Logótipo STJ
Jurisprudência
Sumário

Para efeitos do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos são acções executivas para pagamento de quantia certa.
Decisão Texto Integral

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça


Banco Comercial Português, S.A., com sede na Praça D. João I, n.º 28, 4000-295 Porto, requereu contra Diniz & Cruz – Vestuário do Homem, Lda, com sede a Estrada de Alfragide, Lote 17, 2720-001, Amadora, nos termos do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, procedimento cautelar de entrega judicial, pedindo a apreensão e imediata entrega à requerente, livres de pessoas e bens, dos seguintes imóveis:

• Prédio urbano, edifício destinado à indústria têxtil - rés-do-chão e 3 pisos, sito em Estrada de ..., designado por lote 17, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número .78 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 94 da referida freguesia, pelo valor de 2.469.317,11 euros;

• Prédio urbano, casa da caldeira e logradouro, sito em Casal de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número .85 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .60 da referida freguesia, pelo valor de 169.688,03 euros.

Para o efeito alegou, em síntese, que tais bens foram dados em locação financeira à requerida; que o contrato foi resolvido, em 15-01-2021, por falta de pagamento de rendas e que a requerida não restituiu à requerente os imóveis.

Citada, a requerida pediu que não fosse ordenada a entrega imediata dos imóveis, requerendo a concessão de um período suficiente para proceder à deslocação da fábrica de confecções neles instalada.

Findos os articulados, o Meritíssimo juiz da 1.ª instância, julgando procedente o procedimento, determinou a restituição imediata à requerente dos imóveis dados em locação financeira.

A requerida não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação, pedindo se considerasse improcedente o pedido e que, no seu lugar, fosse proferida decisão a determinar a suspensão da entrega dos imóveis dados em locação financeira. Para tanto alegou em síntese:

• Que em 3 de Setembro de 2024, havia dado entrada de um processo especial de revitalização (PER), dando início à negociação de um plano de recuperação;

• Que era jurisprudência dominante que o PER, nomeadamente com a decisão que nomeia o administrador judicial provisório, obstava a que continuasse, em casos como os dos presentes autos, procedimentos cautelares que visassem a entrega do estabelecimento comercial onde a devedora exerce a sua atividade.

Por despacho proferido em 16-09-2024, foi determinada a suspensão imediata da instância no presente procedimento cautelar e das diligências, visando a entrega dos imóveis dados em locação financeira enquanto durassem as negociações no processo especial de revitalização relativo à requerida, que corria termos no Juízo de Comércio de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º nº 13371/24.4...

Apelação

O requerente não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição do despacho recorrido por outro que ordenasse o prosseguimento dos autos.

O recurso foi julgado improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 19 de Dezembro de 2024.

Revista

O requerente não se conformou com o acórdão e interpôs recurso de revista ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, alegando que o acórdão recorrido estava em contradição com o acórdão do tribunal da Relação de Évora proferido em 25-01-2023, no processo n.º 245/22.2T8ETZ.E1, sobre a questão do sentido e alcance a dar à expressão “acções executivas para cobrança de créditos”, constante do n.º 1 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

Pediu se revogasse o acórdão recorrido e se substituísse o mesmo por outro que declarasse que a norma constante do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE não era aplicável a procedimentos cautelares para entrega de coisa certa e que ordenasse o prosseguimento dos presentes autos.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

A. O Tribunal a quo proferiu acórdão com o qual o recorrente não se pode conformar e que manteve a decisão de suspensão da instância dos presentes autos de procedimento cautelar para entrega de coisa certa com base no entendimento de que 17º-E, n.º 1 do CIRE abrange no seu campo de aplicação todas as ações executivas, independentemente de se destinarem ou não à cobrança de valores pecuniários, desde que a sua prossecução e o efeito dele resultante possam interferir com o prosseguimento da atividade da empresa sujeita a PER.

B. Por nos encontrarmos no âmbito de um procedimento cautelar, o recurso de tal acórdão é admissível nos termos conjugados dos artigos 370.º, n.º 2, 629.º, n.º 2, alínea d) e 671.º, n.º 2 alínea a), todos do CPC, conforme de resto foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30.05.2023, no âmbito do processo 25868/21.3T8LSB-A.L1-A.S1 e em que é Relator o Exmo. Conselheiro António Magalhães e disponível em www.dgsoi.pt: ”De harmonia com o disposto no art. 370º, nº 2 do CPC, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar apenas podem ser objecto de recurso de revista nos casos excepcionais previstos no art. 629º, nº 2 do mesmo diploma”

C. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), por remissão do artigo 671.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (contradição de Acórdãos da Relação no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito) indica-se como Acórdão Fundamento – cuja cópia ora se junta e cuja certidão com menção expressa do trânsito em julgado já se requereu e desde já se protesta juntar – o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, datado de 25.01.2023 e já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo n.º 245/22.2T8ETZ.E1, em que é Relatora a Exma. Desembargadora Ana Margarida Leite e disponível em www.dgsi.pt.

D. Os invocados Acórdãos em contradição (o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento) foram proferidos no domínio da mesma legislação, concretamente e em termos específicos, o artigo 17.º- E, n.º 1, do CIRE na redação que lhe foi dada pela Lei 9/2022 de 11 de janeiro.

E. Resulta ainda da análise dos mesmos que ambos se debruçaram sobre a análise e discussão da mesma questão fundamental de direito, a qual se refere à interpretação do artigo 17.º- E, n.º 1 do CIRE e a consequente inclusão (ou não) dos procedimentos cautelares para entrega de coisa certa no âmbito de tal disposição legal, com as consequências daí advenientes.

F. A contradição dos referidos acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito é objetiva, e resulta dos seguintes excertos dos Acórdãos que se transcrevem:

G. O acórdão recorrido (Processo n.º 9354/24.2T8SNT.L1, Tribunal da Relação de Lisboa): “A questão que importa apreciar no presente recurso consiste, na essência, na interpretação da norma do art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE.” “O art.º 17º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, na parte em que alude a “ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos” e “ações em curso com idêntica finalidade” deve ser interpretado, com apelo às regras da interpretação previstas no artigo 9º do Código Civil, em sentido amplo, de modo a abranger todas as medidas executivas que possam interferir com o património do devedor e com o prosseguimento da sua actividade.” “Assim, impõe-se reconhecer que o art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE abrange no seu campo de aplicação todas as acções executivas, independentemente de se destinarem ou não à cobrança de valores pecuniários, desde que a sua prossecução e o efeito dele resultante possam interferir com o prosseguimento da actividade da empresa sujeita a PER.”

H. Acórdão Fundamento (Processo n.º 245/22.2T8ETZ.E1, Tribunal da Relação de Évora): “A previsão do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE (na redação da Lei 9/2022, de 11-01) – nos termos do qual a decisão referida em I obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade – apenas abrange as ações executivas para pagamento de quantia certa e não as ações executivas para entrega de coisa certa ou para prestação de facto”. “Nesta conformidade, considerando que a providência de natureza executiva requerida nestes autos consiste na entrega de coisa certa, verifica-se que o presente procedimento cautelar não se encontra abrangido pela previsão do n.º 1 do artigo 17.º-E, conforme defende a apelante.”

I. O acórdão recorrido defende – segundo cremos – uma interpretação errada, porque injustificadamente ampla, dos termos “ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos” e “ações em curso com idêntica finalidade” constantes do referido n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, de modo a abarcarem procedimentos cautelares para entrega de coisa certa.

J. Fá-lo, todavia, em desconsideração da letra da Lei e da verdadeira intenção do legislador.

K. O acórdão fundamento entende que na interpretação do referido n. º 1 do artigo 17.º-E do CIRE devem apenas considerar-se incluídas as ações executivas para pagamento de quantia certa e não quaisquer outras como as ações executivas para entrega de coisa certa ou para prestação de facto.

L. Tal entendimento justifica-se por diversas ordens de razões que vão desde o histórico de divergências doutrinais e jurisprudenciais relativas à interpretação da anterior redação do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE até à atuação do legislador no caso concreto, passando pelas regras legalmente impostas no que respeita à interpretação de leis.

M. A redação anterior do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE provocou durante largo período (desde 2012 e até esta nova redação imposta pela Lei 9/2022 de 11 de Janeiro) várias querelas judiciais e doutrinais s que se ocuparam de analisar e interpretar a intenção do legislador relativamente ao tipo de ações que se encontravam abrangidas pela referida disposição legal (nomeadamente se as ações declarativas também se poderiam encontrar abrangidas pelo termos ações para cobrança de dívidas).

N. Tendo perfeito conhecimento das divergências doutrinárias e jurisprudenciais relativas a este tema, ao transpor para a ordem jurídica a Diretiva (EU) 2019/1023, o legislador deliberadamente tomou as opções que entendeu serem as que melhor se adequavam ao espírito da Lei e à finalidade da mesma.

O. Desde logo porque clarificou que a norma não incluía as ações declarativas, assumindo na nova redação que esta apenas se destinava a ações executivas para cobrança de créditos, tendo claramente optado pela expressão, “cobrança de créditos”, sem que a tal tivesse sido obrigado pela diretiva europeia a transpor para a ordem jurídica nacional.

P. A nova redação dada ao artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE teve assim uma natureza claramente inovadora conforme de resto resulta do entendimento plasmado no Acórdão Fundamento, que se segue e que se subscreve na íntegra: “Em nossa opinião, tal argumento não pode colher por várias ordens de razão. Primeiro, porque a opção legislativa não pode ser desmerecida, especialmente atento o debate que o texto legal pretérito mereceu na doutrina e na jurisprudência. No quadro desse debate, a alteração legislativa ganha um sentido específico e a referência inovadora (e não imposta pelo legislador europeu) a “cobrança de créditos” traduz um sentido específico. Segundo, porque a expressão cobrança de créditos remete-nos imediatamente para e inculca a ideia de cobrança de uma dívida pecuniária. Mais uma vez, cremos que foi isso que legislador quis significar. Por fim, porque o espírito e ratio da norma assim o impõem (…).»”.

Q. O legislador abordou a questão com objetividade e clareza, tendo a sua atuação o objetivo de estipular uma norma que resolvesse as divergências anteriormente identificadas e que não deixasse dúvidas quanto à respetiva aplicação.

R. Face à existência de tipos específicos de ações executivas no ordenamento jurídico português (pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa e prestação de facto) não se revela necessária uma interpretação extensiva do termo “ações executivas para cobrança de créditos”, verificando-se ser claro e evidente que o legislador ao usar este termo se refere às ações executivas para pagamento de quantia certa e não a quaisquer outras.

S. Também o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 04.06.2024, proferido no âmbito do processo n.º 4793/23.9T8LRA.C1 e disponível em www.dgsi.pt se pronunciou a este respeito, entendendo que: “Com a redação introduzida pela lei nº Lei 9/2022 de 11.01 ao nº1 ao artº 17º-E do CIRE, que operou interpretação autêntica sobre as díspares exegeses incidentes sobre a anterior redação, apenas as ações executivas para cobrança de créditos estão impedidas de ser instauradas ou devem ser suspensas.”

T. Acresce que, e como também resultado do acórdão fundamento, o intérprete deve presumir, nos termos do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

U. Tem ainda de concluir-se que, no caso concreto, a atuação do legislador teve em consideração a unidade do sistema jurídico e - especialmente face ao histórico de divergências doutrinais e jurisprudenciais passadas e duradouras - as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que seria aplicada.

V. Não existe assim razão que justifique considerar-se ter sido intenção do legislador transmitir algo que não se encontre expressamente previsto na respetiva letra da Lei, ou que implique uma interpretação ampla do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE nos termos defendidos pelo Acórdão Recorrido.

W. Resulta dos factos dados como provados nos autos e não impugnados pela recorrida (em sede de Oposição ou de recurso à sentença que decretou a providência cautelar) e por isso já transitados em julgado que: (i) o contrato de locação financeira em análise nos autos foi celebrado entre as partes em 2017, (ii) o último pagamento da recorrida no âmbito do mesmo foi efetuado em 2019, (iii) o contrato foi definitivamente resolvido em 2021 (iv) a recorrida mantém-se na presente data (volvidos quase 6 anos) a usufruir de bens que são propriedade do Recorrente, sem qualquer contrapartida para este.

X. Considerar-se no caso concreto – face ao comportamento e atuação da recorrida - que uma ação para entrega de bens que são propriedade do Recorrente tem que ser suspensa porque a Recorrida deu entrada de um PER configura um resultado chocante e que certamente vai contra o espírito com que a Lei foi elaborada.

Y. Urge concluir-se assim que procedimentos cautelares – como o dos presentes autos - apresentados para obter a restituição de bens propriedade dos Requerentes, e que consubstanciam uma entrega de coisa certa (não visando a cobrança de qualquer crédito), não se encontram abrangidos pela previsão legal do artigo 17.º - E, n.º 1 do CIRE.

Z. Não podendo assim manter-se a decisão de suspensão constante do acórdão Recorrido, que violou de forma expressa o disposto no 17.º-E, n.º 1 do CIRE, deve o mesmo ser substituído por outro que declare que a norma constante do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE não é aplicável a procedimentos cautelares para entrega de coisa certa (e nomeadamente ao que se discute no âmbito dos presentes autos) e, consequentemente, ordene o prosseguimento dos presentes autos de procedimento cautelar, o que expressamente requer.

A recorrida não respondeu ao recurso.


*


Questão suscitada pelo recurso:

Saber se o despacho que nomeia administrador judicial provisório no processo especial de revitalização suspende, quanto à empresa, a providência cautelar de entrega judicial prevista no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que contra ela (empresa) está em curso.


*


Factos relevantes para a decisão do recurso:

1. Os factos narrados no relatório relativos à decisão que ordenou a providência cautelar de entrega judicial contra a requerida;

2. No dia 3 de Setembro de 2024, a requerida Dinis & Cruz – Vestuário de Homem, Lda. apresentou junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, requerimento de apresentação a processo especial de revitalização de pessoa colectiva.

3. O requerimento referido em 1. deu origem ao processo n.º 13371/24.4..., a correr termos no Juízo do Comércio de ... – Juiz ..., tendo sido proferida decisão, em 5 de Setembro de 2024, que declarou aberto o processo especial de revitalização e nomeou administrador judicial provisório, em conformidade com o disposto no art.º 17º-C, n.º 5 do CIRE.


*


Resolução da questão:

A resposta à questão suscitada pelo recurso passa pela interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

Este preceito dispõe sobre os efeitos do despacho judicial que nomeia o administrador judicial provisório, logo após a apresentação, pela empresa, no tribunal competente para declarar a sua insolvência, de requerimento a comunicar a manifestação da vontade de encetar negociações com os credores, conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de um plano de recuperação. Os efeitos assinalados a tal despacho são os seguintes:

Obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para a cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses (prorrogável por um mês verificadas uma das situações previstas no n.º 2);

Suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as acções em curso com idêntica finalidade.

O acórdão recorrido interpretou a parte do preceito que se refere a “ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos” e “ações em curso com idêntica finalidade”, em sentido amplo, incluindo nela todas as medidas executivas que pudessem interferir com o património do devedor e com o prosseguimento da sua actividade.

Esta interpretação baseou-se fundamentalmente nas “razões teleológicas subjacentes à introdução da nova redacção do art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE”. Nesta parte seguiu de perto o acórdão do tribunal da Relação de Évora proferido em 16-03-2023, processo n.º 382/22.3T8ETZ.E1. Segundo este, na interpretação da norma, importava tomar em conta a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. Ora, visando a alteração legislativa reforçar as condições de reestruturação das empresas, promovendo uma intervenção precoce em ordem a evitar a liquidação, o que passava por manter a sua actividade, tal finalidade ficaria irremediavelmente comprometida se se permitisse que os credores da empresa devedora lograssem obter, mediante procedimentos cautelares de entrega judicial, a restituição dos bens locados. Mais – ainda segundo o acórdão - sendo o PER um instrumento de revitalização de empresas, não podia o legislador nacional desconhecer que os contratos de locação financeira constituem meio privilegiado de acesso aos bens e equipamentos necessários à actividade empresarial. Deste modo – sempre segundo o acórdão - permitir que, na pendência do processo de revitalização, ainda que em virtude de resolução feita operar anteriormente por falta de pagamento de rendas vencidas, o locador obtivesse a entrega judicial dos bens locados – muitas vezes o imóvel onde funciona a unidade empresarial, as máquinas da linha de produção ou os equipamentos do estabelecimento – será inviabilizar desde logo qualquer possibilidade de recuperação da devedora, o que contraria de forma clara os fins tidos em vista com este instrumento, reforçados na Directiva transposta.

Além da “ratio” da norma”, o acórdão invocou ainda os seguintes argumentos:

• Decorria da Directiva (UE) 2019/1023 que competia ao legislador nacional seleccionar quais, de entre as execuções, aquelas que ficariam subtraídas ao universo da suspensão, sendo que apenas o fez relativamente à cobrança de créditos laborais (n.º 4 do art.º 17º-E);

• Alargou-se o conceito de contratos executórios essenciais, que anteriormente apenas abrangiam os serviços públicos essenciais, para neles passar a incluir todos os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da actividade da empresa, não podendo deixar de se atentar na circunstância de a entrega do imóvel, objecto da locação financeira, onde essa actividade é desenvolvida, interferir necessária e inelutavelmente com o seu prosseguimento, o que, a ocorrer, tornaria inviável qualquer tentativa de negociação com os credores e recuperação da empresa.

A recorrente, invocando a letra da lei, a intenção do legislador, o histórico de divergências doutrinais e jurisprudenciais relativas à interpretação da anterior redacção do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, e a actuação do legislador no caso concreto, sustenta que a expressão “ações executivas para cobrança de créditos” compreende apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa e não quaisquer outras. Fora do alcance do preceito estaria, pois, a providência cautelar em causa nos presentes autos.

Além do acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Évora de 25-01-2023, no processo n.º 245/22.2T8ETZ.E1, que serviu de fundamento à interposição recurso, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, a recorrente citou, em abono da sua interpretação ,o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 4-06-2024, proferido no processo n.º 4793/23.9T8LRA.C1, publicado em www.dgsi.pt, onde se decidiu que, com a redação introduzida pela Lei 9/2022 de 11.01 ao n.º 1 do art.º 17º-E do CIRE, apenas as ações executivas para cobrança de créditos estão impedidas de ser instauradas ou devem ser suspensas.

O recurso é de julgar procedente. Vejamos.

Resulta do exposto acima que a interpretação ampla que o acórdão recorrido deu à expressão “acções executivas para cobrança de créditos” baseou-se fundamentalmente nas “razões teleológicas subjacentes à introdução da nova redacção do art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE”.

A interpretação do preceito tendo em conta, nas palavras de Manuel de Andrade, “a valoração dos interesses que lhe está subjacente, a finalidade que a inspirou1 tem apoio na lei. Segundo Miguel Teixeira de Sousa, está consagrado na referência constante do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, “às condições específicas do tempo em que [a lei] é aplicada2.

Assim sendo, está naturalmente indicado começar por responder à questão de saber qual a razão ou finalidade que levou o legislador a assinalar ao despacho que nomeia o administrador provisório os efeitos acima indicados.

A resposta a esta questão é dada pela Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, pois foi o regime desta Directiva que a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro transpôs para a ordem jurídica interna, sendo que um dos aspectos de tal regime consistia precisamente numa suspensão temporária das medidas de execução.

Decorre do considerando 32 e do n.º 1 do artigo 6.º da mencionada Diretiva que o intuito da suspensão temporária das medidas de execução é o de apoiar as negociações de um plano de restruturação, a fim de a empresa continuar a exercer a sua atividade ou, pelo menos, preservar o valor do seu património, durante as negociações.

Depõe no mesmo sentido a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-E do CIRE, quando, dispondo sobre o levantamento da suspensão das medidas de execução no período suplementar (ou seja, no período de prorrogação do prazo inicial de 4 meses), indica como causa do levantamento da suspensão a circunstância de ela deixar “de cumprir o objectivo de apoiar as negociações sobre o plano de recuperação”.

Sendo esta a finalidade da suspensão das medidas de execução - apoiar as negociações de um plano de restruturação, a fim de a empresa continuar a exercer a sua atividade ou, pelo menos, preservar o valor do seu património, durante as negociações - é de reconhecer pertinência à afirmação do acórdão recorrido de que tal razão tanto justifica a suspensão temporária de acções executivas contra a empresa como justifica a suspensão de providências executivas com as características daquela que está em causa nos autos, consistente na entrega a um dos credores da empresa de bens imóveis usados no exercício da actividade desta último.

É legitimo presumir que os credores da empresa, sabendo da pendência contra esta de uma providência executiva destinada a obter a entrega de bens imóveis onde esta desenvolve a sua actividade, poderão deixar de ter interesse na negociação de um plano de recuperação.

Como escreve Catarina Serra, “Estando em causa criar um ambiente de estabilidade adequado às negociações do plano de reestruturação, é necessário afastar não só a possibilidade, mais comum, de serem propostas ou continuarem o seu curso acções executivas mas também a de serem propostas ou continuarem o seu curso outras acções com efeitos patrimoniais directos, que sejam susceptíveis de aportar modificações aos créditos a considerar no processo ou de causar instabilidade relevante às negociações. Ora, não há dúvida que integram esta categoria certas acções declarativas de condenação e ainda certas providências cautelares (designadamente de entrega judicial de bens)3.

Sucede que o elemento teleológico da lei não é o único a atender na interpretação dela. Decorre do artigo 9.º do Código Civil que, na interpretação da lei, cabe atender à respectiva letra e ao pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico (n.º 1), e há que presumir, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3). Como escreve Miguel Teixeira de Sousa, na obra supra citada, páginas 371 e 372, “nenhum dos elementos da interpretação é suficiente, em si mesmo, para determinar o significado da lei, mas cada um deles dá um contributo para essa determinação... o intérprete deve escolher a interpretação que, dentro dos limites impostos pela correspondência mínima com a letra da lei e com apoio na justificação histórica da lei, melhor se integrar no sistema jurídico e melhor se adequa às necessidades sociais".

No caso, o sentido e alcance dado ao preceito pelo acórdão recorrido é excluído pela letra da lei e pela interpretação conforme à unidade do sistema jurídico.

Comecemos pela letra da lei.

A letra da lei é a base e o limite da interpretação. É a base pois é por ela que começa a interpretação, como decorre da primeira parte do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil. É limite porque, segundo o n.º 2 do artigo 9.º do mesmo diploma, a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Socorrendo-nos das palavras de Manuel de Andrade sobre a relevância da letra na interpretação da lei, na obra supra citada, página 26 “… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas”.

Tendo presentes as considerações expostas, é de afirmar que a interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, na parte em que se refere a acções executivas para cobrança de créditos, no sentido de abranger as providências cautelares de entrega judicial prevista no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 149/95, de 24-06-1995, é excluído pela letra de tal preceito. É que, se a providência cautelar de entrega judicial se ajusta à noção de acção executiva constante do n.º 4 do artigo 10.º do CPC – pois consiste numa providência adequada à realização coactiva de uma obrigação –, já escapa claramente ao sentido de acções executivas para cobrança de créditos. Nesta expressão, o termo “cobrança” tem o sentido de “pagamento” e o termo “créditos” o de “créditos pecuniários”. Assim sendo, a expressão acções executivas para cobrança de créditos são as que têm por fim o pagamento de créditos pecuniários, ou seja, usando a terminologia do n.º 6 do artigo 10.º do CPC, as execuções para pagamento quantia certa. Não é este o fim da providência em causas nos autos. O seu fim é a entrega de coisa certa (a coisa móvel ou imóvel dada em locação financeira).

Vejamos, agora, o sentido e o alcance a que conduz a interpretação em conformidade com a unidade do sistema jurídico. Esta interpretação tem consagração no n.º 1 do artigo 9.º do CC, na parte em que se refere reconstituição do pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

Socorrendo-nos, mais uma vez, da lição de Manuel de Andrade, na obra supra citada, páginas 27 e 28, a consideração da unidade do sistema jurídico leva a que na interpretação da lei seja de presumir que o legislador a tenha pensado “... como um sistema devidamente articulado. Daí que cada texto legal deva ser relacionado com aqueles que lhe estão conexos por contiguidade ou por outra causa, tomando o seu lugar no encadeamento de que faz parte”.

As disposições que são contíguas com a do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE são as reguladoras do Processo Especial de Revitalização, as que regulam o processo de insolvência (artigo 17.-A, n.º 3 do CIRE), as do CPC sobre execuções (artigo 17.º, n.º 1 do CIRE) e as da Directiva acima indicada sobre suspensão das medidas de execução.

As reguladoras do Processo Especial de Revitalização e do processo de insolvência usam o termo créditos – e fazem-no numa grande variedade de preceitos – com o sentido de créditos pecuniários. As reguladoras do processo de execução distinguem as execuções para pagamento de quantia certa das que têm por fim a entrega de coisa certa (n.º 6 do artigo 10.º, artigos 724.º a 858.º e 859.º a 867.º, todos do CPC).

É, assim, de afirmar que a interpretação da expressão acções executivas para cobrança de créditos, constante do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, no sentido amplo indicado no acórdão recorrido, vai contra o sentido e alcance de acção executiva para cobrança de créditos que se colhe nas disposições acima indicadas.

A interpretação do preceito no sentido que lhe foi dado pelo acórdão recorrido também não tem apoio na Diretiva (UE) 2019/1023, acima referida. Vejamos.

A redacção actual do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE foi estabelecida pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. Esta lei teve como objecto a aprovação de medidas de apoio e agilização dos processos de restruturação das empresas e dos acordos de pagamento (artigo 1.º, n.º 1) e a transposição para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/1023.

Para a interpretação do sentido e alcance do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, interessam-nos de modo especial as regras da Diretiva relativas à reestruturação preventiva e de, entre elas, o artigo 6.º, pois é este preceito que dispõe especificamente sobre a suspensão das medidas de execução. O n.º 1 contém a seguinte injunção dirigida aos Estados-Membros: devem assegurar que os devedores possam beneficiar da suspensão das medidas de execução para apoiar as negociações do plano de reestruturação num regime de reestruturação preventiva.

A Diretiva não se ficou, no entanto, por esta injunção. Definiu o que se devia entender por suspensão das medidas de execução. Fê-lo no n.º 4 do artigo 2.º nos seguintes termos: a suspensão temporária, concedida por uma autoridade judicial ou administrativa ou aplicada por força da lei, do direito de um credor executar créditos reclamados junto de um devedor e, se o direito nacional assim o previr, junto de terceiros prestadores de garantias, no contexto de processos judiciais, administrativos ou outros, ou de suspender o direito de apreender ou liquidar por via extrajudicial os ativos ou a empresa do devedor.

Decorre deste preceito, que para efeitos da Diretiva, são os seguintes os direitos do credor que são suspensos para apoiar as negociações:

• Direito de um credor de executar créditos reclamados junto de um devedor, ou junto de terceiros prestadores de garantias, no contexto de processos judiciais, administrativos ou outros;

Direito de um credor apreender ou liquidar por via extrajudicial os ativos ou a empresa do devedor.

Não se vê que a providência cautelar prevista no artigo 21.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho, corresponda ao exercício de algum dos direitos acima indicados. Não corresponde ao direito de executar créditos reclamados, pois os créditos tidos em vista são os pecuniários. Não corresponde a apreensão ou liquidação por via extrajudicial de activos ou da empresa do devedor, pois a providência em causa nos autos exerce-se através da via judicial.

Segue-se do exposto que a Diretiva não inclui, entre as medidas de execução a suspender, providências executivas como a que está em causa nos autos.

O elemento histórico, constituído pelos antecedentes legislativos do preceito e o processo legislativo que conduziu à aprovação da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, também não depõem a favor da interpretação ampla da expressão “acções executivas para cobrança de créditos”. Vejamos.

O processo especial de revitalização foi criado foi criado pela Lei n.º 16/2012, de 20-04-2012. Na sua versão inicial, o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE estabelecia que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório obstava à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e suspendia quanto ao devedor, durante o tempo em que perdurassem as negociações, as acções em curso com idêntica finalidade.

A redacção do n.º 1 foi alterada pelo Decreto-lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, mas deixou intocado o segmento que se referia às acções que não podiam ser instauradas após o despacho de nomeação do administrador provisório e às que suspendiam enquanto durassem as negociações.

Como dá conta o acórdão sob recurso e é referido por Catarina Serra,4 durante a vigência de tais preceitos, suscitava-se na doutrina e na jurisprudência a questão de saber qual era o sentido e alcance da expressão “acções para cobrança de dívidas”. Se não havia dúvidas quanto à inclusão, nela, das acções executivas para cobrança de dívidas, já o mesmo não se podia dizer quanto à inclusão das acções declarativas de condenação e de certas providências cautelares, como a providência cautelar de entrega judicial, prevista no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95.

Como exemplos de decisões contraditórias sobre a inclusão desta providência cautelar, podemos citar os seguintes acórdãos: acórdão do tribunal da Relação do Porto de 9-07-2014, processo n.º 834/14.9TBMTS, acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2015, processo n.º 2924/14.9TBVFX, acórdão do tribunal da Relação do Porto de 21-01-2016, processo n.º 288/15.2T8PVZ, acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2017, processo n.º 3582/16.T8LRA-A.C1. e acórdão do tribunal da Relação de Guimarães de 27-05-2021, processo n.º 330/21.8T8VCT.G1, todos publicados em www.dgsi.pt. Os três primeiros decidiram que a providência cautelar de entrega judicial não se suspendia com a nomeação do administrador judicial provisório no PER; as duas últimas decidiram em sentido oposto.

Na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 115/XIV/III, que veio a culminar com a aprovação da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro (que alterou a redacção do n.º 1 do artigo 17.º-E) é afirmado, a propósito da suspensão das medidas de execução na pendência das negociações entre a empresa e os seus credores o seguinte: “... clarifica-se que o despacho liminar proferido em PER, que consiste na nomeação do administrador judicial provisório, obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante o período de negociações – que não pode exceder quatro meses - e é causa de suspensão quanto à empresa, durante o mesmo período, das acções em curso com idêntica finalidade”.

Este trecho da exposição de motivos mostra o seguinte com relevância para a interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E, na sua redacção actual.

Em primeiro lugar, mostra que o legislador tinha conhecimento das divergências que existiam na doutrina e na jurisprudência sobre o sentido e alcance da expressão “acções para cobrança de dívidas”.

Em segundo lugar, mostra que aproveitou a oportunidade – transposição para o direito interno da Diretiva acima referida – para clarificar o sentido e o alcance da expressão acções para cobrança de dúvidas. E a clarificação consistiu em dizer que as acções tidas em vista eram as “acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos”.

É certo que nem a proposta de Lei nem a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, definem acções executivas para cobrança de créditos. Porém, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil) e os termos usados pelo legislador são adequados apenas para se referirem às acções que têm por fim a cobrança (pagamento) de créditos (créditos pecuniários).

Em suma, embora a teleologia do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE justificasse a suspensão de providências executivas, como a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho, os restantes elementos relevantes para a interpretação da lei (letra, unidade do sistema jurídica e elemento histórico) apontam no sentido de que as acções executivas para cobrança de créditos tidas em vista pelo preceito acima referido, são, como escreve Catarina Serra, na obra supra citada, página 507, as acções executivas para pagamento de quantia certa.

Decisão:

Concede-se a revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido e substitui-se o mesmo por decisão a levantar a suspensão dos termos da providência cautelar prevista no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho, e a determinar o prosseguimento do processo.


*


Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrida ter ficado vencida condena-se a mesma nas custas do recurso.

Lisboa, 13 de Março de 2025

Emídio Francisco Santos (relator)

Carlos Portela

Catarina Serra

_____


1. Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 27.

2. Introdução ao Direito, 2016, Almedina, página 367.

3. Lições de Direito da Insolvência, 3.ª Edição, Almedina, página 509.

4. Lições de Direito da Insolvência Edição de 2018, Almedina, páginas 388 e 389.