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Jurisprudência
N.º de Processo:
2020/08.8TAVFX.L1.S1
Data:
06/02/2014
Meio Processual:
Decisão:
Jurisprudência:
Votação:
Jurisprudência Estrangeira:
Jurisprudência Internacional:
Jurisprudência Nacional:
Doutrina:
Legislação Comunitária:
Sumário

I - Nos termos do art. 129.º do CP, a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil. E de acordo com o art. 483.º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Acresce que o art. 3.º, al. a), do RGIT (Lei 15/2001, de 05-06), refere: São aplicáveis subsidiariamente (...) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar.

II - A partir do momento em que a entidade patronal deduz, na remuneração do trabalhador, a contribuição para a Segurança Social, constitui-se na obrigação da entrega dessa contribuição. Mas a obrigação tributária tem um prazo para seu cumprimento, que nos é dado pelo art. 5.º, n.º 3, do DL 103/80, de 09-05, conjugado com o art. 10.º, n.º 2, do DL 199/99, de 08-07. O teor dos preceitos, na secção que interessa é, respetivamente: o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor, e as contribuições previstas neste DL devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte a que disserem respeito.

III - Resulta dos factos provados que a demandada não cumpriu uma obrigação pecuniária, com prazo certo, devendo, portanto, considerar-se constituída em mora. O devedor incorre em mora, tratando-se de prestação positiva, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível (art. 804.º, n.º 2, do CC).

IV - A obrigação, com prazo certo, provém de facto ilícito. Estabelecem-se no n.º 2 do art. 805.º do CC, algumas excepções à regra do n.º 1 do mesmo artigo (sem interpelação, não há mora). A primeira [al. a)] é a da obrigação ter prazo certo e a segunda [al. b)] é a da obrigação provir de facto ilícito. Por outro lado, não é caso de aplicação do n.º 3 do art. 805.º que dá expressão à regra in illiquidis non fit mora, justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir enquanto não se apura o objecto da prestação.

V - O facto de se tratar de responsabilidade por facto ilícito não implica, ipso facto, que o devedor só se constitua em mora desde a citação, pois que a lei exclui desta regra geral o caso de, então, já haver mora, por se tratar de crédito líquido (cf. segunda parte do n.º 3 do art. 805.º).

VI - Vencida a obrigação de entrega do quantitativo da contribuição, no dia 15 do mês seguinte àquele a que diz respeito, se o seu valor não der entrada nos cofres da Segurança Social, verificar-se-á para esta o dano decorrente do incumprimento, ao mesmo tempo que, conjugados os restantes elementos do tipo de crime, é cometido o facto ilícito, penal, fonte da responsabilidade civil. Questão lateral a esta, que nela não interfere, é o preenchimento da condição objetiva de punibilidade do art. 105.º, n.º 4, ex vi do art. 107.º, n.º 2, do RGIT (a punibilidade está dependente da passagem de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação).

VII - A não entrega dolosa das prestações faz o agente incorrer no cometimento do crime, no mesmo momento em que se produz o dano da Segurança Social, sabido que o montante do dano se analisa, aqui, apenas, na quantia em dívida. E a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a contribuição não paga o demandado constitui-se em mora, independentemente de interpelação.

VIII - Os juros legais, fixados no art. 559.º do CC, são os devidos por remição de disposição legal, e que igualmente são devidos quando estipulados também sem determinação de taxa ou quantitativo. É, assim, digamos, uma taxa supletiva.

IX - O dano é aqui o que deixou de entrar nos cofres da Segurança Social, agravado pelo tempo decorrido, ao que se procura atender através da condenação em juros, que assim funcionam como uma presunção de dano acrescido, juris et de jure. Ora, se o dano se analisa apenas no somatório das prestações não pagas, sobre o montante da indemnização devem incidir os juros próprios da dívida tributária. Porque existe um regime especial para esse tipo de dívidas, onde intervém uma ponderação específica, do prejuízo da mora, aqui para a Segurança Social.

X - Segundo a Portaria 263/99, de 12-04, a taxa anual dos juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo, é de 7%. Esta Portaria foi revogada pela Portaria 291/2003, de 08-04, com efeitos a partir de 01-05-2003, que substituiu aquela taxa pela taxa anual de 4%. Daí que tenha aplicação o disposto no n.º 2 do art. 806.º do CC, quando afasta os juros legais, civis, se antes da mora for devido um juro mais elevado.

Decisão Texto Integral


AA, casado, nascido a 28/9/1965 em Lisboa, consultor de gestão, residente em ..., foi julgado em processo comum e tribunal singular, juntamente com outros arguidos, no 2º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira, e condenado por sentença de 8/3/2012, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. p. nos art.s 30.°, n.° 2 do CP e 107.°, n.° 1 e 2, 105.° do RGIT na pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 12.00, o que perfaz a quantia de € 2 160.00.
Quanto ao pedido de indemnização civil, deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P. (doravante ISS), contra os arguidos/demandados, foi julgado totalmente improcedente, com a consequente absolvição destes.
Inconformados, tanto o arguido AA como o Instituto de Segurança Social I.P. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de lisboa, o qual, por acórdão de 17/4/2013, considerou improcedente o recurso interposto pelo arguido AA. Deu porém provimento ao recurso interposto pelo demandante ISS e, em consequência, condenou os demandados no pagamento da importância global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora civis calculados a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa, por força do disposto nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil, sendo os juros de mora de natureza civil. Os demandados foram absolvidos do pagamento, a título de juros de mora, de importância superior àquela que foi fixada antes[1] .

Deste acórdão interpuseram recurso para o STJ, tanto o ISS como o demandado (e arguido) AA.

A – FACTOS

Foram os seguintes os factos que se consideraram provados:


"A arguida L...& L... é uma sociedade por quotas que tem por objecto as actividades de metalomecânica, serralharia mecânica e civil.
Os arguidos BB e AA foram sócios-gerentes da sociedade arguida, respectivamente, desde 11-10-1996 e 20-06-1996, tendo renunciado ao cargo em 30 de Março de 2007.
Durante o período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006 os arguidos foram responsáveis pelas decisões de gestão da empresa;
Ao arguido BB cabia-lhe receber e gerir dinheiros, celebrar contratos, realizar encomendas, pagar remunerações e dívidas;
Ambos os arguidos tinham perfeito conhecimento de todas as operações de natureza contabilística da sociedade;
Tanto aos trabalhadores que a sociedade arguida teve ao seu serviço, como ao seu administrador, o aqui arguido BB, os salários foram sendo pagos.
O pagamento das remunerações aos trabalhadores era realizado mensalmente, em regra, no final de cada mês. Por vezes, os salários eram pagos com atraso.
Ao longo de toda a sua actividade, a sociedade arguida efectuou sempre, mensalmente, as deduções para a Segurança Social das remunerações pagas aos seus trabalhadores e sócios-gerentes, através da respectiva retenção na fonte, mediante a aplicação, ao valor das remunerações, das taxas de 11% relativas ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e de 10% quanto aos gerentes.
No que respeita às contribuições referentes aos períodos de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006, a sociedade arguida deixou de entregar à segurança social, até ao dia 15 do mês seguinte a que eram devidas, as contribuições que deduzia e retinha, conforme a isso estava e está obrigada;
Assim, no que se reporta ao referido período, a sociedade arguida, por determinação dos arguidos BB e AA deduziram das remunerações pagas aos trabalhadores e sócio-gerente, as quantias que vão discriminadas no quadro de fls. 69 a 71 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos).
Tais contribuições, embora deduzidas às remunerações pela sociedade arguida, não foram por esta entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitavam, como também não o foram no período de 90 dias, contados do termo daquele prazo.
Foram ainda efectuadas notificações aos arguidos para entrega dos montantes devidos no prazo de 30 dias, não o tendo feito.
Assim, a sociedade arguida mantém em dívida as referidas cotizações dos meses de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006.
A sociedade arguida, sempre por determinação dos seus sócios-gerentes - os aqui arguidos BB e AA -, reteve, não entregando à Segurança Social, nos prazos legais e nos períodos referidos, contribuições que deduziu das remunerações cujo pagamento efectuou.
Vislumbrando a possibilidade de beneficiar a situação económica da empresa, os arguidos BB e AA, decidiram utilizar os montantes deduzidos das remunerações referidas, em pagamentos da empresa a fornecedores ou para cumprimento de outras dívidas.
Sabiam, no entanto, terem o dever de cumprir com as suas obrigações perante a Segurança Social e que não o fazendo prejudicam este credor.
Sabiam ainda que, ao não entregarem os aludidos valores, obteriam um benefício económico ilegítimo, o que quiseram.
Até à presente data, os arguidos não entregaram à Segurança Social nenhuma das prestações supra mencionadas, as quais continuam em dívida.
Os arguidos BB e AA agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sociedade estava obrigada a entregar mensalmente à Segurança Social as contribuições que, para o efeito, eram deduzidas das remunerações pagas, e, ainda assim, decidiram utilizar os montantes assim retidos para cumprir outras obrigações sociais da empresa, não entregando os respectivos valores à Segurança Social dentro dos prazos legais.
Formaram, executaram e mantiveram o seu desígnio, de forma idêntica e permanente, durante o período a que já se fez referência.
Os arguidos BB e AA sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei e, conformando-se, decidiram ainda assim prossegui-la.
Do Pedido Cível
Apesar do débito para com a Segurança Social a sociedade arguida continuou a proceder a pagamentos de salários a trabalhadores ao longo de todo o período da dívida;
Das Contestações
A Arguida "L...& L..., Lda" era uma sociedade com uma estrutura societária familiar;
Os Arguidos AA e BB, são primos e descendem de ramos diferentes da família L...;
Em 1996 a gerência da sociedade era exercida por CC, irmão do arguido AA e primo do ora arguido BB.
Nesta altura a sociedade ora arguida estava numa situação económica e financeira difícil, devido sobretudo à má gestão do referido gerente, tendo sido solicitada uma auditoria às contas da sociedade aqui Arguida, tendo sido detectadas diversas irregularidades;
Numa tentativa de salvar a sociedade ora arguida da situação económica em que se encontrava, o arguido BB aceitou, em detrimento de uma situação profissional estável que detinha à data, assumir a gerência da sociedade ora Arguida;
Fê-lo única e exclusivamente para proteger e salvaguardar o bom-nome da sociedade ora Arguida, salvar os postos de trabalho que se encontravam em risco e ainda para defender o património constituído pelo seu pai ao longo de muitos anos;
Desde 1996 até 2000 foi possível regularizar as contas da sociedade, nomeadamente, pagar as rendas das instalações da sociedade ora Arguida; foi possível recuperar os salários dos trabalhadores que se encontravam em atraso, assegurados os postos de trabalho existentes, foram renegociados os passivos bancários, foi celebrado o Plano Mateus, tendo este sido cumprido.
A partir de 2000 começou a verificar-se uma diminuição no volume de encomendas, diminuição essa que foi sendo gradual e que acompanhou a crise que se instalou na construção civil e nas obras públicas e que levou à quase paralisação da actividade de construção civil quer particular quer em termos de contratos públicos;
Com a redução da actividade não foi possível à sociedade arguida fazer face aos pagamentos dos acordos bancários celebrados e com muitas dificuldades procedeu-se ao pagamento dos salários dos trabalhadores;
A falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social ocorreu num contexto de dificuldades económicas da sociedade arguida, procurando a mesma evitar o seu encerramento e o despedimento dos trabalhadores;
A sociedade arguida tentou proceder ao pagamento dos salários dos trabalhadores, com muitas dificuldades e atrasos, sendo que ainda existem trabalhadores com salários em dívida;
Os salários do arguido BB foram parcialmente pagos, sendo que ainda mantém créditos laborais para com a sociedade;
Os valores das retribuições a entregar à Segurança Social foram utilizados para fazer face às despesas de funcionamento da sociedade arguida por forma a evitar o seu encerramento;
O Arguido BB procedeu a empréstimos à sociedade ora arguida para pagamento nomeadamente de salários a trabalhadores;
O arguido BB utilizava o seu cartão de crédito pessoal para fazer face às despesas de tesouraria da sociedade ora arguida;
Da Contestação do arguido AA
Em 1996, por a arguida "L...& L..., Lda" estar a atravessar uma situação económica e financeira difícil, devida sobretudo à ausência de gestão efectiva, foi solicitado o auxílio do Arguido AA, que entretanto vinha desenvolvendo no mercado empresarial a sua carreira profissional no domínio da gestão.
O Arguido, em acordo com os seus irmãos, herdeiros de DD, e para evitar que a situação da sociedade se degradasse ainda mais com consequências penalizantes para toda a sua família, assumiu, via cessão, as quotas da Arguida "L...& L..., Lda.", pertencentes aos referidos herdeiros (seus irmãos) em Dezembro de 1996;
Tal atitude do Arguido teve uma justificação: proteger o património imobiliário deixado pelo seu Pai que, à altura, estava extremamente ameaçado pela situação económica e financeira da sociedade.
Foi então decidido pelo Arguido AA e pelos seus irmãos que aquele iria intervir na gestão da Arguida "L...& L..., Lda.", procurando evitar a insolvência da mesma.
Em 2000, o arguido AA vendeu as suas quotas aos representantes do outro lado da família L..., representada pelo sócio gerente BB ;
BB Nazaré Lourenço, através das Cessões de Quota fica assim a deter 50% da Sociedade, ficando o seu pai EE com os restantes 50%.
Em 2000, o Arguido AA deixou de ser remunerado pela sociedade arguida;
Em virtude do facto do Gerente EE (nomeado em 2000), pai do Arguido BB, estar com a sua saúde debilitada, foi solicitado ao arguido AA pelo referido Arguido BB, que aquele se mantivesse como Gerente, por forma a responder às exigências do pacto social, continuando a assinar tudo o que fosse necessário para obrigar a Sociedade.
Solicitação essa que acabou por ser aceite pelo arguido AA, não só pelo motivo aduzido pelo seu primo, mas sobretudo pelo facto deste não haver cumprido as obrigações que decorriam do Contrato de Cessão de Quotas e das vendas de propriedades perante os Cedentes e de forma a poder acautelar os montantes que lhe eram devidos e que não foram pagos;
O arguido AA passa então a assinar lotes de cheques, impressos de letras e outra documentação de acordo com as solicitações do Arguido BB .
Após a cessão de quotas é contratada para a sociedade uma contabilista, Dra. FF, que assegura todo o acompanhamento aos processamentos contabilísticos e fiscais dos anos de 2000 e 2001.
Aquando da apresentação das Contas e Declarações fiscais do exercício de 2001, o Arguido BB confronta o arguido AA com o facto da referida contabilista se ter recusado a assinar as contas e solicita-lhe o favor de assinar as contas e declarações fiscais elaboradas por esta.
Para não bloquear a sociedade, o Arguido AA assina tais contas e as respectivas declarações fiscais;
Em 2002, o Arguido BB solicita ao Arguido AA que passe a assegurar os serviços de acompanhamento contabilístico à Sociedade, o que este aceita, passando a assegurar esse serviço através da sua empresa de consultadoria;
Em Setembro de 2000, o arguido AA constitui a Sociedade de Consultoria GG - Consultores Técnicos Associados, Lda. da qual assume a Gerência de Direito e de Facto e pela qual passa a ser remunerado;
Provou-se ainda que:
Foram instaurados processos executivos fiscais n.°s ... (e apenso ...) e ... (e apensos ..., ..., ...,... e ...) contra a sociedade "L...& L..., Lda por dívidas cuja proveniência resulta da falta de pagamento das contribuições e cotizações, incluindo-se aqui as dívidas respeitantes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006;
Foi a dívida, incluindo aquela que diz respeito ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, objecto de reversão contra os arguidos BB e AA;
Após dedução da acusação pelo Ministério Público foram emitidas novas declarações de remunerações respeitantes a contribuições e referentes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, pelo que actualmente o valor em dívida é de € 111.781,79 (cento e onze mil, setecentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos)
Mais se provou que:
O arguido BB vive em condições análogas à dos cônjuges;
A sua companheira é médica, auferindo um vencimento mensal no valor de € 4.000,00;
Tem 2 filhos, de 24 e 27 anos de idade;
Reside em casa própria, suportando uma prestação mensal no valor de € 500,00 pela amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição da mesma;
O arguido BB é licenciado;
O arguido AA aufere um vencimento mensal no valor de € 1000,00;
E docente universitário, auferindo ainda cerca de € 1300,00 mensais durante o semestre em que lecciona;
A sua esposa aufere cerca de € 1200,00 mensais;
Tem 2 filhos, de 18 e 5 anos de idade, respectivamente, sendo o primeiro fruto de uma anterior relação, suportando uma pensão de alimentos no valor de € 300,00
Reside em casa pertencente à sua esposa, que suporta uma prestação mensal de valor não concretamente apurado pela amortização de empréstimo bancário;
O arguido é licenciado;
Os arguidos não têm antecedentes criminais
A sociedadeL...& L..., Lda encontra-se inactiva;"



B – RECURSOS

O ISS terminou a sua motivação com as seguintes conclusões:

"1º O objecto do recurso prende-se com a seguinte questão: O Tribunal recorrido ter condenado os demandados no pagamento da importância global de € 105.896,82, mas acrescida de juros de mora civis calculados a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa, por força do disposto nos artigos 805° n.° 2, alínea c) e 806° n°s 1 e 2, ambos do Código Civil, tendo os juros de mora natureza civil, absolvendo os demandados do pagamento de importância superior a titulo de juros de mora, do que aquela que foi fixada.

2º O Tribunal recorrido parece entender que, por a mora ser resultante de um facto ilícito a taxa de juros aplicável é a legal (prevista no Código Civil, em conjugação com o Dec. Lei n.° 262/83, de 16 de Junho e Portaria n.° 291/2003, de 08 de Abril) e não a prevista no art. 16° do D/L n° 411/91, de 17/10 (que remete para a taxa de juros de mora por dívidas ao Estado).

3º Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço.

4º Na verdade, é consabido que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a inequívoca intenção do legislador (cf. artigo 7. °, n.° 3 do Código Civil), e a Segurança Social beneficia de legislação especial, sendo aplicável ao caso sub judicie, o n.° 1 do artigo 16.° do Decreto Lei n.° 411/91, de 17 de Outubro, e o n.° 1 do artigo 3.° do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março. 

5º O citado Dec. Lei n.° 73/99, regula em geral os regimes dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, qualquer que seja a natureza dessas dívidas, e existindo lei especial, não pode a mesma ser derrogada pela Lei Geral, designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele Diploma Legal.

6º De resto, a alínea c) do art.° 3º do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, expressamente estipula que se aplicam subsidiariamente (às infracções fiscais não aduaneiras), quanto à responsabilidade civil, "as disposições do Código Civil e legislação complementar", sendo precisamente essa legislação complementar que tem aqui aplicabilidade como, de resto, foi intenção inequívoca do legislador (cf. exórdio do DL n.° 73/99).

7º Deste modo, ao pedido de indemnização civil deduzido pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, aplica-se, a taxa de juros de mora de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições, nos termos do art. 3.°, nº 1, do Dec. Lei n.° 73/99, de 16 de Março.

8º Acresce que, no caso de danos, resultantes da prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, por força das disposições próprias que constituem normas especiais que afastam a regra geral estabelecida no artº 806.° n.° 1 do CC, o devedor demandado entra em mora a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, e em consequência desse facto estamos perante obrigações com prazo certo.

9º Importa sublinhar que, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 805° do CC, se a obrigação tiver prazo certo e se a obrigação provier de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação. E recorde-se que a condenação no pedido civil assentou na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, ou delitual, com consagração expressa no artigo 483 ° do Código Civil.

10° Ou seja, decorre directamente da lei o momento a partir do qual existe mora do devedor, isto é, a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, pelo que estamos em face de obrigações de prazo certo.

11° E o prazo de contagem dos juros de mora, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 806.° do CC; artigo 5.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9 de Maio, conjugado com o artigo 16.° do Decreto-lei n.° 411/91, de 17 de Outubro; artigo 10.°, n.° 2 do Decreto-lei n.° 199/99, de 8 de Junho, que revogou o Decreto-lei n.° 140-D/86, de 14 de Junho, deverá reportar-se ao 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito.

12° No caso do pedido de indemnização cível formulado pelo Demandante subjaz uma obrigação legal (a obrigação jurídica contributiva), que nasce no acto de pagamento de salários, e de cujo incumprimento resultará a violação ilícita do direito das Instituições da Segurança Social receberem, nos prazos fixados por lei, os respectivos montantes descontados nos salários dos trabalhadores.

13° No caso sub judice temos dois regimes aplicáveis à taxa de juros: a regra geral e a especial, prevista no D/L n° 73/99, aplicável às dívidas ao Estado e, por força do disposto no art. 16° do D/L n° 411/91, às dívidas ao demandante.

14° A matéria relativa aos juros não é subsumível ao n.° 3 do art. 805.° do CC, uma vez que este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido.

15° Nenhuma disposição legal aponta no sentido do direito penal tributário, e muito menos, de forma inequívoca, afastar a aplicação das taxas de juro moratórias que se encontram previstas na legislação especial a que aludimos.

16° Por outro lado, o art. 129. ° do C. Penal, quando alude à «lei civil», não pode ser interpretado no sentido de excluir a aplicação da lei tributária quando esteja em causa a prática de um crime tributário do qual resultou responsabilidade civil.

17° Incontornavelmente, a interpretação e aplicação do direito que a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo fez da lei, conduziria (caso transitasse em julgado esta decisão), a um claro benefício ao infractor.

18° Com efeito, a nosso ver não é compaginável com uma sã aplicação da justiça que a taxa de juro devida a uma pessoa colectiva pública por responsabilidade civil decorrente da prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social seja mais "generosa", mais baixa, e por maioria de razão, diferenciada daquela que normalmente decorre de um qualquer incumprimento prestacional ou tributário.

19° De facto, fundando-se a indemnização na prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social e sendo, portanto, o crédito líquido, os juros de mora são devidos a partir do primeiro dia imediatamente a seguir ao termo do prazo para a entrega das prestações em dívida, e a respectiva taxa é a prevista no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março (cf. exactamente nesse sentido o Ac. do STJ de 10/01/2007, Proc. n.° 4099/06 – 3ª Secção, tirado pelos Exmºs Senhores Juízes Conselheiros: Santos Cabral (relator); Pires Salpico; Oliveira Mendes; e Henriques Gaspar).

20° A propósito do ora sufragado no presente recurso, citam-se ainda a título exemplificativo, os seguintes acórdãos:

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.03.2009, in www.dqsi.pt, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2012, proferido no âmbito do Processo n.° 10987/05.1TDLSB.L1.S1 – 5ª Secção, em que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, ambos in www.dgsi.pt.

21° Como decorre do exposto, o douto acórdão recorrido deve ser alterado no segmento da decisão do pedido civil, devendo os demandados serem condenados a pagarem ao demandante a quantia de € 105.896,82 mas, acrescida de juros de mora à taxa prevista no n.° 1 do artigo 3.° do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de Março, contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas, (período entre Dezembro de 2001 até Setembro de 2006) deveriam ter sido entregues ao demandante, até integral e efectivo pagamento - como é de lei e de justiça!

22° Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, na perspectiva do ora recorrente, encontram-se inobservados na douta decisão proferida pelo Tribunal recorrido por errada interpretação e aplicação os seguintes preceitos legais: Artigo 805.° n.° 2, alíneas a) e b) e 806.° n.° 1 todos do Código Civil; Artigo 5.° n.° 3 do Dec. Lei n.° 103/80, de 9 de Maio; Artigo 16.° n°s 1 e 2, do Dec. Lei n.° 411/91, de 17 de Outubro; Artigo 10. ° n.° 2, do Dec. Lei n.° 199/99, de 8 de Junho; Artigo 44.° da Lei Geral Tributária e Artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 19 de Março, aplicáveis por força do Artigo 129.° do Código Penal.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, serem os demandadosL...& L..., Lda., BB e AA, condenados a pagarem ao demandante a quantia de € 105.896,82 mas, acrescida de juros de mora à taxa prevista no nº 1 do artigo 3° do Decreto-lei nº 73/99, de 16 de Março, contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas (período entre Dezembro de 2001 até Setembro de 2006) deveriam ter sido entregues ao demandante, até integral e efectivo pagamento, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva JUSTIÇA."

Por seu lado, o arguido AA concluiu assim a sua motivação:

"1. Já se encontram pendentes na secção de processo Executivo de Lisboa processos de execução fiscal relativamente à sociedade L...& L..., Lda., no que diz respeito a valores descritos já, anteriormente, na acusação do Ministério Público;

2. Porém, não transitou em julgado o despacho de reversão das dívidas da sociedade para a pessoa do ora Recorrente, o qual não se pode conformar com a imputação da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda e apresentou Oposição que se encontra pendente e não decidida.

3. Pelo que se afigura que, perante este quadro factual é muito duvidosa a aplicação, in casu, da jurisprudência firmada no acórdão supra mencionado.

4. De facto, não entende o Recorrente como é que pode ser penalmente imputado por um crime cuja tipologia depende do facto - essencial - de responsabilidade pela omissão de pagamento.

5. De facto, nem o Recorrente entende que não era responsável por tal pagamento, nem o credor tributário (no caso, a Recorrida) se pronunciou sobre tal facto.

6. O Recorrente entregou há mais de um ano a p.i. da Oposição à Execução fiscal n.° ... E APENSOS sem que a mesma tenha sido objecto de qualquer pronúncia pela Requerida, a qual, por isso, não reconhece o Recorrente como devedor da dívida cuja omissão constitui o tipo de crime que, por isso, não pode ser subsumível ao caso concreto.

7. Em consequência, não há lugar a indemnização cível.

8. A Recorrida executou os montantes constantes na acusação pelo Ministério Público pelas competentes vias, não fazendo sentido que, a coberto do pedido de indemnização cível em processo-crime, procure cobrar duas vezes o mesmo montante.

9. Deste modo, a administração fiscal já procurou executar os montantes constantes na acusação pelo Ministério Público pelas competentes vias que estão ao seu alcance, não fazendo sentido que, a coberto do pedido de indemnização cível em processo-crime, procure cobrar duas vezes o mesmo montante.

10. A responsabilidade emergente da prática de crimes pelas pessoas colectivas, bem como a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é, também, meramente subsidiária e dependente, ou por reversão ou por alegação e prova dos factos nos respectivos processos, da condição de demonstração da sua culpa na insuficiência dos bens da pessoa colectiva - nos termos do art.° 7°-A, nº 1 do RGIFNA e art.° 8º, n.° 1 do RGIT.

11. O pedido de pagamento dos impostos devidos não deve ser feito pelo pedido de indemnização cível em processo conexão com o processo-crime, mas através da execução fiscal, eventualmente por via da reversão da mesma contra os administradores do responsável inicial.

12. Aliás, o Recorrido já foi confrontado com os processos de executivos fiscais números ... e ..., conforme é referido na sentença proferida pelo Tribunal a quo.

13. Assim, a administração fiscal já procurou executar esses montantes pelas competentes vias, não fazendo sentido que, a coberto do pedido de indemnização cível em processo - crime, procure cobrar duas vezes o mesmo montante!

14. O prosseguimento dos autos para apreciação do pedido formulado e, eventualmente, com a condenação do Recorrido no seu pagamento, implicaria a criação de um novo título executivo em relação a valores que já se mostram devidamente titulados nos processos de execução fiscal supra referidos.

15. Sendo que a execução referida encontra-se pendente, como referido, não estando sequer o despacho de reversão transitado em julgado relativamente ao ora Recorrente!

16. E se, como se espera, a Oposição vier a ser deferida, como poderá o Recorrente vir a ser condenado a anteriori por um facto que ele não praticou, que lhe não é imputável ou pela qual não é responsável?

17. É certo que podemos concluir que a responsabilidade criminal é independente da responsabilidade cível pelo pagamento da dívida.

18. Mas na situação dos autos - diferente da subjacente ao douto acórdão que fixa jurisprudência e em que vem ancorado o acórdão agora em crise - o Recorrente não foi declarado responsável pelo pagamento das dívidas, sendo certo que a responsabilidade pelo pagamento da dívida faz parte integrante do tipo de crime e, por isso (e por maioria de razão) da condenação em indemnização cível.

19. O prosseguimento dos autos para apreciação do pedido formulado e, eventualmente, com a condenação do Recorrido no seu pagamento, implicaria a criação de um novo título executivo em relação a valores que já se mostram devidamente titulados - e em cobrança! - nos processo de execução fiscal supra referidos e que irão ser cobrados por essa via de quem for declarado responsável nos termos da lei fiscal (responsabilidade originária ou subsidiária).

20. Ora, conforme o Tribunal a quo refere, e bem, que "o demandante verá satisfeitos os seus créditos com maior segurança e eficácia do que na sequência de uma decisão proferida nestes autos, atenta as especificidades da execução fiscal."

21. Nos autos em apreço, tendo ocorrido a aludida reversão em relação ao Recorrido, ocorrendo contra o mesmo processos de execução fiscal quando aquele não constava do título executivo inicial, resulta que não existe interesse em prosseguir com o Recorrido relativamente à mesma.

22. O interesse de agir não é mais que uma inter-relação de necessidade e de adequação; de necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou.

23. 0 Acórdão ora recorrido, assim como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 1/2013, que fundamenta aquele, padecem, no entender do Recorrente, de ilegalidades que agora se referem.

24. A relação jurídica que pode dar origem ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é, eminentemente, uma relação administrativa-tributária, que tem como sujeitos aquele instituto e os sujeitos passivos.

25. Tal relação está, igualmente, sujeita ao Princípio da Legalidade Tributária, pelo que qualquer incumprimento que se verifique é regido pelas normas de Direito Administrativo - Tributário, neste caso o RGIT.

26. Também por este motivo, são os Tribunais Tributários que são competentes para a resolução destas questões de incumprimento (art.° 62° do ETAF).  

27. O Princípio de Adesão ao processo penal, regime constante dos artºs 71° e ss. do Código  de  Processo  Penal,  apenas  unifica  procedimentos  civis  e  criminais e somente é aplicável à reparação, mediante indemnização,  de danos produzidos na esfera cível por factos previstos e punidos pelo Código Penal.

28. Ou seja, sempre no âmbito das relações jurídicas privadas e não das relações administrativas-tributárias, que são regidas pela justiça administrativa-tributária.

29. Ora, a dívida de contribuições e cotizações à Segurança Social não tem a sua origem em negócio jurídico celebrado com o Estado.

30. Esta matéria é, apenas e só, matéria de Direito Público e não é regida pela Lei Civil.

31. Deste modo, é forçoso concluir que o pedido de indemnização civil formulado pela Segurança Social está fora do Princípio de Adesão, previsto no art.° 71° do Código de Processo Penal.

32. Ou seja, está-se fora do âmbito das relações civis e, consequentemente, da responsabilidade civil contratual ou responsabilidade civil extra- contratual.

33. Acresce, ainda, que a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Tributários, são autónomos e de competência especializada face à jurisdição comum.

34. Assim, tal consubstancia uma excepção dilatória inominada, que tem como consequência o arquivamento do pedido cível.

35. Entende, ainda, o Recorrente que, apesar do conteúdo do douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 1/2013, entende o Recorrente que não está justificada, de forma clara, a possibilidade de através do pedido cível obter a satisfação de um presumível dano.

36. Dano esse cuja prova ficou por fazer, assim como o respectivo nexo de causalidade entre o mesmo e a acção do Recorrente.

37. Aliás, tal nexo pode até nunca vir a ser provado porque, estando a reportar-nos a matéria exclusivamente cível, a mesma é exactamente a que se encontra a ser discutida no processo de oposição, que é o próprio para os presentes factos.

38. Como refere, e muito bem, o referido Acórdão de Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 1/2013, uma coisa é a obrigação tributária, sendo outra o dano causado à entidade com a não entrega dos montantes devidos, não tendo este sido provado.

39. Como em qualquer acção declarativa de condenação, onde se requer uma indemnização com fundamento em danos sofridos em função de determinada conduta ilícita, tem o alegante que provar os danos que efectivamente sofreu.

40. Ora, e salvo melhor opinião, não provou o Instituto de Segurança Social IP os danos sofridos.

41. Entende o Recorrente que, quer Acórdão de que ora se recorre, quer o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013 violam diversos preceitos da Constituição da República Portuguesa, a saber:

a) Artigo 29° da Constituição da República Portuguesa: o Recorrente tem pendente uma Oposição à execução que, há mais de um ano, não tem qualquer andamento e o desfecho da mesma pode vir a implicar que o Recorrente seja condenado duas vezes pelo mesmo facto, em violação do n.° 5 do art. 23° [quis-se por certo dizer 29.º] da CRP, nos termos do qual "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime". É certo que não se tratará de processo penal, mas a verdade é que, em tal processo está a ser discutido, precisamente, o pressuposto do tipo legal de crime: a responsabilidade do Recorrente pelo pagamento dos tributos em causa. E se isto assim é para o tipo legal de crime, ainda mais, para a condenação em indemnização cível, situação em que o Recorrente pode ser confrontado com a sua condenação nos presentes autos e eximido da responsabilidade naqueloutros (oposição pendente);

b) Artigo 103° da Constituição da República Portuguesa: todos os princípios ínsitos com assento constitucional sobre a tributação são lesados com a condenação no pedido de indemnização cível em situação em que não se apurou - como é o caso dos presentes autos - a responsabilidade pelo pagamento do imposto pelo Recorrente. Nos termos do art. 103°, nº 3 da CRP "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei". No caso de se confirmar a condenação do ora Recorrente, logo se verifica que ao mesmo está a ser imputada responsabilidade por um dano que ele não causou ou pelo qual não é o responsável. Será sempre uma condenação ilegal por inconstitucionalidade;

c) Artigo 266° da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da actuação legal dos órgãos e agentes administrativos que "estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé" Na esteira deste princípio constitucional, deve ser salvaguardado o direito de o Recorrente não ser responsabilizado por dano que não causou, assim como deve ser salvaguardada a hipótese de os agentes da administração pública actuarem de forma a obter um enriquecimento sem causa, ilegal em si mesmo.

Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Exmºs Senhores Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva o Arguido AA do pagamento da importância global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), quantia acrescida de juros de mora civis, a título de indemnização cível requerida pelo Instituto da Segurança Social, IP."

O Mº Pª teve vista nos autos.

Os autos foram levados à conferência para julgamento depois de colhidos os vistos.

C – APRECIAÇÃO

Dir-se-á, muito sinteticamente que, com o seu recurso, o arguido procurou demonstrar que não podia ser condenado, neste processo, a pagar qualquer indemnização ao ISS.

Este, na qualidade de demandante, defendeu no seu recurso uma contabilização dos juros, sobre as quantias em dívida, calculada à luz de normas diferentes das usadas no acórdão recorrido, e de que resultará o pagamento de quantitativos mais avultados. Há pois uma prioridade lógica da primeira questão sobre a segunda, e daí que por ela comecemos. 

1. Quanto ao recurso do arguido AA

Na sentença de primeira instância, que absolveu o arguido do pedido cível, diz-se a certo passo:

 

"(…) Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.° 2 do artigo 153.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.° 15/2001.

Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

E de acordo com o artigo 159.° do mesmo CPPT, reproduzindo textualmente o que constava do artigo 245.° do anterior CPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.

Com a reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro (à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal -certidão extraída do título de cobrança - artigo 162.°, alínea a), do CPPT), mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como "responsável" (artigo 18.°, n.° 3, in fine, da LGT), vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.° 2 do artigo 23.° da LGT e artigo 153.°, n.° 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.

A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo ([2]).

No caso em apreço, a reversão, figura própria do processo executivo, tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.°, n.° 1, do CPC e 153.°, n.° s 1 e 2 do CPPT),

Na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo.

Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467° do Código de Processo Penal.

No entanto, no caso em apreço, tendo ocorrido a aludida reversão em relação aos arguidos, correndo contra os mesmos processos de execução fiscal quando aqueles não constavam do título executivo inicial (certidão de divida), resulta que não existe interesse em prosseguir com os demandados relativamente à mesma (nem em relação à sociedade arguida, porque em relação a esta já existe título executivo), pretendendo-se a obtenção de titulo executivo contra os mesmos no âmbito de uma acção declarativa (ainda que enxertada no processo penal), encontrando-se superado já um obstáculo da respectiva responsabilização, uma vez que já foi accionado o mecanismo próprio do processo executivo fiscal que permite responsabilizar o devedor substituto (fundamento da presente demanda).

Em bom rigor, não podemos classificar a não apreciação do pedido formulado como inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 287° e 288°, ambos do Código de Processo Civil), uma vez que não se mostra comprovado que o demandante já obteve a satisfação da pretensão formulada nesta sede. Por seu turno, também não consideramos que se verifique, em bom rigor, a excepção de litispendência (cfr. art. 498° do mesmo diploma legal) de acordo com o entendimento que já expressámos supra, nomeadamente, pela ausência de identidade de sujeitos e causa de pedir.

No entanto, não podemos deixar de afirmar que não subsiste interesse em agir por parte do demandante, falecendo assim a verificação de um pressuposto processual (inominado) que obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Deste modo, entende-se absolver os demandados da instância ([3]) do pedido de indemnização cível formulado pelo Instituto de Segurança Social, IP por falta de um pressuposto processual."

Vê-se pois que, segundo este aresto, não deveria ser criado um segundo título executivo, que seria aqui a sentença condenatória no pedido cível, certo que a execução fiscal proporcionaria maior rapidez na cobrança dos créditos em dívida.

Sem aceitar que se configurasse uma inutilidade superveniente da lide, ou uma situação de litispendência, a decisão considera porém que falece o pressuposto processual do interesse em agir por parte do demandante.

Trata-se de sentença datada de 8/3/2012.

Entretanto, o acórdão recorrido, que é de 17/4/2013, teve em conta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) nº 1/2013, datado de 15 de Novembro de 2012 (publicado no DR, I-Série, a 7/1/2013), tirado por unanimidade.

Louvando-se na doutrina deste AFJ, a decisão agora recorrida terminou dizendo:

"Tendo em conta o entendimento jurídico plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013 – e não ocorrendo, no caso concreto, especificidades que justifiquem o seu afastamento -, conclui-se pela procedência do recurso interposto da sentença pelo Instituto de Segurança Social, I.P., devendo, por conseguinte, revogar-se a decisão do Tribunal a quo quanto ao enxerto cível e decidir do mérito do pedido de indemnização civil, em função dos factos provados."

Vejamos pois o que é que nos revela o AFJ nº 1/2013 com interesse para o caso destes autos.

Em primeiro lugar, importa identificar o objeto do AFJ nos termos em que aí é feito:

"A questão objecto do presente recurso centraliza-se exclusivamente na admissibilidade ou não do pedido de indemnização civil em processo penal, que tenha por objecto o ressarcimento da quantia correspondente ao montante de contribuições - prestações tributárias, incluindo os respectivos juros - devidas e não entregues à Segurança Social, contempladas no artº 107º nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), cuja conduta omissiva constitui de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
A questão consiste em saber se o valor dessas contribuições, devidas e não entregues à Segurança Social, que integram a materialidade desse ilícito penal fiscal, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o ressarcimento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social, não pode constituir objecto de pedido de indemnização civil em processo penal, por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa e fiscal a sua liquidação e cobrança.

Explicitando de outra forma:

Cabendo embora exclusivamente à jurisdição administrativa-tributária a apreciação e conhecimento das obrigações advenientes das relações jurídicas tributárias, isso não obsta a que esteja incluído na competência material dos tribunais judiciais o conhecimento do pedido cível de indemnização pelos danos resultantes de uma dada conduta criminal, formulado pela Segurança Social nos termos do artigo 71.º do Código de Processo Penal?”

Aludindo à posição da jurisprudência quanto à questão que nos ocupa, o AFJ refere:


"(…)
A jurisprudência quase unânime, vai no sentido de que a competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, em processo de execução., tendo o tribunal criminal competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo Instituto de Segurança Social (ISS.IP)
As acções que têm por objecto os actos tributários de liquidação e execução de tributos, e as acções de indemnização resultante da prática de crimes fiscais, têm causas de pedir e pedidos diferentes.
Pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil.
No pedido civil deduzido em processo penal, atinente à prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social [artigo 107.º, do RGIT], a fonte da obrigação é a responsabilidade civil decorrente da prática de um crime e não a lei que define a obrigação de entregar certas quantias à Segurança Social.
A qualificação como crime do acto do agente confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível: o facto jurídico concreto que a enforma não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, mas com o incumprimento portador dos elementos objectivo-subjectivos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social."

Em seguida, são citados inúmeros acórdãos do STJ e dos Tribunais das Relações, enquanto seguidores desta posição, e menciona-se, como expressão da tese contrária, o acórdão escolhido como fundamento, no recurso para fixação de jurisprudência:
 
Por sua vez, a tese oposta, encontra-se aqui legitimada pelo acórdão fundamento
, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 25 de Março de 2010, no proc. nº 628/07.8TAELV.E1, ao entender que a apreciação do pedido de indemnização civil deduzido pela Segurança Social referente ao pagamento de indemnização, correspondente ao valor das prestações em dívida, acrescidos de juros, “pressupõe, necessariamente, duas circunstâncias: a adequação do meio (enxerto civil em processo crime) ao fim visado (pedido de indemnização) e a natureza civil do pedido.”
Segundo esta tese:
- O princípio da adesão limita-se à unificação de procedimentos criminais e civis e restringe-se ao âmbito civil das consequências dos factos com relevância penal. Dele se exclui a efectivação da responsabilidade disciplinar, administrativa, financeira e tributária, casos em que há uma independência de acções. Ora, o regime dos artºs 71º e segs do CPP, que traduz o princípio da adesão, apenas adjectiva o artigo 129º/CP;
- A relação jurídica que está subjacente ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social tem a natureza de jurídica administrativa-tributária (artº 11º/a), do RGIT) - e daí que, na execução por dívida de contribuições à Segurança Social, as questões jurisdicionais sejam da competência dos Tribunais Tributários (artº 62º do ETAF). Resulta de um acto de gestão pública, praticado no exercício de uma função pública para os fins de direito público da pessoa colectiva, ou seja, é regido pelo direito público e, consequentemente, por normas que atribuem à pessoa colectiva pública poderes de autoridade (ius imperii) para tais fins.
- Essa relação está sujeita ao princípio da legalidade tributária, pelo que o incumprimento das obrigações que lhe subjazem se subordina, quer nos seus pressupostos, quer nas suas consequências, às normas de direito administrativo-tributário pré existentes à data da prática do facto danoso (que não coincide com o momento da consumação do crime de abuso de confiança).
- Apenas à jurisdição administrativa-tributária cabe a apreciação da conduta danosa e a fixação dos seus efeitos. Não é pois admissível o pedido de indemnização formulado, no âmbito do processo de adesão, por não ser o meio próprio para o efeito
- A dívida de contribuições à Segurança Social não emerge de responsabilidade civil contratual, nem emerge de responsabilidade civil extracontratual. O mesmo vale por dizer: não emerge de negócio jurídico celebrado entre a entidade empregadora e a Segurança Social, nem emerge de facto ilícito extra-negocial no sentido do disposto no artigo 483º/CC. Tem sim por fonte a própria lei, que se inscreve no direito público, designadamente o DL nº 103/80 de 09/05 (Lei de Bases da Segurança Social), o DL nº 42/2001, de 09/02 e legislação complementar. A dívida de contribuições à Segurança Social não se rege pela lei civil.
- O regime da dívida e da sua cobrança obedece a regras específicas constantes desse acervo de direito público, designadamente:
1) A obrigação de pagamento das contribuições e acréscimos legais a favor da Segurança Social emerge de relação jurídica administrativa-tributária especial e rege-se pela legislação de direito público;
2) O princípio da adesão ao processo penal e o atinente regime constante dos artigos 71º e segs, do CPP, apenas admite a formulação e conhecimento de pedido de indemnização de natureza civil conexa com o facto crime, portanto indemnização cuja obrigação se situa no âmbito das relações jurídicas privadas.
3) Consequentemente, o pedido da de indemnização civil formulado pela Segurança Social extravasa esse princípio da adesão e o atinente regime, pelo que se verifica uma excepção dilatória inominada, que determina o arquivamento do pedido erradamente dito cível, o que obsta ao seu conhecimento (…).
Retomando ao caso concreto, resulta evidente que o pedido de indemnização civil deduzido se reporta ao pagamento das contribuições devidas e juros, estes a calcular nos termos do artº 16º do DL 411/91, de 17/10.
As referidas prestações e juros emergem da relação tributária que se estabeleceu entre a Segurança Social e a arguida sociedade, não tendo que ver com qualquer pretensão indemnizatória de índole jurídico-privada.
Essa relação está sujeita ao princípio da legalidade tributária, pelo que o incumprimento das obrigações que lhe subjazem se subordina, quer nos seus pressupostos, quer nas suas consequências, às normas de direito administrativo-tributário pré-existentes à data da prática do facto danoso (que não coincide com o momento da consumação do crime de abuso de confiança).
Apenas à jurisdição administrativa-tributária cabe a apreciação da conduta danosa e a fixação dos seus efeitos. Não é pois admissível o pedido de indemnização formulado, no âmbito do processo de adesão, por não ser o meio próprio para o efeito, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida quanto à condenação no pedido de indemnização civil, o que determina que não se conheça do pedido indemnizatório deduzido.”

O AFJ rejeita, porém, este ponto de vista e adianta a dado passo da sua argumentação:

"O facto de existir a possibilidade legal de a administração fiscal ou a Segurança Social dispor de duas vias de cobrança, uma com base no título executivo por si emitido e outra com base no título executivo civil, não significa que possa haver um duplo recebimento, que constituiria então enriquecimento sem causa, uma vez que o decidido numa poderá constituir oposição à execução na outra, requerendo-se a extinção da dívida pelo pagamento, não beliscando a harmonia com a unidade do sistema jurídico.

Aliás, como refere GERMANO MARQUES DA SILVA “A indemnização corresponde sempre ao pagamento do imposto evadido e consequentemente pago o imposto não é mais devida a indemnização ou paga a indemnização não é mais devido o imposto. Tenha-se em conta que o credor da obrigação é o mesmo e que a responsabilidade civil se destina a satisfazer o interesse do credor da prestação tributária que foi frustrado pela prática do facto ilícito criminal.”

(…)
 A responsabilidade por factos ilícitos, decorrente da prática de um crime, não se confunde assim, com a responsabilidade administrativa-tributária.
O pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objecto a definição e exequibilidade de acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos artºs 483 e segs. do Código Civil.

Nem a questão das diferentes responsabilidades tributárias – solidária e subsidiária – se coloca, uma vez que a reversão é privativa do processo tributário, aplicável apenas quando o processo de execução fiscal for accionado, e de harmonia com os respectivos pressupostos ou condicionantes.
Na verdade, é juridicamente pertinente o que se colhe nas doutas alegações do Demandante Instituto de Segurança Social, IP, (ISS, IP), no sentido de que:
O título executivo na Secção de Processos Executivos do Instituto de Segurança Social, I.P.- abreviadamente designado por SPE. e a sentença condenatória não se referem à mesma obrigação, pois a responsabilidade pelo pagamento das contribuições não se confunde com a responsabilidade civil emergente da eventual prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social, como sustenta o Prof. Germano Marques da Silva ("Direito Penal Tributário - Sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores Conexas com o Crime Tributários, Lisboa 2009).”
Ainda que esteja a correr termos uma execução numa SPET o IS8, IP mantém o interesse em agir em sede de pedido de indemnização civil num processo por crime de abuso de confiança.
A causa de pedir subjacente ao titulo no processo executivo é o incumprimento da obrigação legal de entregar as prestações devidas à segurança social, enquanto que a causa de pedir subjacente ao pedido de indemnização civil é a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
Não se pode dizer que o demandante ISS, IP pretende usar o processo declarativo para definir um direito que já se encontrava estabelecido em termos idênticos num título com manifesta força executiva, como o que está presente nas execuções nas SPE.
Como se sustenta nos Acórdãos do STJ de 11/12/2008 e de 29/10/2009 a indemnização pedida nos processos crime por abuso de confiança contra a segurança social não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podendo naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.

(…)
Sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda – pelo menos, os originários – e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico – cf. art. 498.º, n.º 4, do CPC), bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderá colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência.
Mesmo que o demandante use dessa opção, não haverá lugar a condenação em custas, nos termos do art. 449.º, n.º 2, al. c), do CPC, pois que o título de cobrança não tem manifesta força executiva contra o responsável subsidiário, de tal modo que há que fazê-lo intervir no processo, e por outro lado, a acção enxertada tem uma configuração e alcance muito mais amplo do que a exercitada no executivo, pois não está em causa uma presunção legal de culpa, mas uma imputada, em sede criminal, intenção criminosa.
A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução.
Nestes casos não está em causa apurar da responsabilidade do demandado perante os credores sociais, quando pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos – n.º 1 do art. 78.º do CSC –, mas de apurar a sua responsabilidade civil pela prática de ilícito de natureza criminal mesmo que não seja objecto de condenação, que não exige o preenchimento dos pressupostos referidos.
O tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ISS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão
A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.
A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
As pessoas colectivas e as sociedades são criminalmente responsáveis pelas infracções previstas no RGIT, quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo, responsabilidade que não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes (art. 7.º, n.°s 1 e 3, do RGIT).
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício de seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.º 2 do art. 153.º do CPPT, aprovado pelo DL 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao DL 15/2001.
Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
E de acordo com o art. 159.º do mesmo CPPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.
Com a reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro (à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal – certidão extraída do título de cobrança – art. 162.º, al. a), do CPPT), mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como “responsável” (art. 18.º, n.º 3, in fine, da LGT), vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.º 2 do art. 23.º da LGT e art. 153.º, n.º 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo.

Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal.
A figura de reversão, própria do processo executivo tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. arts. 55.º, n.º 1, do CPC, e 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT), situação completamente diversa daquela em que há demandado ab initio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal.
Na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo.

Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do art. 467.º do CPP.
Aqui o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual – art. 6.º do RGIT – sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo – art. 483.º do CC.
Mais do que uma presunção legal de culpa (art. 23.º, n.º 4, da LGT), invocável em sede de responsabilidade tributária, aqui o pedido de indemnização fundamenta-se na prática de um facto que à data constituía crime doloso, pois o crime em questão é apenas previsto na forma dolosa (não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores de crime só podem ser punidos se praticados com dolo – art. 13.º do CP), sendo o pedido substanciado numa causa de pedir de matriz diversa – não em responsabilidade tributária, mas responsabilidade criminal e responsabilidade civil decorrente da prática de um crime, uma responsabilidade extra contratual, delitual ou aquiliana.
Sendo certo que o ISS, pode instaurar processo de execução fiscal possuindo para tal título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão, reunidos que sejam os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.
A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo. Neste quadro legal, que é o aplicável, não há lugar a qualquer reversão.
Assim, o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo IGFSS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão, nem se mostrando violados os arts. 212.º da CRP, e 1.º, n.º 1, do ETAF.”.

Termina o acórdão fixando a seguinte jurisprudência:

 «Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no artº 107º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o artº 71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.»

Ora, a fundamentação que em parte se transcreveu toma, claramente, posição, sobre as objeções que se teceram, no recurso, à decisão recorrida. Designadamente em matéria de litispendência ou interesse em agir.

Por outro lado, não se vê como é que pode entrar em crise o princípio constitucional do ne bis in idem, consagrado no nº 5 do art. 29.º da CR, porque nunca esteve em causa uma dupla condenação penal pelos mesmos factos. Muito menos foi posto em causa o art. 103.º ou 166.º da CR, respeitantes, respetivamente à organização do sistema fiscal e aos princípios que regem o funcionamento de Administração.

Finalmente, o facto de se invocar que foi deduzida oposição à execução, no âmbito fiscal, nunca poderia, por tudo o que acima se transcreveu, abalar a factualidade que se deu por assente no presente processo-crime. A matéria de facto provada nestes autos está definitivamente fixada, e portanto não pode deixar de se retirar dos factos provados a responsabilidade civil  deles emergente. 

Impõe-se que se observe a jurisprudência fixada, sem perder de vista a fundamentação que lhe subjaz, porque se não dispõe de argumentação nova ou legislação subsequente que a invalide.

Improcede, pois, o recurso do arguido.

2. Quanto aos juros sobre a quantia a pagar a título de indemnização.


A decisão recorrida condenou os demandados no pagamento de € 105.896,82 a título de indemnização, ao que acresceram juros de mora considerados de natureza civil, calculados a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integraram a prática criminosa, por força do disposto nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do CC. E assim, os demandados foram eximidos de pagarem mais quaisquer importâncias a título de juros de mora, importâncias que corresponderiam à diferença entre o valor dos juros de mora tributários, calculados à luz do disposto no artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16 de Março, e o montante dos juros civis que foram fixados neste acórdão (nos termos dos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do CC).
Na fundamentação do acórdão, pode ver-se, a tal propósito, o seguinte:

"(…) A responsabilidade civil que decorre da causa petendi do enxerto cível decorre da prática de factos ilícitos tipificados na lei como crime.

Nestes termos, conforme sublinhado na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013, o que está em causa nestes autos é apenas uma indemnização decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos [4] – e não, por incumprimentos de deveres tributários stricto sensu -.

Como resulta do disposto no artigo 129º do Código Penal, o pagamento a que o demandado cível pode ser condenado em processo penal é sempre uma indemnização, que se funda na prática de um facto ilícito. [5]

Dito isto, compreender-se-á que a indemnização peticionada nos presentes autos não se destina a liquidar uma obrigação tributária para a Segurança Social (para a qual a lei estabelece mecanismos próprios), devendo, antes, ser fixada segundo os critérios da lei civil. [6]

Por conseguinte, sobre a indemnização a apurar incidem juros moratórios, nos termos gerais (artigo 806º, 1 e 2 do Código Civil) – e não, conforme peticionado, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.3. -, não havendo ainda lugar à aplicação dos encargos adicionais próprios dos incumprimentos tributários, por serem inaplicáveis às indemnizações fixadas de acordo com a lei civil -.

(…) Os juros moratórios são devidos, a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa (factos ilícitos) subjacente, por força do disposto nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil, sendo os juros de mora de natureza civil."

O ISS entende que o cálculo dos juros que devem incidir sobre o montante indemnizatório terá que fazer-se à luz do art. 16.º, do DL 411/91, de 17 de outubro, que é do seguinte teor:

"1 – Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção.

2 – A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma."

Por outro lado, essa taxa de juros de mora resultaria do disposto no art. 3º, nº 1, do DL 73/99, de 16 de março, que tem a seguinte redação:

"1 – A taxa de juros de mora é de 1%, se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros , aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente."

Entende o ISS, recorrente, que nos diplomas em referência não é feita qualquer distinção entre as dívidas que são resultantes e as que não resultam da prática de um crime, pelo que teriam que se aplicar as normas transcritas, por constituírem lei especial em face da lei geral.

Por outro lado, os demandados constituem-se em mora a seguir ao dia 15, do mês seguinte àquele a que as contribuições disserem respeito, pelo que é a partir dessa data que devem ser contados os juros, de acordo com o art. 5.º, nº3, do DL 103/80, de 9 de maio, e 10.º, nº 2, do DL 199/99, de 8 de junho.  
Recorde-se que os factos provados nos mostram que:

"(…) a sociedade arguida, por determinação dos arguidos BB e AA deduziram das remunerações pagas aos trabalhadores e sócio-gerente, as quantias que vão discriminadas no quadro de fls. 69 a 71 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos).
Tais contribuições, embora deduzidas às remunerações pela sociedade arguida, não foram por esta entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitavam, como também não o foram no período de 90 dias, contados do termo daquele prazo.
Foram ainda efectuadas notificações aos arguidos para entrega dos montantes devidos no prazo de 30 dias, não o tendo feito.
Assim, a sociedade arguida mantém em dívida as referidas cotizações dos meses de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006."

1. É sabido que, nos termos do art. 129.° do CP, "a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil". E de acordo com o art. 483.° do CC, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Acresce que o art. 3.º, al. c), do RGIT (Lei 15/2001, de 5 de junho), refere: "São aplicáveis subsidiariamente (…) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar".

A partir do momento em que a entidade patronal deduz, na remuneração do trabalhador, a contribuição para a segurança social, constitui-se na obrigação da entrega dessa contribuição. Mas a obrigação tributária tem um prazo para seu cumprimento, que nos é dado pelo art. 5.º, nº 3 do DL 103/80, de 9 de maio, conjugado com o art. 10.º, nº 2 do DL 199/99 de 8 de julho. O teor dos preceitos, na secção que interessa é, respetivamente:
"o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor", e "as contribuições previstas neste DL devem ser pagas até ao dia 15 do  mês seguinte a que disserem respeito".
Resulta dos factos provados que a demandada não cumpriu uma obrigação pecuniária, com prazo certo, devendo, portanto, considerar-se constituída em mora. O devedor incorre em mora, tratando-se de prestação positiva, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível (artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil).
A obrigação, com prazo certo, provém de facto ilícito.
Estabelecem-se no n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil, algumas excepções à regra do n.º 1 do mesmo artigo (sem interpelação, não há mora). A primeira [alínea a)] é a da obrigação ter prazo certo e a segunda [alínea b)] é a da obrigação provir de facto ilícito.
Por outro lado, não é caso de aplicação do n.º 3 do artigo 805.º que dá expressão à regra in illiquidis non fit mora, justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir enquanto não se apura o objecto da prestação[7].
O facto de se tratar de responsabilidade por facto ilícito não implica, ipso facto, que o devedor só se constitua em mora desde a citação, pois que a lei exclui desta regra geral o caso de, então, já haver mora, por se tratar de crédito líquido (cfr. segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º).
Vencida a obrigação de entrega do quantitativo da contribuição, no dia 15 do mês seguinte àquele a que diz respeito, se o seu valor não der entrada nos cofres da Segurança Social, verificar-se-á para esta o dano decorrente do incumprimento, ao mesmo tempo que, conjugados os restantes elementos do tipo de crime, é cometido o facto ilícito, penal, fonte da responsabilidade civil. Questão lateral a esta, que nela não interfere, é o preenchimento da condição objetiva de punibilidade do art. 105.º, nº 4, ex vi  do art. 107.º, nº 2 do RGIT (a punibilidade está dependente da passagem de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação).
A não entrega dolosa das prestações faz o agente incorrer no cometimento do crime, no mesmo momento em que se produz o dano da Segurança Social, sabido que o montante do dano se analisa, aqui, apenas, na quantia em dívida. O AFJ fixou mesmo jurisprudência, centrado apenas na "dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas".
A afirmação do acórdão recorrido, nos termos da qual, "Os juros moratórios são devidos, a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa (factos ilícitos)", só pode ser, pois, entendida, como determinando a contagem dos juros, a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita cada contribuição não paga.
É nessas datas que o demandado se constituiu em mora, como se disse, independentemente de interpelação, por força do art. 805.º, nº 2, al. b), do CC, tratando-se, com se trata, de créditos líquidos.
Resta abordar a questão da taxa de juro aplicável.

2. Os juros legais, fixados no artigo 559.º do Código Civil, são os devidos por remição de disposição legal, e que igualmente são devidos quando estipulados também sem determinação de taxa ou quantitativo. É, assim, digamos, uma taxa supletiva[8].
O ISS formulou um pedido de indemnização, de montante que coincide com o das prestações para a segurança social não pagas, a que acrescerão juros de mora. O dano, já se viu, é aqui o que deixou de entrar nos cofres da Segurança Social, agravado pelo tempo decorrido, ao que se procura atender através da condenação em juros, que assim funcionam como uma presunção de dano acrescido, juris et de jure.
Ora, se o dano se analisa apenas no somatório das prestações não pagas, sobre o montante da indemnização devem incidir os juros próprios da dívida tributária. Porque existe um regime especial para esse tipo de dívidas, onde intervém uma ponderação específica, do prejuízo da mora, aqui para a Segurança Social.
O ISS recorreu do acórdão da Relação quanto à contabilização dos juros, não só porque existe um regime especial relativo aos juros das dívidas tributárias, como porque, da aplicação de tal regime especial, deriva um montante superior resultado da incidência desses juros. Segundo a Portaria 263/99, de 12 de abril, a taxa anual dos juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo, é de 7%. Esta Portaria foi revogada pela Portaria 291/2003, de 8 de abril, com efeitos a partir de 1/5/2003, que substituiu aquela taxa pela taxa anual de 4%.
Daí que tenha aplicação o disposto no nº 2 do art. 806.º do CC, quando afasta os juros legais, civis, se antes da mora for devido um juro mais elevado. As prestações não pagas respeitam ao período de dezembro de 2001 a setembro de 2006. O DL 411/91, que remete para a taxa própria dos impostos devidos ao Estado, é de 17 de outubro desse ano, portanto, muito anterior à mora do demandado.
Aliás, se depois do AFJ acima analisado, passou a ser pacífica a possibilidade de correrem dois procedimentos diferentes, tendentes a fazer entrar nos cofres da Segurança Social os montantes não pagos, nenhum sentido faria que se contabilizassem montantes diferentes em cada um dessas instâncias.
Isto porque o pedido cível formulado no processo crime, derivado de responsabilidade civil, se circunscreve às contribuições devidas e não pagas. Assim, obtido o pagamento das contribuições, acrescidas de juros, em qualquer uma das instâncias (tributária ou comum) sempre poderá invocar-se na outra esse pagamento, com vista à extinção da instância.


D – DECISÃO

Pelo exposto se delibera em conferência da 5ª Secção do STJ:

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, ficando o mesmo condenado ao pagamento de € 105 896,82 (cento e cinco mil, oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização devida ao Instituto de Segurança Social, acrescidos de juros de mora.
b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, determinando-se que sobre o montante da condenação a título de indemnização incidam juros de mora calculados nos termos dos art.s 16:º do DL 411/91 de 17 de outubro, e 3º nº 1 do DL73/99 de 16 de março.
Mantendo-se, no mais, o decidido no acórdão recorrido.



Custas cíveis pelo demandado AA, na proporção do decaimento.
 




Lisboa, 6 de fevereiro de 2014




(José Souto de Moura)



(Isabel Pais Martins)



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[1] Segundo o dispositivo, "Correspondente ao valor da diferença entre o valor dos juros de mora tributários calculados à luz do disposto no artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.3. e o montante dos juros civis que foram fixados neste acórdão, segundo o estatuído nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil".

([2]) O acórdão do Tribunal Constitucional n.° 160/07 (Plenário), de 6 de Março de 2007, no processo n.° 390/06, não considerou inconstitucional o conjunto normativo que considere que por despacho do Chefe do Serviço de Finanças se efective a reversão no processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, entendendo-se não constituir a reversão um acto com natureza jurisdicional, consentida pelo artigo 103.°, n.° 1, da LGT.

([3]) Neste sentido, vide Jorge Augusto Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, pág. 82.

[4] Como é sabido, existem várias «fontes» de obrigações. O Código Civil trata de algumas delas no Cap. II do Livro II (contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios enriquecimento sem causa e responsabilidade civil). Também existem outras fontes de obrigações, bem distintas, como é o caso das relações tributárias.
[5] Citando o teor da fundamentação do Assento 7/99 do STJ (in Diário da República, Iª Série-A, de 3 de Agosto de 1999), o art. 129º do Código Penal “remete para o art. 483º do Cod. Civil tratando da regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime”. “A indemnização civil por perdas e danos que interessa ao direito penal só pode consistir na indemnização de perdas e danos emergentes do crime, excluindo-se portanto e claramente, a indemnização que resulte da responsabilidade contratual”.
Daqui resultam excluídas outras fontes das obrigações, como é o caso, por exemplo, das relações tributárias.
[6] Os factos geradores da obrigação da indemnizar e da obrigação tributária podem ser parcialmente coincidentes, mas não podem ser confundidos os seus fins e regimes.

[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Limitada, 1981, p. 57.
[8] F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, p. 110.