários exames comuns e radiológicos que realizou, a demandante ficou a padecer de diversas moléstias corporais, as quais se encontram melhor descritas nos resultados de meios complementares de diagnóstico que realizou no período decorrido entre 03/12/2015 e 11/01/2019.

252. Todas as referidas enfermidades derivam, ou, pelo menos, foram agravadas pelas agressões, maus tratos e negação de acesso a medicação e tratamentos médicos por parte dos demandados BB, AA e CC em relação à demandante no período em que esteve na Instituição.

253. Quando a demandante entrou para a Instituição, sofria de depressão.

254. Face aos factos constantes da acusação, a demandante nunca ficou curada da depressão que sofria, a qual, acabou por se agravar.

255. Com efeito, o comportamento dos demandados BB, AA e CC causou na demandante um sofrimento profundo, pelo que esta passou a andar sempre triste, nervosa e ansiosa.

256. Os factos que vivenciou e o clima de medo e terror em que vivia também afetavam o seu sono, acordando muitas vezes durante a noite com pesadelos horríveis.

257. Perante as sujeições a que foi submetida pelos demandados BB, AA e CC, a demandante passou a viver com sentimentos de desesperança, culpa, inquietude, inutilidade e desamparo.

258. A demandante deixou de ter amor-próprio, limitava-se a viver de acordo com as imposições dos demandados BB, AA e CC e perdeu totalmente o sentido da vida.

259. A demandante também se sentiu profundamente humilhada e enganada, porquanto, quando decidiu entrar para a Instituição, fê-lo porque queria ser freira e entregar a sua vida a Deus, constatando agora que não foi validamente consagrada.

260. Tendo sido essa a convicção que os demandados BB, AA e CC intencionalmente lhe criaram e que determinou a sua entrada na Instituição.

261. Jamais tendo suposto ou imaginado sequer que a sua vida se tornaria num autêntico inferno e que lhe seria dado a conhecer um “Deus” castigador e tirânico.

262. Porém, no decurso do presente processo, veio a saber que, afinal, aos olhos da Igreja, não é freira, nem nunca viria a sê-lo junto daquela Instituição.

263. A demandante sentiu-se enganada, traída e profundamente revoltada, o que aumentou o seu estado de desequilíbrio emocional e psicológico, pois sente que, afinal, não é nada, e que lhe roubaram mais de dez anos da sua vida.

264. A demandante sente que durante o período de tempo em que esteve na Instituição viveu um embuste e atualmente sente um vazio profundo no seu interior, ao ponto de a mesma ter perdido completamente a sua vocação religiosa.

265. Ainda hoje, e apesar de já não estar no interior da Instituição, a demandante acorda muitas vezes a meio da noite com pesadelos horríveis, que a fazem gritar e tremer de medo.

266. O mesmo sucedendo sempre que se lembra do que vivenciou, o que ocorre frequentemente.

267. Desde que abandonou a Instituição, a demandante teve que recorrer à ajuda de uma psicóloga, que lhe diagnosticou uma depressão profunda, e que a tem acompanhado desde então.

268. Por via da referida patologia clínica, foram prescritos à denunciante os seguintes medicamentos, que a mesma se encontra a administrar:

a) Ciclobenzaprina, 10 mg;

b) Sertralina, 100 mg;

c) Colecalciferol, 22400 U.I.

269. E que, face à gravidade da mesma, não se perspetiva uma alta clínica a médio prazo.

270. Na verdade, em consequência das condutas levadas a cabo pelos demandados BB, AA e CC sobre a demandante e as demais ofendidas, existem traumas de natureza psicológica que nunca mais irão ser superados pela demandante.

271. Após a sua saída da Instituição, em 18 de Novembro de 2015, a demandante foi, por indicação das respetivas autoridades, acolhida no Centro de Acolhimento e Proteção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos, da Associação para o Planeamento da Família, onde permaneceu até ao dia 9 de Janeiro de 2016.

272. Durante esse período, a demandante foi acompanhada por profissionais qualificados, nomeadamente por psicólogos, que avaliaram e acompanharam o seu estado clínico, protestando-se juntar relatório de avaliação referente àquele período de tempo.

273. A demandante não podia visitar os seus familiares, designadamente os seus pais e irmãos com os quais tinha, até à data da sua entrada na Instituição, uma forte ligação afetiva.

274. A demandante regressou a casa por se encontrar doente e por os seus pais, desesperadamente, terem pressionado a Instituição e encetado diligências que o permitissem.

275. Por outro lado, durante muitos anos, a demandante nunca pôde contactar telefonicamente com os seus familiares, pois tal não lhe era permitido pelos denunciados.

276. Apenas no ano de 2015, após a saída da ofendida II, que denunciou algumas práticas ocorridas no interior da Instituição, é que os demandados BB, AA e CC começaram a permitir que a demandante contactasse telefonicamente com os seus pais e irmãos.

277. A proibição de visitar e privar com a sua família trouxe-lhe um desgosto incalculável – nunca pôde participar em festas de família, aniversários, Natal ou passagens de ano, Páscoa e outros convívios, tal como sempre sucedera até à sua entrada na Instituição.

278. O facto de saber e sentir no seu âmago que também os seus familiares sofriam e padeciam pela sua ausência, deixava-a profundamente abalada, entristecida e amargurada.

279. Tanto mais que a demandante não conseguia confessar àqueles todo o seu sofrimento físico e emocional perante os castigos, insultos e demais desumanizações de que era vítima, por medo das represálias que os demandados BB, AA e CC apregoavam.

280. Com a sua conduta, os demandados BB, AA e CC feriram profundamente a integridade moral e física da demandante, submetendo-a a diversos atos de tortura, tratos cruéis, degradantes e desumanos, estuprando igualmente direitos constitucionalmente consagrados.

281. A demandante perdeu a sua dignidade como pessoa e como mulher, vivendo sob ordens, ameaças, insultos à sua pessoa e ao seu comportamento, coação e agressões, como se fosse uma escrava.

282. Sem nunca ter tido qualquer contrapartida monetária, moral ou espiritual.

283. Todos os episódios continuam bem presentes no espírito da demandante e ainda hoje sente medo e inquietação por toda a tortura física e psicológica vivenciada.

284. Os demandados BB, AA e CC com a sua cruel conduta magoaram a demandante no seu mais profundo ser, ferindo-a não só na sua integridade física, mas também na sua honra, moral e dignidade.

285. Deixando-lhe marcas profundas de que jamais se esquecerá.

286. Os atos cometidos, de forma concertada e em união de esforços, pelos demandados BB, AA e CC contra a demandante e demais ofendidas são altamente lesivos dos direitos humanos em geral e da dignidade da pessoa humana em particular.

287. Porquanto a demandante foi sujeita a uma instrumentalização degradante e humilhante da pessoa humana, vendo ainda profundamente ofendido o seu estatuto moral de pessoa humana, com sequelas que se perpetuarão no tempo.

288. De facto, todas estas circunstâncias criaram na demandante uma forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio social, psíquico e emocional.

289. Quando a demandante entrou na referida Instituição encontrava-se a estudar no Instituto Politécnico ..., onde frequentava o primeiro ano do curso de Fiscalidade, conforme certificado de matrícula.

290. Durante o período de tempo em que esteve na identificada Instituição, a demandante não auferiu qualquer retribuição ou qualquer outro tipo de rendimento.

291. Porém, a demandante trabalhava longas jornadas, que, muitas vezes, chegavam a atingir 15 a 20 horas diárias, executando árduas e diversas tarefas, muitas das quais exigiam destreza física muito além das suas capacidades, bem como acima das de qualquer homem médio.

292. A demandante executava trabalhos ao longo de várias horas consecutivas, sem qualquer período de descanso.

293. Que, esporadicamente, atingiam as 14 horas diárias.

294. A demandante trabalhava todos os dias da semana, ou seja, de domingo a segunda, sem nunca ter beneficiado de qualquer dia de descanso semanal e anual, nem a qualquer período de lazer.

295. O qual, nunca foi alvo de qualquer contrapartida económica, nem sequer emocional ou espiritual.

297. Estando sob a rígida orientação e “fiscalização” severa e “disciplinada” dos demandados BB, AA e CC

300. Quando abandonou a Instituição, a demandante teve de começar do zero, readaptando-se à realidade quotidiana de um cidadão comum.

301. Atualmente encontra-se a trabalhar como empregada doméstica, ao serviço de uma família, auferindo um salário equivalente ao ordenado mínimo nacional.

302. No entanto, antes de entrar na Instituição, a demandante tinha a expetativa de trabalhar como fiscalista e auferir um salário compatível com essas funções.

303. A demandante sente que perdeu dez anos da sua vida, ou melhor, que os demandados BB, AA e CC lhe roubaram esses anos de vida, durante os quais lhe foi vedada a possibilidade de se instruir, fazer um curso superior e preparar o seu futuro.

304. Com efeito, durante o referido período de tempo, a demandante trabalhou 365 dias por ano, nas circunstâncias supra descritas, sem auferir qualquer rendimento e fazer descontos para a Segurança Social, de forma a acautelar o seu direito à reforma.

FACTOS ORIUNDOS DO PEDIDO CÍVEL DA II

[…]

FACTOS ORIUNDOS DO PEDIDO CÍVEL DA HH

[…]

FACTOS RELATIVOS AO PEDIDO CÍVEL DE HERDEIROS DE MM

409. Conforme resulta dos autos, a infortunada MM faleceu no já longínquo dia ... de ... de 2004;

410. E falecida não deixou quaisquer descendentes, nem ascendentes, nem testamento ou qualquer outra disposição de vontade;

411. Tendo-lhe sucedido apenas os seus irmãos oras demandantes melhor supra identificados nos itens 1 a 9 do PIC;

412. E os seus sobrinhos melhor identificados nos respetivos itens 10 e 11, do PIC, filhos do seu irmão pré-falecido YY;

413. E os seus sobrinhos melhor identificados nos respetivos itens 13 e 14 do PIC, filhos da sua irmã ZZ, entretanto, falecida, bem como o seu cunhado (viúvo desta última) supra identificado no item 12;

414. Ora, foi exclusivamente por razões estritamente religiosas, espirituais e de fé que a falecida MM procurou e permaneceu no seio da F...;

415. E acatou a orientação e as ordens e instruções dos arguidos aqui demandados BB, AA e CC;

416. Na verdade, não fora a sua estreita ligação à igreja católica e à arquidiocese de ... e a infortunada MM jamais se teria sujeitado a tão indigna humilhação, violência, privação e exploração;

417. Sucede que, na sequência dos permanentes maltratos e humilhação de que foi vítima durante mais de 20 anos, a infortunada MM entrou progressivamente num estado de depressão profunda de tal gravidade que a levou a suicidar-se por afogamento num tanque existente no interior das instalações da instituição;

418. E não só sofreu durante os próprios atos as dores e o mal estar decorrentes das violentas e cobardes agressões que lhe foram infligidas pelos demandados BB, AA e CC,

419. Como teve, ainda, de suportar durante mais de 20 anos (até à sua morte) um permanente sentimento de indisposição, aborrecimento, subjugação, revolta e terror na sequência das brutais agressões de que era vitima por parte dos demandados BB, AA e CC e das suas ameaças constantes;

421. Ora, para além de ter visto a sua imagem desrespeitada, o ora demandante sentiu-se ainda profundamente aterrorizada, chocada, desgostosa e revoltada pela forma violenta, injustificada, cobarde e desumana como os demandados BB, AA e CC a agrediram física, verbal e psicologicamente.

422. De tudo resultando, de forma permanente e continuada, grande medo, sofrimento, humilhação, incómodos, preocupações, canseiras e arrelias que a falecida não teria tido se não fosse o comportamento gravemente ilícito dos demandados BB, AA e CC

423. Com a agravante de que a infortunada MM ficou de tal forma traumatizada e aterrorizada que acabou por se suicidar;

424. Acresce que, os demandantes sofreram eles próprios um grande desgosto pelo que sucedeu à falecida, nomeadamente a sua morte,

425. E sentiram ainda um forte sentimento de culpa por nada terem feito para proteger aquele seu ente querido que ficou totalmente à mercê dos monstruosos caprichos dos demandados BB, AA e CC;

426. Por outro lado, durante os (pelo menos) 20 anos que a mesma permaneceu no seio da F..., os demandados BB, AA e CC impuseram à falecida MM jornada diárias de trabalho e que compreendiam a limpeza de todas as divisões que integram as instalações da instituição em causa, a confeção das refeições, o arranjo dos jardins, cuidar dos animais,

427. Bem como, todas as demais tarefas necessárias ao normal funcionamento e manutenção da dita instituição;

428. Jornada essas, que eram executadas durante 7 dias por semana, sem qualquer dia de descanso semanal, sem feriados e sem férias;

429. Tendo todos os demandados BB, AA e CC beneficiado da mão de obra que lhes foi gratuitamente prestada pela falecida MM e que eles próprios impuseram a esta;

430. Contudo, os demandados BB, AA e CC não pagaram à falecida MM um único escudo (nem um único cêntimo a partir 1/1/2002).

2.c) FACTOS ORIUNDOS DOS RELATÓRIOS SOCIAIS

435. Do relatório social da arguida BB, de fls. 1732 e ss consta:

Natural de ..., onde a sua ascendência familiar se encontra enraizada, BB é proveniente de um numeroso agregado de inserção rural e modesta condição socioeconómica, sendo a primogénita de dez irmãos. O progenitor, operário numa fábrica de tapetes da localidade e coveiro da freguesia, foi o principal responsável pelos recursos económicos do agregado, dedicando-se também à manufatura de cestos, nos horários extralaborais. Com padrões de funcionamento familiar alicerçados em valores tradicionais, a organização doméstica e o acompanhamento educativo dos filhos eram domínios da responsabilidade materna que, em paralelo, realizava trabalhos de costura, contribuindo desta forma para os rendimentos familiares. Quanto ao nível de qualidade de vida e conforto económico é mencionada uma situação restritiva de austeridade.

No sistema de ensino, que refere ter frequentado até cerca dos 11 anos de idade, BB habilitou-se com os quatro anos de escolaridade obrigatória, à época. Diz ter concluído o 6º ano de escolaridade, já em idade adulta, sendo confusa e imprecisa a informação fornecida a este respeito, não sabendo indicar o momento nem o contexto.

A partir dos 11 anos de idade, interrompeu a escolarização e o seu quotidiano ficou mais circunscrito ao universo familiar e comunidade circunvizinha, coadjuvando a progenitora nas tarefas domésticas e na assistência aos irmãos.

Sendo o progenitor sacristão da paróquia local, a ligação de BB à igreja católica, surge na continuidade da pertença familiar e persistiu para lá da infância, enquadrando o seu processo de socialização. Integrou o grupo de jovens da paróquia, participando nas atividades organizadas nesse contexto, nomeadamente no grupo coral e no serviço de catequese.

BB sublinha a ligação privilegiada ao progenitor e apresenta uma imagem ideal e idolatrada da figura paterna. Afirma ter boas recordações da sua infância e juventude, assim como do seu quadro familiar de origem, aludindo ter sido exposta a práticas educativas, em que o castigo/agressão física era habitual, tanto no contexto familiar como escolar.

Tinha 21 anos de idade quando se autonomizou da família de origem, tendo então aderido à F..., na sequência da participação num “curso de orientação para a vida”, tal como é designado pela própria, tratando-se de jornadas nacionais ou “retiro” de divulgação desta associação de fiéis, junto de população jovem. Para BB, este foi um momento de revelação e descoberta da vocação pessoal para a vida religiosa e para a caridade.

Durante cerca de três anos permaneceu em ..., em coabitação junto de outros elementos da associação, cujos rendimentos eram provenientes dos trabalhos prestados por cada um, habitualmente na realização de serviços domésticos, nomeadamente de limpeza, para particulares. Foi neste contexto que se estabeleceu e desenvolveu a ligação entre BB e os coarguidos, que a partir de dezembro de 1974 obtiveram alojamento numa habitação, situada ... e cedida pela Diocese de ....

Refira-se que a F... não foi reconhecida pela hierarquia da Igreja Católica e, como tal, nunca lhe foi atribuído o estatuto de congregação religiosa, sendo considerada uma associação de fiéis.

BB e coarguidos constituíram o Centro ... e foram os responsáveis e os gestores desta instituição particular de solidariedade social, em funcionamento há cerca de 30 anos, em .... BB ocupava a terceira posição na hierarquia, conforme à ordem de entrada na associação de fiéis, ocupando-se sobretudo dos assuntos mais práticos da organização e funcionamento institucional.

O imóvel foi adquirido pela F..., representada pelos arguidos, e as diversas instalações foram progressivamente construídas, remodeladas e adaptadas pelos próprios arguidos, pelas utentes do Centro ..., com a colaboração regular de voluntários, exteriores à organização religiosa. Para além dos donativos, os rendimentos económicos eram provenientes dos trabalhos produzidos na tipografia, sendo referidas publicações de divulgação missionária e encomendas exteriores à organização. Dispunham ainda de meios próprios de subsistência, provenientes da produção hortícola e avícola para consumo interno.

O quotidiano dos residentes era organizado em função das exigências de trabalho, na limpeza e organização doméstica, na tipografia, na horta e aviário e nos jardins, sendo igualmente ritmado pelos diversos momentos de oração e rotinas de doutrinamento.

A instituição integrava uma população volúvel de adolescentes e jovens do género feminino, de nível etário e proveniência diversificados, habitualmente com baixos níveis de escolarização, algumas em situação de rotura ou disfuncionalidade familiar e de exclusão social, e possivelmente, em circunstâncias de indefinição pessoal ou de crise de identidade.

BB sempre manteve contactos regulares com a sua família de origem, que visitava habitualmente acompanhada por um dos coarguidos, recebendo igualmente visitas dos progenitores e irmãos no Centro ....

Excluída do Centro ..., em novembro-2015, BB ficou desprovida de rendimentos próprios e de meios de subsistência. Regressou ao seu quadro sociofamiliar de origem, em ... e passou a residir sozinha no endereço indicado nos autos, naquela que foi a morada de família, uma moradia de dois pisos, entretanto herdada por uma das suas irmãs.

BB coadjuvou esta irmã na prestação de cuidados e assistência à progenitora, que tinha então 90 anos de idade, sendo igualmente cuidadora de uma tia paterna, junto da qual passou a coabitar em ...-2018, na sequência do óbito da progenitora. Entretanto, a tia faleceu em ...-2021 e a arguida permanece na habitação, herdada pelos primos e também situada na Rua ..., com o Número de Policia ....

Esta situação habitacional é transitória, tendo BB solicitado a atribuição de habitação camarária.

Dispõe agora de uma pensão de velhice, com uma prestação mensal na ordem dos 400 euros.

Apresenta problemas de saúde, do foro oncológico, diagnosticados há cerca de dois anos, e mantém acompanhamento clínico regular, no Instituto Português de Oncologia ....

Na área de inserção habitacional, atual ou à data dos factos, a imagem social da arguida está associada à pertença familiar e à vocação e percurso religioso, sendo referida uma inserção ajustada, adequação nas interações pessoais e relações de vizinhança, isenta de conflitos ou perturbações. BB sente-se estimada e bem acolhida no seu quadro sociofamiliar de origem.

Com a notícia dos factos e a intervenção dos órgãos de polícia criminal no âmbito dos presentes autos, BB foi desde logo afastada das instalações do Centro ..., erigido como seu habitat durante cerca de 26 anos, resultando fraturados os vínculos e as condições de estabilidade conquistados. Foi também intimada pela hierarquia eclesial, para retirar o hábito de freira, confrontando-se com a perda das condições materiais de vida, do seu estatuto social e dos símbolos da sua identidade.

Considerando ter sido lesada na sua imagem e credibilidade pessoal, BB manifesta sentimentos de surpresa, mágoa e desgosto pessoal face ao seu estatuto de arguida, transparecendo o impacto emocional da situação jurídico-penal, cujo desfecho aguarda com ansiedade, não antecipando a hipótese de condenação.

A notícia do atual processo e da situação jurídico-penal constituiu uma surpresa, sendo encarado com incredulidade, na sua área de proveniência sociofamiliar, como no seu contexto habitacional, à data dos factos. BB continua a usufruir da retaguarda, confiança e solidariedade do seu quadro sociofamiliar, mantendo-se ligada à rede comunitária local, onde não foram identificadas atitudes de rejeição ou animosidade face à pessoa da arguida.

Proveniente de uma família numerosa, de modesta condição social e inserção rural, BB completou os quatro anos de escolarização obrigatória, de acordo com o sistema de ensino da época. Depois, e durante cerca de dez anos, o seu quotidiano ficou mais circunscrito ao universo familiar e comunidade circunvizinha, coadjuvando a progenitora nas tarefas domésticas e na assistência aos irmãos.

Transmitida pelos progenitores, a ligação à igreja católica foi determinante no seu percurso que, a partir dos 21 anos de idade, teve como enquadramento a associação de fiéis F... e o Centro ..., que constituiu e dirigiu, em colaboração com os coarguidos.

Com um percurso atípico, durante cerca de 44 anos, BB viveu em contexto protegido e retirado da sociedade organizada, em que, para além das rotinas de oração, lhe foram maioritariamente solicitadas aptidões manuais, de caráter indiferenciado e pendor doméstico e a sua experiência de trabalho nunca evoluiu para uma situação de emprego convencional ou formal.

Na sequência dos factos que estão na origem dos presentes autos, foi excluída do centro ... e regressou ao seu quadro sociofamiliar de origem, confrontando-se com a perda das anteriores condições materiais de vida, do seu estatuto social e dos símbolos da sua identidade. Agora com 71 anos de idade, BB reside sozinha, está reformada e apresenta problemas de saúde do foro oncológico”.

436. Do relatório social da arguida CC, de fls. 1738 e ss, consta:

“CC é a terceira de quatro irmãs e aos dezoito meses de vida ficou órfã de mãe, que faleceu no parto da irmã mais nova. Neste contexto, uma tia paterna passou a integrar o agregado para apoiar o pai da arguida na prestação de cuidados às descendentes; à data, a irmã mais velha de CC tinha 6 anos de idade. Aproximadamente um ano depois, o pai contraiu matrimónio com uma tia materna da arguida e, segundo esta, a relação da tia/madrasta em relação às sobrinhas/enteadas não se pautava pelo afeto.

A arguida ingressou no sistema de ensino em idade própria que frequentou até à então 6ª classe, com o apoio económico do proprietário da quinta na qual o pai era feitor, sobretudo da 3ª à 5ª classe.

Frequentou e concluiu a 6ª classe no Liceu ..., ....

Com cerca de 17 anos de idade CC, que já não integrava a família de origem pelo facto de ter ido estudar para o ... e depois trabalhar em ..., participou num retiro espiritual dinamizado pelo Pe. AA, co-arguido no presente processo judicial. Regressou a casa por ser ainda menor de idade e, conjuntamente com algumas das participantes naquele retiro, aos 18/ 19 anos, foi para a ..., passando a colaborar com o arguido na organização de retiros, nomeadamente em ....

Posteriormente arrendaram uma casa em ... e após o 25 de abril de 1974 CC e a restante comunidade de fiéis católicas foram viver para ..., numa casa arrendada através do Arcebispado de ..., onde criaram uma tipografia cuja atividade ficou a cargo de CC. Cerca de sete anos depois, e segundo a própria, com o apoio de benfeitores, a “F...”, organização religiosa de que faz parte, adquiriu um terreno em ... e, em 1985, fundou o Centro ....

Ao nível laboral CC começou a trabalhar aproximadamente aos 17 anos de idade, como professora da então 4ª classe, no Colégio ..., em ..., e posteriormente, quando permaneceu em ..., foi 3ª Oficial no Ministério da Economia.

Há cerca de 45 anos a arguida começou a trabalhar como compositora na tipografia da congregação de fiéis a que pertence.

Desde aproximadamente há 30 anos a arguida tem problemas oncológicos, tendo sido sujeita a tratamentos de quimioterapia, que, entretanto, abandonou por considerar que eram fisicamente agressivos. No entanto mantém o acompanhamento médico e medicamentoso no Centro Hospitalar ....

À data dos factos, CC integrava a comunidade “F...”, contexto que mantém, sendo manifesto o sentimento de pertença àquela instituição e às atividades desenvolvidas pela mesma, designadamente as de cariz social e religioso junto de jovens e da população reclusa, que, com a vigência do presente processo judicial estão suspensas. A instituição está sedeada em ..., inserida num terreno de 4 hectares e dispõe de espaços residenciais e outros

destinados a eventos religiosos. Aquela comunidade é constituída por mais três fiéis consagradas, uma delas co-arguida no presente processo, e o sacerdote, também co-arguido.

A arguida mantém contactos com a irmã mais nova, que a visita com alguma regularidade, sendo a relação de ambas descrita como de afeto e apoio mútuo.

A subsistência de CC e da comunidade religiosa a que pertence é assegurada pelos donativos, em dinheiro e géneros, dos benfeitores, da agricultura de subsistência praticada por alguns elementos da instituição e da atividade religiosa desenvolvida, designadamente a venda da revista mensal e livros que são compostos e impressos na tipografia da instituição.

CC, assim como a organização religiosa de que faz parte, goza de boa imagem no meio social de inserção. A arguida ocupa o tempo em tarefas relacionadas com a tipografia e em oração, comunitária e individual.

A presente situação juridico-penal não teve repercussões na imagem que CC tem na comunidade de inserção. Paralelamente, não se constituiu como constrangimento à manutenção do apoio que beneficia dos elementos da comunidade a que pertence e da família.

Em termos pessoais, a atual situação judicial, a primeira com que se confronta no seu percurso de vida, tem sido vivenciada com preocupação e tristeza, não só pelo contacto com o sistema de administração da justiça penal, mas também por dizer respeito à Obra que ajudou a construir e à qual tem dedicado a sua vida, e ter limitado a ação junto da população reclusa e dos jovens.

CC verbaliza sentido critico relativamente a atos de natureza idêntica aos que constam na acusação e reconhece em abstrato a sua ilicitude, bem como a existência de eventuais vítimas. Está disponível para aceitar a intervenção do sistema legal.

O percurso de vida de CC decorreu, sobretudo a partir da adolescência, em contextos associados à religião e atividades religiosas, com vivência em comunidade constituída por fiéis consagrados, relativamente à qual evidencia sentimento de pertença, identificando-se com as atividades desenvolvidas pela mesma.

A arguida mantém contacto com família de origem, fundamentalmente com uma irmã, registando há vários anos problemas de saúde, sendo alvo de acompanhamento médico.

CC projeta uma imagem social positiva, que não foi prejudicada pelo atual confronto judicial, face ao qual manifesta tristeza sobretudo por envolver a instituição à qual tem dedicado em exclusivo a sua vida.

Na eventualidade de CC ser condenada afigura-se-nos que a arguida deverá interiorizar o desvalor da conduta criminal, bem como os danos provocados nas vitimas e a necessidade do respeito por valores fundamentais como a liberdade pessoal.

437. Do Relatório social da arguida DD, de fls. 1725 e ss, consta:

“DD provém de uma família de parcos recursos económicos, constituída pelos progenitores, jornaleiros agrícolas e sete descendentes, sendo a arguida uma das descendentes mais novas. O pai faleceu quando a arguida tinha dois anos, acentuando-se a fragilidade económica do agregado. Não obstante as dificuldades, DD descreve a progenitora como uma figura importante no seu processo educativo, pautado pelos valores tradicionais e que conseguiu suprir a ausência da outra figura parental. A dinâmica familiar foi descrita como positiva e de relacionamento adequado entre os diferentes membros.

Frequentou a escola em idade própria tendo concluído o 4º ano. O seu percurso é descrito como normativo e com um aproveitamento positivo, sem registo de retenções.

Quando terminou a escola, DD passou cerca de um ano na casa de uma tia viúva, ajudando-a e fazendo-lhe companhia, antes de começar a trabalhar como empregada doméstica. Depois de cinco anos nesta atividade, regressou à casa da mãe e começou a ajudar uma irmã, costureira de profissão.

Neste início do seu trajeto laboral, as atividades desenvolvidas funcionaram num registo informal, sem vinculação contratual.

Durante a sua juventude, DD refere ligação a várias atividades e grupos ligados à Igreja Católica: catequese, Ação Católica, retiros para jovens. Após a sua participação num retiro realizado pelos coarguidos, AA e CC, DD tomou a decisão de acompanhar o trabalho por eles desenvolvido, tendo ingressado numa comunidade religiosa por aqueles criados. Esta comunidade teve a sua génese na ..., posteriormente após convite da arquidiocese de ..., esta associação fixou-se no ... em ... e finalmente em ....

DD encontra-se nesta associação desde os 20 anos, desenvolvendo funções ligadas à gestão doméstica da comunidade e na atividade da tipografia.

DD vive numa comunidade de cariz religioso, designada como F..., há quase cinquenta anos, sendo evidente os vínculos de pertença da arguida à instituição e à obra desenvolvida pela mesma.

Esta comunidade é constituída presentemente por quatro leigas consagradas, nas quais se inclui a arguida. A instituição sedeada em ..., propriedade pertença da F..., é constituída por um edifício onde estão instalados os espaços que constituem a residência das leigas e do arguido AA, além de espaços destinados a celebrações religiosas e de apoio às atividades sociais.

Os fins prosseguidos pela F..., constituem para DD uma prioridade na sua vida. Para além das atividades de cariz religioso diárias, colabora nas diversas tarefas de gestão doméstica do espaço, na manutenção dos jardins exteriores, nas atividades desenvolvidas na tipografia ou nas atividades sociais que a associação desenvolvia, direcionadas para o apoio à população reclusa e para os jovens e que atualmente se encontram suspensas na sequência do presente processo.

A dinâmica da associação assente numa hierarquia, onde o fator idade assume importância, o que justificará a indicação de DD como representante legal da associação. Comparativamente às restantes arguidas, DD assumia sobretudo funções relacionadas com as tarefas de manutenção e conservação do espaço físico da associação, sendo caracterizada como uma pessoa humilde e submissa, focando-se sobretudo na dimensão mais espiritual e aceitando sem questionar as ordens e orientações que lhe eram dadas.

DD refere a existência de cinco irmãos do seu grupo familiar alargado: três irmãs que residem em freguesias próximas e dois irmãos que vivem no Brasil. A arguida mantém contactos com estes familiares. A relação assenta em vínculos afetivos adequados, com base no suporte, cuidado e proteção recíprocos.

DD usufrui de uma pensão social de cerca de 210 euros, que é entregue à associação, sendo a instituição que assegura as necessidades de subsistência das quatro leigas. A instituição subsiste sobretudo com recurso a donativos de beneméritos, que continuam a apoiar a obra. As receitas da tipografia são canalizadas para novas publicações e para a divulgação dos objetivos e missão da obra.

DD refere algumas limitações de saúde que vão condicionando as suas rotinas na instituição, sobretudo aquelas que exigem maior esforço físico, designadamente algumas tarefas domésticas e no jardim. O sentido comunitário do grupo, proporciona-lhe uma maior proteção face às suas limitações, sendo maior a sua disponibilidade para a vivência espiritual.

Socialmente não foram recolhidas informações que indiciassem problemas na sua integração ou na relação com a comunidade.

DD identifica como negativo o impacto do presente processo nos fins prosseguidos pela instituição, limitando o apoio prestado aos reclusos e impedindo a intervenção junto de jovens.

Não sinaliza especial impacto a nível social, continuando a instituição a receber o apoio das pessoas que se identificam com os fins da instituição.

A arguida sente-se apoiada pela família, que se mostra preocupada com as repercussões do processo no estado emocional e físico daquela.

Manifesta, no abstrato, um discurso de censura e demonstra reconhecer a ilicitude de comportamentos como os descritos na acusação e perceciona de forma adequada vitimas e danos nestes comportamentos, mas demonstrou alguma dificuldade na compreensão da tipologia do crime (escravidão) pelo qual se encontra acusada.

Manifesta uma atitude de conformação com a existência do processo e com eventuais consequências que possam advir, não tanto para si, mas sobretudo com repercussões no funcionamento e existência da instituição.

DD apresenta um processo de socialização com um enquadramento familiar positivo.

Beneficia de uma rede de suporte constituído quer pelos membros da comunidade que integra, cujos fins e dinâmica refletem o sentido de realização da arguida numa vertente mais pessoal. De relevar também o apoio do grupo familiar de origem consubstanciado sobretudo em visitas à arguida na instituição

A arguida integra esta a instituição há cerca de 50 anos. A vivência da vida adulta de DD desenrolou-se sempre enquanto integrada na instituição, sendo o quotidiano direcionado exclusivamente para a realização das finalidades da mesma”.

438. Consta dos autos uma informação da DGRSP de fls. 1484, da qual resulta que o arguido AA faltou à entrevista agendada para 25/02/2021; bem como informação de fls. 1682, da qual resulta as razões pelas quais não foi possível a realização da entrevista ao arguido, ficando assim inviabilizada a realização do relatório social solicitado.

FACTOS ORIUNDOS DOS CERTIFICADOS DE REGISTO CRIMINAL

439. Do CRC do arguido Centro ... nada consta;

440. Do CRC da arguida BB Nada consta;

441. Do CRC do arguido AA nada consta;

442. Do CRC da arguida CC nada consta;

443. Do CRC da arguida DD nada consta;

FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DAS CONTESTAÇÕES

444. A F... é que constituía verdadeiramente, o carisma e a atuação das Irmãs Missionárias.

445. Teve uma ação virada para a oração e vocacionada para os jovens, em especial para aqueles que se encontrassem detidos em todos os estabelecimentos prisionais do país.

446. Desde 1995, e ao longo de muitos anos, até Novembro de 2015, com visitas regulares ás cadeias, levou auxilio espiritual e material.

447. Desenvolveu trabalho reconhecido por muitos, pela Direção Geral dos Serviços Prisionais, bem como pela própria Diocese de ..., a quem apresentava todas as suas publicações.

448. De realçar a carta de congratulação redigida pelo Prof. Doutor AAA, datada de 22 de Setembro de 2003;

449. A casa da F... foi frequentada por ilustres Eminências da Igreja, de quem receberam a benção.

FACTOS NÃO PROVADOS

450. Que os arguidos gerissem o Centro ... com total secretismo.

451. Os arguidos idealizaram um embuste para forçar as jovens angariadas a exercerem contrariadas todas as tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações propriedade do Centro ..., mediante a sua atemorização, que lhes foi coartando, ao longo do tempo, qualquer capacidade de reação, utilizando-as como mera força de trabalho e, por essa via, beneficiando patrimonialmente o Centro ..., na modalidade de poupança de despesas;

452. Os arguidos tinham como alvo jovens de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas.

453. A arguida DD participou na concepção ou aderiu ao plano firmado e executado pelos demais arguidos e, nas concretas situações em que agiu, fê-lo em conjugação de esforços e vontades com aqueles.

454. Nas situações descritas nos pontos 58., 83., 112., 129., 130., 181. e 183., a arguida DD atuou em conjugação de esforços e vontades com os arguidos AA, CC e BB, e em execução de um plano entre todos firmado ou a que aquela aderiu.

455. As tarefas que as ofendidas eram obrigadas e desempenhar incluíam plantarem, podarem e abaterem árvores de grande porte e racharem lenha.

456. A arguida DD impunha às ofendidas jornadas diárias de trabalho que chegavam a atingir as 14 horas e que compreendiam as tarefas descritas no ponto 33 dos factos provados ou deu a sua anuência a outros arguidos para que assim procedessem.

457. A arguida DD não teve conhecimento nem anuiu nos comportamentos descritos nos Factos Provados n.os 44., 45., 47., 55., 56., 63., 65., 87., 98., 102., 105., 107.,110., 123., 140., 142., 163., 181., 183., 208., 234., 235., 237., 239., 244. 258., 260., 270., 280., 284., 286., 297., 415., 418., 419., 421., 422., 425., 426., 430. e 433..

458. A arguida BB, com o conhecimento e anuência dos demais arguidos, levou o almoço à ofendida MM composto de excrementos de cão, que atirou para cima da cama e os lhe esfregou na cara e mandou-a ir lavar-se pois estava com o Diabo

459. O descrito em 54. dos Factos Provados ocorreu também em consequência da conduta da arguida DD

460. As sequelas descritas em 78.º dos Factos Provados ocorreram também em consequência da conduta da arguida DD

461. Não era permitido à ofendida FF ir ao médico.

462. A ofendida FF na sequência dos castigos que eram implementados, por vezes, só podia tomar banho de 15 em 15 dias.

463. A arguida DD anuiu aos comportamentos perpetrados sobre a ofendida FF pelos demais arguidos.

464. No circunstancialismo descrito em 112. dos Factos Provados as arguidas CC e DD pessoalmente dirigiram insultos à ofendida HH

465. As consequências descritas no ponto 184. dos Factos Provados decorreram da conduta da arguida DD.

466.Todas as ofendidas, face à atuação conjugada dos arguidos, ficavam totalmente subjugadas, pelo temor, às suas vontades.

467. Os arguidos AA, BB, CC e DD exerciam uma completa relação de domínio sobre as ofendidas.

468. Os arguidos trataram as ofendidas como se tratassem de propriedade sua, com total desumanização das ofendidas e limitação da sua liberdade de movimentos.

469.As ofendidas viram-se impedidas de abandonar a F... e de não proceder conforme lhes era ordenado pelos arguidos AA, BB, CC e DD face ao poder que estes tinham em ambas as instituições e com receio de retaliações dos arguidos.

470. A arguida DD agiu nos termos descritos nos pontos 185., 187., 189. e 190. dos factos provados.

471. No ponto 193. dos Factos Provados, a demandante contratou a ofendida EE.

472. A demandante EE trabalhava 16 horas ou mais por dia.

473. No ponto 214. dos Factos Provados, a demandante EE viu a sua liberdade e autodeterminação completamente limitada.

474. Durante mais de 10 anos, a demandante EE debateu-se com uma nítida impossibilidade de mudar a sua condição e sob sujeição absoluta a imposições dos arguidos;

475. A demandante EE, durante mais de 10 anos, viveu numa completa de relação de domínio perante os arguidos demandados e numa completa relação de medo e terror, ficando aquela num evidente estado de passividade e coartada de liberdade pessoal e de decisão.

476. No circunstancialismo referido em 235. dos Factos Provados, os demandados tratavam a demandante GG como se se tratasse de propriedade sua, com total desumanização da demandante.

477. No circunstancialismo referido em 237. dos Factos Provados, a demandante GG: ficou totalmente subjugada.

478. A demandante GG vivia em pleno cárcere e apenas lhe foi permitido vir a casa ao fim de cerca de 10 anos

479. A demandante GG era usada pelos demandados BB, AA e CC como se tratasse de um mero instrumento de trabalho, não assalariado, que tinha a capacidade de executar todo e qualquer tipo de tarefa.

480. Os demandados BB, AA e CC estribavam-se numa falsa religiosidade para, no fundo, obterem a mão de obra escrava da demandante e das demais ofendidas.

481. Ou seja, a referida Instituição, não visava “servir a Deus” mas sim servir os interesses pessoais dos demandados BB, AA e CC

482. O tempo de prestação de trabalho diário atingia, a maioria das vezes, as 16 horas.

483. No circunstancialismo referido em 297. dos Factos Provados, a demandante GG estava totalmente subjugada às ordens que lhe eram impostas pelos demandados.

484. No circunstancialismo referido em 423. dos Factos Provados MM suicidou-se para nunca mais vir a ser importunada e agredida pelos demandados.

485. No circunstancialismo referido em 426. dos Factos Provados as jornadas de trabalho eram de 20 horas diárias.

486. MM viu permanentemente coartada a sua liberdade de autodeterminação e a exploração gratuita do seu trabalho;

487. Os demandados BB, AA e CC demitiram-se conscientemente do seu dever de vigilância relativamente à instituição arguida (C ...);

488. E fizeram-no mesmo perante as numerosas e sucessivas queixas e denúncias recebidas quer por parte das próprias vítimas, quer dos seus familiares;

489. Nada tendo feito, em tempo útil, para impedir e/ou interromper os atos ilícitos dos demais demandados BB, AA e CC;

490. MM foi totalmente subjugada e privada da liberdade por parte dos arguidos.

2.2. Das questões a decidir

Todo o balanceio recursivo seguirá a ordem já atrás anunciada, cabendo notar que sempre que determinados aspetos trazidos pelos diversos recorrentes – Assistentes e arguida - se mostrem tratados, em termos de abordagem técnico-jurídica, feita uma primeira, será sempre para esta remetida, evitando-se repetições de considerandos e a consequente densidade de texto que, ao que se pensa, deve ser evitada.

Regista-se, também, que havendo em comum a todos os recorrentes a prévia questão da admissibilidade recursória, globalmente, esta será tratada.

*

A – Admissibilidade dos Recursos Penais

Tal como o detalhadamente analisado pelo Digno Mº Pº junto deste STJ, considerando todo o decidido por via do Acórdão em sindicância, prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, e os argumentos revidendos trazidos pelos recorrentes – Assistentes e arguida CC -, coloca-se, em primeira mão, a questão da recorribilidade daquele e sua extensão.

Visitando conjugadamente os normativos que encerram os artigos 432º, nº 1, alínea b)60 e 400º, nº 1, alíneas e) e f)61, ambos do CPPenal, suscitam-se claras dúvidas quanto à possibilidade de intervenção deste STJ relativamente a diversos segmentos recursivos apresentados pelos recorrentes.

Os preceitos em referência, pacificamente entendidos, delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância62.

Diga-se, também, que este balizamento abrange penas singulares aplicadas por força da prática de um único crime, penas impostas em concurso de crimes e relativas a cada um deles e penas únicas resultantes do concurso.

Importa notar que neste alinhamento não se exige que o Tribunal da Relação confirme na totalidade a decisão de 1ª Instância, cabendo todos os casos de uma mera divergência quantitativa, para menos, da medida da pena, a denominada confirmação in mellius63, bem como aquelas situações em que houve alteração da matéria de facto conducente à diminuição do número de crimes, abaixamento de penas parcelares e, consequentemente, da pena única.

Parece pacífico que, como no caso em apreço, ocorrendo uma eliminação dos factos provados advinda da impugnação dos mesmos no recurso para a Relação tal não impede a dupla conforme, sendo que a alteração da matéria de facto e a sua nova integração jurídica, menos gravosa, não permite deixar de considerar que se está perante um caso de dupla conformidade entre a decisão de 1ª instância e a decisão do Tribunal da Relação64.

E, nesse desiderato, considerando as penas que foram impostas aos arguidos, visto o disposto nos atrás mencionados incisos legais, o arresto em presença, prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, é irrecorrível - princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade65.

Cabe reter, igualmente, que este patamar de irrecorribilidade advinda da denominada dupla conforme, ao que se vem entendendo, estende-se à medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas diretamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto a nulidades, inconstitucionalidades e vícios da decisão recorrida, outrossim aos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre apreciação da prova e da culpabilidade e do ne bis in idem.

Acresce que vem sendo jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, que esta linha de pensamento, por nenhuma forma, bule com as garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, constitucionalmente acolhido, pelo menos, num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 18º, 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14º, nº 5)66.

Na realidade, mostra-se inquestionável, que o artigo 32º, nº 1, da CRP, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Finalmente, sempre se diga que por força do plasmado no artigo 414º, nº 3 do CPPenal, a decisão de admissão do recurso e, bem assim, a fixação do seu efeito e regime de subida, pelo tribunal recorrido, são pronunciamentos que não vinculam o tribunal superior que pode rejeitar aquele e modificar o efeito e / ou o regime de subida67.

Partindo de todas estas premissas, e no que tange à matéria criminal, in totum, são inadmissíveis os recursos interpostos para este STJ, pelas Assistentes EE, GG e OO - pese embora todo o caminho encetado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, mormente no que tange à pouco compreensível benevolência relativa às penas únicas impostas ante tão graves factos e atuações -, bem como pela arguida CC, do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

Sequentemente, não há que tomar qualquer pronunciamento sobre as suscitadas questões neste matiz e acima enunciadas em II. 1, i), ii) e iii)68.

B – Recurso Cível

A Assistente OO, na qualidade de herdeira da ofendida MM, invoca que, mesmo em caso de absolvição, sempre teria o tribunal recorrido de manter a condenação dos demandados cíveis por imperativo do artigo 377º, n.º 1, do CPPenal, porquanto se verificam todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou, caso assim não se entenda, por via do instituto da responsabilidade civil contratual.

Como se extrai do anteriormente decidido – cf. despacho com a Referência Citius ...73 – a apreciação e decisão do segmento respeitante ao pedido de indemnização cível deduzido contra os arguidos / demandados e face ao falecimento de AA, está dependente de incidente de habilitação de sucessores, nos termos do plasmado nos artigos 351º e 357º do CPCivil.

Nesta esteira, e após decisão a tomar neste particular incidente, haverá pronunciamento sobre o pedido cível de deduzido.

*

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, os recursos interpostos pelas assistentes EE, GG e OO, quanto à vertente criminal, e pela arguida CC, em conformidade com o conjugadamente disposto nos artigos 400º, nº 1, alíneas e) e f), 414º, nºs 2 e 3, 420º, nº 1, alínea b), e 432º, nº 1, alínea b), a contrario, todos do CPPenal;

b. Relegar, para momento posterior e após decisão a proferir em eventual incidente de habilitação de sucessores, a apreciação do recurso interposto pelos herdeiros da ofendida MM, quanto à vertente civil – pedido de indemnização cível deduzido contra os arguidos / demandados AA, BB, CC, e Centro ....

*

Pela rejeição dos recursos, nos termos referidos em III - a), e de acordo com o estipulado no artigo 420º, nº 3 do CPPenal, vão condenadas cada uma das Assistentes EE, GG e OO, no pagamento de 3 (três) UC e a arguida CC, no pagamento de 6 (seis) UC.

*

O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de abril de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

António Augusto Manso (1º Adjunto)

Antero Luís (2º Adjunto)

_____________________________________________

1. Adiante AA

2. Adiante BB

3. Adiante CC

4. Adiante DD

5. Referência Citius ...54.

6. Referência Citius ...42.

7. Efetuado convite para correção do articulado recursivo por forma a que o mesmo contivesse conclusões, em respeito ao que estatui o disposto no artigo 417º, nº 3 do CPPenal, foi junto requerimento observando o determinado – cf. Referências Citius ...74 e ...24.

8. Regista-se que se expurgam da transcrição todas as reproduções de jurisprudência e / ou doutrina e de partes do Acórdão recorrido.

9. Face à extinção do procedimento criminal relativamente a este arguido, em virtude da sua morte, agora o recurso respeita apenas à arguida.

10. Consigna-se que o instrumento recursivo, omitindo a numeração 8, transita diretamente da conclusão 7 para a conclusão 9.

11. Referência Citius ...56.

12. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão em sindicância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.

13. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

14. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

15. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

16. Consigna-se que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência dos recursos interpostos, procedeu à alteração da matéria de facto advinda da 1ª Instância, tendo, igualmente, procedido à correção de lapsos materiais.

17. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

18. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

19. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

20. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

21. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

22. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

23. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

24. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

25. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

26. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

27. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

28. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

29. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

30. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

31. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

32. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

33. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

34. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

35. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

36. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

37. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

38. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

39. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

40. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

41. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

42. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

43. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

44. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

45. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

46. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

47. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

48. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

49. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

50. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

51. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

52. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

53. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

54. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

55. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

56. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

57. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

58. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

59. Alteração efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

60. Artigo 432.º

Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

61. Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 - Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

62. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 02/05/2024, proferido no Processo nº 4315/21.6JAPRT.P1.S1V – (…) Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância (…) este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. , disponível em www.dgsi.pt..

63. Parecer do Digno Mº Pº junto deste STJ.

64. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 232/18, de 21/05/2018, proferido no Processo nº 1291/2017 – (…)Não se afigura razoável, pelas razões já adiantadas, afirmar que qualquer alteração da matéria de facto, apenas por ser relevante para a qualificação jurídico-criminal, abriria as portas ao recurso para o Supremo Tribunal, em matéria criminal, considerando a necessidade de racionalização do sistema de recursos, a aplicação de penas de prisão inferiores a 8 anos e, em particular, a circunstância de o Tribunal da Relação proceder a uma reapreciação global das questões de facto e de direito relevantes para o recurso, o que corresponde a um controlo jurisdicional completo e efetivo (…) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidas em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a oito anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância, alterando uma parte da matéria de facto essencial à subsunção no tipo penal em causa (…) – disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/2018 - do STJ, de 15/09/2021, proferido no Processo nº 4426/17.2T9LSB.L1.S1 – (…) A alteração da matéria de facto não permite deixar de considerar que estamos perante um caso de dupla conformidade entre a decisão de 1.ª instância e a decisão do Tribunal da Relação, de modo que, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, é irrecorrível para este Supremo Tribunal de Justiça toda a parte da decisão referente aos crimes pelos quais o arguido foi condenado em penas de prisão inferiores a 8 anos (confirmadas pela Relação sem alteração do decidido em 1.ª instância) -, 19/02/2025, proferido no Processo nº 575/22.3JACBR.C1.S1 – (…) alteração da matéria de facto não permite deixar de considerar que estamos perante um caso de dupla conformidade entre a decisão de 1.ª instância e a decisão do Tribunal da Relação, de modo que, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, é irrecorrível para este Supremo Tribunal de Justiça (…) – disponíveis em www.dgsi.pt.

65. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2018, de 02/05/2018, proferido no Processo nº 1291/2017 – (…) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidas em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a oito anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância (…) -, os Acórdãos do STJ, de 11/09/2024, proferido no Processo nº 189/19.5JELSB.L1.S1, de 20/03/2024, proferido no Processo nº 266/21.2JAVRL.C3.S1 – (…) Quanto à pena individual aplicada (…)há dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório, inclusive quanto às questões que coloca no recurso para o STJ sobre esse mesmo crime (uma vez que a Relação, quando conheceu do recurso que o recorrente apresentou da decisão da 1ª instância, para além de ter apreciado as mesmas questões que já ali haviam sido colocadas (…) inclusivamente baixou a pena aplicada pela 1ª instância (…) . Esse juízo confirmativo (que abrange a confirmação in mellius pela Relação) garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP) (…) face ao disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível nessa parte (…) em que confirmou a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), tendo-se tornado definitivo (…) o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis algumas das penas individuais (…) mas já o sejam outras (…) e mesmo com a pena única -, de 29/02/2024, proferido no Processo nº 9153/21.3T8LSB.L1.S1 – (…) O elemento central da norma contida no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, que define a não recorribilidade e os critérios da dupla conformidade decisória é a confirmação, integral ou in mellius, da decisão recorrida (…) O art. 432.º, n.º 1, do CPP dispõe que se pode recorrer para o STJ das decisões proferidas em recurso que não sejam irrecorríveis nos termos do art. 400.º, o que será o caso das decisões das Relações, entre outras (como o caso da confirmação condenatória) mas que confirmem pena superior a 8 anos de prisão- art. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e quando em recurso agravem decisão condenatória da 1.ª instância em pena de prisão (parcelar ou única) superior a 5 anos(…)-, de 19/01/2023, proferido no Processo nº 151/16.0JAPTM.E1.S1 – (…) Tendo a Relação reduzido a pena imposta pela 1ª instância e aplicado ao recorrente a pena única de 7 anos 10 meses de prisão, a irrecorribilidade para o STJ estende-se a toda a decisão e, tal como assinalado no ac. do TC n.º 186/2013, abrange “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e conduziu à condenação” (…) as questões suscitadas no recurso da decisão da 1ª instância, foram decididas definitivamente pela Relação, atenta a pena única (inferior a 8 anos de prisão – art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) aplicada ao recorrente, que foi objeto de dupla conforme (que, no caso, inclui a confirmação in mellius), não sendo admissível recurso para o STJ, razão pela qual é o mesmo de rejeitar, não vinculando este tribunal a admissão do recurso pela Relação (art. 414.º, n.º 3, do CPP) -, de 10/11/2022, proferido no Processo nº 386/19.3JAPDL.L2.S1 – (…) os acórdãos proferidos na Relação que confirmem decisão da 1.ª instância e que apliquem pena de prisão inferior a 8 anos são considerados definitivos. E, para saber da admissibilidade (ou não) do recurso, ter-se-á de analisar não só a pena única conjunta atribuída ao concurso de crimes, mas também as penas parcelares atribuídas a cada um dos crimes que integram o concurso (…) Apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) Tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal o entendimento de que uma confirmação in mellius da condenação em primeira instância cabe ainda dentro do conceito de dupla conforme pressuposto pelo art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP -, de 29/09/2022, proferido no Processo nº 264/18.3PKLRS.L1.S1 – (…)Apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) Os arguidos foram condenados em diversos crimes com penas inferiores a 8 anos de prisão, pelo que relativamente a estes, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, sem prejuízo da possibilidade de verificação da existência (ou não) dos pressupostos para que se conclua pela existência de um concurso de crimes, não é admissível o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça; isto para além de não ser admissível recurso de decisões do Tribunal da Relação que apliquem penas não superiores a 5 anos de prisão, não tendo havido absolvição na 1.ª instância [cf. art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP] -, de 29/10/2021, proferido no Processo nº 65/16.3GBSLV.E1.S1 – (…) É admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) No que se refere ao arguido BB as penas que lhe foram aplicadas em 1.ª instância e depois confirmadas pelo Tribunal da Relação são todas inferiores a 8 anos de prisão, pelo que é inadmissível o recurso para este Tribunal, por força do disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP (…) O acórdão do Tribunal da Relação constitui um acórdão condenatório, que confirmou (…) in mellius a condenação anterior do arguido (…) em pena inferior a 8 anos de prisão, pelo que (por força do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, articulado com o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) deve o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade, ainda, a Decisão Sumária do STJ, de 26/02/2014, proferida no Processo nº 851/08.8TAVCT.G1.S1 – (…) Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não têm recurso para o STJ os acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (…) é jurisprudência uniforme do STJ, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto (…) A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime. É a chamada confirmação in mellius – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

66. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04/07/2024, proferido no Processo nº 432/20.8JAVRL.G1.S1, de 11/09/2024, proferido no Processo nº 185/22.5JACBR.C1.S1 - (…) Tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão do tribunal coletivo da primeira instância só é admissível recurso (…) relativamente à medida da pena única de 15 anos em que foi condenado o arguido, dado nenhuma das penas parcelares aplicadas ser superior a 8 anos de prisão, pelo que todas as questões com estas (e com os respetivos crimes) conexas, de natureza processual e substantiva, terão de ficar excluídas (…) -, de 24/04)2024, proferido no Processo nº 2634/17.5T9LSB.L1.S1 – (…) Essa irrecorribilidade decorrente da designada “dupla conforme” abrange a medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas direta e exclusivamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto à violação dos princípios da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo, da presunção da inocência, dos vícios e nulidade do acórdão e do reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento (…) após a entrada em vigor da atual redação dos artigos 432º e 434º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, os recursos interpostos para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”, previstos na al. b) do n.º 1 daquele primeiro preceito, não podem ter como fundamento os vícios e nulidades referidas no artigo 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma legal (…) -, de 11/94/2024, proferido no Processo nº 199/22.5JACBR.C1.S1– (…) É entendimento pacífico do STJ que a irrecorribilidade de uma decisão resultante da dupla conforme, impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas, adjectivas e substantivas, que lhe digam respeito, designadamente, as respectivas nulidades, os vícios decisórios, as invalidades e proibições de prova, a livre apreciação da prova, o pro reo, a qualificação jurídica dos factos, a determinação da medida da pena singular e inconstitucionalidades suscitadas neste âmbito (…) o acórdão da Relação, confirmado, quanto aos factos e sua qualificação, a decisão da 1.ª instância, bem como as penas parcelares – de 3 anos e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão – e a pena única – de 9 anos de prisão – aplicadas ao recorrente, a verificação da dupla conforme determina, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 399.º, 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), todos do CPP, que os poderes de cognição do STJ, no recurso interposto, estão limitados ao cúmulo jurídico, e à medida da pena única (…) -, de 20/20/2022, proferido no Processo nº 1991/18.0GLSNT.L1.S1- (…) Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas (e com os respetivos crimes) conexas, colocadas a montante, como as nulidades, mormente de prova por valoração proibida, inconstitucionalidades, qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento, ainda a Decisão Sumária, de 12/01/2023, proferida no Processo nº57/20.2PGALM.L1.S1 (…) Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso para este tribunal não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, as relativas às nulidades, vícios indicados no art. 410.º do CPP, à apreciação da prova, incluindo o respeito da livre apreciação da prova e do princípio in dúbio pro reo, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da medida da pena. (…) Esta interpretação que o STJ faz da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não foi julgada inconstitucional pelo TC, no seu acórdão n.º 186/2013, decidido em Plenário (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

67. Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 1126.

68. i) Assistentes EE e GG

- qualificação jurídica dos factos provados, praticados pelos arguidos, e se estes preenchem a tipicidade objetiva e subjetiva do crime de escravidão, p. e p. pelo artigo 159º do CPenal;

- atuação dos arguidos em coautoria;

- responsabilidade criminal da arguida Centro ..., pela prática do referido ilícito.

ii) Assistente OO

- nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPPenal;

- qualificação jurídica dos factos provados, praticados pelos arguidos, e se estes preenchem a tipicidade objetiva e subjetiva do crime de escravidão, p. e p. pelo artigo 159º do CPenal, relativamente à ofendida MM;

- condenação dos demandados no pedido de indemnização civil, por se verificarem os pressupostos da

- responsabilidade civil da arguida Centro ...;

iii) Arguida CC

- prescrição do procedimento criminal instaurado contra a Recorrente pela prática do crime de maus tratos sobre as ofendidas JJ, II e KK;

- inconstitucionalidade da norma do artigo 120º, nº, 1 alínea b) e do nº 3, do CPenal.